=====4.5.2. Os Procedimentos de Cunho Familiar===== \\ O direito ao convívio familiar e comunitário é direito público subjetivo de crianças e adolescentes, garantia fundamental estabelecida nos textos constitucional (art. 227) e estatutário (art. 19), //in verbis//: >> Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. >> >>Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. A família desempenha papel essencial no processo de desenvolvimento da criança e do adolescente. Além de ser a instituição mais adequada ao atendi- mento das necessidades de subsistência. Conforme expõe Cintra (2003, p. 100), “[...] a família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de se aprender o uso adequado da liberdade. É onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde ele é lançado para a sociedade e para o universo”. Acolhendo tal entendimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu uma série de artigos principiológicos, norteadores da atuação do operador jurídico, a seguir arrolados: ====Preferência pela família natural==== A preferência pela família natural decorre da leitura do art.19, que confere o caráter excepcional à família substituta, priorizando os laços consangüíneos, que deverão ser mantidos sempre que possível. Entretanto, a prevalência da família biológica sob a substituta apenas se prevalecerá na medida em que a família natural conceder à criança ou ao adolescente tratamento benéfico e não afrontar nenhum de seus direitos fundamentais. Assim, se se detectar que a família natural carece de condições emocionais e afetivas, se o ambiente familiar não for “[...] livre de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes” (art. 19), ainda que seja vontade dos pais biológicos ter com eles seus filhos, a estes deverá ser designada família substituta. ====Igualdade entre os filhos==== A igualdade entre os filhos, por sua vez, foi uma das mais significativas alterações introduzidas pela Constituição da República de 1988, quando, por seu art. 227, § 6o, determinou que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Agora, não importa se o filho foi tido fora do casa- mento ou em razão de adultério. Todos, indepen- dentemente da relação da qual sejam oriundos, têm o mesmo estatuto jurídico. ====O exercício do poder familiar==== Outra novidade introduzida pela Carta Magna é o exercício do poder familiar em igualdade de condições entre o pai e a mãe, o que não poderia ser diferente ante o princípio da igualdade, também constitucionalmente adotado. Consoante se depreende da leitura do § 5o do art. 226: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, da mesma forma, não se manteve omisso, disciplinando no art. 21: >> Art. 21. O pátrio-poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. Assim como ocorreu a questão da filiação, foi a Constituição Federal que estabeleceu a gerência da sociedade conjugal e do poder-familiar tal qual hoje se conhece. Na história jurídico-social brasileira, desde o Brasil Colônia até a década de 60, o pai e marido - o "chefe da família" - exercia com exclusividade a gerência da família, impondo sua vontade sobre a de seus filhos e a de sua esposa. Apenas a partir de 1962, com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada (Lei no 4.121), é que à brasileira foi conferida a possibilidade de exercer o “pátrio-poder” na qualidade de “colaboradora do marido” –, condição que perdurou até a publicação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, quando se reconheceu a igualdade de direitos e de- veres do homem e da mulher. No ordenamento jurídico em vigor, a gerência da família é dever comum do homem e da mulher e, conseqüentemente, o poder familiar é exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe. ====Os deveres decorrentes do poder familiar==== Atualmente, dentro da nova sistemática adotada pela Constituição, o poder familiar caracteriza-se por sua “indisponibilidade” e “irrenunciabilidade”, ou seja, os pais não podem dele dispor, a título gratuito, menos ainda a título oneroso, podendo desta última conduta resultar em crime, nos termos do art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outrossim, caracteriza-se como direito imprescritível, de modo que, enquanto perdurar a menoridade civil dos filhos, o poder familiar se extingue em razão do estatuído na lei: morte, emancipação, maioridade, adoção e decisão judicial em procedimento de perda ou suspensão do poder familiar (art. 1.635 do Código Civil). O poder familiar, apesar de sua denominação, assemelha-se mais a um “poder/dever”, haja vista que, se de um lado confere o direito de criar o filho e com ele partilhar valores, de outro, impõe o dever de lhe oferecer as condições materiais de seu sustento, de sua segurança e de sua educação. Os deveres decorrentes do poder familiar encontram-se descritos na legislação civil (art. 1.634) e estatutária (art. 22), //in verbis//: >>Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: >> >>I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. >> >>Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo- lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Nas palavras de Ferreira (2004), “o direito dos pais em ter os filhos em sua guarda e companhia não é absoluto e resulta do correto exercício do poder familiar”. Assim, os pais devem atender à exigência da lei civil e estatutária, garantindo o pleno, saudável e normal desenvolvimento de seus filhos, sob pena de serem aplicadas as medidas da Lei, inclusive a perda ou suspensão do poder familiar. Por fim, interessante lembrar, que a destituição ou suspensão do poder familiar não desonera pai e mãe de, eventualmente, em estando presentes os requisitos, pagar alimentos à prole. Gonçalves (2002), ao comentar o conteúdo do poder familiar quanto à pessoa dos filhos, argumenta que: >>A infração ao dever de criação configura, em tese, o crime de abandono material (CP, art. 244) e constitui causa de perda do poder familiar (Código Civil, art. 1.638, inc. II). A perda deste não desobriga os pais de sustentar os filhos, sendo-lhes devido alimentos ainda que estejam em poder da mãe, em condição de mantê-los. Não fosse assim, o genitor faltoso seria beneficiado com a exoneração do encargo, que recairia integralmente sobre o outro cônjuge. Ora, a suspensão e perda do poder familiar constituem punição e não prêmio ao comportamento faltoso. ====O poder familiar e a escassez de recursos financeiros==== Diante da realidade social que nos assola, é importante compreender que, diante da nova ordem constitucional, a falta de recursos não constitui motivo suficiente para a perda ou mesmo suspensão do poder familiar (art. 23, caput). “Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio” (art. 23, parágrafo único). A inclusão do art. 23 no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente importou em um grande avanço legislativo, à medida que se contrapõe ao art. 2o, inc. I, alínea “b”, do Código de Menores, que considerava em situação irregular a criança ou o adolescente privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão da manifesta impossibilidade de os pais ou o responsável para provê-la. O Código de Menores, por sua “doutrina da situação irregular”, na verdade, punia as famílias pobres por sua situação de miserabilidade, imputando-lhes a responsabilidade por essa condição, desincumbindo o Estado do dever de promover a igualdade social. Pela nova ordem social, em especial pelo que determina o parágrafo único do art. 23, cabe ao Estado suprir as condições materiais quando as falte à família, incluindo a criança, o adolescente e os demais em programas sociais. Aliás, a inclusão em programas tais é uma das medidas de proteção aplicáveis pelo Juiz/Conselheiro Tutelar. A dificuldade encontrada é a de o Município efetivamente oferecer um serviço de tal natureza, e que ele tenha resolutividade no sentido de criar condições de reversão da condição econômico-social na qual se encontra a família que, em razão disso, tem poucas condições de cuidar bem de seu pequeno. \\