====9.3.2. Ação civil pública de defesa do patrimônio público==== Inicialmente, cabe esclarecer que são de natureza diversa a ação civil pública por ato de improbidade administrativa e a ação civil pública de defesa do patrimônio público. //A primeira tem por escopo a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92, enquanto a ação civil, visando ao ressarcimento, objetiva a reparação do dano causado ao erário//. Cabe ainda o ajuizamento da ACP, quando se busca a suspensão ou declaração de nulidade de ato lesivo ao patrimônio público, ou quando se pretende obstaculizar os resultados lesivos decorrentes de leis municipais, estaduais ou federais de efeitos concretos, discutindo-se incidentalmente a constitucionalidade da norma. Por conseguinte, analisando o ordenamento jurídico nacional, verifica-se que a ação civil pública de defesa do patrimônio público tem existência autônoma, sendo //regulada pela Lei nº 7.347/85// (Lei da Ação Civil Pública). Neste passo, o //caput// da referida lei prevê o ajuizamento de ação para responsabilização por //danos morais e patrimoniais causados ao patrimônio público//: >>Originariamente, a Lei nº 7.347 limitava-se a fazer referência à responsabilidade por danos. A Lei nº 8.884, de 11/6/1994, deu nova redação ao art. 1º daquela lei, introduzindo os adjetivos morais e patrimoniais. >>O dano moral, cuja doutrina foi, de certo modo, construída lentamente, mereceu expressa referência constitucional com o advento da Carta de 1988. De fato, consta no art.5º, inc. V, ser assegurado o direito de resposta, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. O art.5º, inciso X, garante a inviolabilidade do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas assegurando o direito a indenização pelo dano, material ou moral, decorrente de sua violação. No exame deste último dispositivo, CELSO RIBEIRO BASTOS (ob. E vol. Cit.,p. 65) chega a afirmar que a novidade que há aqui é a introdução do dano moral como fator desencadeante da reparação, o que não era da tradição de nosso direito. Aduzimos nós que a grande inovação residiu em ser o dano moral considerado como fator autônomo para propiciar a reparação, tendo-se avançado e muito em relação à antiga doutrina segundo a qual aquele tipo de dano só seria indenizável se espelhasse prejuízo patrimonial. >>A alteração introduzida pela Lei nº 8.884/94 ao art. 1º guarda, por conseguinte, perfeita harmonia normativa com o perfil constitucional relativo ao dano moral. Na verdade, a redação anterior, referindo-se a danos, já ensejaria a interpretação de que o termo abrangeria também o dano moral. Não obstante, para dirimir eventuais questionamentos, decidiu inserir expressamente no dispositivo a qualificação morais ao substantivo danos. Dessa maneira, o autor, na ação civil pública, postulará a condenação do réu a uma indenização em dinheiro, ou a uma obrigação de fazer ou não fazer, seja patrimonial ou moral o dano que tenha provocado como causa de sua responsabilização. >>Diga-se ainda, por relevante, que o dano moral se caracteriza pela ofensa a padrões éticos dos indivíduos, no caso em foco dos indivíduos componentes dos grupos sociais protegidos. Sendo assim, pode-se afirmar que não apenas o indivíduo, isoladamente, é dotado de determinado padrão ético. Os grupos sociais, titulares de direitos transindividuais, também o são. Assim, se for causado dano moral a um desses grupos pela violação a interesses coletivos ou difusos, presente estará o interesse de agir para a propositura de ação civil pública. O outro aspecto a ser considerado diz respeito à avaliação do dano moral. >>Destituído de valor patrimonial intrínseco e com grau bem acentuado de subjetividade, o dano moral há de reclamar, em cada caso, especial aferição para receber o equivalente pecuniário, tarefa para a qual, com certeza, em muito contribuirão os diversos órgãos jurisdicionais responsáveis pela solução desses litígios.”((CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 12-13.)) Cabe lembrar que a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa foi prevista na Lei nº 8.625/93, Lei Orgânica do Ministério Público, que em seu art. 25, inciso IV, dispôs o seguinte: >>IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: >>a)para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; >>b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas [...]. ====A competência==== A fixação do foro competente da ação civil pública para defesa do patrimônio público é determinado pela norma do art. 2º, //caput//, da Lei nº 7.347/85, combinada com o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que existe uma relação de integração entre a LACP e o CDC, conforme enunciado pelo art. 21 da Lei nº 7.347/85 e pelo art. 90 do CDC. Diante disso, a regra geral será que a //competência do foro determina-se pelo local da ocorrência do dano//: >>PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA FORO DO LOCAL DO DANO - INTELIGÊNCIA DO ART. 2º DA LEI 7.347/85. >>1. É competente para processar e julgar ação civil pública o foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7.347/85 - Precedentes. >>2. Conflito de competência conhecido para declarar-se competente o Juízo Suscitante, da 6ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Maranhão.((STJ, CC nº 38771/MA.)) Ainda temos que, em se tratando de dano de âmbito nacional ou regional, o foro será o da Capital do Estado ou do Distrito Federal, como disposto do CDC: >>Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: >>I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; >>II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. ====Litispendência entre ação civil pública e ação popular==== Deve-se averiguar, no decorrer do inquérito civil público, se há ação popular tramitando na comarca com idêntico objeto, evitando-se eventual litispendência. Além disso, é recomendável o ajuizamento da ação civil quando, comparada com o objeto da ação popular já ajuizada, houver possibilidade de a postulação abranger pedido remanescente e com o último conexo. Ressalte-se que o único instrumento competente para responsabilização do agente autor de ato de improbidade administrativa é a ação civil pública. Quer isso significar que, mediante ação popular, não há possibilidade jurídica de aplicação de sanções por atos de improbidade administrativa, devendo o Promotor de Justiça oficiante na respectiva ação popular pugnar pelo saneamento do feito neste sentido. ====Diversidade de pedidos entre a ação civil pública e a popular==== Ao contrário da ação popular, em que o pedido está restrito à declaração judicial de nulidade do ato lesivo, lembrar que na ação civil pública pode ser postulado pedido de qualquer natureza, não apenas condenatório ou cautelar (art. 83 do Código do Consumidor, aplicável à defesa de outros interesses difusos e coletivos, em decorrência do art. 21 da LACP). Logo, a ação popular não é instrumento competente para a aplicação de sanções pela prática de atos de improbidade administrativa. ====Prestação de contas em convênios formulados por órgãos do executivo==== Verificar que //ao Promotor de Justiça não cabe atuar como Procurador da Fazenda//. Os casos de mera ausência de prestação de contas em convênios formulados por órgãos do Estado não ensejam, a princípio, a atuação do Ministério Público na defesa do patrimônio público. A legitimidade só se afigura com a absoluta constatação de omissão da autoridade administrativa na adoção das medidas administrativas e judiciais tendentes à preservação da coisa pública. ====Recursos ou bens transferidos aos Estados e Municípios==== Os recursos ou bens obtidos pelo Estado ou município, por força de convênios firmados com outros organismos públicos ou privados, são //automaticamente incorporados aos respectivos patrimônios//. Qualquer ilícito praticado nesse processo na esfera cível estará no âmbito das atribuições do Promotor de Justiça da respectiva comarca. Saliente-se que a transferência de recursos entre entes públicos deve ensejar, no mais das vezes,// prestação de contas por parte do ente beneficiado//. A não prestação de contas, nesse caso, pode representar indícios de desvio de recursos públicos. Não basta a mera declaração de aplicação dos recursos sem documentos idôneos (notas fiscais e assemelhados) que demonstrem a aplicação dos aludidos recursos para satisfação de interesse público. ====A exordial==== Conforme a praxe na esfera cível, a //petição inicial// deverá atender os requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) o juiz ou tribunal a que é dirigida; b) a qualificação das partes; c) o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; d) o pedido com suas especificações; e) o valor da causa; f) as provas a serem produzidas pelo autor e g) o requerimento para citação do réu. Vale a pena transcrever os comentários do Professor José dos Santos Carvalho Filho sobre a //instrução da inicial na ação civil pública//: >>No que tange à ação civil pública, o preceito do art. 8º estabelece que, para instruir a inicial, poderá o interessado requerer às autoridades competentes certidões e informações. Não disse a lei se tais documentos seriam tidos como indispensáveis para acompanhar a inicial. Disse apenas que o interessado poderá requerê-los às autoridades competentes. É lógico que se autor pretender juntar as certidões e as informações à petição inicial, terá que providenciá-las com certa antecedência, no mínimo quinze dias, prazo que a lei deu às autoridades. Mas não se pode extrair do artigo a obrigação de o autor juntar tais documentos à inicial, porque a eles não foi conferida a qualificação de indispensáveis à propositura da ação. Conclui-se, pois, que a lei acabou por abrir ao autor duas alternativas: uma, em que se vale do preceito em foco para instruir a inicial, e outra, em que se lhe faculta apresentar tais elementos de prova a posteriori, vale dizer, na fase da instrução do processo. Aliás, esta última alternativa se confirma diante da interpretação a que aludimos acima: ainda que fossem tidos por indispensáveis, haveria para o autor a oportunidade de juntar as certidões e as informações ulteriormente à deflagração da fase postulatória. >>Embora não seja comum, pode ocorrer que no processo sejam dispensáveis algumas provas, tendo em vista a natureza da discussão posta em juízo. Ausente a necessidade de tais provas, não há por que possam as partes insistir em produzi-las, nem há razão para que o juiz o faça. Nesse sentido, já decidiu o TRF da 1ª Região: >>Ação civil pública. Contrato sem licitação com o SUS. Provas periciais e testemunhais. Dispensa. Se a discussão central da ação reside na validade, ou não da contratação dos serviços privados de saúde, com recursos do sistema Único de Saúde (SUS), sem o devido processo administrativo de licitação, a matéria é eminentemente de direito, e sendo assim desnecessárias são as provas periciais e testemunhais, e cujas dispensas não implicam cerceamento de defesa. >>Quando a ação civil pública é promovida pelo Ministério Público, normalmente o Promotor de Justiça junta à petição inicial os autos do inquérito civil que reflete a base de seu convencimento. Nesse processo administrativo prévio, instaurado e dirigido pelo órgão ministerial, como detalharemos adiante, foram coligidos os elementos necessários à instrução inicial do pedido, como, por exemplo, depoimentos, documentos, laudo técnicos etc. Guardadas as devidas proporções, o inquérito civil instrui a inicial da ação civil pública como o inquérito policial instrui a ação penal. >>Não obstante, da mesma forma que ocorre com o inquérito policial em relação à ação penal, o inquérito civil não é peça indispensável à propositura da ação civil pública. A regra, logicamente, é que a inicial seja instruída com esse processo, mas isso não significa que o Promotor de Justiça tenha a obrigação de juntá-lo. Aliás, nem há obrigação de instaurá-lo, se entender insuficientes os elementos para esse fim. Cuida-se, por conseguinte, de condutas que se situam no âmbito decisório e discricionário do órgão ministerial. >>Confirmando esse pensamento, á ditou acertadamente o Tribunal de Justiça de São Paulo: 'A instauração de inquérito civil não é imprescindível para a propositura, pelo Ministério Público, de ação civil pública'. >>Na verdade, há duas ordens de fundamento para tal orientação. Primeiramente, inexiste na lei qualquer mandamento que obrigue o Ministério Público a instruir petição inicial com o inquérito civil. Ademais, é sempre possível que provas produzidas no inquérito civil sejam realizadas no curso da própria ação civil pública. Não há preclusão quanto ao momento de coleta dos elementos probatórios. O que há, ao contrário, é a conveniência do Promotor de Justiça de ingressar com a ação já convencido de que há realmente ofensa ao interesse coletivo ou difuso sob tutela, convencimento que normalmente adquire com o inquérito civil. Nada, porém, existe no quadro normativo que torne exigível a instrução da inicial com esse processo prévio.((Op. cit. p.234-236.)) Por fim, o //objeto da ação civil pública// consistirá em cumprimento de obrigação de fazer e/ou não fazer, ou condenação em dinheiro, declaração de nulidade/anulação de ato ou contrato administrativo, podendo os pedidos ser cumulados ou requeridos separadamente. ====Ressarcimento de dano ao erário==== Como tratado anteriormente, não restam dúvidas de que o Ministério Público tem legitimidade para propositura de ação civil pública com a finalidade de ressarcimento ao erário, pois uma das funções primordiais da instituição é a defesa do patrimônio público. Essa é a linha de entendimento do //Superior Tribunal de Justiça//, que admite a legitimidade do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública para a proteção do patrimônio público: >>PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CABIMENTO – DANO AO ERÁRIO MUNICIPAL – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” – PRECEDENTE DA EG. PRIMEIRA SEÇÃO (ERESP Nº107.384-RS) >>A ação civil pública é adequada à proteção do patrimônio público, visando a tutela do bem jurídico em defesa de um interesse público. >>O Ministério Público é parte legítima para promover ação civil pública visando o ressarcimento de dano ao erário municipal. – Inteligência da Lei nº 7.347/85. >>Ressalva do entendimento do relator. >>Recurso conhecido e provido. (Resp nº149.096/MG, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 30/10/2000, p.138). Dessa forma, em consonância com o art. 5º, //caput// e § 1º, da Lei nº 7.347/85, com o art. 129, III, da Constituição da República, e, ainda, com o art. 110 da Lei nº 8.078/90, que acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, havendo lesão aos cofres públicos, caberá ao Ministério Público o ajuizamento da ação civil pública de ressarcimento ao erário. \\