====2.6.4. Agravo de instrumento – Prévia intervenção/ausência de vistoria e de audiência prévia/função social==== PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONFLITOS AGRÁRIOS\\ Comarca de Belo Horizonte/MG\\ EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Autos de nº\\ Autores:\\ Réus:\\ **Objeto do Conflito: Fazenda .............. (Comarca de ....................)**\\ Assunto: Agravo de Instrumento\\ COLENDA CÂMARA,\\ DOUTOR PROCURADOR,\\ O Ministério Público de Minas Gerais, através de seu órgão de execução com atribuições na Promotoria de Justiça de Conflitos Agrários, com fundamento nos arts. 522 e seguintes do Código de Processo Civil, vem interpor RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO contra a decisão de fls. 526/528, prolatada pelo MM. Juiz da Vara Agrária deste Estado que, em AÇÃO POSSESSÓRIA (Processo nº ....), proposta por ...... e Outro em face de ...... e Outros, deferiu liminar de reintegração de posse contra todos os ocupantes do imóvel.\\ Para tanto, em atendimento ao disposto no art. 525 do CPC, junta cópia de todo o processo na instância originária.\\ Trata-se de Ação de Reintegração de Posse ajuizada por .... e Outro em face de .... e Outros, aduzindo, em apertada síntese, que são senhores e possuidores do imóvel rural denominado “Fazenda ....”, situado na comarca de ..../MG, com área de ... hectares, onde cultivam café (... hectares) e plantam eucalipto (...hectares), além de explorar a pecuária (....hectares de pastagem). Afirmam que no dia ... o imóvel foi ocupado pelos requeridos. Face o exposto, requereram a procedência do pedido, inclusive em sede de liminar, e a condenação em perdas e danos [...]. Juntaram os documentos de fls...\\ O d. Juízo da Comarca de ... recebeu a inicial às fls... e deferiu a liminar de reintegração de posse.\\ Em seguida, acatando manifestação ministerial de fls.., a i. Juíza da Comarca revogou decisão anterior e declinou da competência para a Vara de Conflitos Agrários, por tratar-se de conflito coletivo pela posse da terra rural (fls...).\\ Recebida a inicial, o d. Magistrado Titular da Vara de Conflitos Agrários, Dr. ...., após constatar a inexistência de situação urgente, bem como o fato de que a prova até então apresentada não demonstrava, em sede de cognição sumária, o cumprimento da função social do imóvel, determinou a emenda à inicial, além de ordenar as diligências alinhavadas no r. despacho de fls....\\ Às fls......, atendendo à determinação judicial, os Requerentes colacionaram novos documentos aos autos (procuração, CCIR de 2003/2004/2005, Guia de contribuição sindical, notas fiscais de venda de café e carvão referente ao período de 2006/2007, nota fiscal de venda de bovinos, memorial descritivo do imóvel, ficha de vacinação do IMA, livro de registro de empregados, guias de recolhimento de FGTS e de previdência social,.\\ Em ......, divergindo da posição adotada pelo d. Juiz Titular da Vara de Conflitos Agrários, o i. Juiz Substituto, sem oportunizar o prévio parecer ministerial, ausente a vistoria e a audiência de justificação e, ainda, não comprovado o cumprimento da função social da propriedade, reconheceu a posse dos agravados, deferindo-lhes a liminar pleiteada (fls..).\\ Inconformado, o Ministério Público, a tempo e modo, interpõe o presente recurso, cujas razões passa a expor. DA TEMPESTIVIDADE\\ O recurso é próprio e tempestivo, vez que a decisão guerreada foi prolatada em ..., sendo certo, porém, que o processo somente foi recebido por esta Promotoria Especializada em .... (fls....-verso), iniciando a contagem do prazo para sua interposição em .... DA CONCESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO\\ Caso se concretize, a decisão guerreada ensejará lesão grave e de difícil reparação, de modo que a concessão do efeito suspensivo ao presente agravo torna-se medida indispensável à realização da JUSTIÇA.\\ Restará comprovado adiante que o magistrado substituto de 1º grau, ao deferir a antecipação da tutela, sem prévia intervenção do Ministério Público, sem realização de vistoria e de audiência de justificação, incorreu em //error in procedendo//.\\ Ainda, sob o manto do Estado da Justiça Social, a lesão à dignidade humana decorrente da retirada abrupta e irreversível dessas famílias restará configurada e, via de conseqüência, maculado o princípio fundamental da República Federativa do Brasil, de passagem, premissa norteadora de toda e qualquer interpretação legal e conseqüente prestação jurisdicional.\\ Ademais, o //periculum in mora// é visível, tendo em vista que a retirada forçada da área ocupada por mais de trinta famílias, dentre elas, mulheres, crianças e idosos, com o desmanche de seus abrigos – considerando que o direito à moradia, nos termos do art. 6º da Lei Maior é direito social -, implicará lesão grave e irreparável.\\ Cumpre ainda destacar que a decisão guerreada é daquelas que a doutrina denomina de satisfativa, embora seja em caráter liminar, de sorte que, no caso em apreço, ponderando-se os valores e princípios pertinentes, constata-se que, à luz do primado da proporcionalidade, o princípio da dignidade humana deve se sobrepor, ao menos neste momento, evitando-se, assim, a retirada abrupta e irreversível das famílias acampadas no imóvel.\\ Até porque, a questão vertida nesses autos é por demais complexa, devendo ser resolvida em sede de cognição judicial exauriente e não sumária, como o fez o ilustre juiz substituto //a quo, concessa venia//. Nesse sentido, temos decisão proferida pela I. Juíza Heloísa Combat, prolatada em ...., em sede de Agravo de Instrumento nº 034863038, a qual deferiu efeito suspensivo ao recurso aviado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.\\ Finalmente, à vista da data em que foi concedida [...], com certeza a decisão liminar ainda não foi cumprida, podendo ser imediatamente suspensa por este E. Tribunal, sem prejuízo do //status quo//. DA NULIDADE DA DECISÃO ATACADA FACE À AUSÊNCIA DE PRÉVIA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA EXTREMA URGÊNCIA\\ O art. 127 da Constituição Federal preconiza que compete ao Ministério Público a defesa do regime democrático, bem como da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo certo que, para tanto, a Lei Adjetiva Civil, em seu art. 82, estabelece as causas de obrigatória intervenção ministerial no processo, dentre as quais, nos litígios que versarem sobre interesse público primário, ou seja, o interesse social.\\ Pois bem. É cediço que as causas que envolvem conflito coletivo pela posse da terra evidenciam notório interesse social, posto que, a par de em um de seus pólos termos inúmeras famílias que lutam pela efetivação das premissas fundamentais inerentes à dignidade humana e insculpidas no texto constitucional, temos, ainda, como um dos cernes da causa, o cumprimento da função social, consoante estabelece o art. 186 da Constituição Federal, razões pelas quais, é inafastável a intervenção ministerial nesses litígios (art. 82, III, CPC).\\ Doutro lado, o disposto no art. 82, III, do Código de Processo Civil, deve ser interpretado de forma ampla, garantindo a participação ministerial desde o início dos processos referentes a conflitos coletivos pela posse da terra, antes mesmo da apreciação de pleito liminar (vide art. 10, da Resolução nº 438/2004, do TJMG), bem como em tempo oportuno e útil após sua apreciação, pois, somente desse modo ter-se-á a intervenção do Ministério Público de modo a garantir-lhe a tutela do interesse expresso no citado art. 127 da Lei Maior.\\ Assim, tal atuação deve ser viabilizada, não só em seu aspecto formal, com a simples intimação do Ministério Público, como também de modo a propiciar a efetivação dos objetivos que a justificam.\\ Ressaltamos que, em plena harmonia com o art. 82, III, do CPC, o art. 83, I, também da Lei Adjetiva Civil, impõe a fundamental ciência ao //parquet// de todos os atos processuais nos casos em que intervém, em especial, no que concerne aos atos de caráter decisório, ressaltando-se que tal ciência deve se dar em tempo oportuno, ou seja, adequado para eficácia de eventual utilização da via recursal, sob pena de se ter por esvaziado o objetivo da própria intervenção ministerial.\\ Feitas essas considerações, forçoso concluir que o procedimento das ações possessórias é concebido, atualmente, como meio de tornar o processo um legítimo instrumento para a realização do bem comum.\\ O Ministério Público deve atuar nas ações possessórias que trazem em um dos pólos dezenas de famílias que buscam condições mínimas de sobrevivência, merecendo, pois, atenção especial do Estado conforme determina a Carta Magna em seu art. 226, e, assim, fazendo prevalecer a proteção à dignidade humana, à entidade familiar e à função social da propriedade (Constituição Federal, art. 1º, III e art. 5º, XXIII).\\ Nessa linha, trazemos à colação excertos da decisão prolatada pelo i. Desembargador Mariné da Cunha, nos autos do Agravo de Instrumento nº 421.175-0: >>A meu ver, de acordo com o art. 82, III, do CPC, é imprescindível a intervenção do Ministério Público no presente feito, por envolver questão de evidente interesse público, não só pelo fato de várias pessoas, famílias inclusive, estarem, supostamente, ameaçando o direito à moradia e à propriedade, bem como o cumprimento da função social de tal instituto, mas, também, em virtude da séria possibilidade de que, de tal invasão, possam decorrer sérios conflitos, inclusive com ameaça à vida e à integridade física das partes, conforme vem ocorrendo, freqüentemente, pelo Brasil afora e tem sido noticiado pela imprensa. Assim, a falta de intervenção do Parquet poderia levar à nulidade processual, não podendo ser deferida a liminar pleiteada, antes que o representante da entidade se manifeste. O Desembargador Saldanha da Fonseca quando ainda Tribunal de Alçada de Minas Gerais, no julgamento da Apelação Cível nº 426.670-0, em 19.05.2004, asseverou:\\ //“A falta de intimação do Ministério Público para intervir na ação como ‘custos legis’ importa a nulidade dos atos processuais desde a audiência de justificação realizada à revelia do ‘parquet’, a teor do disposto nos arts. 84 e 246 do CPC[...]”//\\ Como se tudo isso não bastasse, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, realçando sua vanguardista atuação na solução dos conflitos agrários, editou a Resolução nº 438/2004, a qual alterou a de nº 398/2002, que regulamenta o funcionamento da Vara de Conflitos Agrários, sendo que em seu art. 10, assim dispõe: >>Recomenda-se, ressalvadas as situações de extrema urgência, a prévia oitiva do Ministério Público antes da decisão liminar, bem como no curso da lide, a cientificação dos órgãos envolvidos nos conflitos agrários, a fim de que possam prestar as informações pertinentes e eventual auxílio técnico administrativo para a composição dos conflitos. Com efeito, para que se dê efetividade aos arts. 82, III, do Código de Processo Civil, imperioso que a intervenção ministerial ocorra antes do juízo de prelibação da tutela liminar, dado o seu conteúdo satisfativo e a irreversibilidade da desocupação, razão pela qual, certamente foi editada a norma aludida.\\ Referida norma é cristalina quando excepciona a prévia oitiva do Ministério Público antes da apreciação da liminar, apenas naqueles casos em que a situação é de extrema urgência. A regra geral é a oitiva prévia do Ministério Público nas ações possessórias. Apenas em casos excepcionais, em que devidamente fundamentada na decisão judicial a peculiaridade da situação que caracterize a extrema urgência, é autorizada a modificação do procedimento padrão e uniforme da Vara Especializada de Conflitos Agrários, que estabelece a prévia oitiva do Ministério Público, bem como a presença do Juiz no local do conflito, a fim de realizar vistoria no imóvel e audiência de conciliação e justificação.\\ Pois bem. Dito isso, observa-se que os presentes autos encerram lamentáveis constatações que, como se verá, maculam a administração dos conflitos agrários submetidos à apreciação judicial. Vejamos.\\ Não há como negar a nulidade do feito a partir da decisão concessiva da liminar, inclusive, tendo em vista a ausência de prévia intervenção do //parquet//, bem como da vistoria e da audiência de justificação, além da falta de fundamentação da decisão judicial que caracterize a extrema urgência justificadora da concessão da liminar em afronta ao procedimento específico da Vara Agrária.\\ Os autores, em momento algum, comprovaram urgência tamanha que justificasse a concessão da liminar sem prévia oitiva do Ministério Público.\\ Assim, resta evidente a nulidade absoluta da decisão liminar e, conseqüentemente, dos atos procedimentais que a sucederam.\\ Por isso, o Ministério Público ora recorre, vez que, como demonstrado, há nulidade por violação de norma imperativa que impõe a prévia intervenção do //parquet//, antes da análise da liminar, em demandas que envolvam conflito coletivo pela posse da terra rural. DA AUSÊNCIA DE PRÉVIA VISTORIA E DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO\\ A Constituição Federal em seu art. 126, parágrafo único, preconiza que sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional deve o magistrado se dirigir ao local do conflito.\\ O princípio da eficiência, de natureza constitucional, condiciona a prestação jurisdicional especializada da Vara de Conflitos Agrários à imprescindível presença do Magistrado no local do conflito, a fim de que este possa aferir, //in locu//, a validade e eficácia dos documentos acostados aos autos, bem como a realidade fática que envolve a situação submetida à sua análise.\\ Este é um procedimento uniforme que vem sendo adotado pela operosa e eficiente Vara Agrária em todos os processos, inclusive os relativos a interditos proibitórios.\\ A concessão da liminar possessória sem a designação de audiência de conciliação, precedida de vistoria do imóvel, importa em mitigação da especialidade de jurisdição própria da Vara Agrária, quebrando a isonomia procedimental já de há muito adotada pela Vara Especializada.\\ Nesse contexto, a Resolução nº 438/2004, que alterou a Resolução nº 398/2002, em seu art. 5º, estatui:\\ //“Art. 5º. Recebidos os autos e havendo urgência, o Juiz da Vara de Conflitos Agrários deslocar-se-á ao local do conflito, tomando as providências que entender pertinentes.”//\\ Forçoso concluir que se trata de norma cogente, ou seja, imperativa, a qual impõe ao magistrado, e somente a ele, nos casos urgentes, o comparecimento ao local do conflito antes da apreciação da antecipação de tutela. Aqui, o intuito é viabilizar a vistoria, de modo a se verificar se presentes se fazem os requisitos dos arts. 186 da Carta Magna e 927 do Código de Processo Civil, bem como de se perquirir acerca da provável repercussão social da decisão judicial a ser tomada.\\ Se no Estado Democrático de Direito não é admissível a figura inacessível do magistrado, mister que o julgador se aproxime daqueles que são a razão de seu ofício e veja de perto as circunstâncias inerentes à prestação jurisdicional. Acerca do processamento e julgamento das ações possessórias, sobretudo no que se refere à concessão de liminares, é de grande interesse recorrer aos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior: >>Adverte a boa doutrina e jurisprudência que todo cuidado é de ser dispensado pelo juiz à prova documental in casu, já que, versando o interdito sobre fatos, como soem ser a posse, o esbulho, a turbação e a respectiva data, dificilmente seus pressupostos vêm retratados em verdadeiros documentos. >>É freqüente a tentativa de apoiar-se o pedido de liminar em títulos de domínio, declarações particulares de terceiros e reprodução de peças de outros processos (prova emprestada). >>Nada disso, em princípio, tem força probante para autorizar a expedição do mandado liminar de que cogita o art. 928, do CPC. >>[...] >>Os títulos de domínio, outrossim, não revelam, de ordinário, nenhuma influência sobre a liminar possessória, posto que o que se discute, nessas ações, é o fato da posse, e não o direito de propriedade sobre a coisa. (Curso de Direito Processual Civil. v. III, 25 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 124) No caso vertido nesses autos, conforme já mencionado, várias famílias – homens, mulheres, crianças e idosos – ocupam o imóvel objeto da presente reintegração de posse. Além de suas moradias, há que se considerar o risco iminente de lesão à dignidade dessas pessoas.\\ Ora, a prévia vistoria do imóvel, bem como a designação de audiência de justificação comprovariam a realidade acima exposta, o que, poderia levar o ilustre magistrado a quo a decidir diversamente em sede liminar. Nesse contexto, forçoso concluir que o //error in procedendo// ensejou prejuízo aos requeridos, em razão do que, deve ser reconhecida a nulidade da decisão atacada.\\ Nesse sentido, colacionamos despacho do Eminente Desembargador Mariné da Cunha, nos autos do Agravo de Instrumento nº 421.175-0: >>Além disso, não se pode perder de vista que a posse é o poder de fato sobre a coisa, o exercício fático de um ou alguns poderes inerentes à propriedade, pelo que não pode ser suficientemente demonstrada sua existência através da mera prova documental – o que apenas se admite em relação ao domínio -, de forma que, em casos como o presente,__ é fundamental a realização de audiência de justificação de posse, a fim de que se possa verificar se estão efetivamente presentes os requisitos necessários ao deferimento da liminar possessória, a qual deverá ser acompanhada pelo Ministério Público.__ (grifo nosso) Impende ressaltar, ainda, a importância dos acordos e conciliações obtidos em audiência pela Vara Agrária, sempre com a ajuda do ITER e do INCRA, órgãos fundamentais à solução dos conflitos, inclusive com a possibilidade de compra dos imóveis em litígio pelo INCRA, favorecendo a permanência dos movimentos sociais em determinadas áreas, de modo a garantir a seus integrantes a mínima dignidade. Além disso, o lema “conciliar é legal”, foi desenvolvido e incentivado pelo próprio Poder Judiciário, buscando alternativas mais efetivas e eficientes à solução célere dos conflitos. Desta forma, a tentativa de conciliação deve preceder a todas as outras, objetivando sempre a pacificação social.\\ DO MÉRITO\\ A análise dos autos demonstra que a decisão impugnada foi prolatada de forma precipitada, desrespeitando a isonomia procedimental da Vara Agrária.\\ O d. Magistrado Substituto, ao deferir a liminar pleiteada sem prévia oitiva do Ministério Público e sem designação de audiência de justificação, não fundamentou sua decisão em qualquer situação de extrema urgência.\\ Isso seria imprescindível, sobretudo diante do fato de que o Juiz Titular da Vara de Conflitos Agrários já havia se manifestado nos autos, determinando a juntada de novos documentos.\\ Mas, ressalte-se, a mera juntada de documentos indiciários de cumprimento da função social da propriedade não é suficiente para a concessão da liminar de reintegração de posse.\\ A eficácia probatória dos referidos documentos está condicionada à sua comprovação durante a visita judicial ao imóvel, pois, só assim, o Magistrado poderá coletar suas impressões pessoais acerca do poder de fato que os requerentes alegam ter sobre o imóvel. A posse, sendo poder de fato sobre a coisa, só pode ser comprovada diante da realidade fática.\\ Não bastasse isso, os documentos juntados pelos requerentes apenas indicam a existência de atividade econômica no imóvel. Entretanto, diante da grande extensão territorial do imóvel (... hectares), a área plantada (cerca de .. hectares) e de pastagem (cerca de.. hectares), ainda é bastante inferior à área total da propriedade.\\ A análise dos autos demonstra que apenas metade do imóvel, cerca de..... hectares são explorados. E os outros .... hectares? Como não há reserva legal averbada, presume-se que é uma área passível de exploração que não está sendo utilizada.\\ Outro fator importante é o fato de o imóvel não ter reserva legal averbada.// In casu//, o simples fato da propriedade produzir carvão vegetal, torna imprescindível a devida averbação da área de reserva legal, bem como da apresentação dos documentos expedidos pelos órgãos ambientais competentes autorizando a extração e produção de carvão vegetal, que não foram colacionados aos autos.\\ Além disso, há notícia nos autos de autuações administrativas ambientais contra o requerente, proprietário do imóvel (fls.....).\\ Sendo assim, impende registrar que a documentação apresentada, unilateral, não comprova o cumprimento da função sócio-econômica do imóvel objeto da lide. Ora, não há outra conclusão plausível senão a do descumprimento da função social da propriedade.\\ Nesse momento, de se registrar que somente a observância da integralidade do art. 186 da Carta Magna enseja a conclusão de cumprimento da função social em seus três aspectos, de modo que, ausente a comprovação do aproveitamento racional e adequado do imóvel, da utilização correta dos recursos naturais e da preservação do meio ambiente, da observância das disposições acerca das relações de trabalho e da exploração que favoreça o bem estar do proprietário e dos trabalhadores, a negativa da tutela possessória é a medida adequada.\\ Assim, à vista do que consta no processado, a única constatação plausível é que, ao menos nessa fase procedimental, os requerentes não comprovaram que o imóvel litigado cumpre a função social em seus aspectos econômico e ambiental, razão pela qual, não há como se perquirir acerca da proteção possessória vindicada em sede sumária.\\ Não é outra a lição de Jaques Távora Afonsin, em Os Conflitos Possessórios e o Judiciário – Três reducionismos Processuais de Solução – //in// O Direito Agrário em Debate, obra de Dresch da Silveira, Domingos Sávio e Xavier, Flávio Santánna (org), editora POA, 1998, p. 280: >>À função social da propriedade, enquanto dever do proprietário ou do possuidor, corresponde o direito de todos os não-proprietários, especialmente dos mais necessitados, cujo acesso ao mesmo espaço titulado nunca deixa de estar potencialmente previsto como possível, na exata medida em que a dita função deixe de ser cumprida. Também enfatizado por Fábio Konder Comparato: >>[...] o descumprimento do dever social de proprietário significa uma lesão ao direito fundamental de acesso à propriedade, reconhecido doravante pelo sistema constitucional. Nessa hipótese as garantias ligadas normalmente à propriedade, notadamente a de exclusão das pretensões possessórias de outrem, devem ser afastadas [...] Quem não cumpre a função social da propriedade perde as garantias, judiciais e extrajudiciais, de proteção da posse, inerentes à propriedade, como desforço privado imediato (CC, art. 502) e as ações possessórias. A aplicação das normas do Código Civil, nunca é demais repetir, há de ser feita à luz dos mandamentos constitucionais, e não de modo cego e mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso [...] (Fernandes, Bernardo Mançano et al. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000. p. 145 e 146). Corroborando, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira e Luiz Edson Fachin: >>Conforme já observamos, a Carta Magna atual garante o direito de propriedade, mas ao mesmo tempo, em seu art., apenas em alínea seguinte, impõe a propriedade o atendimento da sua função social, o que significa dizer que a propriedade constitucionalmente assegurada deve atender a sua função social. (art. 5º, XXIII).\\ >>Assim, disse o legislador constituinte o que não se pode desconhecer, principalmente por tratar da propriedade imobiliária rural, que essa deva atender os requisitos da função social da propriedade, quais sejam: o aproveitamento adequado e racional, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, as disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores e dos proprietários.\\ >>O capítulo destinado à Ordem Econômica e Financeira se refere à penalidade mais relevante decorrente do não cumprimento da função social: a desapropriação.\\ >>Se o não cumprimento da função social se liga à perda indenizada da propriedade (art. 184 da CF/88), conclui-se que não há proteção constitucional a propriedade que não cumpre referida função social, logo é defensável concluir que é incongruente com a norma constitucional conferir proteção possessória ao titular de domínio que não cumpre a função social da propriedade. É o que diz Edson Fachin:\\ >>O descumprimento da função social da propriedade não permite dar-lhe garantias outras que a Constituição não lhe defere. Logo, o modelo adotado pelo legislador constitucional de propriedade imobiliária rural protegida contra a perda indenizada, na modalidade do art. 184, é aquela que atende a todos os requisitos da função social, ficando de fora dessa moldura a propriedade que desatende um, alguns ou todos aqueles pressupostos.\\ >>Isto posto, é defensável concluir que é incongruente com a norma constitucional e a men legis deferir proteção possessória ao titular de domínio cuja propriedade não cumpre integralmente sua função social, inclusive (e especialmente) no tocante ao requisito da exploração racional (Fernandes, Bernardo Mançano Fernandes et al. A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000, p. 123). Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência. Vejamos: >>//AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO EFEITO ATIVO – REINTEGRAÇÃO LIMINAR DA POSSE DENEGADA EM 1º GRAU – GRANDE PROPRIEDADE INVADIDA PELO MST – NÃO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – IMÓVEL IMPRODUTIVO - DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 186 DA CF/88 – NÃO SATISFAÇÃO DOS ELEMENTOS ECONÔMICO, AMBIENTAL E SOCIAL NECESSÁRIOS AO ATENDIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL – REQUISITO PARA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA – IMPROVIMENTO.// >>//-Não havendo o agravante comprovado tratar-se de imóvel de propriedade produtiva, tem-se que dito imóvel não cumpre sua função social na forma prevista no art. 186 da CF/88;// >>//-Com a interpretação sistemática do texto constitucional, a função social da propriedade passa a ser requisito para proteção possessória, de forma que, apenas se o imóvel atender aos requisitos previstos no art. 186 da CF/88, é que deve ter ele plena proteção na forma dos arts. 1.210 do NCC e 927 do CPC. (TAMG, Agravo de Instrumento nº 468.384-9, 5ª Câmara Civil, Rel. Juíza Hilda Teixeira da Costa, decisão de 25/11/2004)// >>//AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ÁREA RURAL – ESBULHO – OCUPAÇÃO – FAMÍLIAS – CONDIÇÕES DO IMÓVEL – DESTINAÇÃO – FUNÇÃO SOCIAL – DIREITO CONSTITUCIONAL – DESCUMPRIMENTO DE ORDENS JUDICIAIS – ARTS. 926 E 927 DO CPC – REQUISITOS – COMPROVAÇÃO –PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.// >>//[...]// >>//-Com o advento da Constituição Federal de 1988, os art.s 926 e 927 do CPC não podem ser apreciados sem que seja considerada, também, a destinação social do imóvel.// >>//[...]// >>(TJMG, Apelação Cível nº 470.602-3, 16ª Câmara, Rel. Otávio de Abreu Portes, decisão em 18/05/2005) >>//EMENTA. PROCESSO CIVI. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. CONFLITO AGRÁRIO. INTERVENÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE. PROPRIEDADE. FUNÇÃO SOCIAL. AUSÊNCIA DE PROVA. LIMINAR REVOGADA.// >>//[...]// >>//-A tutela de urgência em ação possessória não pode ser concedida quando o autor omite-se em demonstrar que a propriedade que possui atende à função social exigida pela Constituição da República [...].// >>(TAMG- Agravo de Instrumento nº 425.429-9, Relator Alberto Vilas Boas, decisão de 25/11/2003) >>//[...]// >>//V.v.: Nas demandas possessórias referentes aos conflitos agrários necessário considerar o exame da produtividade e efetiva utilização do solo, ponderando os direitos inerentes à propriedade com as garantias constitucionais à vida, ao trabalho, à moradia, ao bem estar social, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, até mesmo o direito a um mínimo de propriedade privada, se sobrelevando, ainda, os objetivos consolidados como fundamentais da República, concernentes à erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais.// >>//Incumbe ao julgador, como intérprete da norma, adequar, em cada caso concreto, as disposições da lei infraconstitucional, material e processual, às exigências constitucionais. A interpretação sistemática constitucional da lei, em respeito ao dever social da propriedade determinado pelos art. 5º, inc. XIII e 186, da Constituição Federal, impõe ponderar o cumprimento desse dever na tutela jurídica do direito de propriedade e seus desdobramentos, dando efetividade à ordem constitucional.// (TAMG, 6ª Câmara Civil, Agravo de Instrumento nº 412.307-3, Rel. Dídimo Inocêncio de Paula, decisão em 25/03/2004). Oportuna a exposição do ilustre Desembargador Alberto Vilas Boas no julgamento do Agravo de Instrumento nº 478.797-9: >>A tutela de urgência em ação possessória não pode ser concedida quando o autor omite-se em demonstrar que a propriedade que possui atende à função social exigida pela Constituição da República. Ainda, o Magistrado Federal, Welinton Militão dos Santos, titular da Vara Agrária Federal em Minas Gerais, em sentença proferida em 11/11/2004 nos autos nº 2004.38.00.038640-0, asseverou.: >>[...] No julgamento das ações possessórias, o magistrado há de verificar, primeiramente, se está devidamente comprovada a posse do requerente sobre a gleba supostamente “invadida”. Isso só, contudo, não basta, data vênia. Imprescindível, pois, a comprovação de outros elementos, como, v.g., o adimplemento da função social da propriedade (art. 186, da C.R. de 05.10.88), a propósito do qual devem ser interpretados o art. 185, II da mesma Lei Fundamental e os art.s 924, 926, 928, todos do CPC. Outrossim, sabido e notório que a prova a que se refere o art. 932 do Código de Processo Civil é a da posse e não da propriedade, visto que as ações possessórias fundamentam-se no //ius possessionis// e não no //ius possidendi//, não há como se admitir a tutela liminar quando somente a propriedade restar, de plano, comprovada. A propósito, o tema foi objeto de conclusão do Encontro Nacional de Tribunais de Alçada realizado nesta capital em junho/1983, nos seguintes termos: >>Para a concessão de liminar nas possessórias não bastam documentos relativos ao domínio, assim como não são suficientes meras declarações de terceiros, desprovidas do crivo do contraditório. Nessa linha tem sido o entendimento de diversos tribunais do país: >>A prova exclusiva do domínio não autoriza a concessão liminar de reintegração de posse, exigindo-se o processamento da justificação prévia do alegado. (Ac um da 6ª Câmara do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Agravo de Instrumento nº 7.951-6, Relator Desembargador Cruz Quintal) >>É inadmissível a concessão de medida liminar inaudita altera pars, em processo de interdito proibitório, sem se promover audiência de justificação prévia da posse, louvando-se o magistrado a quo tão somente em prova documental de domínio. (Ac um da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, >>Agravo de Instrumento nº 2.661, Relator Desembargador Onésimo Nunes Rocha) Por fim, à vista do exposto, conclui-se que o juiz a quo, ao conceder a liminar de interdito, nega vigência ao dispositivo constitucional (art. 186 da Carta Magna), ressaltando-se, ainda, que o equívoco e injustiça da decisão impugnada defluem, também, do fato de se tratar igualmente imóveis que atendem a sua função social e aqueles em relação aos quais seus proprietário se eximem de comprovar o cumprimento do preceito constitucional. DOS PEDIDOS\\ Ante o exposto, o Ministério Público requer o CONHECIMENTO do presente recurso, bem como a CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO, e, ao final, o seu PROVIMENTO para que seja decretada a extinção do processo sem exame do mérito, nos termos do art. 267, I e VI, face à ausência de condição da ação (interesse processual) e impossibilidade do litisconsórcio ativo facultativo, via de conseqüência, declarando-se nula a decisão de fls. ... e, caso superadas tais questões de natureza processual, seja reformada a decisão por contrariar o direito material aplicável.\\ Advogado dos agravados: Advogados dos requeridos: Belo Horizonte, ........................................... **//Maria Alice Alvim Costa Teixeira//**\\ //Promotora de Justiça// **//Luís Carlos Martins Costa//**\\ //Promotor de Justiça// \\