=====1.3. O novo caminho em Minas Gerais===== \\ No início do segundo quartel do século XX, grande número dos integrantes do Ministério Público de Minas Gerais era, ainda, remanescente do velho Ministério Público de Minas Gerais. Os Promotores de Justiça eram nomeados de acordo com interesses políticos locais, em que o filho do chefe político, quando se formava em Direito, já tinha a sua nomeação garantida para tal cargo. Foi assim que Ozanan Coelho se tornou Promotor de Justiça ((Foi Promotor de Justiça na Comarca de Bom Sucesso.)) e chegou a Governador do Estado de Minas Gerais. Foi assim que Raul Soares tornou-se Promotor ((Foi Promotor de Justiça na Comarca de Carangola.)) e também foi nosso Governador. Igualmente desse modo Tancredo de Almeida Neves atuou como Promotor em sua terra natal ((Foi Promotor de Justiça na Comarca de São João Del Rei.)) e chegou à Governança do Estado e à Presidência da República. Da mesma forma tornaram-se Promotores de Justiça em Minas Gerais os ex-Governadores (então Presidentes do Estado): Chrispim Jacques Bias Fortes, na Comarca de Barbacena, em 1871; Antônio Augusto de Lima, na Comarca de Sabará, em 1883; Venceslau Brás Pereira Gomes, que chegou à Presidência da República, na Comarca de Monte Santo de Minas, em 1891; Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, na Comarca de Ubá, em 1892; Fernando de Mello Vianna, na Comarca de Mar de Espanha, em 1901. É verdade que jovens promissores, jurídica e culturalmente, como Nelson Hungria (Rio Pomba), Antônio Martins Vilas Boas (Patos de Minas), Afonso Arinos de Melo Franco (Belo Horizonte) e Alphonsus Guimarães (Conceição do Serro), tornaram-se Promotores de Justiça, mas, na verdade, o cargo de Promotor de Justiça era o primeiro degrau político em Minas Gerais, o que ainda hoje persiste nos Estados Unidos da América, onde o cargo de Promotor de Justiça é objeto de uma eleição popular. No contexto daquele país, um dos aspectos que mais chamam a atenção, quando se visitam seus Estados, onde serão realizadas eleições para cargos públicos da área jurídica, são exatamente as propagandas feitas em //outdoors// para eleição de Promotores de Justiça. Já observamos que os princípios e disposições relativos ao Ministério Público estavam, em Minas Gerais, inseridos em um capítulo da Lei de Organização Judiciária do Estado. Podemos afirmar que o desenvolvimento do Ministério Público em Minas Gerais foi iniciado no final do segundo quartel do século XX. De fato, somente em 1946, ou seja, há menos de 50 anos, a estrutura do Ministério Público de Minas Gerais começou a mudar. Nesse ano, graças a um dos maiores Procuradores-Gerais que nós tivemos, Onofre Mendes Júnior, conseguimos separar o Ministério Público da Magistratura. Na verdade, com ele ocorreu uma separação, porque, até então, as disposições relativas ao MP não passavam de um Capítulo da Lei de Organização Judiciária do Estado. Um Ministério Público com uma lei própria, simbolizando e refletindo uma Instituição independente, só surgiu com ele, que nos retirou daquele capítulo e, com seu prestígio pessoal, conseguiu dar ao Ministério Público uma lei própria, a famosa Lei n° 616, na qual se estabeleceu o ingresso na Instituição através de concurso público e se criou uma carreira para seus servidores. Foi, pois, somente por meio da citada [[http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=CON&num=1891&comp=&ano=1891&aba=js_textoOriginal#texto|Lei n° 616]] que o Ministério Público de Minas Gerais passou a ter um diploma legal próprio, dando azo ao início da mudança de todo o seu arcabouço institucional e ao início de uma nova filosofia de atuação. Em 1955, surgiu a [[http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=1283&comp=&ano=1955|Lei Estadual n° 1.283]], que veio substituir a Lei n° 616/50, e, em 1973, adveio a nova [[http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=LEI&num=6276&comp=&ano=1973|Lei Orgânica do Ministério Público do Estado]], recebendo o número 6.276, fruto de estudos e experiências de muitos dos integrantes da Instituição. A Exposição de Motivos ao Governador Rondon Pacheco, encaminhando aquele trabalho que resultaria na Lei n° 6.276, realçou: >>"Está o Ministério Público Estadual ainda regendo-se pelo acanhado modelo da Lei n° 616, de 11 de setembro de 1950, alterada pela Lei n° 1.283, de 1° de setembro de 1955. Velha de mais de vinte anos, essa lei não comporta a instituição e esta contribuindo para enfraquecê-la no eficiente exercício de seus graves deveres, impedindo o seu crescimento natural". >> >>"Sua modificação visa repará-la para o exercício das novas atividades impostas pela estrutura geopolítica, marcada pela crescente utilização das técnicas científicas. >> >>Os órgãos do Ministério Público constituem uma classe especial de servidores do Poder Executivo com funções distintas das demais classes de funcionários deste ou de outro Poder, mas que a equiparam – sem confundir – aos membros do Poder Judiciário, em cuja área atua preponderantemente como fiscal da execução da lei e protetor dos direitos humanos, para fins da Justiça Social". >> >>"Basta ver-se – para comprovar a assertiva – a sua atuação nos processos de //habeas corpus// e mandado de segurança, nos quais o órgão do Ministério Público age com irrestrita liberdade de convencimento moral, mesmo contra a posição dos agentes ordinários de qualquer dos três Poderes, acusados de abuso de função". >> >>"Instituição de tão relevante importância ao perfeito funcionamento do regime, precisa ser convenientemente aparelhada, funcional e material- mente, para cumprir as tarefas que lhe cometem a Constituição e as leis [...]". A criação da Corregedoria-Geral do Ministério Público foi uma das criações inovadoras daquela lei, sendo o Corregedor e os seus substitutos eleitos para um período de dois anos. De igual forma, o preenchimento das vagas nos Tribunais, 33 vagas pelo quinto constitucional, relativas ao Ministério Público, passou, pela primeira vez, a ser disciplinado: “O membro do Ministério Público, se de carreira, de notório merecimento e idoneidade moral, com dez anos, pelo menos de exercício, poderá ser indicado para compor o quinto do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Alçada.” Com a escolha do Procurador-Geral dentre os membros da carreira, prática iniciada somente no final da década de 1950, é que passaram os integrantes do Ministério Público a efetivamente ocupar as vagas destinadas à instituição no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Deve-se registrar, para efeito histórico, que foi naquela lei que, pela primeira vez, reconheceu-se a existência de um órgão de classe do Ministério Público em nível estadual – a Associação Mineira do Ministério Público, //dela fazendo parte os membros do Ministério Público em atividade, disponibilidade e aposentados//. Foi, todavia, somente com o advento da Lei Estadual nº 8.222, editada em cumprimento a disposição da Lei Complementar Federal nº 40/81 que foi alterada a nomenclatura de Procurador do Estado para Procurador de Justiça, “[...] a fim de equipará-la à de Promotor de Justiça, já tradicional na legislação histórica”. O papel da Lei Complementar Federal nº 40/81 foi fundamental na evolução do Ministério Público dos Estados. Com a inexistência no País de um tratamento especial para o Ministério Público, seja em nível constitucional, seja em nível de legislação federal, a traçar contornos assemelhados para a Instituição nas suas unidades federativas, o Ministério Público dos Estados não tinha uma unidade organizacional e, assim, cada um deles o organizava conforme suas conveniências sociais, políticas e econômicas. Essa situação mudou quando, em 14 de dezembro de 1981, foi promulgada a Lei Complementar Federal nº 40, estabelecendo, pela primeira vez, //normas gerais a serem adotadas na Organização do Ministério Público Estadual//. As disposições daquela lei criaram uma nova dinâmica para o Ministério Público do Brasil, dando-lhe instrumentos para rápida evolução, não somente em decorrência dos seus princípios, mas também pelas denominações e estruturas de órgãos e quadros que traçou para os Estados da Federação. As primeiras grandes mudanças estruturais da instituição, em nível nacional, viriam, dessa forma, somente por meio de tal lei. De fato, com ela surgiram as linhas mestras para o Ministério Público de todo o País, pois passou a ser exigência o Procurador-Geral ser membro da carreira; desapareceu o adjunto de promotor; criaram-se o Conselho Superior e o Colégio de Procuradores de Justiça. Nos Estados com mais de quarenta Procuradores de Justiça, as atribuições do Colégio de Procuradores passaram a ser exercidas por um órgão especial (que em Minas Gerais chamou-se Câmara de Procuradores). Criaram-se o cargo de Corregedor do Ministério Público e a obrigatoriedade da nomeação dos candidatos aprovados nos concursos de ingresso por meio da sua classificação. Mantendo seus princípios de unidade e indivisibilidade, estabeleceu, como novidade para o Ministério Público, a sua autonomia funcional. Essa independência funcional tratada pelo legislador como um dos princípios institucionais do Ministério Público pressupõe sua insubmissão a qualquer outra instituição. Ademais, se a independência funcional tornou o órgão independente de diretrizes externas à Instituição, a autonomia administrativa, como decorrência daquela, deu-lhe também o poder de autogestão administrativa. Aquela lei complementar abriu o caminho para toda uma nova estrutura do Parquet, que acabaria por influenciar o próprio Ministério Público federal. De fato, poucos anos depois, ele iria provocar o aparecimento de uma nova lei que produziria condições de criação de uma bifurcação naquele Ministério Público quando, com a criação da Advocacia Geral da União, remeteria ao Parquet federal exercer com exclusividade em nível federal as funções de defensor dos interesses da sociedade. Por outro lado, ao torná-lo permanente, ficou estabelecido o princípio da impossibilidade de seu desaparecimento. A função jurisdicional do Estado não poderá existir nem funcionar sem a sua existência. E, ao considerá-lo essencial à ordem jurídica, ficou estabelecido que não se poderá prescindir de sua atuação, sob pena de nulidade, nos feitos em que a lei deu-lhe competência para atuar. Como observou Hugo Mazzili, “[...] a Lei Complementar nº 40 deu ao Ministério Público um perfil nacional mais uniforme, com conceituação, princípios, funções, garantias, vedações, instrumentos e organizações básicas comuns”. A Constituição Federal de 1988 consolidou os anseios e os avanços do Ministério Público nacional. Nela foram incorporadas todas as conquistas até então conseguidas, acrescidas de outras advindas de princípios constantes da chamada Carta de Curitiba, elaborada em 1986. Ao final, pela primeira vez no Brasil, viu-se um Ministério Público com Capítulo próprio e tratamento especial numa Constituição, assumindo uma posição que nenhum outro Ministério Público já conseguiu. Muitos podem perguntar por que e como surgiram as idéias e os trabalhos para a implementação do atual Ministério Público. Na história administrativa do Brasil, uma das Instituições que mais cresceu, neste século, foi o Ministério Público. E esse desenvolvimento assentou-se em dois princípios: //democratização// e //atualização//. Partindo do princípio de que a //perpetuação// de pessoas em cargos-chave contribui para dificultar o arejamento das idéias de evolução institucional, entendeu-se que deveria a Instituição ser dirigida por pessoas que fossem //eleitas, com mandato certo//, vedada, ou limitada, a sua recondução. Ainda: procurou-se entregar a condução dos destinos do Ministério Público não apenas ao Procurador-Geral, mas também a órgãos colegiados, com competências definidas e com poder, inclusive, de rever e reformar determinados atos do próprio Procurador-Geral. A primeira conseqüência disso foi o arejamento constante da Instituição, eis que o sistema passou a propiciar que as mais variadas idéias pudessem contribuir para modificações da sua filosofia e a sua estrutura. Por outro lado, isso propiciou o acesso à alta cúpula do Ministério Público de novas gerações, o que se transformou em estímulo à evolução na carreira. Na verdade, quando isso ocorre, as pessoas, via de regra, //agarram-se// aos cargos e dificultam aquele //arejamento de idéias// tão necessário à evolução das instituições. A conseqüência dessa //democratização// no Ministério Público levou à outra conseqüência, responsável por seu desenvolvimento: a sua atualização. Essa //atualização// foi responsável pela //modernização// que a Instituição passou a experimentar: não apenas no aspecto material mas, principalmente, no filosófico. Hoje ele computadorizou os seus serviços, não apenas no nível da sua segunda instância mas também no da primeira; dotou todas as suas Procuradorias e Promotorias de Justiça de moderna tecnologia computadorizada e, por meio dela, agilizou a atuação de todos os seus membros. Por outro lado, ele começa a mudar sua imagem institucional, ampliando suas atividades a campos de atividade que não se inseriam em suas atribuições: a proteção e a defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, do patrimônio artístico e cultural, das contas públicas dos acidentados em trabalho, o controle externo da atividade policial e a defesa do consumidor. Essa sua visão de participação na formação, ou criação, de uma nova sociedade dá-lhe a motivação para um aprimoramento constante, no sentido de dinamizar sua atuação, a fim de acompanhar as modificações sociais. E a sua filosofia de uma //hierarquia relativa// entre seus integrantes dá-lhe uma flexibilidade de atuação maior, e mais rápida, do que a existente em outras instituições. Em decorrência dessa postura e da consciência de sua participação no gerenciamento do equilíbrio social, vê-se que ele luta no nível legislativo não buscando direitos e vantagens econômicas mas atribuições e garantias para a realização dessas atribuições. E mais: a consciência de que é //fiscal da lei e de sua exata aplicação e de que só a ela deve obediência//; o respeito às autoridades constituídas, com as quais deverá ter o melhor entrosamento e o zelo pela sua independência funcional e administrativa, tudo isso marca ainda mais o seu perfil. \\