=====1.1. As raízes e o perfil de uma instituição===== \\ A independência do Ministério Público do Brasil, com relação ao Ministério Público de Portugal, pode ser assinalada pela [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM261.htm|Lei nº 261]], de 3 de setembro de 1841, regulamentada pelo Decreto nº 120, de 21 de janeiro de 1843. Foram criadas as Promotorias de Justiça (expressão que encontramos na história da Instituição em Portugal apenas em brevíssimo lapso temporal) ((Lembra Roberto Lira que "o título de promotor Público foi dado, com tratamento de Excelência, por um Alvará de 1700 e tantos".)). Seus membros eram então nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes das Províncias por delegação daquele, e serviam enquanto era conveniente ao serviço público. A carta imperial de 1824 não cuidou do Ministério Público, embora tenha sido em seu regime que o Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional recebeu o encargo de acusar, no juízo dos crimes, os delitos que não fossem de competência da Câmara dos Deputados, sem ter, todavia, a categoria de Chefe da Instituição. Daí o porquê da observação de Pimenta Bueno: “Nosso Ministério Público é incompleto, sem centro, sem ligação, sem unidade e harmonia”. O Código de Processo Criminal de 1832, reformado em 1841, segundo Sérgio de Andréa Ferreira, “[...] colocou o //Parquet// em posição subalterna: os eleitores podiam ser jurados; os jurados podiam ser promotores; um analfabeto, que podia ser eleitor e jurado, estava apto, portanto, ser promotor”((FERREIRA, Sérgio de Andréa. **Princípios institucionais do Ministério Público**. 3. ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1985. p. 11.)). A observação é correta, parece-nos, apenas, que alguns detalhes mínimos devam ser aduzidos. A citada lei, reformando o Código de Processo Criminal, fixou as atribuições dos Promotores de Justiça e, em seu art. 27, impediu que analfabetos pudessem ser eleitores. O art. 22 daquela lei, no entanto, estabeleceu uma situação no Ministério Público que seria causa de lutas em prol de seu aperfeiçoamento: >>"Os Promotores Públicos serão nomeados e demitidos pelo Imperador, ou pelos Presidentes das Províncias, preferindo sempre os Bacharéis formados, que forem idôneos, e servirão pelo tempo que convier. Na falta ou impedimento serão nomeados interinamente pelos juízes de Direito". O Imperador nomeava e demitia, //ad nutum//, os Promotores de Justiça, preferindo, para tanto, bacharéis formados, os quais serviriam pelo tempo que conviesse à autoridade real. A inexistência de uma carreira foi a tônica do Ministério Público em todo o período imperial e vigorou durante toda a Primeira República. A inexistência de uma carreira e de concurso de ingresso no Ministério Público e a possibilidade de demissão //ad nutum// dos Promotores de Justiça acabaram criando, com o passar dos anos, diferentes espécies de Promotores: os nomeados para as sedes das comarcas, os adjuntos e mesmo os nomeados //ad hoc// por Juízes de Direito. >>"O que se nota em relação ao Ministério Público no Brasil, até fins do século passado, é que era um organismo desordenado, incipiente, onde seus membros não gozavam de garantias nem havia definição de funções ou atribuições de seus membros! A sua existência, ao tempo do Império, era de tal modo opaco, que alguns autores a consideravam como ‘obra marcadamente republicana’"((VASCONCELOS, Fernando Antônio. Posição do Ministério Público na Constituição. In: CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 6., São Paulo. **Anais...** São Paulo: p. 65.)). >>"Chama a atenção o fato de que nenhum dos estadistas do império, nem o Conselheiro Nabuco de Araújo, nem Cotegipe, nem o Visconde de Ouro Preto, e nem mesmo Pimenta Bueno, se lembrou de conferir ao Ministério Público as mais elementares garantias de estabilidade: ao contrário, negavam-lhes"((SALGADO, César //apud// INACARATO, Marco Antônio. **Revista de Informação Legislativa**, Brasília, DF, v. 10, n. 39, p. 40, jul./set. 1973.)). De início, os Promotores de Justiça eram nomeados por tempo indeterminado e demissíveis //ad nutum//, porquanto estariam no exercício do cargo enquanto bem servissem. O [[http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/decreto/1851-1899/D848impressao.htm|Decreto nº 848]], de 11 de outubro de 1890, de lavra de M. Ferraz de Campos Sales, então Ministro da Justiça, iniciou a mitigação de tal posicionamento, dando aos Promotores de Justiça a garantia de inamovibilidade durante os quatro anos em que servissem. A despeito disso, o Decreto nº 1.137, de 20 de dezembro de 1912, do Estado do Rio de Janeiro, dizia que “[...] os cargos do Ministério Público são de mera comissão do Governo”. O Supremo Tribunal Federal, em 17 de outubro de 1919, por meio de um voto histórico do Ministro André Cavalcanti, teve oportunidade de apreciar caso que se referia à demissão do Promotor de Justiça. Entendeu que, exercendo o cargo há mais de vinte anos, “[...] não podia ser demitido sem processo administrativo ou sentença judicial [...]” tendo em vista que inexistia nos autos “[...] indicação de ato ou omissão do mesmo no exercício de seu cargo, e que pudesse resultar de prevaricação, falta de exceção, peita ou suborno”((Ap. n° 3.535, Ver. For. 34/74)). O Ministro Pedro Lessa, em seu voto, observou que:\\ >>[...] não podendo admitir a demissibilidade //ad nutum//, como alguns dos votos vencidos, nem lhe parecendo que a cláusula – enquanto bem servirem – possa jamais ter significação que lhe quer dar os que invocam o art. 22 do regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, por estar escrito no citado artigo que os chefes de polícia serão conservados enquanto bem servirem e o Governo julgar conveniente, o que é muito diverso do que está incluído nas leis e regulamentos atuais sobre a conservação dos promotores públicos, leis e regulamentos que só contêm a cláusula – enquanto bem servirem, sou obrigado a votar com o relator e 1° revisor. Acompanharam o voto do relator os Ministros André Cavalcanti, Sebastião de Lacerda e Muniz Barreto. O Ministro Godofredo Cunha foi vencido, “[...] por entender que os membros do Ministério Público, são demissíveis” //ad nutum//, “[...] nos termos da Lei nº 280, de 29 de julho de 1895”. A primeira Constituição Republicana (1891) não cuidou de forma sistemática do Ministério Público e somente fez menção ao Procurador-Geral da República, que seria designado pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal. Na Constituição de 1934, o Ministério Público, considerado como um dos órgãos de //cooperação nas atividades governamentais//, foi regulado em capítulo especial, com previsão de uma carreira para seus integrantes, sendo a nomeação decorrente de concurso público. No que diz respeito ao Ministério Público dos Estados, aquela Constituição deixou a eles a faculdade de legislar diretamente sobre o assunto, o que, segundo Mário Dias, foi a causa das diferenciações da instituição de Estado para Estado. ((O Ministério Público brasileiro.))\\ Na Constituição de 1937, não houve nem mesmo referência ao Ministério Público, dizendo apenas que o cargo de Procurador-Geral da República seria de livre nomeação e demissão pelo Presidente da República, devendo recair a escolha em “[...] pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”. Tal era o entendimento de que os Promotores deveriam ser expressão da confiança direta do governo, que: >>[...] houve o caso de um Promotor demitido sumariamente por ter apelado da decisão de um júri cujo resultado fora desfavorável ao réu, partidário do governo. Outros partidários conseguiram a interferência do chefe do Executivo estadual e um telegrama ordenou ao Promotor que não recorresse. Desatendido esse telegrama, outro foi expedido demitindo o infrator cuja falta fora ter a coragem para obedecer às próprias convicções. ((PEREIRA, Vitalino C. Apontamentos e sugestões sobre a posição constitucional do Ministério Público. In: **Anais do III Congresso nacional do Ministério Público**. RS. p. 402-403.)) Na Constituição de 1946, o Ministério Público voltou a ter posição de destaque e, pela primeira vez, passou a ser tratado em Título Especial. Com ela, um novo impulso à sistematização da Instituição foi dado, já que, como diz Ruy Junqueira F. Camargo ((Perspectiva do Ministério Público na conjuntura nacional brasileira. In: **Anais do III Congresso do Ministério Público Fluminense**. p.6.)), a aplicação de certos princípios que gozava de ampla liberdade no âmbito estadual passou a ser obrigatória para todos os Estados: >>A modificação trazida em 1946 introduziu a instituição da carreira, a obrigatoriedade de concurso de ingresso e o acesso escalonado de entrância a entrância. A estabilidade foi regulamentada só podendo a demissão ocorrer mediante sentença judiciária ou processo administrativo em que se facultasse ampla defesa do Promotor de Justiça. Os membros do Ministério Público Nacional passaram, por força da própria regulamentação constitucional à condição de inamovíveis, porque a remoção só seria admitida mediante representação motivada do chefe do parquet, com fundamento em conveniência de serviço. Vale dizer, as reclamações imotivadas, determinadas por desvio de poder, ou para atender interesse políticos subalternos, ou outros que não o da realização dos fina da Instituição, passaram a ter embargo no mandado de segurança. A Constituição de 1967, reproduzindo quase que fielmente as disposições da Constituição de 1946, incluiu o Ministério Público no Capítulo do Judiciário, equiparou o cargo de Procurador-Geral do Estado-Membro ao cargo de Desembargador e estabeleceu regras sobre a aposentadoria e percepção de vencimentos. A Emenda Constitucional nº 1, de 1960, deslocou o Ministério Público para o Capítulo do Executivo, sem grandes modificações no seu texto. A Emenda Constitucional nº 7, 1977, trouxe condições para a maior modificação do Ministério Publico que já se fez no Brasil, ao estabelecer no parágrafo único de seu artigo 96 que “Lei Complementar, de iniciativa do Presidente da República, estabelecerá normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público Estadual [...]”. A Constituição de 1988 inseriu o Ministério Público no Capítulo das Funções essenciais à Justiça, estabeleceu-lhe os seus princípios e garantias essenciais, impôs-lhe vedações e gizou suas funções institucionais. Na evolução do Ministério Público no Brasil, não se pode esquecer que Campos Sales foi considerado o //precursor da independência do Ministério Público no Brasil//. Só muitos anos depois, outro Ministro da Justiça – Ibrahin Abi-Ackel – encaminhou projeto de lei ao Congresso Nacional, estruturando de uma forma homogênea os Ministérios Públicos dos Estados, sem perda das peculiaridades regionais. O projeto foi convertido na Lei Complementar nº 40/81, considerada a //Carta de Alforria do Ministério Público//. \\