=====Efluentes Sanitários===== \\ A Política Nacional de Saneamento Básico, prevista na Lei 11.445, de 2007, elenca, dentre as atividades de saneamento, os sistemas de coleta, tratamento e disposição final de efluentes líquidos (esgoto), em conjunto com diversas outras ações necessárias à sadia qualidade de vida e preservação do meio ambiente. É cediço que os esgotos domésticos, comerciais e industriais, caso sejam despejados de forma inadequada nos cursos d’agua, denotam potencial de transmissão de inúmeras doenças ao ponto de tornar o recurso hídrico inacessível a consumo humano, bem como a outras atividades (recreativas, de irrigação, etc.). Tais irregularidades impactam, de forma direta, não apenas na preservação ambiental, mas também nas estatísticas de mortalidade infantil, propagação de doenças, usos tradicionais da água, dentre outros. Conclui-se, portanto, que o manejo adequado de efluentes se interliga diretamente com a manutenção da qualidade dos recursos hídricos, os quais, apesar de essenciais, se mostram cada vez mais escassos. Diante deste quadro, mostra-se de extrema importância a atuação do Ministério Público a fim de sanar eventuais ilicitudes detectadas quanto ao tratamento e despejo de efluentes líquidos. \\ ====Normas jurídicas relacionadas==== \\ No que toca à normativa incidente sobre a temática de saneamento básico, mais especificamente coleta, tratamento e disposição final de efluentes, tem-se a considerar, em primeiro plano, que por estar diretamente conectado às condições de higiene e saúde, o acesso ao esgotamento sanitário é um direito fundamental e inalienável de todo cidadão. No que toca à divisão de competências constitucionais, cabe ao Município proceder ao serviço de tratamento de efluentes, uma vez ser matéria de interesse local, em atenção ao art. 30 do texto constitucional. A normativa infraconstitucional primeva acerca do tema, a Lei 11.445, de 2007((Art. 2°, I a III)), elenca os princípios norteadores da Política Nacional de Saneamento Básico, dentre os quais sobrelevam-se os de: >>“a) universalização do acesso; b) integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados;\\ c) abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente” . O mesmo instrumento legal traz consigo algumas definições conceituais importantes acerca do tema. Nesta linha, o art. 3º, I, “b” da Lei 11.445, de 2007, define esgotamento sanitário como sendo: >>//“constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente”//. Em que pese a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico ser datada de 2007, o ordenamento jurídico há décadas preconiza a obrigatoriedade de tratamento adequado de efluentes. Neste sentido, o Decreto nº 24.643/34 (Código de Águas) preceitua, em seu art. 109, que: >>“A ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros”. No artigo seguinte, o mesmo Código estabelece que: >>//“Os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos”//. Conforme se apreende, o Código das Águas aponta, de forma contundente, não apenas a proibição de contaminação dos recursos hídricos, mas também a tríplice responsabilidade (criminal, cível e administrativa) dos agentes infratores. Em Minas Gerais, igualmente, a Lei nº 2.126, de 20 de janeiro de 1960, aborda o problema dos esgotos de maneira frontal e é, sem dúvida, o mais importante diploma legal sobre o assunto em nosso Estado. A lei que estabelece normas para o lançamento de esgotos e resíduos industriais nos cursos de água dispõe: >>“Art. 1º - Fica proibido, a partir da data da publicação desta Lei, em todo o território do Estado de Minas Gerais, lançar nos cursos de água – córregos, ribeirões, rios, lagos, lagoas e canais, por meio de canalização direta ou indireta, de derivação ou de depósito em local que possa ser arrastado pelas águas pluviais ou pelas enchentes, sem tratamento prévio e instalações adequadas, qualquer resíduo industrial em estado sólido, líquido ou gasoso, e qualquer tipo de esgoto sanitário proveniente de centro urbano ou de grupamento de população. >>Art. 2º - Após o tratamento, os resíduos industriais ou esgotos sanitários podem ser lançados nos cursos de águas, desde que apresentem as seguintes características, verificadas mediante testes e provas de laboratório: >>a) oxigênio dissolvido – igual ao do curso de água; >>b) demanda bioquímica de oxigênio – igual a do curso de água; >>c) sais minerais dissolvidos em suspensão, ou precipitados, nas mesmas condições e proporções em quem os contiver o curso de água, //in natura//.” As legislações advindas após a Constituição da República de 1988 mantêm a mesma tônica de proibição de contaminação dos recursos hídricos. A Lei nº 11.720, de 28 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a Política Estadual de Saneamento Básico, estabelece que é seu objetivo assegurar proteção da saúde da população e a salubridade ambiental urbana e rural, estatuindo ainda que: >>“Art. 2º - Para os efeitos desta lei, considera-se:\\ >>I - salubridade ambiental o conjunto de condições propícias à saúde da população urbana e rural, quanto à prevenção de doenças veiculadas pelo meio ambiente e à promoção de condições mesológicas favoráveis ao pleno gozo da saúde e do bem-estar; >>II - saneamento básico o conjunto de ações, serviços e obras que visam a alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental por meio de: >>a) abastecimento de água de qualidade compatível com os padrões de potabilidade e em quantidade suficiente para assegurar higiene e conforto; >>b) coleta e disposição adequada dos esgotos sanitários; >>[...] >>Art. 3º - A execução da política estadual de saneamento básico, disciplinada nesta lei, condiciona-se aos preceitos consagrados pela Constituição do Estado, observados os seguintes princípios: >>I - direito de todos ao saneamento básico; >>II - autonomia do Município quanto à organização e à prestação de serviços de saneamento básico, nos termos do art. 30, V, da Constituição Federal; >>III - participação efetiva da sociedade, por meio de suas entidades representativas, na formulação das políticas, na definição das estratégias, na fiscalização e no controle das ações de saneamento básico; >>IV - subordinação das ações de saneamento básico ao interesse público, de forma a se cumprir sua função social.” Verifica-se que a legislação mineira expressamente concebe o saneamento básico como um direito de todos os cidadãos, o que plenamente se justifica na medida em que os serviços de saneamento básico são considerados essenciais por estarem diretamente ligados à prevenção de riscos e danos à saúde e ao meio ambiente. Na verdade, são serviços urbanos fundamentais, uma vez que estão intimamente ligados aos direitos à vida, à moradia digna, à saúde, ao meio ambiente, e à própria dignidade da pessoa humana. Ainda no âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei nº 13.317/99, que instituiu o Código de Saúde, inseriu no ordenamento jurídico outras disposições sobre a responsabilidade quanto ao tratamento de efluentes: >>“Art. 49. O sistema público de coleta de esgoto tratará o esgoto coletado antes de lançá-lo em curso de água.\\ >>Parágrafo único. É vedado o lançamento de esgoto sanitário em galeria ou rede de águas pluviais.” A Resolução CONAMA nº 430, de 2011, a qual dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes, por sua vez estabelece: >>“Art. 3º Os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados diretamente nos corpos receptores após o devido tratamento e desde que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos nesta Resolução e em outras normas aplicáveis. >>Parágrafo único. O órgão ambiental competente poderá, a qualquer momento, mediante fundamentação técnica: >>I - acrescentar outras condições e padrões para o lançamento de efluentes, ou torná-los mais restritivos, tendo em vista as condições do corpo receptor; ou >>II - exigir tecnologia ambientalmente adequada e economicamente viável para o tratamento dos efluentes, compatível com as condições do respectivo corpo receptor”. >>[...] >>Art. 5º - Os efluentes não poderão conferir ao corpo receptor características de qualidade em desacordo com as metas obrigatórias progressivas, intermediárias e final, do seu enquadramento”. Via de regra, portanto, percebe-se que a legislação pátria proíbe qualquer lançamento de esgoto sanitário em corpos hídricos de forma a acarretar poluição ou qualquer outro prejuízo ambiental. Dentro deste campo, sempre é importante destacar que a Resolução CONAMA 357, de 2005, é a responsável por estabelecer as características das diversas classificações de cursos d’agua. Trata-se de informação importante, uma vez que outros dispositivos normativos fazem menção à classificação esboçada na Resolução antedita. A título de exemplo, pode-se citar a proibição de lançamento de efluentes, **ainda que tratados**, em corpos d’agua considerados de classe especial, nos termos da Resolução CONAMA 430, de 2011: >>“Art. 11. Nas águas de classe especial é vedado o lançamento de efluentes ou disposição de resíduos domésticos, agropecuários, de aquicultura, industriais e de quaisquer outras fontes poluentes, mesmo que tratados”. Em que pese a importância do tema, no Estado de Minas Gerais, a Deliberação Normativa do COPAM nº 128/2008, convocou todos os Municípios do Estado para o licenciamento ambiental de sistemas de tratamento de esgotos, estabelecendo prazos excessivamente elásticos para tanto (em determinados casos, chega-se ao ano de 2017). É importante que se observe que as deliberações normativas do COPAM detêm caráter infralegal e, portanto, devem se ater e respeitar estritamente as determinações legislativas referentes ao tema. Dentro desta ótica, é patente que todo o ordenamento jurídico traz comandos imediatos e proibitivos de lançamento de efluentes em cursos hídricos de forma a acarretar poluição ou prejuízo ambiental de qualquer natureza. Assim, os prazos entabulados pela Deliberação Normativa do COPAM para fins de licenciamento, naquilo que contrariam as leis vigentes, não ensejam a licitude do lançamento de esgoto em rios e córregos ao longo do Estado de Minas Gerais. >>Conclui-se, portanto, que os prazos estipulados para fins de licenciamento ambiental tem natureza meramente administrativa e não impedem que o Ministério Público, mediante proposta de termo de ajustamento de conduta ou de propositura de ação civil pública, pleiteie o cumprimento da obrigação em menor prazo com base na legislação antes citada. Por derradeiro, cumpre dizer que não é incomum que, mesmo após o sucesso na atuação do Promotor de Justiça, com o reconhecimento da necessidade de implementação de sistema adequado para tratamento de efluentes, o Município, ou a concessionária de serviços públicos, enfrente o desafio de moradores se recusarem a permitir as obras para ligação do imóvel ao sistema de coleta de esgotos. Nestes casos, deve-se destacar que a Lei Estadual 13.317, de 1999, assim determina: >>“Art. 48. A construção considerada habitável será ligada à rede coletora de esgoto sanitário. >>\\§ 1º Quando não houver rede coletora de esgoto sanitário, o órgão prestador do serviço indicará as medidas técnicas adequadas à solução do problema.\\ >>§ 2º As medidas individuais ou coletivas para tratamento e disposição de esgotamento sanitário atenderão às normas técnicas vigentes.” Ademais, e pertinente analisar a legislação municipal acerca do tema, uma vez que, em regra, a lei municipal que autoriza a concessão do serviço de tratamento de água e esgoto traz previsão de sanções administrativas aos proprietários de imóveis que se recusarem a realizar a ligação necessária para o tratamento do esgoto domiciliar. Em que pese às determinações normativas, quando se está diante de situações desta natureza, são vários os moradores que resistem à ligação sanitária de seu imóvel. Assim, a realização de uma audiência pública com o escopo de o Promotor de Justiça esclarecer a necessidade de se proceder à conexão do imóvel ao sistema de coleta de efluentes, com o convite pessoalmente direcionado a cada um dos cidadãos que se encontra nesta condição pode ser mais proveitosa do que outras medidas de cunho combativo. \\ ====Atuação prática==== \\ Feitas as breves considerações nas linhas acima, mister proceder a uma análise prática acerca das possíveis linhas de atuação a serem adotadas pelo Promotor de Justiça ao se deparar com problemas ambientais decorrentes da disposição inadequada de efluentes sanitários. É consabido que o art. 225, §3º, da Constituição da República de 1988 determina a tríplice responsabilidade (esferas cível, penal e administrativa) em decorrência de atos lesivos ao meio ambiente. \\ **Esfera Cível** \\ Feita a análise acima, constata-se que o ordenamento jurídico brasileiro não permite o lançamento de esgotos em cursos d’água sem prévio tratamento. Todo aquele (pessoa física ou jurídica) que descumprir o dever de não conspurcar as águas, mediante lançamento de efluentes sanitários in natura, enquadrar-se-á na situação jurídica de poluidor (art. 3º, IV, Lei nº 6.938/81) e estará sujeito às sanções previstas no ordenamento jurídico. Em âmbito cível, caberá ao Promotor de Justiça perquirir a obrigação de fazer, consistente na instalação de sistema de tratamento de efluentes que atenda a todo o Município, lembrando que, para os distritos e comunidades menos populosos e distantes da sede, existe a possibilidade de serem implementadas técnicas de tratamento menos vultosas e, consequentemente, menos onerosas ao poder público ou à concessionária de serviço público. Juntamente a isto, deve-se exigir o cumprimento da obrigação de não fazer, ou seja, deixar de efetuar o despejo do esgoto //in natura// em rios, córregos, lagoas e corpos d’agua em geral. Por fim, mostra-se importante analisar a obrigação de reparação de danos ambientais eventualmente constatados, bem como a compensação ambiental devida em razão dos prejuízos que o meio ambiente sofreu durante o período em que se deixou de proceder ao tratamento devido dos efluentes. É imperioso recordar que, no que tange ao poder público, a obrigação de zelar pela proteção ao meio ambiente é plenamente vinculada. A discricionariedade administrativa não legitima a conduta omissiva lesiva aos bens ambientais. É que o texto constitucional, principalmente o art. 225, determina a obrigação do poder público, ou daquele que fizer suas vezes, de promover a defesa do meio ambiente, não podendo causar poluição, atividade completamente proscrita e danosa à sociedade. \\ **Fase Investigatória** \\ Em primeiro momento, sugere-se a instauração de Inquérito Civil (caso já não exista procedimento desta natureza) a fim de investigar as condições de despejo de efluentes sanitários nos cursos d’agua do Município. Na portaria inaugural do procedimento investigatório, cabem as seguintes providências: * Oficiar o Município requisitando informações detalhadas acerca do sistema de tratamento de efluentes sanitários, incluindo dados acerca do percentual da população atendida pelos serviços de coleta e tratamento de efluentes, bem como requisitando cópia de eventual legislação municipal pertinente e cópia de contrato de concessão de serviço público, se houver; * Realizar consulta ao Sistema Integrado de Informações Ambientais - Siam (www.siam.mg.gov.br) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para averiguar se a estação de tratamento de efluentes investigada possui licença ambiental; * Oficiar a Polícia Militar de Meio Ambiente requisitando a realização de vistoria no local; * Oficiar o órgão ambiental competente requisitando a realização de vistoria no local, com aplicação das sanções administrativas cabíveis; * Caso o Município apresente contrato de concessão com alguma empresa concessionária (ex. COPASA, COPANOR, etc.), oficiar à respectiva empresa requisitando informações detalhadas acerca da existência ou não de Estação de Tratamento de Esgoto no Município, bem como o percentual da população atendida com os sistemas de coleta, tratamento e disposição final de efluentes. Destaque-se que, nas hipóteses em que basta a caracterização de elementos fáticos e que dispensam uma averiguação técnico-pericial (ex. constatar que houve o descumprimento de TAC em razão da não existência de Estação de Tratamento de Esgoto no Município), é possível que a Polícia Militar Ambiental proceda à vistoria almejada pelo Promotor de Justiça, alcançando maior celeridade. Após, existindo indícios de irregularidades, e persistindo a necessidade de vistoria técnica, recomenda-se a remessa dos autos à Central de Apoio Técnico – CEAT, para realização de perícia. \\ **Fases Resolutiva e Judicial** \\ Constadas irregularidades relacionadas ao tratamento de efluentes sanitários, é imprescindível a notificação do Prefeito Municipal para comparecer na Promotoria de Justiça para prestar esclarecimentos e firmar Termo de Ajustamento de Condutas, cujo modelo segue anexo. Caso não seja possível a celebração de TAC, recomenda-se a propositura de Ação Civil Pública (modelo anexo). Seja por meio de Termo de Ajustamento de Conduta ou de Ação Civil Pública, é importante a adoção das seguintes medidas: * a) completa adequação do sistema de coleta, tratamento e disposição final de efluentes sanitários; * b) recuperação do ambiente degradado; * c) indenização pelos impactos ambientais interinos e não recuperáveis. Ainda neste tocante, saliente-se que, nos casos em que o Município procedeu à concessão do serviço de esgotamento sanitário, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é solidária entre o Poder Concedente e a Concessionária, além de ser objetiva e norteada pelo princípio do Risco Integral ((REsp. 28222/SP - 1992/0026117-5, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. Ac. Min. Nancy Andrighi, T2 Segunda Turma STJ, j. 15/02/2000, pub. 15/10/2001 **DJ**. p. 253)). \\ **Esfera Criminal** \\ Em âmbito criminal, a conduta do responsável pela poluição poderá encontrar adequação típica no art. 54 da Lei nº 9.605/98, que sanciona a conduta daquele que causa poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Há, ainda, a possibilidade de ser caracterizada alguma das qualificadoras constantes do parágrafo segundo do mesmo artigo quando a conduta: >>"I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; >>II causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; >>III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; >>IV – dificultar ou impedir o uso público das praias; >>V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos." Para além disto, a mesma conduta pode caracterizar os crimes previstos nos artigos 60 e 68 da Lei nº 9.605/98. Referidos dispositivos determinam que as seguintes condutas são criminalmente reprovadas: >>"Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. >>Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental." A punição penal daqueles que poluem o meio ambiente mediante o despejo de esgoto sem o adequado tratamento é plenamente viável, consoante se observa na seguinte jurisprudência ilustrativa: >>"APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES AMBIENTAIS - ARTIGOS 54, §2º, V, E 60 DA LEI 9.605/98 - AUSÊNCIA DE DOLO- INOCORRÊNCIA - DOLO CONFIGURADO - PROVAS CRITÉRIOS DE VALORAÇÃO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADADE - SUBSTITUIÇÃO DA PENA - INVIABILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO. - Não obstante a parte ré alegar que os efluentes lançados em determinado rio fossem devidamente tratados, tendo sido comprovado no curso da lide que na verdade os resíduos líquidos despejados estavam em desacordo com as exigências legais, a condenação é mesmo de rigor. - Resta configurado o dolo do agente quando, podendo e devendo impedir a prática do resultado, concorre com este, executando o núcleo do tipo penal descrito na denúncia. - Descabido o acolhimento do pleito de substituição da pena, estabelecida em sentença penal condenatória, quando em crime ambiental, o estabelecimento processado estiver funcionando sem a devida autorização, a justificar a pena de interdição que lhe foi imposta". (TJMG. Apelação Criminal 1.0261.10.000657-4/001. Relator(a): Des.(a) Delmival de Almeida Campos. Data de Julgamento: 18/04/2012.) Sob o ponto de vista da prática processual, chamamos a atenção para a necessidade de prova pericial evidenciando a existência de poluição, uma vez que se trata de crime que deixa vestígios (art. 158 do CPP). A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no processo penal, instaurando- se o contraditório. O dolo do agente responsável pela poluição pode ficar evidenciado por circunstâncias tais como a negativa em firmar Termo de Ajustamento de Conduta a fim de resolver o problema, o descumprimento injustificado de acordos judiciais ou extrajudiciais celebrados, ou pela flagrante e deliberada indiferença em relação à poluição perpetrada. É importante ainda destacar que, caso o agente poluidor seja o Prefeito Municipal em exercício, caberá ao Promotor de Justiça expedir ofício à Procuradoria Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos Municipais a fim de que sejam tomadas as providências pertinentes. Entretanto, caso o mandato do prefeito responsável pelo crime ambiental já tenha se encerrado, torna-se plenamente possível o ajuizamento de ação criminal na própria Comarca. Ressalte-se que mesmo as pessoas jurídicas de direito privado responsáveis pela degradação (concessionárias, por exemplo) poderão ser denunciadas, nas hipóteses do art. 3º da Lei nº 9.605/98. \\ **Improbidade Administrativa Ambiental** \\ Caso se tenha em mente a esfera administrativa propriamente dita, a aferição de responsabilidade será realizada pelo órgão ambiental competente, o qual detém atribuição de aplicar multas, embargar atividades, etc. Desta forma, por se tratar de área de atuação estranha ao Promotor de Justiça, deixaremos discorrer de forma extensa acerca do tema. De todo modo, eventuais fatos ilícitos apurados devem ser comunicados aos órgãos ambientais competentes (SUPRAM, IGAM, ANA etc.) para adoção das medidas administrativas pertinentes. Por derradeiro, lembre-se que a Lei nº 9.433/97, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos, exige em seu art. 12, III, outorga para o //lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final//. Essa exigência foi expressamente reiterada pelo parágrafo único do art. 4º da Lei nº 11.445/07. Assim, aquele que não dispuser de outorga para tal fim e utilizar recursos hídricos para o lançamento de efluentes estará incurso na infração administrativa prevista no art. 49, II, da Lei nº 9.433/97, ficando sujeito a sanções que variam entre advertência, multa e embargo de atividades. Noutra trilha, a responsabilização do gestor público por eventual ato de improbidade administrativa, consistente na ação ou omissão indevidas com relação ao tratamento de efluentes sanitários, mostra-se plenamente viável, uma vez que é seu dever de ofício zelar pela integridade do meio ambiente e pelo cumprimento das normas de proteção ambiental e saúde pública, razão pela qual sua conduta enquadra-se no previsto no art. 11, //caput// e inciso II, da Lei nº 8.429/92. A conduta do Prefeito que nada faz para resolver o problema da adequada rede de coleta, tratamento e disposição final de efluentes é duplamente ofensiva à legalidade, se considerarmos que o poder público e seus agentes têm o dever não só de não degradar, dever este que, de resto, é de todos nós, mas acima de tudo têm o múnus de combater a poluição ambiental provocada pelos outros (art. 23, VI, da Constituição da República). Em casos tais há uma omissão duplamente ilícita, pois, com a ciência e conivência de seu governante, o Município, ente constitucionalmente incumbido de impedir a degradação do meio ambiente, torna-se, ele próprio, o agente poluidor. Para além disto, haverá hipóteses em que a conduta ambientalmente nociva do gestor municipal acarretará prejuízos ao erário (caso em que houver multas pecuniárias ou execuções por TACs não cumpridos – especialmente quantia certa). Nestas situações, restará igualmente configurada a improbidade administrativa prevista no art. 10 da Lei 8.429/92. \\