=====8. Atuação especializada na saúde pública===== ((Na 1a edição desta obra o autor desta seção foi o Procurador de Justiça Antônio Joaquim Fernandes Neto)) **Autor/Organizador: Procurador de Justiça Antônio Joaquim Fernandes Neto\\ Promotor de Justiça Gilmar de Assis** ====Introdução==== ====Marco legal==== A saúde, como direito, foi incluída na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 10.12.1948, nos seguintes termos: >>Art. XXV, 1 - Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. Depois, por meio da Resolução nº 2.200-A (XXI), de 16.12.1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que o Brasil subscreveu em 24.01.1992. A saúde figura assim: >>Art. 12 - 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental. >>2. As medidas que os estados-partes no presente Pacto deverão adotar, com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: >>a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças. >>b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente. >>c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças. >>d) A criação de condições que assegurem a todos a assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. A Constituição da República tratou da saúde no art. 6º, como Direito Social, e lhe dedicou uma seção no capítulo que trata da Seguridade Social, sob o título //Da Ordem Social//. >>Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. >>[...] >>Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A ordem jurídica sanitária começa a ser detalhada na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde: >>Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. >>§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. >>§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. >>Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. >>Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. A Constituição de Minas Gerais arrola a saúde como um dos objetivos prioritários do Estado (art. 2º, VII) e impõe a ele a obrigação de implementar políticas visando a sua promoção, proteção e recuperação. >>Art. 186 - A saúde é direito de todos, e a assistência a ela é dever do Estado, assegurada mediante políticas sociais e econômicas que visem à eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. >>Parágrafo único - O direito à saúde implica a garantia de: >>I - condições dignas de trabalho, moradia, alimentação, educação, transporte, lazer e saneamento básico; >>II - acesso às informações de interesse para a saúde, obrigado o Poder Público a manter a população informada sobre os riscos e danos à saúde e sobre as medidas de prevenção e controle; >>III - dignidade, gratuidade e boa qualidade no atendimento e no tratamento de saúde; >>IV - participação da sociedade, por intermédio de entidades representativas, na elaboração de políticas, na definição de estratégias de implementação e no controle das atividades com impacto sobre a saúde. ====Histórico==== Infância e juventude, meio ambiente, patrimônio público e defesa do consumidor foram as locomotivas que conduziram o Ministério Público na implementação das novas funções que lhe foram outorgadas pela Constituição. A saúde veio depois, crescendo a demanda à medida que o próprio SUS começou a tornar-se realidade. Os expoentes do Movimento Sanitário, responsáveis pela concepção e pelo processo de mobilização e luta que resultou em nosso modelo constitucional para a saúde, foram grandes incentivadores da criação das Promotorias de Saúde. As dificuldades enfrentadas pelos membros dos Conselhos Municipais de Saúde, e mesmo pelos gestores, na implementação de uma nova ordem sanitária levaram-nos a bater nas portas da promotoria rogando auxílio para enfrentar as enormes barreiras que ainda se opõem à idéia de um sistema universal e gratuito, com cuidado integral na promoção, na prevenção e na recuperação da saúde. A incipiente atuação do Ministério Público brasileiro em relação ao SUS provocou a forte manifestação inserida no relatório final da X Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília entre os dias 2 e 6 de setembro de 1996. O apelo visando a uma ação institucional mais efetiva na saúde foi vocalizado pelos 1.260 delegados, escolhidos em Conferências Estaduais realizadas após quase 3.000 Conferências Municipais de Saúde, que se reuniram em torno da idéia de //Saúde, cidadania e políticas públicas//. Entendeu-se que os gestores do SUS e os Conselhos de Saúde deveriam exigir do Ministério Público a defesa do SUS //e das demais políticas que atuam na ampliação e na manutenção da qualidade de vida da população// bem como a criação de Promotorias de Saúde, sugerindo algumas linhas para a ação institucional. O texto foi aprovado nos seguintes termos: >>Os Gestores do SUS e os Conselhos de Saúde devem exigir do Ministério Público a defesa do SUS e das demais políticas que atuam na ampliação e manutenção da qualidade de vida da população. Para isso, os participantes da 10ª CNS deliberaram por: >>10.1 Defender que o Ministério Público exerça seu papel constitucional e social (conforme prevêem os arts. 129 e 197 da Constituição Federal), com a democratização do acesso a ele, a garantia da informação e o compromisso deste com a defesa dos interesses dos cidadãos; >>10.2 defender que o Ministério Público seja o tutor da legislação em saúde, da Assistência Social e do Estatuto da Criança e do Adolescente, fiscalizando sua implantação e sua execução nos setores público e privado, e tomando as providências cabíveis no caso de descumprimento do texto legal; >>10.3 responsabilizar o Conselho Nacional de Saúde por cobrar da Procuradoria Geral da República que exerça seu papel constitucional em relação ao Inquérito Civil Público nº 08100.005215/94-81, sobre o financiamento do SUS e ao Inquérito Civil Público nº //08100.007014/94-09, sobre a implantação// e funcionamento do SUS, devendo divulgar os resultados parciais, encaminhar as medidas legais cabíveis e continuar com as apurações referentes aos mesmos; >>10.4 responsabilizar os Conselhos de Saúde por encaminhar a todos os membros do Ministério Público Federal e Estaduais, as Resoluções das Conferências Nacionais de Saúde (3ª, 8ª, 9ª e 10ª CNS), Normas Operacionais Básicas, Portarias, Instruções e Leis Complementares relativas ao SUS, bem como as resoluções dos Conselhos de Saúde, para que o Ministério Público fiscalize seu cumprimento; >>10.5 reivindicar ao Ministério Público a criação de Curadorias de Saúde (setor específico para cuidar das questões de saúde); >>10.6 propor ao Ministério Público a inclusão da legislação do SUS nos cursos preparatórios e exames de seleção de Procuradores e Promotores. No //Parquet// mineiro, a história das ações visando à implementação do SUS pode ser dividida em três fases. Na primeira, iniciada com a abertura democrática e a promulgação da Constituição Federal, coube aos expoentes do movimento pela Reforma Sanitária Brasileira o papel de atrair a atenção dos Promotores de Justiça para os problemas da saúde e as naturais dificuldades de implantação de um sistema universal e gratuito; formavam-se, assim, os Conselhos Municipais de Saúde. A necessidade de ampliação do controle social determinou a aproximação entre os tradicionais atores do sistema de saúde e os membros do Ministério Público. Avolumando-se, gradativamente, tais relações, uma segunda fase tem início com a edição da Resolução PGJ nº 11, de 10 de abril de 1997, que dispõe sobre a atuação dos membros do Ministério Público de Minas Gerais na fiscalização do Sistema Único de Saúde, nos termos dos arts. 129, II, e 197 da Constituição Federal e da Lei nº 8.080/90. Do seio da Promotoria do Cidadão, que há muito cuidava das questões envolvendo a qualidade dos serviços médicos por meio de ações pioneiras na seara da responsabilidade profissional, de iniciativa dos Promotores da área de Direitos Humanos, nasceram as Promotorias de Saúde. Vivemos hoje um terceiro movimento, marcado pela rápida ampliação da demanda do cidadão em relação ao direito às ações de assistência à saúde. Forçoso é reconhecer que quanto mais se aperfeiçoa o sistema de saúde pública, maior sua credibilidade e, em conseqüência, maior a demanda. O brasileiro hoje acredita que tem direito subjetivo público às ações e aos serviços de saúde e pede que o Ministério Público lhe garanta o acesso a esse direito, com qualidade e presteza. Podemos definir como marco e símbolo desta terceira fase a publicação da Resolução PGJ nº 100, de 18 de outubro de 2002, que criou o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, o CAO-Saúde. Em sintonia com o Ministério Público brasileiro – da União (Federal, Militar e do Trabalho) e dos Estados –, o MPE mineiro está comprometido com a execução do Plano Nacional de Atuação do Ministério Público em saúde, aprovado pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) em 2006. O conteúdo do Plano foi ratificado em dezembro de 2007 pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos e constitui prioridade para a atuação no biênio 2008/2009. A meta nacional é a melhoria da atenção primária em todos os Municípios. ====Instituições==== A definição do papel do Ministério Público na saúde se dá em função das relações que a Instituição mantém com os demais atores do campo saúde, que não são poucos. A identificação desses atores e seu relacionamento com os vários órgãos do Ministério Público constituem um dos principais elementos que compõem o Plano Nacional de Atuação elaborado pelo CNPG. A solução dos problemas exige permanente contato com a gestão do SUS, a rede de assistência, os fornecedores de produtos e serviços de interesse da saúde, os usuários, organizados ou não em associações, os trabalhadores e sua estrutura sindical, o parlamento, o Poder Judiciário e os órgãos do Ministério Público Federal e do Trabalho. O Plano sublinha que Ministério Público, como um todo, percebe que a atuação em relação à saúde exige maior articulação entre seus vários //braços// – Estadual, Federal, Militar e do Trabalho – e constata que a atual sistemática de abordagem, tanto judicial quanto administrativa,//tende à fragmentação e a resolução pontual de conflitos//, mostrando-se urgente a revisão crítica das ações desenvolvidas e a avaliação permanente de seu impacto sobre //os indicadores sociossanitários de cada Município, Estado e União//. O Plano atribui ao Procurador-Geral de Justiça a tarefa de promover a integração entre seus vários órgãos de execução, ou seja, articular-se internamente em torno de uma política de atuação para a saúde bem como estimular e facilitar o diálogo permanente dos Promotores de Justiça com os membros do Poder Judiciário, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, //com os demais entes que tenham atribuição na área e com representações da sociedade civil.// A Comissão Permanente de Defesa da Saúde, instituída pelo CNPG, ficou encarregada de manter relações com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Tribunal de Contas da União (TCU), a OAB, os Conselhos Éticos, as entidades da sociedade civil organizada, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e a Comissão Intergestores Tripartite (CIT),//compartilhando o conhecimento dos atos de interesse com os demais órgãos do Ministério Público.// Para as relações com a Secretária de Estado da Saúde, o documento indica os Centros de Apoio Operacional (CAO),//ou órgãos congêneres//. Também cabe ao CAO da Saúde o acompanhamento da Comissão Intergestores Bipartite, assim integrada: Secretários Municipais de Saúde, Tribunal de Contas estadual, Conselhos Éticos de todas as categorias de profissionais da saúde e órgãos dos Poderes Legislativos estadual e municipal. A Promotoria de Justiça é o núcleo para o qual convergem as teias de relações que se estabelecem a partir das ações do Procurador-Geral, da Copeds e do CAO-Saúde. No nível local, além do trato corrente com a Secretaria Municipal de Saúde e com os serviços de saúde, o Promotor de Justiça mantém relações institucionais com os Conselhos de Saúde, o Poder Legislativo e as entidades da sociedade civil organizada. ====Campo de atuação==== Não há como definir de forma apriorística o campo de atuação das Promotorias de Saúde. Mais adequado é reconhecer a forte necessidade de integração entre a saúde e as demais promotorias especializadas e buscar, conforme recomenda o Plano Nacional de Atuação em Saúde,//convergências de ação e não reservas de atuação//. O tema da saúde relaciona-se a vários outros: danos ambientais são potenciais causadores de agravos à saúde humana; a qualidade dos alimentos e medicamentos oferecidos ao consumidor interessa à saúde; a regularidade dos contratos em que as Secretarias de Saúde figuram como parte interessa tanto àqueles que zelam pela probidade administrativa quanto à boa execução das políticas de saúde. Da mesma forma se mostram os problemas relacionados à saúde do idoso, da criança, do adolescente e do deficiente. ====Recursos humanos==== O sistema de saúde deve //cuidar// das pessoas. E quem cuida são pessoas. Assim, não é por acaso que as diretrizes relacionadas aos recursos humanos figuram em primeiro lugar no Plano Nacional de Atuação. Como em outras áreas de atividade, a saúde sofre com a precarização das relações trabalhistas e a conseqüente insegurança dos profissionais. É importante lembrar a necessidade de maior articulação entre os órgãos de execução para que cidadão possa ter acesso a um sistema no qual sejam respeitados os direitos dos trabalhadores. As promotorias que cuidam da probidade administrativa e o Ministério Público do Trabalho são, neste ponto, os mais importantes parceiros das Promotorias de Saúde. Foram priorizadas, no Plano Nacional de Atuação Ministerial em Saúde Pública, as seguintes tarefas: >>5.1.1 Velar pela regularidade formal e execução de política de recursos humanos na área da saúde, que cumpra o objetivo de organizar um sistema de formação em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal (art. 27, LF nº 8.080/90); >>5.1.2 Demandar pela concretização de Plano de Carreiras, Cargos e Salários por intermédio de lei, bem como fiscalizar o preenchimento dos cargos por meio de concurso público (art. 37, inciso II, CF); atentar para a regularidade do vínculo empregatício dos profissionais que atuam na área sanitária, independentemente dos programas que os mantêm; promover a responsabilização legal pelo recebimento de salários ou vencimentos por carga horária não trabalhada. >>5.1.3 Reportar-se aos gestores públicos, prestadores e entidades da sociedade civil com atividade no âmbito da prestação de serviços de saúde para avaliar o cumprimento dos princípios inerentes à humanização no trato do usuário do SUS, adotando, eventualmente, as providências pertinentes. ====Financiamento==== Falta dinheiro para a saúde e os recursos disponíveis nem sempre são adequadamente empregados. Reconhecendo tal fato, as Promotorias de Saúde sempre estiveram atentas ao planejamento e à execução dos orçamentos da saúde. No atual Plano, destacam-se os seguintes pontos: >>5.2.1 acompanhar a elaboração do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias da União, Estados e Municípios, e da Lei Orçamentária, observando sua fidelidade ao respectivo Plano de Saúde e o respeito aos pisos orçamentários constitucionais relativos ao Sistema Único de Saúde, atuando, administrativa e/ou judicialmente, para garanti-los. >>5.2.2 fiscalizar a concentração de todos os recursos financeiros para a execução das ações e serviços de saúde nos respectivos Fundos de Saúde. >>5.2.3 fiscalizar para que o gestor de saúde seja o administrador e responsável pela movimentação dos recursos depositados no Fundo de Saúde. ====Planejamento==== A avaliação crítica das políticas de saúde no Município e na região começa pela verificação dos instrumentos de planejamento. A falta de planejamento resulta na má qualidade dos serviços prestados e em desperdício dos escassos recursos financeiros destinados às ações e aos serviços de saúde. O principal instrumento, no âmbito municipal, é o Plano de Saúde, cuja elaboração deve ser acompanhada pela Promotoria e pelos Conselhos de Saúde. Um bom planejamento exige que se faça um fiel diagnóstico da situação de saúde da população assistida. Quais as principais doenças que afetam a população do Município e região? Quais as principais causas de morte? O sistema está planejado em função do perfil epidemiológico ou atende a interesses de grupos econômicos que exploram serviços de saúde? Uma maneira simples de avaliar a qualidade dos sistemas de informação é verificar a quantidade de mortes decorrentes de causas mal definidas no Município. Um índice elevado indica que as pessoas nem sequer têm acesso a cuidados médicos. Morrem e não há quem saiba dizer a causa da morte. O diagnóstico da situação de saúde permite a elaboração de prognósticos, permite planejar e executar as políticas públicas de saúde. ====Fiscalização dos instrumentos de gestão==== Conhecida a realidade sanitária do Município e da região, e o planejamento elaborado para garantir saúde, com qualidade, para todos, a Promotoria acompanha a execução das políticas de saúde por meio da fiscalização dos instrumentos de gestão. Nesse sentido, as principais atividades consistem em acompanhar a constituição e a execução da Agenda de Saúde e dos Relatórios de Gestão, intervindo quando necessário, e fiscalizar a tempestividade e adequação de prestação de contas no âmbito do SUS (LF nº 8.689/93). A Agenda de Saúde aponta e justifica os eixos prioritários de intervenção, os objetivos, os indicadores e as metas prioritárias da Política de Saúde em cada exercício anual. São resultantes de negociação e consenso entre gestores, Conselhos de Saúde e Comissões Intergestores. A Agenda de Saúde serve de base para os respectivos Planos de Saúde, os Quadros de Metas e os Relatórios de Gestão. ====Fiscalização do sistema de informações==== O Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado da Saúde dispõem de dezenas de bancos de dados para acesso público com informações sobre os indicadores de saúde dos Municípios mineiros. Tais informações se transformam em conhecimento à medida que orientam as decisões daqueles que elaboram e executam as políticas e de todos os que, de alguma forma, intervêm no funcionamento do SUS. Conforme diretriz estabelecida pelo Plano Nacional de Atuação, o CAO-Saúde auxilia os Promotores e Procuradores de Justiça na recuperação dessas informações e estimula seu uso como fundamento para identificar insuficiências de ações e serviços de saúde no SUS e instruir o comportamento ministerial, priorizando a atenção às populações mais vulneráveis. ====Controle social==== Na Constituição 1998, em relação à seguridade social como um todo e à Saúde em particular, o princípio democrático e a mais ampla participação popular são a regra. A institucionalização das Conferências e dos Conselhos de Saúde revela o claro objetivo de se garantir a todo cidadão o direito de participar do planejamento e da fiscalização do Sistema Único de Saúde. Nosso Plano Nacional de Atuação recomenda: >>5.6.1 fiscalizar a regular instituição dos Conselhos de Saúde e suas condições de funcionamento, comparecendo, se possível, às suas reuniões, examinando suas atas de trabalhos e promovendo as medidas necessárias ao regular exercício de suas atribuições. >>5.6.2 participação nas Conferências de Saúde, velando, quando cabível, pela observância de suas proposições de política de saúde pelos respectivos gestores. Manifestar, quando oportuno, a posição do Ministério Público. >>5.6.3 contribuir para a informação e o aperfeiçoamento técnico de Conselheiros de Saúde. ====Sociedade civil==== É importante observar que a instituição formal dos Conselhos de Saúde e a realização de conferências nem sempre é suficiente para garantir a gestão democrática e participativa do SUS. A experiência tem demonstrado que muitas vezes a existência formal de um Conselho de Saúde não garante de fato a participação da comunidade nas decisões e na fiscalização do SUS. Os gestores do SUS exercem sua atividade sob permanente pressão dos agentes econômicos representados por prestadores de serviços de saúde, laboratórios farmacêuticos, indústria de equipamentos etc. Os sindicatos e as associações dos trabalhadores da saúde e os conselhos de fiscalização do exercício profissional também exercem sua influência. Falta, porém, o ator principal: o cidadão, usuário do SUS. Na maior parte dos Municípios, os usuários são ainda pouco organizados e não contam com informação necessária e poder, político ou econômico, para interferir nas políticas de saúde. Por esse motivo, um dos mais importantes papéis da Promotoria de Saúde é o de garantir voz àqueles que mais necessitam do SUS, fortalecendo sua posição em relação aos demais atores. Assim, visando ao fortalecimento da sociedade civil, o Plano Nacional define como papel da Promotoria: >>5.8.1 estabelecer aproximação com entidades //(lato sensu)// da sociedade civil organizada, colhendo subsídios para aprimorar e fundamentar atuação funcional. >>5.8.2 realizar audiências públicas para identificar os vários segmentos de opinião da sociedade acerca de temas em que tal providência seja recomendável. ====Ementário De Pareceres Emitidos Pelo CAO-Saúde/2009==== **PT 001-2009** Comarca de Pitangui. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Medicamentos Excepcionais. Spiriva 18 mg, Seretilde Diskus 50/250 mg e Duovent aerosol. Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Ausência de inclusão para CID 44.0. Responsabilidade estadual. GRS Divinópolis. ACP nº 0024.04.454.796-6 ajuizada pela PJ Saúde de Belo Horizonte. Inclusão de medicamentos para CID 44.0. Liminar deferida. **PT 002-2009** Comarca de Nanuque. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Inquérito Civil Público. Hospital Regional de Mucuri. Natureza privada. Medicamento hospitalar. Imunoglobina anti-rh (D). Procedimentos obstétricos. Fornecimento obrigatório durante internação hospitalar. Cessão pelo SUS. Ressarcimento ao patrimônio público. Necessidade. Responsabilização. **PT 003-2009** Comarca de Aiuruoca. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Política de Assistência Farmacêutica. Pesquisa-Ação (CD). Municípios integrantes da comarca. GRS Juiz de Fora. Respostas. Ausência de implantação de Comissão de Farmácia e Terapêutica. Descumprimento da Deliberação CIB-SUS/MG nº 415, de 21 de fevereiro de 2008. Comprometimento da programação anual de medicamentos pelos municípios. **PT 004-2009** Comarca de Varginha. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Hospital Regional do Sul de Minas. Natureza Jurídica. Fundação Pública de Direito Público. Necessidade de submissão às regras de direito administrativo. Divergência. Secretaria Estadual de Saúde. **PT 005-2009** Comarca de Três Corações. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas. CAPSadII. Implantação. Requisitos legais. Portarias MS/GM nº 816/2002, 1.455/2003 e 245/2005. Incentivo financeiro. Possibilidade. **PT 006-2009** Comarca de Conselheiro Lafaiete. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Tomografia computadorizada. Prestador de serviços. Dúvida quanto à exigibilidade técnica do procedimento de contraste intravenoso. Posição da radiologia. Procedimentos (códigos) unificados. Custo financeiro incluído. Ausência de prejuízo para o SUS. **PT 007-2009** Comarca de Iguatama. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Hospital Municipal São Francisco. SUS. Procedimentos Oftalmologia. Cobrança pela realização dos procedimentos médicos. Fundo Municipal de Saúde. Depósito. Violação aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais da saúde. Conduta ilegal. Impossibilidade. **PT 008-2009** Comarca de Bocaiuva. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Epilepsia. Medicamentos Trileptal (oxcarbazepina) e Depakote (divalproato de sódio). Medicamentos não incluídos na Política de Assistência Farmacêutica de Atenção Básica ou de Alto Custo. Constituição Federal. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Disponibilização. Possibilidade com observância de requisitos técnicos obrigatórios. **PT 009-2009** Comarca de Manhuaçu. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Contrato Administrativo. Prestador de serviço hospitalar. Hemodiálise/Diálise. Débito com Seguridade Social. Ausência de CND. Constituição Federal (artigo 195, § 3º). Tratamento diferenciado para pessoas jurídicas hospitais e Santas Casas. Lei Federal nº 8.870/94 (artigo 14). Regulamento da Seguridade Social (Decreto nº 3.048/99, artigo 217, § 19). Compensação. Possibilidade, com observância obrigatória de cláusulas especiais na contratualização. **PT 010-2009** Comarca de Pitangui. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde. Transtorno Bipolar. Transtorno de Déficit de Atenção com Hiper-Atividade (TDHA). Medicamentos Carbolitium 450mg (carbonato de lítio), Zyprexa 2.5mg (olanzapina), Alcytam 20mg (citalpran). Medicamentos de alto custo (responsabilidade estadual). Medicamento Ritalina (multifinidato) da Atenção Básica (responsabilidade municipal). Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Não inclusão. Relatório Médico. Insistência clínica. Substituição dos fármacos. Judicialização. **PT 011-2009** (Atualização) **PARECER TÉCNICO JURÍDICO Nº 011/2009** Rafael Medina Machado Gilmar de Assis **Objeto**: Consulta. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Caratinga. Consórcio Intermunicipal de Saúde. Natureza privada. Lei Federal nº 11.107/2005. Decreto nº 6017/2007. Lei Estadual nº 18.036/2009. Lei Estadual nº 18.309, de 03 de agosto de 2009. Instrução Normativa TCE/MG nº 09/2008. Irregularidades. 1. Relatório Cuida-se de consulta, elaborada pelo Promotor de Justiça da Comarca de Caratinga, para a análise das condutas praticadas pelo Consórcio Público Intermunicipal de Saúde denominado CISMIRECAR. 2. Dos Fatos A Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde na Comarca de Caratinga contatou este Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde – CAO-SAUDE a respeito da necessidade de se refletir sobre alguns comportamentos praticados pelo referido consórcio, apontando os seguintes: >> * que o consórcio CISMIRECAR conta com a presença dos seguintes municípios: Caratinga, Entre Folhas, Santa Bárbara do Leste, Ubaporanga, Santa Rita de Minas, Bom Jesus do Galho, Inhapim, Imbé de Minas, São Domingos das Dores, São Sebastião do Anta, Vargem Alegre, Piedade de Caratinga Córrego Novo, Vermelho Novo. (esses municípios pertencem às Comarcas de Caratinga, Inhapim e Raul Soares);\\ >> * que o consórcio, criado em 1996, é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, registrado no Cartório de Pessoas Jurídicas de Caratinga, tendo sua sede no município de Caratinga, na Rua Raul Soares, n. 91;\\ >> * que apesar de ser uma pessoa jurídica de direito privado, o consórcio não está registrando suas atas regularmente, uma vez que a última ata registrada foi a de 31/05/2000;\\ >> * que o consórcio não celebrou com os municípios consorciados os instrumentos jurídicos exigidos pela Lei dos Consórcios Públicos (que exige contrato de rateio em cada exercício financeiro, protocolo de intenções, contrato de programa);\\ >> * que o consórcio recebe 1% (um por cento) do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de cada município, apoiado em uma lei autorizadora desse repasse (1996), gasto com a administração do consórcio, sem inclusão dos serviços médicos prestados por ele ou por outros prestadores;\\ >> * que os municípios consorciados repassam outros valores oriundos do Fundo Municipal de Saúde, sem qualquer autorização legislativa, deliberação do Conselho Municipal de Saúde ou outra formalidade legal. A título de exemplos, os município de Caratinga, um dos maiores consorciados, nos primeiros nove meses de 2002, repassou para referido consórcio os valores de R$ 81.894,90 (oitenta e um mil, oitocentos e noventa e quatro reais e noventa centavos), a título de FPM e de R$ 1.778,579,16 (um milhão, setecentos e setenta e oito mil, quinhentos e setenta e nove reais e dezesseis centavos), a título de prestação de serviços hospitalares; e o município de Inhapim, no mesmo período, os valores correspondentes a R$ 52.384,32 (cinquenta e dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e trinta e dois centavos) a título de FPM, e R$ 346.225,76 (trezentos e quarenta e seis mil, duzentos e vinte e cinco reais e setenta e seis centavos) a título de serviços hospitalares. >>que as notas fiscais emitidas pelo referido consórcio possuem a denominação genérica de “despesas hospitalares”;\\ >> * que referido consórcio não é fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado (artigo 9º da Lei dos Consórcios), nem pelas Câmaras Municipais para prestação dos serviços médico-hospitalar na sua forma indireta, ou seja, funcionando apenas como intermediador;\\ >> * que referido consórcio não conta com Conselho Fiscal em sua estrutura orgânica, apesar de o Estatuto do Consórcio determinar sua existência (dois representantes de cada Conselho Municipal de Saúde);\\ >> * que não há prestação de contas junto ao Tribunal de Contas e aos Conselhos Municipais de Saúde dos municípios, como reflexo da inexistência de um Conselho Fiscal;\\ >> * que o consórcio possui as seguintes contas bancárias: Banco do Brasil, Ag 0177-5, conta 7017-3, conta n. 5967-6 (relativas ao recebimento de valores financeiros remetidos pelo REFORSUS para compra de aparelhos e medicamentos); conta n. 7516-7, conta n. 25.348-0, conta n. 25.530-0 (movimenta os valores do FPM) e Caixa Econômica Federal, ag 106-7, conta 03502359;\\ >> * que considerável parte dos recursos humanos empregados pelo referido consórcio, não obstante concurso público realizado em 2006, não é de empregados concursados;\\ >> * que na última reunião realizada entre os municípios consorciados, que ocorreu no dia 12/01/2009, foi apresentado pelo Diretor do Consórcio um Termo de Convênio que previa como o objeto do Convênio a consecução de todos os objetivos do SUS, inclusive o gerenciamento por parte do CISMIRECAR dos postos de saúde, implantação e gerenciamento do Programa de Saúde da Família e exames complementares em geral; >> * que referido consórcio presta serviços da atenção básica, podendo, por exemplo, citar o caso da responsável pela Vigilância Sanitária do município de Bom Jesus do Galho como funcionária do consórcio;\\ >> * que não há qualquer pactuação programada integrada (PPI) entre os municípios e o consórcio, daí a impossibilidade de se conhecer as quotas pactuadas para cada um dos procedimentos médicos;\\ >> * que o Estatuto do Consórcio não prevê o número, forma de provimento e remuneração dos empregados públicos;\\ >> * que os serviços prestados, de uma forma geral, não se encontram formalizados, com eventual infração à Lei Geral de Licitações;\\ >> * que há necessidade de formalização de contrato de rateio em cada exercício financeiro, conforme exigência da Lei dos Consórcios;\\ >> * Que há fundadas preocupações de alguns prefeitos e secretários municipais de saúde com a situação (forma de condução) do referido consórcio. ====Dos consórcios públicos em geral==== Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 241, que >>A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. A Lei Federal nº 11.107, de 6 de abril de 2005, regulamentou o artigo 241 da Constituição Federal, dispondo sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, destinados à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de realizar procedimentos de interesse comum desses entes estatais e promovendo a gestão associada a que alude o citado mandamento constitucional. Pois bem, o artigo 10 da Lei Federal nº 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde — prevê que os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam. A organização dos consórcios administrativos intermunicipais está também citada no artigo 18, inciso VII, como competência da direção municipal do SUS. Posteriormente, com a publicação da Norma Operacional Básica do Ministério da Saúde em 1996 (MS, 1997a), os Consórcios Intermunicipais de Saúde passaram a ser considerados, no contexto da regionalização e hierarquização da rede de serviços, como sendo estratégias para articulação e mobilização dos municípios, com coordenação estadual, de acordo com características geográficas, demanda, perfil epidemiológico, oferta de serviços e, principalmente, a vontade política expressa pelos diversos municípios de constituírem um consórcio ou estabelecer qualquer outra relação de caráter cooperativo (NOB - SUS no 01/1996). Por sua vez, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) enfrentou a matéria através da publicação de Nota Técnica nº 12/2005, reconhecendo que >>O consórcio constitui-se em um instrumento para a resolução de problemas ou para alcançar objetivos comuns. Na área da saúde têm sido utilizados para o enfrentamento de problemas de diferentes natureza, seja para gerenciar unidades de saúde especializadas, aquisição de medicamentos e insumos básicos médico-hospitalares, entre outros. O Consórcio é sem dúvida um importante instrumento para a consolidação do SUS, principalmente quando pensamos na hierarquização e regionalização da assistência à saúde. Referida Nota Técnica, apoiada na legislação federal nº 11.107/2005, traz algumas recomendações importantes para observância geral,//verbis//: >>O Consórcio Público será constituído por contrato cuja celebração dependerá de prévia subscrição de protocolo de intenções cujas cláusulas devem estabelecer:\\ a) a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;\\ b) a identificação dos entes da federação consorciados;\\ c) a indicação da área de atuação do consórcio;\\ d) a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;\\ e) os critérios para em assuntos de interesse comum autorizar o consórcio público a representar os entes da federação consorciados perante outras esferas de governo;\\ f) as normas de convocação e funcionamento da Assembléia Geral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do Consórcio Público;\\ g) a previsão de que a Assembléia Geral é a instância máxima do consórcio Público e o número de votos para as suas deliberações;\\ h) a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do Consórcio Público que, obrigatoriamente, deverá ser o Chefe do Poder Executivo do ente da Federação consorciado; (no caso de consórcio entre estados, subentende-se que se refere ao Governador do estado);\\ i) o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;\\ j) as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;\\ k) a autorização para a gestão associada de serviços públicos explicitando entre outras, as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;\\ l) o direito de qualquer dos contratantes. Recentemente, no âmbito do estado de Minas Gerais, a matéria foi positivada pela Lei no 18.036, de 12 de janeiro de 2009, com a novidade de que >>[...] a partir de 1º de janeiro de 2010, o Estado somente celebrará convênios com consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública ou que para essa forma se tenha convertido. Ocorre que a Lei estadual nº 18.309, de 3 de agosto de 2009, em seu artigo 32, revogou essa previsão legal. Com isso, hoje não é mais necessário que o consórcio esteja constituído sob a forma de associação pública para celebrar convênios com o estado de Minas Gerais.((Procedida, em 26/02/2010, alteração do Parecer Técnico Jurídico nº 011/2009 em razão da promulgação posterior da Lei Estadual nº 18.309, de 03 de agosto de 2009.)) A doutrina também debate a problemática dos consórcios públicos. Nesse sentido, trago à colação a tese que dispõe sobre consórcios intermunicipais em saúde pública, aprovada no IV Encontro Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde, promovido pela AMPASA – Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde, de lavra dos autores Luciene Alice da Silva((Farmacêutica. Mestre em Marketing Organizacional. Responsável pela Vigilância de Saúde do Estado do Ceará.)) e Manoel Dias da Fonseca Neto((Médico. Mestre em Gerenciamento dos Sistemas Locais de Saúde. Coordenador de Promoção e Proteção à saúde no Ceará.)), denominada CONSÓRCIOS PÚBLICOS EM SAÚDE – Estratégia para o fortalecimento regional e a descentralização das ações de saúde. Referida tese reconhece a possibilidade de >>na área da saúde serem formalizados consórcios para __assistência de saúde de média e alta complexidade__, execução de projetos e programas de saúde, aquisição de medicamentos, materiais e equipamentos hospitalares, coleta de resíduos em serviços de saúde, manutenção preventiva e corretiva de equipamentos, realização de exames laboratoriais, de diagnóstico por imagem, educação permanente, entre outros. (grifo nosso). Ainda, segundo a tese, os consórcios intermunicipais em saúde somente poderão prestar serviços de média e alta complexidade, não sendo a eles facultados prestar serviços de atenção básica, sendo este de atribuição privativa dos municípios. Aliás, é este também o entendimento que se extrai da NOAS-SUS 01/2001 em seu artigo 6º e seguintes. Para a elaboração de um consórcio em saúde, prosseguem os articulistas, se faz necessário o cumprimento de algumas etapas que obrigatoriamente devem ser cumpridas, como, por exemplo:\\ **a)** articulação entre os gestores municipais e Coordenadorias Regionais de Saúde (CRES);\\ **b)** elaboração do Protocolo de Intenções;\\ **c)** ratificação do Protocolo de Intenção pelo Poder Legislativo de cada ente consorciado, o que o transforma na Lei do respectivo consórcio;\\ **d)** elaboração do Estatuto e do Regimento Interno;\\ **e)** pactuação do Contrato de Programa, obrigações referentes a encargos, serviços e bens necessários à implementação dos consórcios, transferência de bens, cessão de pessoal para o consórcio e outros compromissos não relacionados a recursos financeiros. Em relação à prestação de serviço de saúde é fundamental a elaboração de uma Programação Pactuada Consorcial - PPC;\\ **f)** contrato de Rateio, com a finalidade de estabelecer obrigações financeiras, ou seja, os compromissos da aplicação dos recursos pelos entes consorciados;\\ **g)** definição da dotação orçamentária específica ou créditos adicionais por cada ente consorciado para assumir os compromissos no pagamento das despesas assumidas no contrato de rateio;\\ **h)** estruturação e Organização do Consórcio. Outro ponto a ser destacado consiste na observância do PDR – Plano Diretor de Regionalização -, que visa a adequação aos novos princípios adotados, como economia de escala, acessibilidade viária e geográfica. O objetivo de todo esse plano é garantir o acesso dos cidadãos, a todos os níveis, a partir do atendimento o mais próximo possível de sua residência, conforme seja o conjunto de ações e serviços necessários à solução de seus problemas de saúde, em qualquer nível de atenção. Com isso, os consórcios em saúde, para uma melhor prestação de seus serviços, podem se organizar em municípios localizados em uma mesma microrregião sanitária. Exemplo dessa articulação geográfica foi dado pelo estado do Ceará que >>[...] optou por estimular a formação de consórcios em saúde tomando por base os municípios localizados numa mesma microrregião de saúde, para facilitar o processo de estruturação de redes de atenção à saúde e tendo como referência o Plano Diretor de Regionalização. Em Minas Gerais, a SES/MG tem externado sua preocupação pela adequação dos consórcios públicos às exigências legais((Palestra proferida pelo Secretário Estadual de Saúde de Minas Gerais no Seminário realizado em 06/03/2009 na cidade de Viçosa, durante o IV Seminário Macrorregional.)) (federal e estadual), bem como ao Plano Diretor de Regionalização da SES. Segundo seu Secretário Estadual, >>[...] o ideal é que haja um consórcio por microrregião [...] Minas é um dos estados onde os consórcios mais avançaram. São 672 municípios em 64 consórcios intermunicipais de saúde, ou seja, 79% dos municípios mineiros fazem parte de consórcio. Na recente obra editada pela SES/MG,((“O Choque de Gestão na Saúde em Minas Gerais”, organizado por Antônio Jorge de Souza Marques, Belo Horizonte; SES/MG, 2009.)) os autores Antônio Jorge de Souza Marques e Marta de Souza Lima, no artigo que trata sobre o Sistema Estadual de Transporte em Saúde, reconhecem que >>[...] desde o início, considerou-se o Consórcio como o instrumento mais adequado para a organização dos municípios de menor porte em torno da gestão dos serviços de saúde. Assim, o SETS funciona por meio de parcerias estabelecida entre governo do Estado, Consórcios Intermunicipais de Saúde e prefeituras. Segundo esses autores, >>O consórcio é a união ou associação de dois ou mais entes da mesma natureza para viabilizar a resolução de problemas ou o alcance de objetivos que sejam comuns às partes. Os consórcios de municípios têm se mostrado instrumentos eficazes para atender demandas específicas e solucionar problemas de saúde que não podem ser resolvidos individualmente pelos municípios. É um modelo de ação compartilhada para ofertar serviços de maior complexidade para os habitantes de vários municípios, incapazes, por si só, de estruturar os serviços. Tem-se, assim, uma maior racionalidade do uso de recursos financeiros, equipamentos, recursos humanos e instalações físicas. A experiência já está consolidada em Minas Gerais, que conta hoje com 64 consórcios intermunicipais de saúde, ocupando todas as microrregiões do Estado. Aliás, a discussão sobre o papel técnico-jurídico assistencial dos Consórcios Intermunicipais de Saúde no SUS/MG se deu pela Resolução SES nº 67, de 11 de abril de 2003, a partir do Protocolo de Intenções nº 002/2003 celebrado entre a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e Colegiado dos Secretários-Executivos dos Consórcios de Saúde de Minas Gerais (COSECS-MG). Como resultado dessas discussões, editou-se a Deliberação CIB-SUS/MG nº 417, de 21 de fevereiro de 2008, bem como a Resolução SES nº 1418, de 21 de fevereiro de 2008, que dispõe sobre o processo de credenciamento dos serviços de Consórcios Intermunicipais de Saúde de Minas Gerais. Definiu-se pela competência da SES/MG para o credenciamento dos referidos consórcios, mediante prévia aprovação da Comissão Intergestores Bipartite Microrregional (no caso de municípios consorciados localizados em uma mesma microrregião), da Comissão Intergestores Bipartite Macrorregional (no caso de os municípios consorciados se situarem em mais de uma microrregião, mas dentro de uma mesma macrorregião) e da Comissão Intergestores Bipartite Estadual (no caso de os municípios consorciados se situarem em mais de uma macrorregião). Importa aqui destacar, da indigitada Resolução nº 1418/2008, seu artigo 8º,//verbis//: >>Art. 8° Somente serão credenciados pela SES/MG os serviços dos Consórcios Intermunicipais de Saúde que atuem em consonância estrita com os princípios que regem o Sistema Único de Saúde e que redundarem em aumento do atendimento à população. Há precedente judicial sobre essa complexa matéria versando sobre consórcios intermunicipais de saúde, conforme se extrai da lide travada entre a Secretaria Estadual de Saúde do estado do Espírito Santo e o município de Marataízes, enfrentada pelo voto da Relatora Ministra Eliana Calmon, nos autos do RMS Nº 25.012-ES (2007/0205209-8). No acórdão, a segurança foi negada por entender que o ato apontado como coator não teve o condão de excluir o impetrante do Consórcio Intermunicipal de Saúde e, em consequência, do rateio de 1% da parcela do produto de arrecadação do ICMS. ====Da situação concreta do CISMIRECAR==== Conforme se observa, o CISMIRECAR, com suporte na legislação federal - artigo 6º, inc. II - se constituiu na forma de pessoa jurídica de direito privado. A legislação é expressa em determinar que os entes (municípios) que integram o consórcio somente poderão entregar recursos ao mesmo mediante contrato de rateio, sendo este obrigatório para que haja o repasse de verbas. Assim, extreme de dúvidas o descumprimento da legislação federal pelo CISMIRECAR,//verbis//: >>Art. 8__o__ Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público mediante contrato de rateio. >>§ 1__o__ O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos. No que tange à necessária fiscalização dos consórcios públicos pelo órgão do Tribunal de Contas, a matéria encontra-se pacificada em norma legal e doutrina. Assim, nossa legislação mineira (consórcio público) é expressa em dizer, em seu artigo 6º, que: >>Art. 6º. O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio. E, também a doutrina sanitária não discrepa desse entendimento: >>[...] o consórcio também será fiscalizado pelo tribunal de contas correspondente ao nível da entidade pública que o integra, por força do disposto no artigo 71, VI, da Constituição e artigo 9º, parágrafo único, da Lei nº 11. 107.((Santos, Lenir. Sistema Único de Saúde. São Paulo: Unicamp, 2006. p. 101.)) Aliás, o próprio Tribunal de Contas do estado de Minas Gerais já se posicionou a respeito, conforme art. 1º da Instrução Normativa nº 09/2008,//verbis//: >>Art. 1º - As contas anuais prestadas pelos dirigentes das autarquias, fundos previdenciários e fundações municipais regidas pela Lei Federal 4.320/64 e pelos representantes legais dos consórcios públicos municipais, para fins de julgamento, deverão conter os balanços gerais, nos quais constarão dados relativos à execução financeira, patrimonial e orçamentária. Ora, a falta de prestação de contas pelo consórcio (CISMIRECAR) junto ao Tribunal de Contas evidencia sua conduta reprovável, passível de desdobramentos (providências) nas áreas administrativas e judicial. Outro aspecto importante para uma ação refletiva (jurídica) consiste no fato de que referido consórcio, embora pessoa jurídica de direito privado, vem dando tratamento equivocado para admissão de seus empregados. Pois bem, conforme se extrai da redação do artigo 6º, § 1º da lei federal – este (consórcio) deverá atender, em alguns casos, às normas de direito público, como as que se referem à admissão de pessoal, nos termos dessa mesma legislação. Vale trazer à colação a lição de José dos Santos Carvalho Filho((Carvalho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 192.)): >>Nesse caso, seu quadro de pessoal terá regime trabalhista, razão pela qual se aplicam as normas da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. O regime jurídico geral, entretanto, será híbrido: incidem, de um lado, normas de direito privado e, de outro, normas de direito público, como as que se referem a licitações, contratos, prestações de contas e __admissão de pessoal__. (grifo nosso). Importante lembrar que o regime público para admissão de pessoal é o contido no artigo 37, II, da Constituição Federal, que preconiza que a investidura em emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. No mesmo sentido, conforme comentamos, nossa legislação mineira (Lei no 18.036/2009), em seu artigo 14 dispõe que >>[...] a partir de 1º de janeiro de 2010, o Estado somente celebrará convênios com consórcios públicos constituídos sob a forma de associação pública ou que para essa forma se tenha convertido. Portanto, no caso específico do CISMIRECAR - consórcio público de direito privado - importante que seja, desde logo, recomendado pelo Ministério Público para o fiel cumprimento do dispositivo legal referido, ou seja, sua adequação em consórcio público de direito público, haja vista que, vencido o lapso temporal, não mais poderá celebrar convênios, seja com a União ou com o Estado, o que, induvidosamente, poderia inviabilizar o seu funcionamento. ====Da improbidade administrativa==== Conforme determinação legal, o consórcio deve ter contrato de rateio estabelecendo os compromissos da aplicação dos recursos pelos entes consorciados. E também definição da dotação orçamentária específica ou créditos adicionais por cada ente consorciado para assumir os compromissos no pagamento das despesas assumidas no contrato de rateio. Com isso, ressalta-se que a Lei federal nº 11.107/2005 (acrescenta incisos XIV e XV na lei de improbidade administrativa) debate esse tema da seguinte maneira: >>Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: >>XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; >>XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. Portanto, o CISMIRECAR, por não possuir contrato de rateio, nem uma definição de sua dotação orçamentária, se encontra, em tese, na prática de condutas vedadas pela Lei de Improbidade Administrativa, desde que presentes um dos elementos subjetivos do tipo – o dolo e a culpa. ====Conclusão==== Em razão das análises acima descritas, alicerçadas pelas informações repassadas pela Promotoria de Justiça solicitante, conclui-se: >> * o CISMIRECAR viola grande parte dos mandamentos legais, entre eles: falta de contrato de rateio, falta de dotação orçamentária, falta de concurso público para contratação de pessoal, ausência de fiscalização e de prestação de contas pelo TCE;\\ >> * o consórcio intermunicipal de saúde não pode prestar serviços de atenção básica ((Atenção básica à saúde consiste no primeiro nível de atenção à saúde, englobando um conjunto de ações de caráter individual e coletivo que envolvem a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação de pacientes (Ministério Público Federal – 2005).)), conforme se extrai da NOAS-SUS 01/2001 e da doutrina sanitária;\\ >> * as condutas praticadas pelos integrantes do CISMIRECAR podem, em tese, configurar improbidade administrativa, se configurado o dolo ou a culpa na conduta dos agentes públicos. Por todo o exposto, comprovadas as irregularidades praticadas pelo referido consórcio público de natureza privada, recomenda-se a adoção das seguintes providências: >> * instauração de Inquérito Civil Público, nos termos do artigo 8º, § 1º da Lei Federal nº 7.347/85, Resolução CNMP nº 23, de 17 de setembro de 2007 e Resolução Conjunta PGJ/CGMP nº 03, de 14 de dezembro de 2007 para adoção das providências cabíveis;\\ >> * que seja oficiado o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais para que possa manifestar quanto à in(existência) de prestação de contas pelo referido consórcio, inclusive com tomada de providências, se for o caso ((Poderá, se for o caso, ser oficiado diretamente a Assessoria Jurídica da Presidência do Tribunal de Contas do Estado, com endereço na Avenida Raja Gabáglia 1315, Luxemburgo, Belo Horizonte, Minas Gerais, cep. 30.380-435));\\ >> * que seja oficiado a Secretaria Estadual de saúde em Minas Gerais para que possa manifestar-se quanto aos fatos, haja vista sua competência legal e administrativa nos processos de coordenação estadual (credenciamento) dos consórcios intermunicipais de saúde;\\ >> * que sejam oficiados cada um dos representantes de cada município que faça parte do CISMIRECAR para que tomem conhecimento da instauração do Inquérito Civil Público, com tomada de prestação de informações, com possibilidade de formalização de um Termo de Ajustamento de Conduta que contemple as exigências de observância dos requisitos legais para instituição, instrumentalização e operacionalização do consórcio, se for o caso;\\ >> * que seja averiguado se todos os municípios que fazem parte do CISMIRECAR fazem parte da mesma microrregião sanitária, conforme preconizado pelo PDR- Plano Diretor de Regionalização. * [[:cap10:10-8-3|8.1. Ementário de pareceres]] * [[:cap10:10-8-4|8.2. Ementário de legislação pertinente]] * [[:cap10:10-8-5|8.3. Referências bibliográficas ]] \\