====3.4. Atuação no juízo cível==== ====3.4.1 – Esboço histórico==== Impulsionado pelo advento da Lei Federal nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), o Ministério Público tornou-se agente expressivo de modificação da realidade social com o manejo da ACP, por força da conformação constitucional recebida em 1988. Contudo, com o surgimento do CDC, modificou-se sobremaneira a forma de condução e tutela dos direitos coletivos do consumidor, com a ampliação de possibilidades de atuação do órgão ministerial de execução, alcançando, inclusive, os ditos //interesses individuais homogêneos//, ao lado dos direitos coletivos e difusos, já previstos desde a ordem jurídica pretérita. Nem por isso se olvide dizer que o legislador ordinário criador do CDC não poderia ampliar hipóteses de agir ministerial não previstas na Constituição – à época da Constituinte, de fato, elas, nem sequer existiam(( “Ora, em primeiro lugar cumpre notar que a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código. Mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva (quando o legislador diz menos de quanto quis), enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados.\\ Em segundo lugar, a doutrina, internacional e nacional, já deixou claro que a tutela de direitos transindividuais não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional de conflitos de massa. Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da Constituição.\\ Apesar de alguma divergência, a linha preponderante é no sentido do reconhecimento da legitimação, havendo casos em que esta é negada não em face de sua eventual inconstitucionalidade, mas porque se trata, na espécie concreta, de pequeno número de interessados, estritamente definido.” (GRINOVER, Ada Pellegrini et al. **Código Brasileiro de Defesa do Consumidor**: comentado pelos autores do anteprojeto. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 545-6)\\ No mesmo sentido:\\ //Função institucional do Ministério Público. Direitos individuais e homogêneos. Limites//. A função institucional do Ministério Público é definida pela CF (art. 129) e abrange a defesa dos direitos coletivos, dos quais são espécies os direitos individuais e homogêneos. A lei infraconstitucional, ou o intérprete, não podem reduzir a função institucional constitucionalizada. O fato de o Código do Consumidor ter introduzido normas relativas a ações coletivas, das quais o Ministério Público pode ser titular, não limita a Ação Civil Pública nem permite concluir que os interesses individuais homogêneos só são amparados nas relações de consumo. A matéria tributária, quando une número significativo de pessoas hipossuficientes, é direito coletivo que pode e deve ser sustentado pelo Ministério Público, para evitar a multiplicação de demandas repetitivas, em que, segundo a jurisprudência, a Fazenda Pública é invariavelmente condenada, ocasionando danos ao patrimônio público. Tratando-se de taxa de iluminação pública, envolvendo grande massa de hipossuficientes, cujo valor financeiro individual é pequeno, mas grande a lesão integral aos contribuintes e ao patrimônio público, patenteia-se o interesse social segundo a Constituição para ensejar a iniciativa constitucional do Ministério Público. ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PRELIMINAR, VENCIDO O REVISOR , E CONFIRMAR A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. (Apelação (Cv) Cível nº 000.200.704-5/00, 4ª Câmara Cível do TJMG, Governador Valadares, Rel. Des. Almeida Melo. j. 23/11/2000, maioria).)) como espécies processuais positivadas no ordenamento jurídico brasileiro. Certo é que a atuação do Ministério Público sempre será cabível em defesa dos interesses difusos. Com relação aos direitos coletivos e individuais homogêneos, atuará, desde que: * haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (ainda que potencial);\\ * seja sobremaneira acentuada a relevância social do bem jurídico tutelado;\\ * seja necessária a defesa da estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico, cuja tutela interesse a toda a coletividade dos consumidores;\\ * Atualmente, vislumbra-se, sem maiores dificuldades e com as ressalvas acima expostas, o amplo espectro de atuação do Promotor de Justiça na defesa de direitos individuais homogêneos, coletivos (//stricto sensu//) e difusos em matéria consumerista. ====3.4.2 – Peculiaridades==== No trato das ações civis públicas, nenhum reparo ou observação há de ser feito quanto ao exercício e condução do processo, bem como quanto à atuação do Ministério Público na condição de //custos legis//, razão pela qual remeto o Órgão Ministerial à leitura do tópico //Introdução// relativo à atuação do Promotor de Justiça no juízo cível. Entretanto, ao serem ajuizadas ações coletivas, quais sejam, aquelas destinadas à tutela de direitos individuais homogêneos, seja pelo Promotor de Justiça, seja por quaisquer outros co-legitimados((CDC, art. 91 c/c 82, I a IV.)), fazem-se necessárias algumas observações, dada sua aplicação restrita ao microssistema do processo coletivo consumerista. São elas: * publicação de edital, na forma do art. 94 do CDC;((Peculiaridade afeta ao trato das ações civis coletivas de consumo, a publicação de edital atende à especial característica do direito tutelado (que é intrinsecamente individual), com vistas a possibilitar a adesão de consumidores ao processo. Trata-se de exigência legal (CDC, art. 94) geradora de nulidade do processo, razão pela qual é de se ressaltar sua importância, seja na atuação ministerial como autor (legitimado extraordinário), seja como fiscal da lei, zelando pela sua observância, quando ajuizados pelos demais co-legitimados.))\\ * promoção da liquidação e execução coletiva do //fluid recovery//, nos casos de condenações resultantes da ação coletiva, conforme art. 100;((Prescreve o art. 100 do CDC a possibilidade de liqüidação e execução das indenizações potencialmente existentes e não executadas pelos consumidores (//fluid recovery//), após transcorrido o prazo de um ano do trânsito em julgado da ação coletiva.))\\ * assunção do pólo ativo do processo pelo Ministério Público, quando houver a desistência infundada ou abandono da ação por co-legitimado, na ação coletiva.((Tal como ocorre na ACP, o Ministério Público, verificando a ocorrência das hipóteses legais (§ 3º do art. 5º, da Lei Federal nº 7.347/85, com a redação dada pelo CDC), irá assumir a titularidade da ação coletiva, salvo quando se tratar de ações plurissubjetivas, cujo objeto estará adstrito, apenas, à tutela de direitos dos próprios associados.))(( Hugo N. Mazzilli (in **A defesa dos interesses Difusos em Juízo:** meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 350) entende que a recusa do Órgão Ministerial em assumir a titularidade da ação coletiva, por analogia ao sistema estatuído para o inquérito civil, deverá submeter, previamente, suas razões ao Conselho Superior do Ministério Público.)) ====3.4.3 – Execução de termos de ajustamento de conduta e termos de acordo==== Cabe ao Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor da comarca de domicílio do compromissado o ajuizamento da ação de execução de título executivo judicial, lastreada em termos de ajustamento de conduta e termos de acordo celebrados pelo Órgão Ministerial, por Órgão Ministerial diverso ou, ainda, pelos demais órgãos e entidades co-legitimados, quando estes não o fizerem.((Lei Federal nº 7.347/85, art. 5º, § 6º.))((Resp nº 222582/MG.)) Em respeito ao devido processo legal, bem como a outros direitos e garantias fundamentais, ocorrendo a hipótese de um aparente descumprimento do ajuste firmado, recomenda-se ao Promotor de Justiça, antes do ajuizamento do processo executivo, a realização de um procedimento administrativo formal de verificação do descumprimento da obrigação assumida, seja em termo de ajustamento de conduta, seja em termo de acordo.((Nos termos firmados na própria Promotoria de Justiça, o procedimento de verificação de eventual descumprimento do TAC ou do TA poderá se dar no bojo do respectivo inquérito civil de origem do termo. Ao se tratar de TAC firmado em outra Promotoria (comarca diversa, por ex.), o procedimento será instaurado sob a forma de procedimento preparatório (administrativo) ministerial. Em ambos os casos, porém, serão admitidos atos pelo compromissário, para esclarecimentos e justificativas, em respeito à ampla defesa, a fim de que se evite o ajuizamento desnecessário de execução judicial.))((A propósito, ver Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do processo administrativo federal), aplicável analogicamente.)) ====3.4.4 – Atuação como fiscal da lei (custos legis)==== Na sua atuação como //custos legis//, o Promotor de Justiça, ao produzir seu parecer de mérito, sempre opinará em favor do melhor direito, e não da parte que determina a atuação ministerial. Ao contrário, na dilação probatória, permitirá atuação mais voltada para o consumidor, requerendo a baixa dos autos em diligência, quando necessário, solicitando provas, etc. Deverá evitar e coibir, na medida do possível, atos meramente protelatórios e incompatíveis com a segurança, celeridade e efetividade da tutela jurisdicional. \\