=====4.2.1.4. Princípio do peculiar estado de pessoa em desenvolvimento===== \\ Este princípio serve como norte na interpretação dos dispositivos estabelecidos no art. 6º da Lei nº 8.069/90, mas também como fundamento do investimento prioritário que família, Estado e sociedade devem fazer com relação a crianças e adolescentes((“Art. 6º: Na interpretação desta lei, levam-se em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e os deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”)). Na verdade, trata-se de um axioma que legitima todos os demais princípios. Esta premissa parece ter relevância também por ser um comando ao gestor na formulação de políticas para este público em especial. A prestação de serviços, como acolhimento institucional, medidas socioeducativas e tratamento de alcoolismo e drogas, deve levar em conta todos os questionamentos, angústias e descobertas das pessoas em desenvolvimento. Vale mais investir na formação de crianças e adolescentes do que nos demais, porque o psiquismo ainda está longe de ser concluído nessa faixa etária, o que aumenta a probabilidade de se obter resultados mais frutíferos. A condição peculiar de pessoas em desenvolvimento consiste no fato de não conhecerem inteiramente seus direitos e não terem condições de defendê-los, além de ainda não serem capazes, principalmente as crianças, de suprir por si mesmas suas necessidades básicas. A definição de “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento” não pode ser feita apenas com base no que a criança ou o adolescente não sabe, não tem condições e não é capaz. Cada fase de desenvolvimento tem singularidades e completude relativa. Cada etapa representa um período de plenitude que deve ser compreendido e acatado pela família, sociedade e o Estado. Crianças e adolescentes detêm os mesmos direitos que os adultos, além dos direitos especiais advindos dessa condição. Nesse aspecto, o julgado a seguir versa sobre uma das muitas possibilidades de interpretação propiciada por tal princípio: >>"RECURSO ESPECIAL. PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. PRÉVIA CORRUPÇÃO DO ADOLESCENTE EM GRAU CORRESPONDENTE AO ILÍCITO PRATICADO COM O MAIOR DE 18 ANOS. INEXISTÊNCIA. CRIAÇÃO DE NOVO RISCO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA E TELEOLÓGICA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA. TIPICIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É firme a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o crime tipificado no art. 1º da Lei nº 2.252/54 é formal, ou seja, a sua caracterização independe de prova da efetiva e posterior corrupção do menor, sendo suficiente a comprovação da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 anos. 2. Na hipótese, as instâncias ordinárias consignaram que as passagens anteriores do menor pela Vara da Infância e da Juventude, por atos infracionais praticados mediante violência ou grave ameaça, aliadas ao seu comportamento no fato descrito na denúncia – roubo –, revelariam a prévia corrupção moral do adolescente, caracterizadora do crime impossível. 3. Procedimentos judiciais em curso na Vara da Infância e da Juventude não podem ser considerados como prova de prévia corrupção do menor, por decorrência lógica de não serem sequer prova de sua participação em ato infracional. 4. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: ‘A remissão não implica reconhecimento de responsabilidade, nem vale como antecedente, ex vi do art. 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente’ (REsp 909.787/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 3/9/07). 5. Tratando-se de criança ou adolescente, não existe pretensão punitiva estatal propriamente, mas apenas pretensão educativa, que, na verdade, é dever não só do Estado, mas da família, da comunidade e da sociedade em geral, conforme disposto expressamente na legislação de regência (Lei nº 8.069/90, art. 4º) e na Constituição Federal (art. 227). 6. É nesse contexto que se deve enxergar o efeito primordial das medidas socioeducativas, mesmo que apresentem, eventualmente, características expiatórias – efeito secundário –, pois o indiscutível e indispensável caráter pedagógico é que justifica a aplicação das aludidas medidas, da forma como previstas na legislação especial (Lei nº 8.069/90, arts.112-125), que se destinam essencialmente à formação e reeducação do adolescente infrator, também considerado como pessoa em desenvolvimento (Lei nº 8.069/90, art. 6º), sujeito à proteção integral (Lei nº 8.069/90, art. 1º) por critério simplesmente etário (Lei nº 8.069/90, art. 2º, caput). 7. O art. 1º da Lei nº 2.252/54, que tem como objetivo primário a proteção do menor, não pode, atualmente, ser interpretado de forma isolada, tendo em vista os supervenientes direitos e garantias menoristas inseridos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Afora os direitos já referidos anteriormente, importa registrar que à criança e ao adolescente são asseguradas todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento, físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (Lei nº 8.069/90, art. 3º). 8. Diante disso, dessume-se que o fim a que se destina a tipificação do delito de corrupção de menores é impedir o estímulo tanto do ingresso como da permanência do menor no universo criminoso. Assim, o bem jurídico tutelado pela citada norma incriminadora não se restringe à inocência moral do menor, mas abrange a formação moral da criança e do adolescente, no que se refere à necessidade de abstenção da prática de infrações penais. 9. Por conseguinte, mesmo na hipótese da participação anterior de criança ou adolescente em ato infracional, reconhecida por sentença transitada em julgado, não haveria razão para o afastamento da tipicidade da conduta, porquanto do comportamento do maior de 18 anos advém a criação de novo risco ao bem jurídico tutelado. 10. De fato, a criança e o adolescente estão em plena formação de caráter e personalidade e, por essa causa, a repetição de ilícitos age como reforço à eventual tendência infracional anteriormente adquirida. 11. Nesse contexto, considerar inexistente o crime de corrupção de menores pelo simples fato de ter o adolescente ingressado na seara infracional equivale a qualificar como irrecuperável o caráter do inimputável – pois não pode ser mais corrompido – em virtude da prática de atos infracionais. Em outras palavras, é o mesmo que afirmar que a formação moral do menor, nessa hipótese, encontra-se definitiva e integralmente comprometida. 12. Todavia, tal entendimento, como visto, fere o espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo-se observar que até mesmo a internação, medida socioeducativa privativa de liberdade e de maior gravidade aplicável ao menor infrator, está sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (Lei nº 8.069/90, art. 121, caput). 13. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a tipicidade da conduta. STJ REsp 1031617/DF. RECURSO ESPECIAL 2008/0033109-7. Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA. Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 29.05.2008. Data da Publicação/Fonte: **DJe** 04/08/2008". \\