====9.2. Atuação extrajudicial do Ministério Público==== //Conceito legal de patrimônio público – Patrimônio público como direito difuso, objeto de tutela pelo Ministério Público – Vantagens da atuação extrajudicial.// A possibilidade de atuação extrajudicial do Ministério Público teve início com a edição da Lei nº 7.347/85, que inaugurou, no sistema jurídico brasileiro, a figura do inquérito civil. O diploma legal referido, que estabelece a disciplina legal da ação civil pública, de forma inegável, elencou o patrimônio público como um dos direitos tutelados mediante aquele instrumento judicial, uma vez que o inciso IV de seu art. 1º, de forma ampla, estabelece que as ações que visem a proteger qualquer outro interesse difuso ou coletivo seriam reguladas por aquele diploma normativo. A Constituição Federal Brasileira de 1988 confirmou e recepcionou o mencionado dispositivo legal ao inserir, entre as funções institucionais do Ministério Público, em seu art. 129, inciso III, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social. O conceito de patrimônio público, por sua vez, decorre da definição contida no parágrafo primeiro do art. 1º da Lei nº 4.717/65, que regula a ação popular. O dispositivo legal estabelece: “Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”. Deve, ainda, ser inserido no amplo conceito de patrimônio público, segundo a moderna doutrina e a recente jurisprudência nacional, o patrimônio moral dos agentes públicos. A este respeito, merece transcrição a valiosa lição de Fernando Rodrigues Martins: >>De considerar, ainda, a idéia de que o patrimônio público não pode ser compreendido apenas do ponto de vista material, econômico ou palpável. O patrimônio público espelha todo tipo de situação em que a Administração Pública estiver envolvida, desde a mais módica prestação de serviço típica até os bens que fazem parte de seu acervo dominial. Com efeito, e, como veremos adiante, a própria moral da Administração Pública constitui patrimônio a ser resguardado por todos os membros da sociedade, sob pena de completa submissão dos valores rígidos de honestidade e probidade às práticas vezeiras da corrupção, enriquecimento ilícito, concussão e prevaricação. Tudo isso a gerar desconfiança dos administrados em face dos administradores e, se não, o pior – difundir a ilicitude como meio usual nas multifárias relações entre os particulares, já que o mau exemplo dos administradores autorizaria, em tese, o desmantelamento dos critérios de lisura.((MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 18. Em trecho mencionado na obra Improbidade administrativa, de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (3 ed. Lumen Juris. p. 535).)) É importante registrar que, em significativo precedente, o //Supremo Tribunal Federal// reconheceu a existência de um patrimônio moral das pessoas jurídicas de direito público. Da ementa constava expressamente o seguinte: >>[...] não é ofensivo ao inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico [...] Recurso não conhecido. No //Superior Tribunal de Justiça//, a matéria já foi objeto de súmula, a qual estabelece o seguinte: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”(( Súmula nº 227 do STJ.)) Considerando-se a generalidade do conceito legal de patrimônio público, a fim de facilitar a atividade administrativa e judicial do Ministério Público, a definição foi desmembrada, de forma que //a acepção de patrimônio público utilizada neste manual se relacione ao patrimônio econômico e moral das pessoas jurídicas de direito público, incluindo-se, ainda, em seu patrimônio extramaterial, a observância aos princípios constitucionais.// A atividade de natureza extrajudicial, inaugurada pela Lei nº 7.347/85, a princípio, tinha como principal finalidade a investigação, ou seja, a colheita de provas necessárias para o manejo de ação civil pública. A finalidade do inquérito civil, portanto, demonstra a sua importância na órbita do patrimônio público, pois é ele o principal instrumento de investigação à disposição do Ministério Público, a fim de prevenir e reparar danos ao patrimônio público brasileiro. A tutela dos direitos coletivos e difusos desponta como uma das mais importantes missões institucionais do //Parquet//, na medida em que, além de proteger os interesses mais elevados da nação, otimiza a atuação dos Poderes, evitando repetidas e inúmeras reclamações de natureza judicial e administrativa. O //inquérito civil, instrumento colocado à disposição exclusiva do Ministério Público//, em especial na tutela do patrimônio público, aparece como elemento essencial. As questões afetas à moralidade administrativa e à defesa do erário, não raro, revestem-se de elementos técnicos complexos e conceitos jurídicos indeterminados, sendo necessária a condução da investigação por órgão isento e de alta capacidade profissional. Neste sentido, o Ministério Público, amparado por uma gama de garantias e vedações constitucionais e cujo corpo de membros é escolhido em concurso de nível bastante elevado, mostra-se um condutor hábil das investigações, que, além de sua natureza complexa, têm o condão de envolver a privacidade dos indivíduos e a moralidade de toda uma coletividade. No entanto, a raiz histórica do Ministério Público, criado como instituição dependente do Poder Judiciário e de exclusiva atuação perante tal Poder, fez com que, inicialmente, a atuação extrajudicial se limitasse quase totalmente à tarefa investigativa e de colheita de provas, com a finalidade de fundamentar futura ação judicial. A tradição estabelecia que a atuação do Promotor de Justiça tinha sempre por finalidade uma prestação jurisdicional. A prática, entretanto, demonstrou que a atuação administrativa de tutela do patrimônio público, feita sem qualquer interferência judicial, muitas vezes poderia ser suficiente para a solução de questões afetas aos direitos e interesses difusos e coletivos. É verdade que, na seara do patrimônio público, são maiores as limitações para a solução extrajudicial de atos danosos ou ameaçadores ao bem tutelado, consoante será exposto em item próprio a seguir. Ainda assim, em muitos casos, em especial naqueles em que não se constata a má-fé do administrador, o inquérito civil e seus instrumentos podem, de forma eficaz e suficiente, pôr fim à questão, reparando e prevenindo danos ao patrimônio público. A //investigação// deverá ser feita por meio da //instauração de inquérito civil ou procedimento preparatório, e iniciar-se-á de ofício ou por provocação de qualquer cidadão.// //Várias são as vantagens da atuação extrajudicial.// De início, deve-se ressaltar que a solução de conflitos, levada a efeito pelo Ministério Público, sem interferência do Poder Judiciário, tem aumentado o prestígio da instituição ministerial e sua credibilidade perante os cidadãos brasileiros. Além disso, a investigação e seus instrumentos têm um importante caráter educativo, já que, nos casos em que a atuação administrativa importa em composição do dano ou fim da ameaça de dano, não há decisão coercitiva alguma, mas adequação do autor da ameaça ou do dano aos preceitos legais de forma consensual. Ademais, é sabido que o Poder Judiciário brasileiro se encontra abarrotado de feitos pendentes de julgamento e também que a processualística nacional, em muitos casos, prejudica o célere andamento de processos, o que importa em longo prazo para julgamento de ações judiciais, sobretudo daquelas de natureza mais complexa. Assim, a atuação do Ministério Público fora dos processos judiciais é muito mais rápida e barata. Mas não é só. Por intermédio da solução de natureza consensual e sem a coercitividade das decisões judiciais, é possível que o agente do ato danoso ou ameaçador ao patrimônio público negocie as condições necessárias para a pacificação do conflito, estabelecendo medidas efetivamente executáveis. Até mesmo para o investigado, mostra-se vantajosa a solução de questões referentes ao patrimônio público sem interveniência judicial, já que, para tanto, na área do patrimônio público, haverá a presunção de boa-fé do agente e a demonstração da intenção de se adequar aos ditames legais e constitucionais. Com efeito, na atuação ministerial investigativa e extrajudicial de tutela do patrimônio público, deve-se buscar, sempre que possível, a pacificação extrajudicial da questão. * [[:cap10:10-9-2-1|9.2.1. Inquérito civil e os princípios da publicidade e da eficiência]] * [[:cap10:10-9-2-2|9.2.2. Inquérito civil e a dignidade da pessoa humana]] * [[:cap10:10-9-2-3|9.2.3. Instrumentos extrajudiciais de solução - Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e recomendação]] * [[:cap10:10-9-2-4|9.2.4. Arquivamento do inquérito civil ou procedimento]] * [[:cap10:10-9-2-5|9.2.5. Reflexo em outras áreas de atuação do Ministério Público]] \\