=====4.6.7. O direito à educação,à cultura, ao esporte e ao lazer===== \\ Nos termos do art. 205 da Constituição Federal, a educação é “[...] direito de todos e dever do Estado e da família” e deverá ser “[...] promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”, almejando o “[...] pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A Carta de 1988 lista princípios orientadores do sistema educacional pátrio ao longo dos incisos do seu art. 206: >>”Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: >>I - igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; >>II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; >>III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; >>IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; >>V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; >>VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; >>VII - garantia de padrão de qualidade; >>VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”. No Brasil, o sistema de ensino é organizado em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 211, caput, da CF/88). Os Municípios deverão atuar prioritariamente no Ensino Fundamental e na educação infantil (art.211, § 2º, da CF/88), enquanto os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e Médio (art. 211, § 3º, da CF/88). As diretrizes e bases da educação brasileira encontram-se regulamentadas na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), a qual determina que a educação deverá abranger os “processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (art. 1º da LDB). Apesar da imposição da lei, o Brasil ostenta uma elevada taxa de analfabetismo. De acordo com a Unesco, estima-se que 13,6 milhões de adultos brasileiros sejam analfabetos, valores que, se reduzidos à população jovem (idade compreendida entre 15 e 24 anos) representam mais de um milhão de analfabetos. Se a alfabetização de todos os cidadãos é requisito fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, mais livre de violência e corrupção, proporcionar educação pública de qualidade também o é. Todavia, a educação pública brasileira encontra-se à beira de um colapso. A péssima remuneração e o baixíssimo investimento na qualificação dos professores, que trabalham nas mais adversas situações, acabam piorando o quadro. O Sistema de Avaliação da Educação Básica mostra que o desempenho em matemática era “crítico” ou “muito crítico”, em 51,6% dos alunos do quarto ano do Ensino Fundamental; em Língua Portuguesa, essa índice alcançou 55,4% (UNESCO). Os resultados foram ainda piores na avaliação das últimas séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. No Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA), o Brasil ocupou as últimas posições tanto em 2000 quanto em 2003 (UNESCO)(( O PISA é um programa internacional de avaliação comparada, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos (idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países). O programa é desenvolvido e coordenado internacionalmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Brasil, a coordenação regional ficou a cargo do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.)). Essas notas refletem a baixa qualidade e a incapacidade do ensino brasileiro de transmitir conhecimento, desenvolver senso crítico e capacitar cidadãos. Embora o Brasil tenha progredido nos últimos anos, principalmente na universalização do ensino fundamental obrigatório, ainda são muitas as deficiências do sistema de ensino. Por incrível que pareça, a maioria das escolas públicas não dispõe de projeto pedagógico, uma ausência absurda que talvez seja um dos fatores da baixa qualidade do aprendizado comprovada pelos levantamentos. Fomentar a elaboração de projetos pedagógicos que levem em conta as demandas teóricas e comunitárias e envolvam alunos e familiares é uma medida que pode viabilizar melhorias na qualidade do ensino. Outra frente que exige atenção é a violência escolar. Em caso de //bullying//, por exemplo, muitos estabelecimentos não possuem regimento interno que estabeleça disciplina, procedimentos de apuração e sanções. Além disso, há educadores que não visualizam uma distinção clara entre ato de indisciplina e ato infracional e pedem intervenção judicial em questões tipicamente educativas, com as quais deveria estar mais qualificado a lidar do que um Juiz ou um Promotor. Uma discussão democrática entre a comunidade escolar (direção, professores, alunos e pais) sobre os termos de um regimento poderia ser altamente produtiva, por abordar questões como lei, bem comum, responsabilidade, respeito, ética, dignidade, limites etc. Isso possibilitaria inclusive a pactuação de novos comportamentos, dependendo de como o assunto fosse abordado. O projeto pedagógico e o regimento interno podem consubstanciar-se em instrumentos úteis para tratar mais devidamente as questões de qualidade de ensino e violência escolar. Para tanto, é de extrema pertinência a participação dos pais nesses dois processos, que podem ser desencadeados pelos Promotores de Justiça. Nesse ponto, sugerimos que as escolas da Comarca sejam mapeadas, o que pode ser feito simplesmente enviando-se um ofício à Secretaria Municipal de Educação, a fim de se estabelecer contato com os diretores para que estes promovam a elaboração de tais propostas. A melhor atitude é sempre o diálogo cortês, posicionando o Ministério Público como parceiro nessa construção. Propor debates entre todos os atores envolvidos para a elaboração do projeto pedagógico e do regimento interno é uma iniciativa recomendável, , inclusive estipulando cronograma e agenda e sugerindo atividades pedagógicas, como concurso de cartas, redação, teatro, debates etc. Entretanto, nem sempre tais contatos são amistosos. Se as tentativas de convencimento não surtirem efeito, o Promotor de Justiça poderá lançar mão dos instrumentos ao seu alcance - recomendação, TAC, ação civil pública, audiência pública etc. \\ ====O direito à igualdade==== \\ A igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola é direito fundamental expressamente indicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53, inc. I). Em virtude da igualdade de condições, o adolescente que estiver cumprindo medida socioeducativa na modalidade de internação também deverá ter acesso ao conteúdo programático específico para sua escolaridade (art. 124, inc. XI, do ECA). De igual modo, o infante com deficiência deverá ser atendido preferencialmente pela rede regular de ensino (art. 54, inc. III, do ECA), sendo-lhe garantida educação especial adaptada às suas necessidades (art. 58 da LDB) no sentido de complementá-la. No entanto, as desigualdades materiais nem sempre permitem desfrutar dessa garantia. Para colaborar com o orçamento doméstico, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade são retirados da escola e lançados no universo do trabalho infantil. Esse mecanismo é extremamente cruel porque compele o infante a exercer atividades para as quais não está física nem psicologicamente preparado. Cedo ou tarde, o trabalho infantil prevalece sobre os estudos e o condena a ocupações insuficientemente remuneradas, justamente em razão de sua baixa escolaridade. A garantia de igualdade de condições engloba também a questão da qualidade do ensino. Mesmo que uma escola obtenha maior êxito em seu processo pedagógico do que outras, é inadmissível o abismo que se formou entre escolas públicas e privadas nas últimas décadas. A falta de investimentos em condições materiais é notória: nem sempre há material didático, não há recursos tecnológicos, a estrutura física não recebe reparos, não há material adequado para a limpeza e, muitas vezes, faltam professores bem qualificados e remunerados. Tudo isso faz com que o Ministério Público seja constantemente acionado para obrigar entes públicos a cumprir o dever de proporcionar educação de qualidade. A reinclusão de filosofia e sociologia entre as disciplinas obrigatórias do Ensino Médio, excluídas em 1971 com a reforma educacional promovida pela Ditadura Militar, expôs um problema corrente na rede pública: a falta de professores qualificados. O diretor da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), Dilvo Ristoff, confessou temer que a ausência de professores capacitados para essas duas disciplinas inviabilize o cumprimento da Lei nº 11.684/2008, que alterou o art. 36 da LDB. Um estudo feito pela CAPES estima que, no Brasil, apenas 23% dos 31 mil profissionais lecionando filosofia têm formação específica; em sociologia, apenas 12% dos cerca de 20 mil professores têm licenciatura. Embora a pesquisa tenha se direcionado a filosofia e sociologia, as demais disciplinas também carecem de professores. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) já havia constatado em 2004 a falta de professores em sala de aula. Na época, seriam necessários 254 mil professores para suprir as turmas do segundo ciclo do Ensino Fundamental. Considerando também o Ensino Médio, o déficit chegava a 771 mil professores na rede pública ((SAYED, Alexandre. Carência de professores de ciências atrasa o desenvolvimento econômico do Brasil. **Revista Educação**. São Paulo, n. 95, mar/2005.)). \\ ====As condições e a permanência==== \\ Ao prever o direito à educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente não determinou apenas a oferta de vagas, mas impôs expressamente que fossem asseguradas as condições da permanência da criança na escola (art. 53, inc. I). No Ensino Fundamental, eventuais dificuldades de permanência devem ser suplementadas pelo fornecimento de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 54, inc. VII). Antes mesmo da promulgação do Estatuto, a Constituição da República já havia determinado, no inc. VII do seu art. 208, o “atendimento ao educando, no Ensino Fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Dessa forma, deve-se dar atenção a fatores que possam assegurar a permanência da criança e do adolescente nos bancos escolares, e o Estado deve garantir todos os bens e serviços necessários para tanto. São condições inegáveis de permanência: \\ **//a) O material didático e escolar//** Três dispositivos legais determinam o fornecimento do material didático e escolar por meio de programas suplementares a estudantes do Ensino Fundamental: art. 208, inc. VII, da Constituição Federal; art. 54, inc. VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e o art. 4º, inc. VIII, da Lei de Diretrizes Básicas da Educação. Atualmente, o programa de fornecimento de livro – Programa Nacional do Livro Didático – encontra-se disciplinado na Resolução nº 03, de 14 de janeiro de 2008, do Ministério da Educação: >>”Art. 1º Prover as escolas de ensino fundamental público, regular e especial, das redes federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal, bem como as escolas privadas de educação especial, nas categorias comunitária e filantrópica, mantidas por sindicato laboral ou patronal, associação, organização não governamental, nacional ou internacional, APAE e Associação Pestalozzi, definidas no Censo Escolar, que prestem atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais, com o fornecimento de: >>I - livros didáticos de qualidade, abrangendo os componentes curriculares de Alfabetização Lingüística e Alfabetização Matemática, Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Língua Estrangeira e dicionário da Língua Portuguesa; >>II - obras pedagógicas complementares aos livros didáticos e materiais didáticos adequados aos alunos do ensino fundamental, abrangendo as áreas do conhecimento de Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Humanas e Linguagem e Códigos”. O Ministério da Educação distribui tanto livros didáticos que abranjam componentes curriculares quanto obras complementares e materiais didáticos adequados aos estudantes do Ensino Fundamental público – independentemente de a escola pertencer à rede federal, estadual ou municipal – e aos de escolas privadas de educação especial, desde que pertençam à categoria de entidade comunitária ou filantrópica. O atendimento destina-se às nove séries do Ensino Fundamental, e sua execução ocorre na forma do art. 5º da Resolução: >>”I - distribuição anual, de forma integral, de livros consumíveis ao alunado do 1º e 2º anos do ensino fundamental; II - distribuição trienal, de forma integral, de livros não consumíveis ao alunado do 2º ao 9º ano do ensino fundamental; III - complementação anual, de forma parcial, ao alunado do 2º ao 9º ano do ensino fundamental, de livros não consumíveis para cobrir eventuais acréscimos de matrícula; e IV - reposição anual, de forma parcial, ao alunado do 2º ao 9º ano do ensino fundamental, de livros não-consumíveis para substituir aqueles porventura danificados ou não devolvidos ao final do período letivo”. Os livros relativos à educação de Ensino Médio não estão previstos expressamente na lei, mas são distribuídos em escolas públicas estaduais, municipais e do Distrito Federal por meio da Portaria do Ministério da Educação nº 2.922/2003, que institui o Programa Nacional do Livro do Ensino Médio. Pela Portaria, não apenas livros didáticos devem ser distribuídos, mas também outros suprimentos didáticos de qualidade, para uso de alunos e professores. Diante da situação de miserabilidade na qual muitas crianças e jovens se encontram, o fornecimento de livros didáticos não é suficiente, por isso a lei prevê o fornecimento de materiais didáticos e escolares a famílias sem condições de comprá-los. \\ **//b) O transporte escolar//** Assim como o material didático e escolar, o transporte escolar também é concedido a estudantes do Ensino Fundamental, no intuito de garantir a frequência às aulas, e está previsto nos seguintes dispositivos: art. 208, inc. VII, da Constituição Federal; art. 54, inc. VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e o art. 4º, inc. VIII, da Lei de Diretrizes Básicas da Educação. A dificuldade de percorrer longos trajetos a pé ou em meios de transporte perigosos e irregulares, como carretas abertas e caçambas de caminhão, é responsável por um grande percentual de desistência escolar. A Portaria Ministerial nº 955, de 21 de junho de 1994, criou o Programa Nacional de Transporte Escolar, no âmbito do Ministério da Educação, para garantir assistência financeira aos municípios e às organizações não-governamentais na aquisição de veículos novos, destinados exclusivamente ao transporte de estudantes da rede pública estadual e municipal, de Ensino Fundamental e da educação especial, com verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Já a Lei nº 10.880, de 9 de junho de 2004, instituiu o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE), com o objetivo de oferecer transporte a alunos do Ensino Fundamental residentes em área rural. Pela Resolução nº 21/2006, de 19 de abril de 2006, do Ministério da Educação, foram aprovados os parâmetros de apoio financeiro suplementar a projetos educacionais, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, visando a comprar veículos automotores de transporte coletivo (zero quilômetro) para o transporte diário de alunos da educação especial. O objetivo foi facilitar o acesso e a permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais. Destaca-se que a criança e o adolescente com necessidades especiais de locomoção têm direito a transporte adaptado, condição nem sempre observada. O Promotor de Justiça deve estar atento também à segurança no transporte escolar. A Lei nº 9.503/97, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, prevê que: * a) os veículos devem possuir autorização para transporte de escolares, emitida pelo órgão de trânsito do Estado, afixada na parte interna do veículo, em local visível; * b) os limites de lotação dos veículos devem ser respeitados e que todos os ocupantes tenham cintos de segurança a sua disposição; * c) os veículos devem ser submetidos à inspeção, no Município, no mínimo, semestralmente; * d) os motoristas devem: 1) ser aprovados em Curso Especializado; 2) ter idade superior a vinte e um anos; 3) possuir Carteira Nacional de Habilitação de categoria D; e 4) não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima, ou ser reincidente em infrações médias, durante os doze últimos meses. Para finalizar, ressalta-se que o transporte escolar não permite carona ou transporte de não estudante. \\ **//c) A merenda escolar//** A concessão da merenda escolar é um direito disciplinado em três dispositivos: art. 208, inc. VII, da Constituição Federal; art. 54, inc. VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e art. 4º, inc. VIII, da LDB. A merenda é um dos mais importantes motivos a fomentar a frequência à escola. A renda familiar da maior parte dos estudantes do ensino público é muita baixa, o que implica na redução da quantidade e da qualidade de alimentos no ambiente doméstico. Diante desse quadro, é essencial que ao menos na escola a criança e o adolescente recebam alimentação adequada, saudável e nutritiva. A Lei nº 8.913, de 12 de julho de 1994, estabelece a municipalização da merenda escolar, seguindo a lógica estatutária que determinou a municipalização do atendimento das políticas sociais referentes à criança e ao adolescente (art. 88, inc. I, do ECA). Quanto ao auxílio do custeio da merenda pelo município, o FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação) mantém um programa de repasse de verbas para que o próprio Município adquira os alimentos diretamente do produtor local e se encarregue do preparo da merenda. \\ **//d) O uniforme escolar//** A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes Básicas da Educação não tratam expressamente acerca do uniforme escolar. Porém, se a escola obrigar o uso do uniforme, o poder público deverá fornecê-lo ao estudante carente pois, caso contrário, isso poderá se tornar um obstáculo à frequência do aluno à escola. A Lei nº 8.907/94 impõe critérios para a escolha do uniforme, como a condição econômica dos estudantes e de suas famílias e o clima da localidade onde a escola está instalada. É permitido inscrever o nome da escola no tecido, mas é proibido que os uniformes sejam utilizados como meio de divulgação de política partidária, ainda que subliminar, tampouco da administração pública em vigor. \\ **//e) A escola pública próxima à residência//** No art. 53, inc. V, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que deverá ser garantido o acesso à escola pública próxima à residência da criança e do adolescente. Essa determinação é importante porque evita transtornos e gastos com o deslocamento casa/escola. Contudo, sua eficácia está condicionada ao bom desempenho do poder público em fornecer o número de vagas adequado à demanda local, fato que, muitas vezes, não é observado. O TJMG vem dando guarida a esse direito: >>”APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - MATRÍCULA DE MENOR EM LOCAL MAIS PRÓXIMO À SUA RESIDÊNCIA - ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE - ART. 53, INC.V - SENTENÇA MANTIDA. O direito à educação é assegurado pelos arts. 205 e 208 da Constituição Federal. O art. 53, V, do ECA, Lei 8.069/90, assegura que a criança e o adolescente têm direito à escola pública em lugar próximo à sua residência. Em respeito à legislação vigente, mantém-se a sentença que julga procedente o pedido. **TJMG**. Relator: MAURO SOARES DE FREITAS. Data do Julgamento: 28.02.2008. Data da Publicação: 28.03.2008”. \\ ====O ensino fundamental obrigatório==== \\ O Estatuto da Criança e do Adolescente determina ao Estado o dever de assegurar vaga no Ensino Fundamental à criança e ao adolescente (art. 54, inc. I, do ECA), definindo-o como direito público subjetivo (art. 54, §1º, do ECA). O poder público tem por obrigação garantir vagas suficientes para todos, por todo o período letivo, cumprindo a carga horária mínima e o conteúdo programático exigidos por lei. Se, de um lado, a Administração Pública está incumbida de garantir o acesso aos bancos escolares, de outro, os pais ou o responsável deverão providenciar a matrícula da criança ou adolescente, sob pena de caracterização do crime de abandono intelectual, nos termos do art. 246(("Art. 46 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:\\ Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.")) do Código Penal. O Ensino Fundamental será presencial, permitida a modalidade de ensino a distância apenas como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais, como a educação de jovens e adultos (art. 32, § 4º, da LDB). Por fim, em obediência à determinação do art. 32, § 5º, da LDB, o currículo do Ensino Fundamental inclui, obrigatoriamente, conteúdo sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz o Estatuto da Criança e do Adolescente, que deverá ser impresso e distribuído como material didático. \\ ====O ensino médio e a extensão de sua obrigatoriedade==== \\ Ao contrário do Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito por lei, ao Ensino Médio o constituinte e o legislador estatutário garantiram apenas sua “progressiva extensão de obrigatoriedade e gratuidade” (art. 208, inc. II, da CF, e art. 54, inc. II, do ECA). Considerando tais dispositivos, o poder público não estaria vinculado ao fornecimento de vagas relativas ao Ensino Médio em número suficiente ao atendimento de todos que por ela pleiteassem. Não obstante tal primeira inferência, Amim ((AMIM, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral e Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Kátia (coord.). **Cursode direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos**. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 51-52.)) apresenta uma teoria contrária à leitura da norma, aduzindo que, quando a educação emergiu à categoria de direito fundamental, passou a compor o conjunto de direitos que “[...] asseguram a sobrevivência e a formação digna do ser humano”, sendo, portanto, um direito universal. Segundo a autora, a Constituição Federal apenas priorizou o Ensino Fundamental, direcionando-lhe o foco da Administração Pública, sentido que não se confunde com a obrigação de o Estado de garantir o acesso a todos, até mesmo porque o Ensino Médio compõe etapa da educação básica. Nessa linha, por ser a educação direito fundamental – e não apenas a educação restrita ao Ensino Fundamental –, o Estado deverá, sim, garantir acesso ao Ensino Médio a todos que a ele acorrerem ((AMIN, 2007, p. 52.)). As diretrizes básicas do Ensino Médio estão traçadas no art. 35 da Lei nº 9.394/1996 e determinam sua duração mínima em três anos, condicionando-o às seguintes finalidades: * a) consolidação e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos (inc. I); * b) preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores (inc. II); * c) aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (inc. III); e * d) compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (inc. IV). O currículo do Ensino Médio também é tratado na Lei de Diretrizes Básicas da Educação, mais precisamente nos incisos e parágrafos do art. 36: >>”Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: >>I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; >>II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes; >>III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição; >>IV - serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”. O conteúdo, a metodologia de ensino e as formas de avaliação serão organizados de modo que, ao concluir o Ensino Médio, o estudante domine os princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e conheça as formas contemporâneas de linguagem (art. 36, § 1º, da LDB). O diploma de conclusão do Ensino Médio terá equivalência legal e habilitará o estudante a prosseguir os estudos em nível superior (art. 36, § 3º, da LDB). \\ ====A educação tecnológica e profissionalizante==== \\ Um dos investimentos na educação propiciada no país tem sido feito no sentido de preparar o adolescente para a vida profissional. Como o mercado de trabalho é escasso para quem não possui qualificação, a Lei nº 11.741/2008 integrou o ensino profissional e técnico ao Ensino Médio, acrescentando à LDB os arts. 36-A, 36-B, 36-C e 36-D. Pela nova lei, o Ensino Médio, desde que atenda à formação geral do estudante, poderá também prepará-lo para o exercício das profissões técnicas (art. 36-A da LDB). A preparação necessária à habilitação profissional poderá ser desenvolvida tanto no próprio estabelecimento de Ensino Médio quanto em cooperação com instituições especializadas em educação profissional (parágrafo único, art. 36-A da LDB). A educação técnica de nível médio poderá ser concomitante ou subsequente ao Ensino Médio (art. 36-B, inc. I e II, da LDB). Indiferentemente da forma como serão desenvolvidos, os programas dos cursos deverão observar as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (art. 36-B, parágrafo único, inc. I, da LDB) e as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino (art. 36-B, parágrafo único, inc. II, da LDB). A educação profissionalizante técnica de nível médio, por sua vez, será desenvolvida de maneira integrada àqueles que já tenham concluído o Ensino Fundamental (art. 36-C, inc. I, da LDB) ou concomitante aos que já ingressaram no Ensino Médio ou já o estejam cursando (art. 36-C, inc. II, da LDB). Os diplomas de educação profissional ou técnica de nível médio devidamente registrados são válidos em todo o território nacional, habilitando o estudante inclusive a prosseguir seus estudos em nível superior (art. 36-D da LDB). \\ ====A educação infantil==== \\ A educação infantil corresponde à primeira etapa da educação básica, destinada a processos pedagógicos capazes de garantir o desenvolvimento pleno da criança com idade inferior a cinco anos, o que incorpora os aspectos físico, psicológico, intelectual e social (art. 29 da LDB). Inicialmente, embora a LDB informe que a educação infantil se destina a crianças com idade inferior a seis anos, a Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, alterou a idade máxima de atendimento para cinco anos, uma vez que o ingresso no Ensino Fundamental, hoje com duração de nove anos, pode ter início aos cinco anos de idade. Na primeira infância, são formadas as sinapses nervosas – pontes que enviam as informações recebidas de um neurônio ao outro –, permitindo que o cérebro se organize. Neste período, a criança está apta a desenvolver habilidades e captar conhecimentos, estabelecendo inclusive as bases de sua personalidade. Em pesquisa patrocinada pela Universidade Cornell (Estados Unidos), o psicólogo Ulric Neisser percebeu que a média do quociente intelectual (QI) das crianças americanas havia subido mais de 20 pontos nos últimos 50 anos. O pesquisador atribuiu o progresso aos estímulos na primeira infância, já que as mudanças sociais, como a admissão da mulher no mercado de trabalho, resultaram no ingresso das crianças mais precocemente nas escolas e creches, onde teriam recebido estímulo necessário ao seu melhor desenvolvimento. A educação infantil será oferecida em creches para crianças com idade de até três anos de idade (art. 30, inc. I, da LDB); e em pré-escolas para crianças com quatro e cinco anos (art. 30, inc. II, da LDB c/c art. 1º, da EC nº 53/2006). À parte os benefícios promovidos pela educação infantil no desenvolvimento da criança, a sua conclusão não constitui requisito para o acesso ao Ensino Fundamental (art. 31 da LDB), como ocorre no Ensino Fundamental em relação ao Ensino Médio. Isso se justifica por dois motivos: primeiro, por ser o Ensino Fundamental obrigatório, motivo pelo qual não se podem criar obstáculos à sua matrícula e ao seu acompanhamento; e, segundo, porque o poder público nem sempre tem se mostrado capaz de oferecer vagas suficientes a todas as crianças. Nesse aspecto, já há julgados pertinentes à garantia de tal direito: >>”APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. FORNECIMENTO DE VAGA EM CRECHE. DIREITO À EDUCAÇÃO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. ALEGAÇÃO DE INGERÊNCIA AFASTADA. VERBA HONORÁRIA. ISENÇÃO DO ESTADO OU MUNICÍPIO. CONFUSÃO ENTRE CREDOR E DEVEDOR. MUNICÍPIO. CABIMENTO. Nos termos do inc. IV do art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como inc. IV do art. 208 da Constituição Federal, é dever do poder público assegurar atendimento em creche ou pré-escola, porquanto se trata de direito fundamental social inerente a qualquer criança. A administração pública, que prima pelo princípio da publicidade dos atos administrativos, não pode se escudar na alegada discricionariedade para afastar do Poder Judiciário a análise dos fatos que envolvem eventual violação de direitos. **TJRS**. Apelação Cível n.º 70034118786. Órgão Julgador: Oitava Câmara Cível”. O fato de o ensino infantil não ser obrigatório não significa que o Poder Público pode se escusar de oferecê-lo. Por lei, a família não é obrigada a matricular a criança em creche ou pré-escola, mas, se o fizer, o Poder Público tem obrigatoriedade de atendê-la. De acordo com tabela desenvolvida pela Unicef ((UNICEF Brasil. **Situação Mundial da Infância 2008**: Caderno Brasil. Disponível em: Acesso em: 26 jul. 2008.)), em 2006, no Brasil, apenas 15,5% das crianças com idade não superior a três anos e 76% com idade entre quatro e seis anos tinham acesso à educação infantil: {{:cap10:tabela0129-07.jpg|}} Apesar de o direito à educação ainda não ser garantido a todas as crianças, de 2001 a 2006, o índice de crianças com acesso à educação em pré-escolas (com idade entre 4 e 6 anos) subiu de 65,6% para 76%, ultrapassando a marca de 10 pontos percentuais em apenas cinco anos. O papel do Promotor de Justiça para a proteção desse direito passa por exigir do poder público a oferta de vagas em centros de educação infantil (creches), conforme determina o art. 54, inc. IV, do Estatuto. Outra demanda bastante comum ocorre em função do fechamento das creches nos meses de férias escolares. É dever do poder público manter as creches abertas em julho e entre dezembro e fevereiro, por entender que a formação educacional da criança é contínua, e também para viabilizar o trabalho dos pais ou responsáveis, que não deixam de trabalhar nesses períodos. \\ ====O ensino noturno ao adolescente trabalhador==== \\ A Constituição Federal de 1988 previu como dever do Estado oferecer vagas de ensino noturno regular adequado às condições do educando (art. 208, inc. VI), para que o adolescente trabalhador não abandone a escola. O Estatuto da Criança e do Adolescente limita-se a repetir os termos da Carta Magna, em seu art. 54, inc. VI: >>”Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: >>[...]; >>VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador”. Em princípio, podem frequentar a grade noturna estudantes que já tenham idade mínima para o trabalho, qual seja, 16 anos, nos moldes do inc. XXXIII do art. 7º da Constituição da República. No entanto, o adolescente maior de 14 anos de idade que tiver firmado contrato de aprendizagem também será autorizado a cursar o ensino noturno, recorrendo-se à tutela jurisdicional se a matrícula lhe for negada ((AMIM, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral e Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Kátia (coord.). **Cursode direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos**. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 53.)). Alguns autores defendem que a matrícula em curso noturno seja autorizada também a alunos que ainda não completaram 16 anos, mas que têm idade elevada em relação à série que estão cursando. Eles alegam que uma grande diferença de idade pode trazer constrangimentos ao adolescente e levá-lo a abandonar a escola. Mesmo a prioridade sendo para o ensino regular diurno, entende-se que, nesses casos, deve-se facultar ao adolescente a opção de ensino noturno ou de cursar Educação de Jovens e Adultos (EJA). O ensino noturno é matéria controvertida na doutrina jurídica e, principalmente, na literatura da pedagogia. Em reportagem publicada na Revista Educação, Castilho e Castro denunciam que >>“[...] os alunos do ensino médio noturno vivem diante de uma mentira: a garantia legal da mesma qualidade do curso diurno” ((CASTILHO, Alceu Luís; CASTRO, Fábio de. **Ensino noturno**: a marca da desigualdade. Agência Repórter Social. Disponível in: . Acesso em: 31 jul. 2008.)). Segundo os autores, as condições nas quais o ensino noturno é oferecido hoje tornam impossível o cumprimento da carga horária exigida por lei, resultando em perda de conteúdo e de qualidade. Rose Neubauer, com base na sua atuação como Secretária da Educação do Estado de São Paulo entre 1995 e 2002, endossa esse ponto de vista e confessa que o rendimento dos alunos do período noturno é muito menor se comparado com o do diurno, declarando ainda que >>“[...] os alunos da mesma série do noturno têm no mínimo um ano de evasão de conteúdo em relação ao diurno” ((CASTILHO; CASTRO, 2006.)). A Fuvest, fundação que organiza o vestibular da Universidade de São Paulo (USP) e de outras entidades de ensino superior, estampa esse quadro de exclusão: >>“Apenas 398 (3,5%) dos 11.402 alunos matriculados em 2004 estudaram exclusivamente à noite – percentual quase quatro vezes inferior ao de inscrições (12,4%) de oriundos do noturno em relação ao total” ((CASTILHO; CASTRO, 2006.)) . Essa disparidade revela a falta de perspectiva dos estudantes do período noturno, além da baixa autoconfiança. Apesar de representarem 43% dos alunos do ensino médio público no Brasil, nem sequer se arriscam a entrar em uma universidade como a USP((CASTILHO; CASTRO, 2006.)). Por outro lado, os defensores da educação noturna a classificam como um mal necessário, pois a realidade social brasileira impõe a meninos e meninas que se lancem no mercado de trabalho e cumpram longas jornadas por baixos salários. A maior parte desses adolescentes trabalha por necessidade e não por desejo próprio. Por esse motivo, a não-oferta de educação noturna certamente aumenta a evasão escolar e diminui de forma ainda mais acentuada as oportunidades. O mais importante, portanto, é que o Promotor de Justiça diligencie no sentido de garantir o ensino na modalidade mais adequada ao caso. \\ ====O processo educacional==== \\ Já no séc. XVIII, o pensador alemão Immanuel Kant apontava a necessidade de que a instituição “escola” fosse revista. Tal necessidade permanece ainda hoje. Disse o filósofo: >>”É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que tem de pôr em prática as suas idéias”((KANT, Immanuel. **Fundamentação da metafísica dos costumes**. Tradução de Paulo Quintela. Porto: Lisboa, 1995.)). Nos termos da LDB (Lei nº 9.437/96): >>”[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (art. 1º da LDB)”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, determina, no processo educacional: >>“[...] respeitar- se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura (art. 58, do ECA)”. Pela leitura conjunta dos dois dispositivos mencionados, o processo educacional não pode ser mecânico, automático, desligado da realidade que cerca a criança e o adolescente. A estes deve ser garantida uma educação livre e plena, em que se sintam estimulados a criar, questionar e pensar por si próprios. Porém, o que se observa é o gritante desinteresse do estudante pela escola e uma distância enorme entre o estabelecimento educacional e a família. É possível cogitar que a escola vem sendo renegada porque, em geral, seus profissionais não são devidamente valorizados, qualificados e apoiados por seus empregadores. O antigo método de memorização não tem espaço numa sociedade com meios de comunicação tão velozes. A criança e o adolescente de hoje pertencem à era //Google//, já nascem com acesso ao computador e à internet, são mais ágeis do que a criança de outrora. As propostas pedagógicas deveriam pensar nesse novo perfil, e não reproduzir métodos antigos. Outro entrave é o tratamento dado ao magistério no Brasil. Os salários irrisórios, a precariedade das escolas públicas, a total insegurança e tantas outras razões afastam o professor da sala de aula. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) apontam déficit de 771 mil professores na rede pública ((SAYED, 2005.)). Ainda quanto ao processo pedagógico, por disposição do parágrafo único do art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito dos pais ou do responsável ter ciência dos processos pedagógicos, além de participar das propostas educacionais, visando à qualidade do ensino a que seus filhos estão submetidos. Nesse ponto, seria importante que o Promotor de Justiça estimulasse a participação dos pais no processo pedagógico e que a escola se abrisse mais à participação da comunidade, inserindo-a mais efetivamente na rede de proteção. Quem sabe uma palestra ou uma audiência pública não seriam um bom começo? \\ ====O direito à cultura, ao esporte e ao lazer==== \\ Entre os vários deveres da família, da sociedade e do Estado para com a criança e o adolescente, a Constituição Federal de 1988 determinou-lhes ainda a obrigação de assegurar o acesso a cultura e lazer. O Estatuto da Criança e o Adolescente determinou como atribuição dos municípios, com apoio dos Estados e da União, o estímulo e a destinação de recursos para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas a infância e juventude. Nunca é demais lembrar que a criança e o adolescente caracterizam-se como pessoas em desenvolvimento e, em razão dessa condição peculiar, recursos como arte, educação e cultura servem para fortalecer sua personalidade e sustentar as bases de sua formação. O esporte, a arte e a cultura devem ser pensados hoje em dia como alternativa e estratégia de inclusão social para conquistar os meninos e meninas que o tráfico de entorpecentes arregimenta. Todos os atores do sistema de proteção e da rede de atendimento devem sempre ter em mente que o tráfico remunera bem melhor do que qualquer bolsa governamental e oferece ao adolescente uma função, uma importância, um posto dentro do sistema - criminoso, mas ainda assim um sistema. É um projeto para a vida, muitas vezes vazia, que gera sentimento de pertença. Na maioria das vezes, a rede de proteção não consegue despertar esse sentimento, e o aluno não permanece nos espaços onde se deseja que ele fique; na escola, por exemplo. A atividade esportiva têm especial importância na sociedade brasileira e pode ser aplicada como um poderoso instrumento de inclusão social, mas deve ser adequada à faixa etária e respeitar a condição peculiar de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento. Dessa forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente trata de disciplinar a questão no Título III da parte geral, intitulado “Da Prevenção”, que conta com os seguintes dispositivos: >>”Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada. Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação”. O órgão competente a que se refere o art. 74 é o Ministério da Justiça, que disciplina a classificação indicativa por meio do Manual da Nova Classificação Indicativa, aprovado pela Portaria nº 8, de 6 de julho de 2006, disponível na página eletrônica do Ministério da Justiça((Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2008.)). Nem todos os tipos de diversão pública são classificados diretamente pelo Ministério da Justiça. A classificação indicativa ocorrerá de modo direto nas diversões públicas indicadas no art. 3º da Portaria nº 1.100/2006: “[...] I - cinema, vídeo, DVD e congêneres; II - jogos eletrônicos e de interpretação (RPG)”. Não estão sujeitas à análise de conteúdo pelo Ministério da Justiça as diversões públicas exibidas ao vivo, como: >>”“[...] I - espetáculos circenses; >>II - espetáculos teatrais; >>III - shows musicais; >>IV - outras exibições ou apresentações públicas ou abertas ao público” (art. 4º da Portaria nº 1.100/2006). Nesse caso, é comum as Portarias serem expedidas pelos Juízes da Infância e Juventude de cada Comarca. Ainda sobre o tema, o art. 75 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe: >>”Art. 75. Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária. >>Parágrafo único. As crianças menores de dez anos somente poderão ingressar e permanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsável”. O teor do parágrafo supracitado tem causado divergências de interpretação. Ainda que acompanhada de seus pais, a criança menor de 10 anos poderá assistir apenas a espetáculos próprios a sua idade. Não tem sentido o entendimento de que, na companhia dos pais, em razão do poder familiar, estaria dispensado o rigor da classificação indicativa do Ministério da Justiça. A ninguém, nem aos pais, é facultada a possibilidade de submeter crianças e adolescentes a conteúdos impertinentes. O poder familiar não é absoluto, portanto, os pais ou responsáveis não estão autorizados a expor seus filhos a conteúdos classificados como impróprios para a faixa etária, mesmo que o considerem inofensivos. O texto estatutário só permite crianças com idade inferior a 10 anos em locais de apresentação se estiverem acompanhadas dos pais, mesmo que o evento tenha classificação livre. >>”Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. >>Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição. O horário de exibição é igualmente disciplinado pelo Ministério da Justiça, que lista a classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres por meio da Portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, disponível na página eletrônica do Ministério da Justiça. O anúncio de programas sem classificação indicativa é infração administrativa indicada no art. 253; já a exibição de programa em horário considerado inadequado acarreta a infração administrativa do art. 254, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Outro dispositivo do Estatuto trata da locação de vídeos. >>”Art. 77. Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários de empresas que explorem a venda ou aluguel de fitas de programação em vídeo cuidarão para que não haja venda ou locação em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente. >>Parágrafo único. As fitas a que alude este artigo deverão exibir, no invólucro, informação sobre a natureza da obra e a faixa etária a que se destinam”. A venda ou a locação de fita VHS ou DVD, a crianças ou adolescentes, sem obedecer a classificação etária, resulta na infração administrativa prevista no art. 257 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Os arts. 78 e 79 do ECA dispõem acerca de material com conteúdo impróprio: >>”Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo. >>Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca”. A desobediência às determinações do caput e do parágrafo único do art. 78 implica a infração administrativa descrita no art. 257 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A imposição de lacrar o material impróprio não se confunde com censura, pois as publicações, devidamente embaladas, podem ser comercializadas normalmente a quem possua idade para tanto. >>”Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família”. Assim, como ocorre com a desobediência ao artigo anterior, a inobservância das determinações do art. 79 – publicar ilustração, fotografia, legenda, crônica ou anúncios com conteúdo impróprio em material destinado ao público infantojuvenil – repercute na infração administrativa indicada pelo art. 257 do Estatuto da Criança e do Adolescente. E finaliza o Estatuto, quanto à prevenção, no lazer: >>”Art. 80. Os responsáveis por estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congênere ou por casas de jogos, assim entendidas as que realizem apostas, ainda que eventualmente, cuidarão para que não seja permitida a entrada e a permanência de crianças e adolescentes no local, afixando aviso para orientação do público”. A entrada ou permanência da criança e do adolescente nos estabelecimentos indicados pelo art. 80, independentemente se acompanhadas ou não dos pais, enseja a infração administrativa descrita no art. 258 do Estatuto. Verifica-se a importância do trabalho do Promotor de Justiça na fiscalização das opções de cultura e lazer oferecidas a crianças e adolescentes nas Comarcas, de modo que estejam livres de qualquer conteúdo contrário à sua formação. \\