=====4.2.1.2. Princípio da proteção integral===== \\ A doutrina da proteção integral foi instituída em 20 de novembro de 1989, na Declaração Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, formulada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança foi ratificada pelo Brasil em 22 de novembro de 1990, por meio do Decreto nº 99.710, com o fito de proteger a criança e o adolescente integralmente, em todas as suas necessidades. No ordenamento jurídico pátrio, a doutrina da proteção integral surgiu com status de texto constitucional. O art. 227 da Constituição da República assegurou à criança e ao adolescente todo um rol de direitos fundamentais. Os pormenores desta doutrina couberam à Lei nº 8.069/90 (ECA), que, já em seu art. 1º, faz menção expressa ao fato de tutelar a “proteção integral à criança e ao adolescente”, a qual, nos moldes do art. 3º, compreende a proteção ao “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social” da criança e do adolescente. Várias foram as alterações trazidas pela doutrina da proteção integral em substituição à da situação irregular explicitada no Código de Menores. Três dessas mudanças podem ser referidas como os cânones do microssistema instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente: I - A criança e o adolescente deixam a categoria de mero objeto de intervenção do mundo adulto, como se fossem algo do qual pudessem dispor, e se tornam sujeitos de direitos, obtendo todas as garantias fundamentais inerentes a essa condição (art. 3º). II - A defesa dos interesses e direitos deste público torna-se prioridade absoluta da República brasileira, o que acaba por repercutir no conteúdo estabelecido no art. 4º do Estatuto, a saber: >>“[...] a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas sociais; a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”. III - A criança e o adolescente passam a ser reconhecidos como pessoas em estado de desenvolvimento, devendo a família, a sociedade e o Estado respeitarem essa condição peculiar (art. 6º). O quadro a seguir compara o confronto entre as doutrinas da proteção integral e da situação irregular ((BRANCHER apud AMIN, Andréa R. Doutrina da Proteção Integral e princípios orientadores do direito da criança e do adolescente. In: MACIEL, Kátia R. F. L. A. (coord.). **Curso de direito da criança e do adolescente**: aspectos teóricos e práticos. 2.ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008. p.15.)): {{:cap10:tabela_aspectos.jpg|}} Em virtude do novo paradigma do ordenamento jurídico, diversos princípios que hoje norteiam o direito da criança e do adolescente foram sendo estatuídos. A nomenclatura e a quantificação desses princípios não são unânimes na literatura jurídica. Considerando sobretudo os focos de atuação do Ministério Público, adotaremos a divisão em cinco princípios, cujo domínio é essencial no dia-a-dia do Promotor de Justiça – o da prioridade absoluta, o da proteção integral, o do melhor interesse, o do peculiar estado de pessoa em desenvolvimento e o da municipalização. O julgado a seguir, proveniente do TJMG, demonstra o alcance do princípio da doutrina da proteção integral e instrui quanto a postura do Poder Judiciário diante da omissão do Poder Executivo em garantir os direitos de crianças e adolescentes: >>CONSTITUCIONAL. OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO NA CONSTRUÇÃO DE ABRIGOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. DETERMINAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA CUMPRIMENTO DE DEVER CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DE SEPARAÇÃO DE PODERES E À CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. A dignidade da pessoa humana, notadamente a da criança e do adolescente, é tutelada pela Constituição Federal e pela Lei n. 8.069/90. Assim, é dever inafastável dos Municípios de Carangola, de São Francisco Glória, de Faria Lemos e de Fervedouro empreenderem todos os esforços que efetivem o princípio fundamental de proteção integral à criança e ao adolescente, assegurando abrigo, apoio sócio-educativo, sócio-familiar e assistência material, moral, médica e psicológica, nos termos do art. 227, da CF, e dos arts. 4º, 6º, 7º, 15, 70, 86, 87, 88, 90 da Lei nº 8.069/90. O Poder Judiciário, no exercício de sua alta e importante missão constitucional, deve e pode impor ao Poder Executivo municipal o cumprimento da disposição constitucional que garanta proteção integral à criança e ao adolescente, sob pena de compactuar e legitimar com omissões que maculam direitos fundamentais das crianças e adolescentes, o que é vedado pelo texto constitucional. O posicionamento adotado não macula o princípio constitucional da separação de poderes. O referido princípio não pode ser empregado para justificar a burla à Constituição e para contrariar o interesse público. A omissão dos municípios de Carangola, São Francisco do Glória, Faria Lemos e de Fervedouro, para solucionar o grave problema de abandono e desabrigo dos menores em situação de risco, arrasta-se há anos. Falta interesse em resolver o problema. Enquanto nada é feito pelo Poder Executivo, a saúde, a vida, a dignidade, a integridade e a cidadania das crianças e adolescentes ficam ameaçadas e violadas. Tal situação gera angústia, sofrimento, perplexidade, apreensão e revolta nas crianças e adolescentes em situações de risco e na comunidade local. Maior violação à Constituição não há, pois valores constitucionais fundamentais estão sob constante e permanente lesão. Ao se admitir que o Poder Judiciário nada pode fazer ante tanto abuso e violação a direitos e garantias fundamentais constitucionais, estar-se-á rasgando o texto constitucional, condenando as crianças e adolescentes a situações degradantes, humilhantes, aflitivas, dolorosas que, muitas vezes, conduzem à marginalidade, à prostituição, e, às vezes, à morte, além de se atribuir ao Poder Judiciário papel decorativo ou de 'mero capacho' do Executivo. **TJMG**. Processo n.º 1.013305.027113-8/001 (1). Relatora: Ministra MARIA ELZA. Data do Julgamento: 29.11.2007. Data da Publicação: 19.12.2007. \\