====A ação penal diante dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes==== O Ministério Público é, por força do art. 129, inc. I, da Constituição Federal, o único titular da ação penal pública. Dessa forma, é função do Promotor de Justiça que atua na Vara da Infância e Juventude ingressar com a Ação Penal decorrente da prática dos crimes contra a criança e o adolescente, por ação ou omissão, assim definidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 228 a 244). A problemática da violência contra a criança e o adolescente, entretanto, parece estar longe de ser solucionada. No início de 2008, o Ministério da Justiça lançou o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros((O Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros de 2008 encontra-se disponível, na íntegra, na página eletrônica da RITLA – Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana. Disponível em: . Acesso em: 27out.2008.)), documento por meio do qual revelou-se a triste notícia referente ao aumento de 31,1% do número de mortes violentas de jovens, no período de dez anos (de 1996 a 2006). No ordenamento jurídico brasileiro, é bastante comum a criação de tipos penais por meio da legislação extravagante. Nessa linha, a Lei n.º 8.069/90 introduziu novos tipos penais, todos ligados por uma mesma característica: a vítima criança ou adolescente. Há que se frisar que os crimes indicados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos de seu art. 225, não importam em prejuízo ao disposto da legislação penal. Nesse aspecto, as ressalvas formuladas por Tavares (2006, p. 219) merecem ser destacadas: “a parte final (do Estatuto) que diz: sem prejuízo ao disposto na legislação penal, não quer dizer a superposição de normas e penas, o //bis in idem// dos criminalistas, pois seria subversão aos princípios de que ninguém será punido mais de uma vez pela mesma infração”. Na realidade, por //não prejuízo à legislação penal// entende-se que permanecem válidos os tipos penais praticados contra a criança e o adolescente constantes no Código Penal, ou seja, apesar de não constar do rol de crimes estabelecidos pelo Estatuto o abandono de incapaz (art. 133, do CP), a omissão de socorro à criança abandonada ou “extraviada” (art. 135, CP) e os maus-tratos (art. 136, do CP), por exemplo, mesmo que não reiterados pela norma estatutária, permanecem como condutas típicas. Aplicam-se aos crimes definidos no Estatuto as disposições da Parte Geral do Código Penal, e seu processamento dar-se-á nos termos do Código de Processo Penal (art. 226, do ECA), sempre por meio da ação penal pública incondicionada (art. 227, do ECA). Nesse ponto, um interessante conflito doutrinário merece ser levantado. O art. 227 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispôs que os tipos penais indicados naquela Lei seriam processados por meio da ação penal pública; assim, a leitura isolada do dispositivo leva o leitor à conclusão seguinte: os crimes praticados contra a criança não listados pelo Estatuto serão processados de acordo com a lei que o estabeleceu. Antes da entrada em vigor da Lei n.º 12.015/2009, no dia 10 de agosto de 2009, que alterou parcialmente o Código Penal e a Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), a ação penal relativa aos crime de estupro (art. 213, do CP), atentado violento ao pudor (art. 214, do CP), assédio sexual (art. 216-A, do CP) e corrupção de menores (art. 217, do CP), praticados contra a criança ou o adolescente, nos termos do que dispunha o artigo. 225 do aludido estatuto repressivo, era a penal privada.((O legislador reservou a ação penal privada aos crimes contra a liberdade sexual por acreditar que o interesse da vítima deveria sobrepor-se ao da coletividade, deixando ao seu encargo a decisão de processar ou não seu agressor. Os defensores deste ponto de vista acreditam que o ofendido, ao levar a questão, contra sua vontade, aos tribunais e ao conhecimento público, ficaria tão constrangido a ponto de “o mal da lei ser maior que o mal do crime” (NORONHA apud PIAZZA, 2005, p. 127). Todavia, é temerosa a manutenção desta faculdade à vítima que, por medo ou por vergonha, permite àquele que cometeu um crime gravíssimo que permaneça impune, livre e disposto a perpetuar essa conduta vil.)) Permitir-se-ia a ação penal pública apenas nas hipóteses estabelecidas pelo § 1º: “I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família; ou, II - se o crime é cometido com abuso do pátrio-poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador”. Para a hipótese do inc. I, todavia, haveria necessidade de prévia representação da vítima. Dessa forma, caso a vítima não fosse pobre e o crime não tivesse ocorrido com abuso do poder familiar, ou seu equivalente, ou ainda, apesar de pobre, não tivesse oferecido representação, a lei não admitia que o Promotor de Justiça oferecesse a “denúncia” pertinente. A despeito de tais dispositivos, o entendimento era o de que, mesmo que os pais ou responsável deixassem de exercer o direito à representação, a ação seria pública incondicionada, pois permitir que se deixasse de responsabilizar o autor de crime de natureza sexual contra criança ou adolescente, em virtude de ausência de representação, seria afrontar os princípios insculpidos na Constituição Federal (art. 227, § 4º), uma vez que seria facultado sonegar-lhes proteção, dignidade e respeito (PIAZZA, 2005, p. 156).((“§4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.)) Ademais, o art. 5º Estatuto da Criança e do Adolescente impôs que: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”. Contudo, com a edição da Lei n.º 12.015, que entrou em vigor no dia 10 de agosto de 2009, o parágrafo único do art. 225 passou a estabelecer que a ação penal é incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, no caso de crimes tais. Sendo assim, tanto com o atual regramento, quanto com relação ao anterior, a ação penal para os crimes citados, desde que cometidos contra menores de 18 (dezoito) anos, é de ação pública incondicionada. \\