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- | =====4.5.5.1. Peculiaridades da investigação===== | + | =====4.5.1. Medidas de Proteção: Considerações Pertinentes===== |
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- | É comum o Promotor de Justiça da Infância e Juventude solicitar ao Conselho Tutelar uma apuração preliminar quando recebe denúncia de violência contra crianças e adolescentes, sobretudo nos casos encaminhados pelos serviços //Disque 100// e //Disque Direitos Humanos//. | + | A Carta de 1988 conferiu ao Ministério Publico “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput). |
- | O Estatuto da Criança e do Adolescente limita a atuação do Conselho Tutelar à apuração da situação de risco e à aplicação de medida de proteção. A averiguação restringe-se a investigar a existência de situação de risco, e não de ilícito criminal, pois são esferas de extensão e profundidade diversas, pelo menos no nosso entendimento. Assim, não é plausível demandar dos Conselheiros uma averiguação mais apurada em termos criminais, pois não são preparados para este mister. | + | Nessa linha, o Promotor de Justiça não se ocupa apenas dos direitos coletivos e difusos mas também dos direitos que, apesar de restritos a um indivíduo singularmente considerado, não podem ser renunciados por seu titular: os indisponíveis. |
- | Além disso, o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes é extremamente complexo. Segundo dados apurados pela CPI da Pedofilia, 70% das violações ocorrem no ambiente familiar. Quem deveria proteger, abusa e ofende. Em estudos implementados pela área de psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG, verificou-se que o agressor, sobretudo aquele autor de ofensas sexuais, em 98% dos casos são homens que conhecem a criança e têm acesso facilitado a ela, por questões familiares ou domésticas. | + | É preciso salientar que os direitos da criança e do adolescente são sempre indisponíveis – indisponibilidade que incorpora tanto as garantias fundamentais, como o direito à vida, à saúde e à educação; além dos direitos patrimoniais, vez que nem mesmo os pais, sem permissão da autoridade judiciária, podem negociar os bens dos filhos menores de 18 (dezoito) anos. |
- | A investigação de todos esses dados é difícil, pois a violação se infiltra justamente onde deveria haver acolhimento, num contexto de opressão e ameaça. Em 60% das vezes, a mãe sabe, mas se mantém inerte, ou porque teme a violência contra si, ou porque prefere ficar com o companheiro a delatá-lo, ou, ainda, porque tem medo de perder o provedor. Todo o peso deste pacto familiar sinistro é suportado pela criança, que, bem ou mal, guarda para com seus agressores um vínculo de afetividade que a força ao silêncio. O relato da criança é contaminado, e não existe ninguém da família disposto a romper com este mecanismo perverso. Tudo isso já está plenamente catalogado na literatura médica, demonstrando que a apuração de casos tais é realmente árdua, carecendo até da intervenção de um técnico para que a averiguação não se constitua outra vez em uma revitimização do ofendido. | + | Nas palavras de Garrido de Paula (2005): |
- | Muitas vezes, a entidade familiar prefere conviver com as violações do que cogitar sua fragmentação em virtude do desvendamento da verdade. Desse modo, não basta que o Conselheiro Tutelar pergunte à pretensa vítima se ela foi agredida, e que estenda tal indagação aos outros membros da família. | + | >> Todo direito da criança e do adolescente é naturalmente indisponível. Isto porque, na verdade, é sócio-individual, pertencendo igualmente à pessoa e à própria sociedade, que assumiu, notada- mente a partir da Constituição de 1988, o dever de promover a proteção integral da infância e juventude. Representa um misto de interesse individual e social porquanto seu objeto compõe-se de um bem individual e de outro bem de toda sociedade, interessada na validação dos direitos da criança e do adolescente para arrimar a construção da cidadania. Assim, o caráter marcadamente público do direito da criança e do adolescente impõe sua defesa também pelo Ministério Público, encarregado pela Constituição Federal do zelo aos interesses sociais e individuais indisponíveis. Age na defesa do interesse social que se agrega ao interesse individual da criança ou adolescente porque o legislador assim o quis, preocupado com a necessidade de validação dessa categoria de direitos, cujo acesso à justiça é dificultado pela própria condição peculiar de infante ou jovem. |
- | É por causa dessa complexidade que entendemos que talvez a atuação do Promotor de Justiça da Infância e do Conselho Tutelar não bastem. Outros atores poderiam ser acionados para atuar, seja a polícia, seja o CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social, mecanismo do SUAS). | + | É evidente que as garantias fundamentais da criança e do adolescente – direito à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito, ao acesso à cultura, a educação, ao lazer, e a convivência familiar e comunitária, entre tantos outros – estarão sempre sujeitas à tutela do Ministério Público, uma vez que constituem direitos socialmente relevantes. |
- | A detecção da violência familiar pressupõe uma abordagem técnica, permeada pelos saberes da assistência social e da psicologia, já que a criança ou o adolescente reputados como possíveis vítimas devem ser ouvidos com toda cautela para que seu sofrimento não seja agravado. Diante de todos estes aspectos, sugere-se que a averiguação se divida em duas frentes: | + | No entanto, não podem ser olvidados os demais direitos da criança e do adolescente, na medida em que o art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente não limitou a tutela do //Parquet// a um campo específico, atribuindo-lhe a defesa de todos os direitos da criança e do adolescente. |
+ | A legitimidade conferida ao Ministério Público, nos procedimentos estatutários, difere da situação de “substituto processual”, comum nos procedimentos de rito processual civil, pois, conforme descreve Garrido de Paula (2005): | ||
- | 1ª - Solicitação ao Conselho Tutelar para que entreviste, com muita discrição e cautela – sem levantar suspeitas e tampouco mencionar os termos da denúncia –, a criança e o seu responsável, atentando-se para o estado de humor infantil e observando se ela ostenta marcas de violência. A abordagem deve ser feita com o maior cuidado porque, se o ofensor detectar que está sob vigilância, poderá atuar no sentido de destruir provas e proceder de forma ainda mais violenta para com a vítima e eventuais testemunhas, a fim de que o segredo não venha à tona. Sendo assim, é recomendável que o Conselho Tutelar justifique que aquele procedimento é de rotina e que aquele agrupamento familiar foi escolhido para uma pesquisa por amostragem sobre as condições das famílias residentes naquela comunidade. É interessante que o Conselho Tutelar busque mais informações na escola, indagando detalhes do comportamento da criança aos educadores: se ela mudou de humor, se está depressiva ou agressiva, se apresenta dificuldades de aprendizado, se dorme durante a aula, se demonstra comportamento erotizado (se fala sobre sexo ou órgãos genitais, demonstra interesse em ver ou tocar o corpo de outras crianças etc). Também é recomendável buscar informações junto ao sistema de saúde. Sempre, insistimos, com a maior discrição. Tudo isso é para verificar se a criança apontada como vítima de violência se encontra na situação de risco descrita no art. 98 do Estatuto e se carece de medida de proteção, a ser aplicada pelo próprio Conselho Tutelar. | + | >> Pugnando pela defesa do interesse social reconhecido pelo legislador o Ministério Público cumpre com a atribuição que lhe foi reservada pelo ordenamento jurídico, não estando substituindo a criança ou adolescente no processo. Encontra-se, de forma autônoma, legitimado para a condução do processo porque, na forma convencional, dificilmente as lides envolvendo interesses infanto-juvenis chegariam à composição pelo Judiciário. |
- | Novamente, destaca-se que o Conselho Tutelar não tem qualificação e nem objetivo de investigar crime. Porém, se fizer uma abordagem apropriada, conseguirá reunir um conjunto enorme de informações que poderão municiar o Promotor de Justiça na decisão quanto às providências: requisição de inquérito; ajuizamento de destituição do poder familiar; e encaminhamento ao serviço especializado de assistência social do Município. | + | Diante dessa ampla gama de direitos a tutelar, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial no seu art. 201, criou instrumentos para a ação do Promotor de Justiça, conferindo-lhe ações e procedimentos diversificados. |
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+ | Por fim, reiteramos que a defesa do direito individual da criança e do adolescente é sempre indisponível e, por força do texto constitucional, não pode o membro do Ministério Público recusar-lhe tutela. Sobre tal incumbência ministerial, a Jurisprudência não diverge: | ||
- | A investigação de notícias como essas geralmente dá melhor resultado se for conduzida indiretamente do que diretamente. A requisição direta de um inquérito advertirá a família quanto a suspeitas e poderá fazer com que o pacto de silêncio se intensifique. Se o Conselho detectar indícios na primeira averiguação, poderá requisitar inquérito e encaminhar a criança ao serviço social municipal, que é obrigado a fornecer atendimento. Se houver CREAS, tanto melhor. | + | >> CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRETENSÃO INDIVIDUALIZADA - MINISTÉRIO PÚBLICO - DIREITO INDISPONÍVEL - LEGITIMIDADE ATIVA PARA SUA PROPOSITURA - TRATAMENTO MÉDICO E REALIZAÇÃO DE EXAMES A MENOR - DIREI- TO À VIDA - RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO EM SEU FORNECIMENTO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - MANUTENÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 6o, 127, 196, 197, 198 E 227, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. O Ministério Público é parte legítima para a propositura de Ação Civil Pública, visando compelir o Ente Estatal ao fornecimento de medicamento a um único menor, por se constituir em direito indisponível. O Município é gestor do Sistema Único de Saúde, portanto, não pode furtar-se de suas obrigações, escorado em querelas administrativas que não elidem sua obrigação constitucional de garantir o direito à vida e à saúde. O direito à saúde é fundamental, conseqüente da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil e do direito à vida, se regendo pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços de atribuição do Poder Público, através do Sistema Único de Saúde - SUS, notadamente, no caso em análise, em que constitucionalmente se assegura a prioridade absoluta do dever do Estado de garantir à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde e à alimentação. Súmula: CONFIRMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO. TJMG. Relator: DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA. Data do Julgamento: 11.02.2008. Data da Publicação: 04.03.2008. |
- | Como unidade de atendimento do SUAS (Serviço Único de Assistência Social), o CREAS é destinado a ofertar serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situações de violação de direitos. Por ser unidade de referência, deve promover a integração de esforços, recursos e meios para enfrentar a dispersão dos serviços e potencializar ações aos usuários. Por meio uma equipe multiprofissional, oferece acompanhamento técnico especializado, de modo a potencializar a capacidade de proteção da família e favorecer a reparação da violência sofrida pela vítima. | + | Antes de se verificar cada um dos procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, imprescindível enumerar algumas ressalvas constantes no próprio texto mencionado. |
- | As equipes prestam atendimento diretamente na sede do CREAS ou se deslocam aos domicílios e territórios. Os trabalhos devem funcionar em estreita articulação com os demais serviços socioassistenciais, com outras políticas públicas, com Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares e outras Organizações de Defesa de Direitos, no intuito de estruturar uma rede efetiva de proteção social. | + | O extenso art. 201 da Lei n.o 8.069/1990 descreve as funções do Ministério Público na área da Infância e Juventude, indicando-lhe tanto atribuições judiciais quanto extrajudiciais e incumbindo-lhe da defesa dos direitos individuais e dos coletivos e difusos. |
- | A exemplo do Conselho Tutelar, o CREAS também não se destina a verificar a existência de crime. No entanto, a atuação desses entes é importante porque ambos ouvirão a criança de forma mais técnica e adequada, atentando para detalhes que dificilmente a Polícia levaria em consideração e, também, por coletarem informações preciosas que poderão dar suporte para que o Promotor de Justiça faça escolhas mais criteriosas quanto as medidas a serem tomadas, dentre elas a requisição de inquérito policial. | + | Apesar da riqueza de seus incisos e parágrafos, o art. 201 traz um rol meramente exemplificativo, não exaurindo todas as funções institucionais que podem ser desempenhadas pelo //Parquet// na defesa dos interesses da infância e juventude brasileira. Seu § 2o estabelece que as atribuições indicadas em seus incisos “não excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público”. |
+ | Da mesma forma, a atuação do Promotor de Justiça não está limitada às medidas e aos procedimentos indicados na lei estatutária, haja vista que o inc. VIII do art. 201 permite-lhe a adoção de qualquer medida, seja ela judicial ou extrajudicial, sempre que se fizer necessário o respeito “[...] aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e aos adolescentes”. | ||
+ | Por fim, quanto às ações cíveis, ressalta-se que a legitimação do Ministério Público não afasta a de terceiros, nas mesmas hipóteses, quando decorrentes da legislação civil ou processual civil (art. 201, § 1o). | ||
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