=====10. Atuação especializada na defesa do patrimônio cultural e turístico===== **Autor/Organizador: Promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda** ====Introdução – Patrimônio cultural e meio ambiente==== Percebe-se, nos últimos tempos, a especial atenção que vem sendo dispensada pela sociedade, pela imprensa e pelos órgãos estatais à preservação do patrimônio cultural brasileiro. Parece-nos que, depois de duas décadas de vigência da chamada Constituição Cidadã, o poder público e a sociedade finalmente estão se apercebendo do dever solidário de proteger nossos bens culturais e da responsabilidade de transmiti-los, na plenitude de sua integridade, às gerações vindouras. Se, por um lado, é gratificante constatar essa importante e auspiciosa mudança de paradigma, por outro é impositivo que os operadores do Direito estejam preparados para enfrentar os novos e crescentes desafios que passam a se apresentar com essa nova tendência, sendo indispensável conhecer e manejar com habilidade os instrumentos aptos à satisfação da grande expectativa social acerca da efetiva proteção do patrimônio cultural de nosso país. Como ponto de partida para a efetiva proteção do patrimônio cultural brasileiro, é necessário que se deixe de lado a visão puramente administrativista que norteou por longo tempo a aplicação dos institutos protetivos pertinentes (tombamento, desapropriação, etc.), passando a encarar tal bem jurídico como integrante do meio ambiente globalmente considerado, tratando a temática, por conseqüência, sob as luzes do Direito Ambiental. Infelizmente, está ainda arraigada na concepção de grande parte dos brasileiros a impressão de que o meio ambiente se resume tão somente ao seu aspecto naturalístico, compreendendo apenas o solo, os recursos hídricos, o ar, a fauna e a flora. Trata-se de uma concepção equivocada e estreita da real conceituação de meio ambiente. Já em 1976, a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em sua décima nona sessão, realizada em Nairóbi, por meio da Recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e à sua função na vida contemporânea, reconhecia que: >>[...] os conjuntos históricos ou tradicionais fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva do passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a variedade necessária para responder à diversidade da sociedade e, por isso, adquirem um valor e uma dimensão humana suplementares. Seguindo tal direcionamento, os estudiosos do Direito Ambiental em nosso país afirmam, unanimemente, que o meio ambiente não se resume ao aspecto meramente naturalístico ou físico, mas comporta, hodiernamente, uma conotação abrangente, holística, compreensiva de tudo o que cerca e condiciona o homem em sua existência, no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e na interação com o ecossistema que o envolve. Calha trazer à colação, a propósito, a singular e precisa manifestação de Carlos Frederico Marés de Souza Filho sobre o tema: >>O meio ambiente, entendido em toda a sua plenitude e de um ponto de vista humanista, compreende a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o ser humano. Assim, o meio ambiente é composto pela terra, a água, o ar, a flora e a fauna, as edificações, as obras de arte e os elementos subjetivos e evocativos, como a beleza da paisagem ou a lembrança do passado, inscrições, marcos ou sinais de fatos naturais ou da passagem de seres humanos. Desta forma, para compreender o meio ambiente é tão importante a montanha, como a evocação mística que dela faça o povo. >>Alguns destes elementos existem independentemente da ação do homem e os chamamos de meio ambiente natural; outros são frutos da sua intervenção, e os chamamos de meio ambiente cultural.((//Op. cit//, p. 21.)) Sobreleva ressaltar que também no Direito Comparado iremos encontrar essa concepção unitária de meio ambiente, sendo este definido como: >>As condições físicas que existem numa área, incluindo o solo, a água, o ar, os minerais, a flora, a fauna, o ruído e os elementos de significado histórico ou estético. (//California Environmental Quality Act//, 1981). Com efeito, o meio ambiente deve ser entendido em toda a sua plenitude e de um ponto de vista humanista, que compreenda a natureza e as modificações que nela vem introduzindo o ser humano. Como se sabe, nos dias atuais, torna-se cada vez mais difícil separar o natural do cultural, até mesmo porque são pouquíssimos os lugares na Terra que têm escapado ao impacto da atividade humana. Desde os tempos pré-históricos até a época moderna, pouco resta da superfície terrena que não tenha sido afetado pelas atividades humanas, razão pela qual a identificação de áreas absolutamente naturais está cada vez mais rara. Por isso, para os fins protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo todos os bens naturais e culturais de valor juridicamente protegido, desde o solo, as águas, a flora, a fauna, as belezas naturais e artificiais ao patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico, arquivístico, arquitetônico, monumental, espeleológico, arqueológico, fossilífero, urbanístico, etc. É este, a propósito, o entendimento que vem sendo acolhido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, que acerca do tema já decidiu: >>MEIO AMBIENTE – Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente //ao meio ambiente natural// (dunas) e //ao meio ambiente cultural// (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). (STJ – RESP 115599 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 02.09.2002 – grifos nossos) Em termos legislativos, é de lembrar que a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) traz seção que trata especificamente dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65), o que demonstra a consolidação em nosso país do entendimento de que meio ambiente é conceito amplo, no qual se inclui também o patrimônio cultural. É realmente incontroverso que natureza e cultura são bens interdependentes e inseparáveis, o que deve ser objeto de consideração das autoridades públicas, operadores do direito, organizações não governamentais, imprensa, enfim, de todos os que militam na seara da defesa ambiental, em seus mais variados aspectos. Sob o ponto de vista do Direito, as conseqüências práticas decorrentes de tal entendimento são extremamente significativas, podendo-se elencar as seguintes: a) possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes cometidos contra o patrimônio cultural; b) aplicação dos princípios do Direito Ambiental em defesa do patrimônio cultural (princípios da prevenção, da reparação, da responsabilização, da intervenção estatal obrigatória, do //in dubio pro ambiente//, etc.); c) imprescritibilidade das ações que objetivam a reparação de danos causados ao patrimônio cultural; d) a indeclinável necessidade de intervenção do Ministério Público, como //custos legis//, nas ações cíveis que envolvam a defesa de tal bem jurídico – quando o //Parquet// não for o próprio autor – ante o interesse público evidenciado pela natureza da lide (art. 127, CF/88 e art. 82, III, CPC). Enfim, para a melhor tutela do patrimônio cultural brasileiro, é necessário compreender esse bem jurídico como integrante do meio ambiente //lato sensu//. \\ * [[:cap10:10-10-1|10.1. Evolução da tutela do patrimônio cultural no Brasil]] * [[:cap10:10-10-2|10.2. Princípios informadores da tutela do patrimônio cultural]] * [[:cap10:10-10-3|10.3. Instrumentos de proteção]] * [[:cap10:10-10-4|10.4. Bens culturais em espécie]] * [[:cap10:10-10-5|10.5. Técnica de atuação judicial - A ação civil pública na defesa do patrimônio cultural]] * [[:cap10:10-10-6|10.6. Defesa do patrimônio turístico]] * [[:cap10:10-10-7|10.7. Técnicas de atuação extrajudicial]] * [[:cap10:10-10-8|10.8. Ementário de legislação pertinente]] * [[:cap10:10-10-9|10.9. Jurisprudência]] * [[:cap10:10-10-10|10.10. Modelos de quesitos]] \\