=====1.10. Combate à violência doméstica e familiar contra a mulher===== \\ **Autores/Organizadores:**\\ //Promotora de Justiça Laís Maria Costa Siveira//\\ //Franciane Mary S. Domenici de Brito// \\ A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi editada em 7 de agosto de 2006 e tem como objetivo //combater e eliminar todas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher//. A edição dessa lei se fez necessária ante a constatação de que a violência doméstica contra a mulher é grande, apresenta índices alarmantes, e, além de fragilizar a mulher brasileira, traz consequências graves para toda a sociedade. A violência de gênero, basicamente aquela contra a mulher, representa, além de um problema social grave a ser enfrentado pelas autoridades, um fator de aumento da violência e da criminalidade em geral. Estudos sociológicos e filosóficos a esse respeito poderão esclarecer melhor esse aspecto social, que levou à edição da citada Lei, como forma de coibir a violência doméstica. Além da violência de gênero contra a mulher, busca-se, em última análise, combater a violência como um todo, que contamina a sociedade brasileira, aprisiona cidadãos de bem dentro de suas casas e coloca toda a sociedade em estado de alerta. A Lei nº 11.340/2006 ganhou o nome de //Lei Maria da Penha// por ter sido resultado da luta de Maria da Penha Maia Fernandes por justiça. Maria da Penha, em maio de 1983, foi vítima de tentativa de homicídio praticado por seu próprio marido, o colombiano Marco Antônio Heredia Viveros, que a deixou paraplégica. O processo criminal culminou com a prisão de Marco Antônio a qual somente ocorreu em setembro de 2002. Em setembro de 1997, Maria da Penha comunicou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em agosto de 1999 a denúncia foi aceita pelo Centro para Justiça e o Direito Internacional e pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos Humanos da Mulher e encaminhada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Em março de 2001, a OEA tornou público o relatório, exigindo providências do governo brasileiro na busca de políticas públicas de proteção à mulher. Após longo debate, com a participação constante dos movimentos populares, da sociedade civil organizada, mobilizando o Congresso Nacional, foi editada a Lei nº 11.340/2006, que cria mecanismos para combater a violência familiar e doméstica contra a mulher e medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência. Essa lei, que busca a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher, com mecanismos novos e até revolucionários, deve ser devidamente estudada e interpretada, para que os operadores do Direito possam eficazmente aplicar seus dispositivos. Com a edição da Lei nº 11.340/2006 foi dado um tratamento diferenciado aos casos de violência doméstica, principalmente no que se refere à proteção da vítima mulher. Desde então, muito se tem debatido acerca de vários aspectos dessa nova lei, que veio em socorro das mulheres e das famílias brasileiras. O Ministério Público Mineiro criou em Belo Horizonte, logo no início da vigência da lei, a Promotoria Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Vamos ressaltar neste manual alguns pontos relevantes que vivenciamos neste período de funcionamento da promotoria especializada, pontos esses que pensamos possam ser de valia aos promotores de justiça que atuam na área da violência doméstica. Antes, porém, vamos frisar o quão importante é termos uma legislação específica que trate deste tema. A violência doméstica é um mal que atinge todas as classes sociais, de vários modos, muitas vezes quase imperceptível, pois inserida no contexto familiar de forma a se manifestar lenta e normalmente e, não raras vezes, chega a alcançar conseqüências danosas para as mulheres e para a família. É comum ditos populares que afirmam que //mulher gosta de apanhar// e que a mulher que apanha e volta para seu companheiro é //mulher de malandro//. Mulher não gosta de apanhar, de forma alguma, mas ela está ligada a sua família, a seu companheiro, a seus filhos de forma tal que lhe é mais difícil, por diversos fatores, dar um basta na situação de opressão e seguir um caminho diferente. Os motivos que mantêm a mulher junto ao homem agressor são vários, como por exemplo, a dependência econômica, a dependência emocional, a baixa autoestima, a dificuldade de colocação no mercado de trabalho para sua subsistência e de seus filhos, a falta de apoio familiar e social, o apego emocional ao próprio agressor, o medo do agressor, o receio de ter que voltar a viver com a família, de não ter com quem deixar os filhos pequenos para ter que ir trabalhar, etc. Não conseguiríamos, neste manual, esgotar em simples linhas de reflexão todos os vários motivos que mantêm as mulheres juntas de seus agressores por anos e décadas. Esse tema tem sido foco de estudo de vários sociólogos, antropólogos e psicólogos. Mas, com certeza, a atual legislação pode ser um fator determinante a modificar esta dura realidade. E em relação a ditos populares, recentemente, ouvimos numa entrevista um jornalista dizer que existem dois ditos populares assassinos: //Cão que ladra não morde// e //Em briga de marido e mulher não se mete a colher//. Em primeiro lugar, porque, em se tratando de violência doméstica, as agressões vão crescendo, começam com ameaças, empurrões, tapas, depois virão murros, enforcamentos e terminam, muitas vezes, em morte. E durante todo esse percurso o agressor diz por diversas vezes que vai matar a vítima e um dia ele acaba por cumprir sua ameaça. Portanto, o cão, neste caso, ladra e depois morde mesmo. E o outro também é dito popular conhecido. Toda pessoa que souber, vir ou ouvir briga de marido e mulher deve chamar por socorro policial, porque pode estar aí salvando a vida de uma pessoa. Muitos são os casos em que há homicídios, mas a polícia somente chega após cessar a briga, com a morte a ser constatada, e pergunta se ninguém por perto ouviu ou viu nada, e a resposta é sempre a mesma: que ouviram, mas ninguém nada fez por se tratar de briga de casal. Nesse caso, ser a colher pode salvar uma vida. Daí constatamos que estamos tratando de um assunto intimamente ligado aos nossos costumes, arraigado à nossa sociedade, e, portanto, vamos lidar com muitas resistências, vindas de vários setores. O importante é abrirmos nossas cabeças e já pensarmos de antemão que mulher não gosta de apanhar, que //cão que ladra morde e mata// e que em briga de marido e mulher devemos nos intrometer para salvar vidas, principalmente nas nossas próprias famílias. E, ainda, se a mulher que foi agredida, porventura ou desventura, voltar a viver com o agressor, não nos cabe julgar, mas alertar, ofertar a ela novas possibilidades, e até mesmo propiciar que ela entenda o porquê de estar repetindo o padrão que favorece a agressão. Muitas vítimas não têm consciência de que estão favorecendo a agressão ao perdoar seus parceiros. É de fundamental importância entendermos o que é violência doméstica e tudo o que está a sua volta para lidarmos de forma eficaz nessa área. \\ * [[:cap10:10-1-10-1|1.10.1. Desafios jurídicos]] * [[:cap10:10-1-10-2|1.10.2. A ação penal]] * [[:cap10:10-1-10-3|1.10.3. Crimes e delitos]] * [[:cap10:10-1-10-4|1.10.4. Atendimento à vítima]] * [[:cap10:10-1-10-5|1.10.5. Prisão preventiva na Lei nº 11.340/2006]] * [[:cap10:10-1-10-6|1.10.6. Sugestões de leitura para aprofundamento no assunto]] \\