====9.3.3. A casuística==== ====A publicidade==== Questão tormentosa é a //publicidade oficial//. O art. 37, § 1º, da CF/88((“A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.)) dispõe que a publicidade oficial deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. Infelizmente, na prática, não é o que se presencia. Inúmeras notícias têm nítido e escancarado apelo pessoal, traduzindo-se em flagrante promoção pessoal do agente público que a veicula.(( É de anotar que a propaganda extemporânea em época eleitoral, além de ato ímprobo, se traduz em crime eleitoral e abuso de poder político.)) O tema também é árido, pois envereda para o caminho da //subjetividade e da questão probatória//. Daí a necessidade de, ante o caso concreto, aferir pelo consenso médio se o ato propagandista se amolda ou não aos preceitos constitucionais, cotejando-o com as demais disposições fáticas.((A jurisprudência oferta alguns subsídios para a análise, especialmente em período eleitoral.)) A //natureza meramente informativa// da propaganda oficial e a proibição de publicidade com caráter de autopromoção decorrem de aplicação do princípio da impessoalidade, pois é inconcebível que, fazendo uso de verba pública, o agente político promova publicidade particular. A respeito da impessoalidade na administração pública, é valiosa a lição sempre precisa de Maria Sylvia Zanella di Pietro: >>Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. [...]. No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (1989, p. 562), baseado na lição de Gordilho, que >>[...] os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal. Acrescenta o autor que, em consequência: >>[...] as realizações governamentais não são do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as produzira. A própria Constituição dá uma conseqüência expressa a essa regra, quando, no § 1º do art. 37, proíbe que conste nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.(( Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 71.)) Impõe-se, portanto, aferir, por todos os meios, quando a //propaganda extrapola os limites do institucional para atingir objetivos pessoais do administrador// (promoção pessoal). Caracterizada a intenção da promoção do administrador em detrimento da publicidade pública (publicidade institucional) e da impessoalidade, irregular será o ato. É importante destacar que a //propaganda// feita em proveito particular do agente público ou de seu grupo político é //nula//, em virtude da violação à sua finalidade pública, sendo cabível, de forma inquestionável, o enquadramento da conduta nos rigores da Lei de Improbidade Administrativa, nos termos do art. 11, inciso I, e art. 10, inciso XI, da Lei nº 8.429/92. ====O concurso público==== A regra positivada no art. 37, inciso II, da CR/88 impõe aos entes púbicos, em sentido amplo, a necessidade de realização de concurso público para ingresso nos quadros do serviço público. Tal regra, por certo, trouxe um entrave para alguns administradores públicos, pois cessou a execrável prática de o novo detentor do cargo, a cada mandato, demitir os desafetos e nomear os apaniguados, em prejuízo da sociedade, destinatária final dos serviços públicos. Não obstante o preceito constitucional, muitos administradores públicos recalcitram na prática. Antes da análise dos atos em si, mister se faz fixarmos algumas premissas. A //Lei Federal nº 8.745//, de 9 de dezembro de 1993, traz as //hipóteses de contratação temporária//. Noutro giro, o art. 37, inciso IX, da CF/88 autoriza os entes federados a editarem normas específicas para //contratação de pessoal por tempo determinado, visando a atender excepcional interesse público.// Verifica-se, então, que a contratação temporária é possível, desde que preenchidas, //rigorosamente//, as hipóteses legais (Lei Federal nº 8.745/93 e as respectivas leis estaduais ou municipais que disciplinam o tema), e desde que estejam afinadas com os preceitos constitucionais e o ordenamento jurídico federal, aplicando-se o princípio da simetria na hipótese.((No caso de Minas Gerais, a recente Coordenadoria de Controle da Constitucionalidade está fazendo a análise de toda a legislação municipal, visando verificar a constitucionalidade das respectivas normas.)) Firmadas tais premissas, fica evidente que as //contratações que não se subsumem ao regramento legal// se traduzem em atos de improbidade, em regra, por ferirem os dispositivos do art. 11 da Lei nº 8.429/92, mas nada impede que os atos ímprobos se amoldem às demais disposições legais dos arts. 9º e 10 da citada lei. Ademais, há relatos de casos em que, além de postergar a exigência constitucional do concurso público, os //contratados nem sequer trabalham//. Nesses casos, é evidente o prejuízo ao erário, caracterizando-se ato de improbidade administrativa dos arts. 9º e 10. A exigência legal, como dito alhures, repousa na //excepcionalidade da medida//, que, embora comporte um conceito fluido, pode ser aferido no caso concreto e não poderá ser por tempo indefinido ou com renovações contratuais sucessivas. Destarte, ausente a excepcionalidade do interesse público, fica caracterizado o ato ímprobo. É de se ponderar que as contratações temporárias, como afirmado na ADin 3068, julgada em 25 de agosto de 2004, comportam interpretação ampliativa do dispositivo constitucional do art. 37, inciso IX. Por consequência, havendo possibilidade, ante a presença dos requisitos legais, esta alcança os servidores que desempenhem atividades de caráter regular e permanente. Sobre o tema, há importante precedente oriundo do nosso Estado: >>ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE – EX-PREFEITO – CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES MUNICIPAIS SOB O REGIME EXCEPCIONAL TEMPORÁRIO – INEXISTÊNCIA DE ATOS TENDENTES À REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO DURANTE TODO O MANDATO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE [...]((Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.)) Outra forma frequente de violação ao princípio do concurso público reside na //terceirização//. É verdade que há dispositivo constitucional que permite à administração pública terceirizar alguns serviços públicos.((Art. 37, inciso IX, da CF/88.)) No entanto, deve-se rechaçar a //tentativa de terceirizar atos típicos de Estado// e, igualmente, //serviços de caráter essencial//, os quais, dada a relevância, sempre devem ser preenchidos por servidores públicos de carreira, nomeados mediante a aprovação em concurso público. Nas //hipóteses permitidas// (tem-se admitido a terceirização para os serviços de manutenção, limpeza, serviços especializados reclamados de forma eventual e outros), mister se faz confrontar a contratação com os demais dispositivos legais de regência. Apurado que a contratação terceirizada visa a afastar a exigência constitucional acima mencionada, torna-se claro o ato ímprobo (art. 11 da LIA ou, dependendo do contexto fático, até mesmo as hipóteses dos arts. 9º e 10 do mesmo diploma legal), uma vez que os princípios da administração pública, quais sejam, da legalidade, moralidade e impessoalidade, entre outros, estão sendo descumpridos. Não sendo provada a //burla aos princípios constitucionais// alhures citados, em regra, não há ato de improbidade administrativa. Outra situação recorrente ao tema é a contratação de //cooperativas de trabalho//. O mesmo raciocínio aplica-se à hipótese posta; se a contratação não visa a afastar a exigência constitucional, não há improbidade. Se visar, é evidente o ato ímprobo. Em relação às //condições de funcionamento e regularidade na criação das cooperativas//, deve-se salientar que tal atribuição é do Ministério Público do Trabalho, fugindo da esfera de atuação do Ministério Público Estadual. Vale lembrar que, para a lisura de sua contratação, é necessário que ela conte com //independência administrativa// em relação aos agentes públicos da entidade contratante, sob pena de violação reflexa ao princípio do concurso público. O diferencial numa ou na outra situação é a prova a ser colhida em sede de inquérito civil, pois, insista-se, em regra, não há improbidade administrativa na contratação de empresas a fim de terceirizar algumas tarefas, em especial meras atividades meio. No entanto, consoante supramencionado, caso se constate que //a empresa é mera fachada para a contratação direta de servidores, sem prévia aprovação em concurso público, ou, ainda, que a terceirização se estende a atividades típicas de Estado//, configurado estará, em tese, o ato de improbidade administrativa. ====Irregularidades nos procedimentos licitatórios==== O procedimento licitatório deve ser desenvolvido com //estrita observância legal//, a fim de preservar a //supremacia do interesse público//, última //ratio// a determinar que os certames públicos sejam realizados com a possibilidade de selecionar a melhor proposta para a Administração. No outro extremo, quanto a todos aqueles particulares que poderiam acorrer a uma licitação, o procedimento licitatório tem o fim de assegurar aos particulares a //isonomia em sua participação.// Em relação a este princípio (supremacia do interesse público), convém destacar que a administração pública, para a execução de seus desígnios, naturalmente, contrata obras, serviços, faz aquisições de todas as espécies, sempre com o objetivo do perfeito atendimento de seu interesse ou de suas necessidades, que não se confundem, por óbvio, com os dos administradores. Para a contratação de terceiros, para a concreção de seus objetivos, disciplina a vigente Constituição da República, em seu art. 37, inciso XXI, a necessidade impostergável de prévia licitação, assim entendido, como ensina Hely Lopes Meirelles, >>[...] o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse (**Licitação e Contrato Administrativo**. São Paulo: RT, 1991. p. 19). As finalidades do certame, seus escopos, são apresentadas com singularidade por Celso Antônio Bandeira de Mello: >>[...] visa garantir duplo objetivo: de um lado proporcionar às entidades governamentais possibilidade de realizarem o negócio mais vantajoso; de outro lado, assegurar aos administrados ensejo de disputarem entre si a participação nos negócios que as pessoas administrativas entendam de realizar com os particulares [...]. (Licitação. RT: São Paulo, 1985, p. 1) E, continuando, o autor ensina que a licitação atende: >>[...] a três exigências públicas impostergáveis: a proteção aos interesses públicos e recursos governamentais – ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito ao principio da isonomia [...] com a abertura de disputa no certame e, finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa. Essas lições doutrinárias se assentam hoje em expressos comandos constitucionais, já que a Constituição da República de 1988 tratou de prescrever a //obrigatoriedade da licitação, salvo em situações excepcionais//, além de estabelecer os princípios informativos da atuação administrativa como um todo, demonstrando a evolução dos valores abraçados pela sociedade brasileira, que, por seus representantes, elevou à condição de mandamentos/garantias constitucionais vários valores que decorriam de interpretação. Assim, prescreve o texto constitucional brasileiro que: >>Art. 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: >>[...] >>XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. As exigências constitucionais tornam obrigatórias, portanto, não somente a realização do formal procedimento da licitação, //como também que ele seja realizado com perfeita obediência aos princípios norteadores da administração pública.// A par disso, os procedimentos licitatórios têm sido um campo fértil para a prática de atos de improbidade administrativa e dilapidação do patrimônio público. Como é curial, as //regras licitatórias// estão disciplinadas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e por inúmeras manifestações oriundas dos órgãos de fiscalização estaduais – Tribunal de Contas dos Estados. //A experiência prática// tem demonstrado um sem-número de //irregularidades//, que vão desde //combinação entre empresas, licitações previamente direcionadas// e o //fracionamento do objeto// buscando burlar as exigências legais. //A combinação entre os licitantes// é infelizmente prática usual. Não é incomum empresas e fornecedores se aliarem e lotearem os objetos licitados, acordando que numa região a empresa A ganhe a licitação, ao passo que em outra região a empresa B o faça. Outro tipo de acordo está na //distribuição dos itens licitados entre as empresas//, repartindo-os de modo que cada uma se sagre vencedora em algum lote. Seja de uma forma ou de outra, ter-se-á a garantia de alguma vantagem a cada uma das empresas, na maioria das vezes em prejuízo dos cofres públicos. Como não há número mínimo de participantes exigido por lei((No caso do convite, a lei estabelece o número mínimo de empresas convidadas (três), mas nada impede que a licitação se desenvolva com o atendimento ao convite por um número menor de empresas.)), o esquema funciona muito bem em cidades pequenas, onde um grande número de empresas, em regra localizadas fora da sede do município, não tem interesse em participar do certame, pois os custos são maiores pela distância. Assim, muitas vezes as empresas locais são favorecidas em licitações fraudadas, dada a ausência de competição externa. Há, ainda, outras fraudes como, por exemplo, o envio de //convites// para empresas distintas, pertencentes, porém, ao mesmo grupo ou com ligações subjetivas entre seus sócios. Nesses casos, apesar da aparência, esta inexiste competição, uma vez que não há sigilo quanto às propostas a serem apresentadas, possibilitando ajustes diversos. Em //alguns casos//, é possível aferir que as propostas vieram de uma mesma impressora, de uma mesma máquina datilográfica, foram impressas em papel branco (sem timbre da empresa licitante), os convites ou avisos de licitação foram recebidos ou retirados pela mesma pessoa para empresas distintas tudo isso manifesta a fraude. Destarte, é mister que o órgão de execução ministerial, a par de outros meios de controle repressivo, no bojo de uma investigação, requisite do poder público a relação de empresas cadastradas, com o objetivo de tomada de preços e cópia dos processos licitatórios para se aferir a //lisura do procedimento.// Outra prática comum é o //direcionamento dos certames licitatórios//. Aqui a fraude é refinada, pois no edital da licitação se incluem exigências que poucas ou nenhumas empresas ou fornecedores podem atender, violando não só a Constituição Federal, como também a legislação de regência. Essas exigências infundadas, tendentes unicamente a desequilibrar a balança da competitividade em favor de determinada empresa, aniquilando o princípio da isonomia entre os licitantes, representam violação expressa ao disposto no § 1º e inciso I do art. 3º da Lei nº 8.666/93: >>Art. 3º - //A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia// e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração //e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa//, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. >>§  1º//É vedado aos agentes públicos:// >>I - admitir, //prever, incluir// ou tolerar, //nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções// em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou //de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;// (grifos nossos). Nesse sentido, vale destacar os ensinamentos de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves: >>É ampla a liberdade da administração pública na elaboração do edital de licitação. Liberdade, no entanto, não guarda similitude com arbítrio. O objeto da licitação deve ser individualizado em conformidade com as necessidades da administração e o interesse público a ser alcançado. >>Assim, é vedado ao poder público inserir cláusulas que, afora inúteis ao fim visado, inviabilizem a disputa e comprometam o princípio da igualdade entre os concorrentes. [...] Esta forma de frustração da licitação será normalmente verificada quando o edital for dirigido a um dos participantes, o que ocorrerá sempre que o objeto licitado for individualizado de forma a excluir os similares, estabelecendo-se especificações que são exclusivas de determinado fornecedor (**Improbidade administrativa**. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2066. p. 349). De um modo geral, todas as //irregularidades perpetradas// ao longo da tramitação de processo licitatório e de sua execução, tendentes a retirar-lhe também o caráter competitivo e a burlar sua finalidade primordial – que é selecionar a melhor proposta para a administração – afrontam o princípio constitucional, imperativo para todo agente público, da //moralidade//. Esse princípio deve caminhar lado a lado e iluminar o da //finalidade//, traduzindo a ideia de que, mesmo que regular em face da lei, se o comportamento adotado ofender as //regras da moral, da correta gestão do patrimônio público e social ou do princípio básico da honestidade//, acarretará ofensa a esse princípio (o da moralidade), inquinando de ilegalidade o ato perpetrado. Neste aspecto, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves destacam que o princípio em tela: >>[...] exige uma atividade responsável e coerente para correta identificação dos //padrões de conduta que individualizam o bom administrador, vinculando-a à finalidade pública que é peculiar à atividade estatal//, sempre com a necessária //impessoalidade// que deve estar presente em todos os atos dessa natureza (grifos nossos). Por isso, afirma-se que a //moralidade administrativa constitui pressuposto de validade de todo o ato da Administração//, ponderando Hely Lopes Meirelles: >>À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais e desonestos, como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido pelo zelo profissional invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou, embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional, que é o de concorrer para a criação do bem comum (grifo nosso). (Ob. cit., p. 80). Assim, para a gestão pública, exige-se a satisfação de //princípios cogentes// que vinculam a atuação do administrador e do particular que, por desejo próprio, resolve firmar negócio jurídico com a Administração. A realização do certame licitatório na forma preconizada na lei visa a garantir a //moralidade administrativa, a eficiência e a economicidade, assim como impedir preferências a quaisquer empresas ou particulares que venham a participar dos negócios da administração pública. A moralidade administrativa// é atingida a partir do momento em que o agente público desenvolve o processo licitatório ao arrepio da lei, objetivando favorecer empresa previamente ajustada. Conforme dito, o procedimento legal da licitação é traçado como norma genérica pela Lei Federal nº 8.666/93 e suas alterações, disciplinadora dos princípios aplicáveis aos casos mencionados. Destaque-se que a norma federal se preocupou com a estrita observância dos //princípios impostos à administração pública//. O legislador adotou postura claramente defensora daqueles postulados, seja alçando-os à categoria de //requisito essencial// para a realização do procedimento licitatório, seja delimitando o //campo de atuação// do poder público. Daí porque a subtração do interesse público, com a violação desses princípios, deve ensejar, além da imposição das sanções por ato de improbidade administrativa, também a revogação ou anulação do ato administrativo; a primeira pela própria administração, e, a segunda, por esta ou pelo Judiciário, nas hipóteses de ilegitimidade ou ilegalidade do ato, diante da verificação de ofensa aos primados mencionados. Por fim, o //fracionamento do objeto licitado// tem sido usado como fraude ao procedimento licitatório. A Lei nº 8.666/93 traz as hipóteses de //dispensa e inexigibilidade de licitação//((Arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1983.)). Cuida-se de norma excepcional que comporta interpretação restritiva e só tem lugar quando todos os seus requisitos legais estiverem satisfeitos. Igualmente, no art. 23, a mesma lei dispõe sobre as //modalidades de licitação// (convite, tomada de preços e concorrência) em razão dos valores estimados para contratação, variando para os casos de obras e serviços de engenharia (inciso I) e compras e outros serviços (inciso II). Diante de tais normas legais, alguns administradores públicos, em franca violação à norma dos § 1º e § 2º do art. 23 da Lei nº 8.666/93, //fracionam o objeto// das licitações, visando a privilegiar seus apaniguados ou até mesmo cúmplices. É bom que se diga que não há vedação ao fracionamento do objeto das contratações pelo poder público. Esse, porém, deve ter por objetivo o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade sem perda da economia de escala (§ 1º) e, ainda, observar em cada processo fracionado a mesma modalidade que, pelo valor, seria adequada para o objeto como um todo (§ 2º). A //fraude reside//, fora das hipóteses permissivas supracitadas, em desdobrar-se o objeto da contratação para que cada parte possa se enquadrar nos valores previstos para dispensa de licitação (art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93) ou para que possa cada parte ser licitada sob modalidade de menor rigorismo formal e/ou de publicidade (por exemplo, convite em lugar de tomada de preços). O administrador age, portanto, como se cada parte fosse um objeto autônomo, sem nenhuma ligação entre si, perpetrando a fraude, que, obviamente, terá como objetivo último o favorecimento de alguém em detrimento do erário. O tema é magistralmente resumido por Emerson Garcia: >>A identificação da fraude, empreitada nem sempre fácil de ser ultimada, deve ser feita com a individualização dos seguintes fatores: a) preexistência, por ocasião da primeira licitação, das situações fáticas que serviram de elemento deflagrado das demais; b) idêntica natureza dos objetos das sucessivas licitações; c) ausência de situação excepcional (de natureza econômica, social etc.) que pudesse justificar a limitação do montante de cada uma das contratações (art. 23, § 1º, da Lei nº 8666/93); d) que a licitação das partes, no caso de fracionamento justificado por situação excepcional, não observe a modalidade que seria realizada para o todo (arts. 23, § 2º, e 7º, § 1º, da Lei nº 8.666/93); e e) proximidade temporal entre as licitações, o que será verificado em conformidade com as peculiaridades do caso. >>Em casos tais, têm-se determinadas operações que, consideradas em sua individualidade, são lícitas, mas que visualizadas em conjunto perseguem um fim juridicamente ilícito, sendo nulas de pleno direito.((Improbidade administrativa. Op. cit. p. 352.)) Desse modo, sendo patente que o fracionamento visa a burlar a exigência constitucional e legal, caracterizado está o ato de improbidade, em especial aquele tipificado no art. 11 da LIA. Não se pode olvidar, contudo, que, dependendo do contexto fático, havendo enriquecimento ou mesmo dilapidação dos valores públicos, as demais figuras previstas nos arts. 9º e 10 da Lei Federal nº 8.429/92 também estarão caracterizadas, sem prejuízo, é óbvio, da nulidade dos atos e da responsabilidade criminal. ====A responsabilidade fiscal==== Várias são as possibilidades da prática de atos de improbidade administrativa por violação à responsabilidade fiscal do ordenador de despesas. No geral, a Lei Complementar Federal nº 101/2000 visa ao bom e eficiente trato das finanças públicas, impondo um grande número de exigências para o gasto do dinheiro público e criando mecanismos que impeçam a triste e anterior realidade de “orçamentos de ficção”, em que despesas eram subavaliadas e receitas superestimadas, o que resultava em verdadeiro caos administrativo e endividamento frequente. Além de submeter-se ao regramento da Lei Federal nº 4.320/64, que cuida do orçamento público, criando os //mecanismos para controle// dos gastos, empenho (precedido de licitação, em sentido lato), liquidação e pagamento, o agente público deve atentar para as vedações da LC nº 101/2000. As principais vedações são as seguintes: os restos a pagar, os limites percentuais com gastos dos servidores públicos((Arts. 19 e 20 da LC nº 101/2000.)) e a vedação de operações outrora chamadas de //antecipação de receitas//.((Art. 37 da LC nº 101/2000.)) Entende-se por //restos a pagar//, nos exatos termos do art. 36 da Lei nº 4.320/64: >>//[...] as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não-processadas”, sendo que “os empenhos que correm a conta de créditos com vigência plurianual, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito// (parágrafo único) O tema ganha especial relevo diante do endividamento dos entes públicos, sobretudo de prefeituras municipais, findo o mandato dos respectivos Prefeitos. O problema se agrava quando o titular do cargo de Prefeito disputa a reeleição e não logra ser eleito((Em regra, visando ser eleito, o titular do cargo de prefeito promove um sem número de obras, algumas para serem pagas no próximo mandato.)). Como premissa básica, mister compreendermos os ditames da Lei Federal nº 4.320/64, a qual trata do orçamento público, norma esta que deverá ser cotejada com a Lei de Responsabilidade Fiscal.((Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.)) A Lei de Responsabilidade Fiscal, em vários dispositivos, mais especificamente no art. 42, veda ao agente público realizar despesa que não possa ser honrada dentro de seu mandato. Porém existem situações específicas que fogem ao âmbito da regra, pois, no final de mandato e não havendo possibilidade de reeleição, todas as despesas empenhadas devem ser liquidadas e pagas. Assim, é clara a necessidade de se apurar se os //restos a pagar// foram liquidados e pagos com recursos oriundos do orçamento do ano anterior (por exemplo: contas vencidas em janeiro de 2008, obrigatoriamente deveriam estar empenhadas e liquidadas até 31 de dezembro de 2007). A regra é de clareza solar, isto é, veda que o agente público que deixa o cargo contraia dívidas que inviabilizem a administração do novo detentor. Nesse diapasão: >>[...] traduz ato de improbidade administrativa submetido ao alcance do art. 11, da Lei nº 8.429/92, a conduta do prefeito municipal que, às vésperas de encerrar o seu mandato, em consenso de vontades com os gestores do fundo de previdência e assistência dos servidores municipais, toma de empréstimo recursos desta entidade para resgatar dívidas do município, com violação a literal disposição de Lei local.[...]((  Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.)) Destarte, havendo //restos a pagar//, é necessária a investigação pormenorizada para se apurar se as despesas foram contraídas de forma deliberada ou fruto de desmando administrativo (para se aferir culpa ou dolo) e, ainda, se a liquidação e o pagamento não se realizaram em face da ocorrência de caso fortuito ou de força maior. Também não é incomum, infelizmente, os gestores públicos, principalmente em anos eleitorais,((Art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.)) //outorgarem ao quadro de servidores aumentos de vencimentos despropositados e, em alguns casos, fora do lapso temporal// fixado na Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Presente a hipótese versada, deve o órgão de execução oficiante deflagrar procedimento de investigação (inquérito civil ou procedimento preparatório) para se apurar se os contornos da conduta se traduzem em atos de improbidade, tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Sendo certo pela prova colhida que a conduta, traduzida na concessão de aumentos indiscriminados de vencimentos, visou tão somente a favorecer o próprio agente ou eventual candidato por ele apoiado, surge a necessidade do manejo de ação civil pública (ou cautelar preparatória) que obste a prática ímproba.((Sem prejuízo das sanções de natureza eleitoral.)) No mesmo diapasão, faz-se necessária a atuação ministerial quando estamos diante de //operação de antecipação de receitas//. O art. 37 da LCF nº 101/2000 acabou com a nefasta prática das //antecipações de receitas//, expediente escuso que era utilizado por alguns agentes públicos que procuravam, em regra, empresas de grande porte e “solicitavam” o aporte de valores pecuniários aos cofres públicos a título de “antecipação” do pagamento de futuros tributos devidos. Não é necessário muito esforço para se aferir que, além da nítida subserviência que a operação impunha aos gestores públicos, solapando os mais comezinhos princípios da administração pública, toda sorte de mazelas emanavam da conduta. Num primeiro plano, tornava o agente público displicente no trato da coisa e das finanças públicas, uma vez que, mesmo havendo administração desastrosa, ao final dos exercícios fiscais bastava //convencer// as empresas a anteciparem pagamentos dos tributos devidos para resolver a incompetência e a ineficiência administrativa; num segundo momento, trazia grande apreensão para toda a sociedade, pois, ante a recusa de antecipação, a máquina pública ficava comprometida e a população prejudicada, e, por fim, as empresas, não raras vezes, impunham um sem-número de condições e descontos, levando à dilapidação do erário. Assim sendo, ante a comprovação da prática, surge para órgão ministerial o dever de promover a investigação devida e, presentes os elementos caracterizadores da conduta ímproba, o manejo de ações judiciais para a defesa do erário público, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, especialmente na esfera penal. ====As caixas escolares==== No âmbito estadual, as denominadas caixas escolares foram criadas por ato do Poder Executivo estadual através da Resolução n° 2.289/77, com fundamento na Lei Federal nº 5.692/71, que estabelece as Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2° Graus dos Estados, notadamente nas disposições contidas nos arts. 41 a 62. As citadas caixas, embora sejam //entidades de caráter civil//, não raras vezes recebem aporte de recursos de índole estatal (verbas da Secretaria de Estado da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, repassado diretamente pelo Ministério da Educação, uma vez por ano, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE). Destarte, ocorrendo repasse de verbas, notadamente oriundas do erário estadual, não obstante o caráter de entidade civil sem fins lucrativos, é óbvio que a conduta das referidas entidades se insere no conceito de sujeitos passivos trazido pela Lei Federal nº 8.429/92, pois recebem subvenção do poder público.((Art. 1º, caput, da Lei nº 8.429/92.)) Assentada tal premissa, está claro que as caixas escolares estão sujeitas às imposições da Lei Federal nº 8.666/93. Com efeito, o art. 1º, parágrafo único, da Lei Federal nº 8.666/93 preceitua que deve haver efetivo //controle sobre todas as entidades que integrem a administração pública, inclusive as de natureza civil que recebam recursos públicos ou que de qualquer forma dependam, para seu funcionamento, daquela.// Afere-se, então, que as //caixas escolares// que recebam subvenção de natureza estadual ou municipal, //obrigatoriamente//, devem se submeter à Lei de Licitações, sob pena de incorrerem em atos de improbidade aqueles que as dirigem. Assim, é necessário precisar se as //caixas escolares// estão ou não recebendo recursos públicos, podendo o órgão de execução oficiante valer-se da //requisição ou do acompanhamento via internet da execução orçamentária do órgão público respectivo// ((Secretaria Estadual ou Municipal de Educação.)) e, em caso positivo, deve o órgão //diligenciar// a fim de apurar se está havendo obediência aos dispositivos da Lei Federal nº 8.666/93 e, ainda, quando se trate de hipótese de dispensa de licitação, quer pelo valor do objeto, quer por dispensa fundamentada, se está ocorrendo a devida //prestação de contas.// A //ausência de licitação//, em suas variadas formas, bem como a //ausência de prestação de contas//, dependendo dos contornos da conduta, podem dar azo à ocorrência de atos de improbidade administrativa, previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 (LIA). Sobre o tema, há a //Recomendação 001/2006//, expedida pela Promotoria de Justiça de Viçosa ((Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.)) Além disso, mostram-se de grande valia as considerações constantes de //nota técnica existente no endereço eletrônico// do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, na //página do CAO-PP//, no liame de //Licitação e Contratações na administração pública direta e indireta.// ====Fiscalização dos atos da administração pública==== ((O Grupo Especial de Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Público (GEPP) disponibiliza roteiro prático de autuação com várias peças, inclusive roteiros e peças relativas a procedimentos de prestação de contas do Tribunal de Contas, na página da Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais: http://www.mp.mg.gov.br. )) Como é curial, basicamente, os atos administrativos dividem-se em duas grandes categorias, quais sejam, os //vinculados// e os //discricionários//. A etimologia da primeira classificação não deixa dúvida de que o administrador público está vinculado, por completo, aos ditames legais que regem a hipótese versada, expressando-se no //princípio constitucional da legalidade.// Noutro norte, situam-se os //atos administrativos discricionários//, nos quais o legislador cria os contornos genéricos, delegando ao administrador público o juízo de //conveniência// e //oportunidade.// A primeira espécie, os atos //vinculados//, enseja fiscalização mais efetiva, pois basta confrontar o ato administrativo realizado com os ditames da legislação de regência; no caso de disparidade, estando presentes as demais hipóteses reclamadas pela Lei nº 8.429/92 (LIA), estaremos diante de eventuais atos ímprobos, //sem prejuízo da anulação ou nulidade do ato realizado.// A grande celeuma repousa na fiscalização com vias à anulação ou nulidade dos denominados atos administrativos discricionários. À guisa de informação, anulação e nulidade constituem-se hipóteses diversas, sendo que, na primeira, o ato administrativo produz seus efeitos até a declaração de sua anulação((Em regra, são declarados com efeito ex nunc.)). Em regra, tais atos padecem de vícios menos graves. Na segunda hipótese, os atos nulos (ou até inexistentes, para alguns) não produzem nenhum efeito, pois a gravidade do vício é tão latente que não há como aproveitá-lo.((Em regra, são declarados com efeito ex tunc.)) Celso Antônio Bandeira de Mello bem explica o tema: >>Os atos administrativos praticados em desconformidade com as prescrições jurídicas são inválidos. A noção de invalidade é antitética à de conformidade com o Direito (validade). >>Não há graus de invalidade. Ato algum em Direito é mais inválido do que outro. Todavia, pode haver e há reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade. Ou seja: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma graduação no repúdio a eles. >>É precisamente esta diferença quanto à intensidade da repulsa que o Direito estabeleça perante atos inválidos o que determina um discrímen entre atos nulos e atos anuláveis ou outras distinções que mencionam simplesmente irregulares ou que referem os chamados atos inexistentes. >>[...] >>A ausência de leis administrativas que sistematizem casos de invalidade e seus efeitos propiciou que surgissem três diferentes posições quantos aos atos inválidos no Direito Administrativo Brasileiro. >>A) Alguns entendem que o acarreta sempre nulidade do ato. É a posição de Hely Lopes Meirelles, por exemplo. >>B) Outros, como Tito Prates da Fonseca e Oswaldo Arranha Bandeira de Mello, sustentam que a tradicional distinção entre atos nulos e anuláveis aplica-se ao Direito Administrativo. De acordo com este último autor, as espécies mencionadas se contrapõem em que: >>a) os atos nulos não são convalidáveis, ao passo que os anuláveis o são. Vale dizer: conhecido o vício, há maneiras de corrigi-lo retroativamente; >>b) os atos nulos, em juízo, podem ser fulminados por provocação do Ministério Público quando lhe caiba intervir no feito, ou ex officio pelo juiz, ao passo que os anuláveis dependem desta argüição pelos interessados para serem fulmináveis; >>c) os atos nulos só prescrevem longi temporis (20 anos) enquanto os anuláveis prescrevem brevi temporis. >>A) Seabra Fagundes defende uma divisão tricotômica: nulos, anuláveis e irregulares; ressaltando todavia, que as duas primeiras espécies não correspondem às do Código Civil, nem quanto aos tipos de vício nem quanto aos efeitos deles; >>Todos negam relevância jurídica à espécie atos inexistentes, indicando que, de direito, equivalem aos nulos. >>[...] >>Quanto a nós, sem negar as premissas de ambas as correntes, discordamos das conclusões. Aceitamos que há atos nulos e anuláveis, acompanhando nisto Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, cujas lições, aliás, permeiam visivelmente todo o exame a que se precedeu dos atos administrativos. >>Entretanto, parece-nos que há, além deles – e nisto modificamos a posição que vínhamos assumindo até época recente -, uma categoria de atos viciados cuja gravidade é de tal ordem que, ao contrário dos atos nulos ou anuláveis, jamais prescrevem e jamais podem ser objeto de 'conversão'. Além disto, existe direito de resistência contra eles. São os que denominaremos com a expressão rebarbativa (reconheça-se) de “atos inexistentes”. Consistem em comportamentos que correspondem a condutas criminosas, portanto, fora do possível jurídico e radicalmente vedadas pelo Direito. >>[...] >>Tais atos merecem uma catalogação à parte, pois a distinção entre as diferentes espécies de atos viciados só faz sentido se a eles corresponderem diferentes tratamentos jurídicos, de tal sorte que haverá tantas categorias quantos forem os distintos regimes a que se submeterem. >>Assim, em nosso entender são categorizados como inválidos os atos inexistentes, os atos nulos e os atos anuláveis.((MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros. p. 333-335)) Praticados os atos administrativos, num primeiro momento, a própria Administração pode valer-se da //autotutela//((Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal.)) para a correção do ato, mas tal situação não elide a eventual prática do ato de improbidade administrativa. A anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo por parte da própria administração pública, se presentes os requisitos legais, não elide a aplicação das sanções tipificadas na Lei de Improbidade Administrativa. Caso a administração pública não promova correção via autotutela, deve o Ministério Público, mediante os instrumentos colocados à sua disposição, buscar a declaração de invalidade do ato eivado de vício. A primeira questão que deve ser enfrentada é afastar-se o anacrônico entendimento de que o mérito do ato administrativo não pode ser sindicado pelo Judiciário, por força da separação dos poderes((Art. 2º da CF/88.)). Felizmente, hodiernamente, os //Tribunais//, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, firme no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 e em outras disposições correlatas, têm entendido //que é lícito ao Judiciário verificar os requisitos do ato administrativo discricionário, até mesmo no que tange ao juízo de conveniência e oportunidade, cotejando-os com os princípios constitucionais, uma vez que, não raras vezes, os atos administrativos hauridos de aparente legalidade trazem em seu bojo um sem-número de mazelas//.((Perseguição política, em especial em desapropriações, favorecimento em obras públicas, etc.)) A propósito, cabe citar um lapidar acórdão que serve de paradigma: >>//ADMINISTRATIVO//. CONSTITUCIONAL. >>1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no //controle// dos //atos// da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.... 11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. >>[...] >>12. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. >>13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. >>14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. >>15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. >>16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. >>17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional. >>18. O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. >>19. O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa ‘fila de espera’, quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedente jurisprudencial do STJ: RESP 575.280/SP, desta relatoria p/ acórdão, publicado no DJ de 25/10/2004. >>20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 7/11/2005, decidiu verbis: “CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. >>[...] >>21. Recurso especial provido (REsp 718203/SP – 2005/0008518-5. Min. Relator Luiz Fux. Julgado em 6/12/2006. Publicado DJ 13/02/2006. página 694, grifo nosso).((Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2008.)) O avanço jurisprudencial fornece aos órgãos de execução ministerial a possibilidade de exercer efetivo e concreto controle e fiscalização sobre os atos administrativos realizados por todos os órgãos e poderes que compõem a administração pública e estão inseridos nos conceitos de sujeitos passivos, delineados no art. 1º da Lei nº 8.429/92 (LIA), cotejando-os com o texto da Constituição Federal e seus princípios informadores. Destarte, deve o órgão de execução oficiante ficar atento à prática dos atos administrativos e, na ocorrência de condutas que maculem o texto constitucional e sua principiologia, dando azo, por corolário, às hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, adotar as medidas extra e judiciais ao seu cargo. ====Procedimentos oriundos do Tribunal de Contas==== **Providências preliminares** Recebido o expediente contendo conta municipal rejeitada do Tribunal de Contas Estadual (TCE), instaurar inquérito civil para apuração das irregularidades mencionadas, adotando as providências referidas em tópico acima. **Identificação das irregularidades apontadas** Localizar no parecer as irregularidades ocorridas, bem como obter, se houver, cópia integral da ata da sessão legislativa que aprovou ou rejeitou as contas e ainda a relação dos Vereadores presentes. Podem ter ocorrido as seguintes hipóteses: a) a Câmara aprova o parecer e concorda com a existência das irregularidades apontadas pelo TCE: presume-se que as despesas apontadas como irregulares não visavam ao interesse público. Essa atitude do Legislativo terá repercussões em alguns casos de despesas públicas que poderiam ter sido convalidadas posteriormente pelo referido órgão.\\ b) a Câmara rejeita o parecer no todo ou em parte:((//“O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal”//(art. 31, § 2º, da CF/88), sendo certo que, se o parecer é rejeitado por percentual inferior a este, é considerado como aprovado, e, se o Legislativo aprova ou rejeita as contas, antes da emissão do parecer prévio pelo TCE, a decisão não tem nenhuma validade (Súmula nº 31 do TCE); de qualquer forma, é bom lembrar que a decisão da Câmara, muitas vezes implicando um julgamento político, não vincula o Ministério Público, que tem amplo poder de investigar o eventual ilícito cometido.)) examinar a possibilidade de instauração de inquérito civil ou de ajuizamento de ação civil pública. **Análise do parecer** Normalmente, as irregularidades aparecem nominadas e acompanhadas de um valor numérico, expresso na moeda corrente à época do exercício, que deverá ser posteriormente atualizada. Os itens remetem a um anexo que consta dos autos do procedimento. Tais anexos deverão ser localizados. Feito isso, deve-se atentar que eles geralmente apresentam uma sigla demonstrativa do documento que comprovará, perante a administração, a despesa realizada. Os mais comuns são a nota de empenho (NE) e a ordem de pagamento (OP). Esses documentos são individualizados com um número, sendo costume aparecer no anexo o mês no qual ele foi emitido e o seu respectivo valor. **Requisição de informações e documentos** Para instruir o inquérito civil, requisitar do atual Prefeito ou Presidente da Câmara, conforme as irregularidades sejam relativas às contas da Prefeitura ou da Câmara, respectivamente: a) informações sobre quem seria a autoridade responsável por tal exercício, com a sua qualificação completa e endereço atual, visto que será ele o réu de eventual ação;\\ b) os documentos pertinentes a cada irregularidade que apresentarão variações conforme a natureza de cada uma, por exemplo:\\ I) despesa sem licitação: as notas de empenho, as notas fiscais relativas à despesa e todos os documentos que digam respeito ao procedimento licitatório realizado no caso, com cópia do contrato firmado com a empresa vencedora;\\ II) remunerações recebidas a maior pelos agentes políticos: as folhas de pagamento ou ordens de pagamento a elas referentes e as resoluções da Câmara que fixaram os valores (as quais se acham mencionadas, geralmente, em quadro comparativo entre os valores percebidos conforme a folha de pagamento e os valores que deveriam ter sido pagos consoante tais resoluções ou em virtude de lei, constante do procedimento enviado pelo TCE);\\ III) despesa realizada sem o devido convênio ou lei municipal autorizativa: cópia da nota de empenho, da nota fiscal que geralmente a acompanha, de eventual contrato e do convênio ou lei, se houver, etc. Observar que, em se tratando de documentos públicos, as cópias deverão vir autenticadas, visto que cópia sem a devida autenticação não é tida como documento público para fins penais no caso de existir alguma falsidade. **Perícia – hipóteses em que poderá ser dispensada** Recebida a documentação, caso necessário, providenciar a realização de perícia, observando as recomendações aqui contidas. Lembrar que o parecer do Tribunal de Contas, que é um órgão público, tem por base análises técnicas das contas de determinado administrador, o que, muitas vezes, já pode ser suficiente para a prova do dano na fase de investigação; além disso, há irregularidades que podem ser constatadas de plano, independente de qualquer análise técnica, por exemplo: a) despesas sem empenho prévio: comparar a data constante na NE com a data do documento que consubstancia a despesa realizada, por via de regra uma nota fiscal;\\ b) despesas não afetas ao município que necessitam de lei municipal autorizativa e/ou convênios, acordos ou ajustes: verificar se existem tais documentos;\\ c) despesas sem licitação: consultar a legislação sobre licitação em vigor à época em que foi realizada a despesa, comparando com o valor desta a fim de determinar o tipo do certame ou de sua dispensa ou inexigibilidade. Havendo discrepância com as disposições da lei, a irregularidade já está configurada. Em outros casos, como créditos suplementares abertos ilegalmente, valores recebidos a maior pelos agentes políticos, divergência entre o balanço financeiro e a conciliação bancária, etc., a perícia é recomendável, mas nada impede que a ação seja proposta desde logo e que tal prova seja realizada no curso do processo, sob o crivo do contraditório, por perito contábil. **Conclusão do inquérito** Concluída a investigação, recomenda-se a adoção das providências acima descritas neste manual. **Legitimidade para cobrança de dívida fixada pelo Tribunal de Contas do Estado** O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais é órgão que tem por objetivo a análise técnica, financeira e orçamentária dos atos da administração pública e seus agentes. Nesse desiderato, poderá aplicar penalidades administrativas aos agentes públicos autores de atos administrativos considerados irregulares pelo Tribunal. Contudo, o Ministério Público Estadual não tem legitimidade para cobrança de tais sanções, que se apresentam sob a forma de títulos executivos, em nome do Tribunal de Contas. É que o Capítulo VII do Título I, arts. 22 a 24, da Lei Complementar nº 33/94 foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sobretudo porque as atribuições do órgão de execução do Ministério Público dependem de Lei Complementar de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça, o que não ocorreu no caso do dispositivo em foco. Além disso, a Constituição da República, em seu art. 130, prevê, expressamente, a instituição de Ministério Público próprio com atribuições específicas e exclusivas junto aos Tribunais de Contas. No entanto, sugere-se que o Promotor de Justiça dirija uma //recomendação escrita// ao responsável pela execução da multa do TCE para que adote a providência em prazo razoável, e, se este não o fizer ou não der resposta, deve-se instaurar inquérito civil contra ele para ajuizamento de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, por deixar de cumprir ato jurídico a que está obrigado pelo ordenamento legal. Por outro lado, as eventuais irregularidades detectadas pelo Tribunal de Contas poderão consubstanciar atos de improbidade administrativa ou, simplesmente, atos lesivos ao erário, o que exige a atuação do Ministério Público. O procedimento oriundo do Tribunal de Contas poderá instruir ações civis públicas em defesa do patrimônio público ou de responsabilização de danos ao erário (art. 129, III, da CF/88), sem que seja necessário a instauração de inquérito civil público. **Constatação do dano** >>Lembrar que, não raras vezes, se constata a existência de atos formalmente irregulares, que até podem configurar a prática de delitos por parte dos agentes envolvidos, mas que por si só não ensejam prejuízo material ao patrimônio público, o que ocorre nas prestações de contas analisadas e rejeitadas pelo Tribunal de Contas (por exemplo: ausência de licitação na compra de bens, contratação de serviços ou obras; despesas efetuadas sem prévio empenho; contratação irregular de servidores e outros); >>No caso de compras ou contratos sem licitação, é possível que os preços praticados sejam compatíveis ou até inferiores eventualmente aos de mercado, o que descartaria a ocorrência de dano; na hipótese de servidores contratados sem concurso público, caso tenha havido a regular prestação dos serviços, também não há que se falar em prejuízo; >>Analisando essas hipóteses, os tribunais têm entendido que para postulação de indenização contra o agente público não basta a prova do ilícito e da culpa do agente, sendo indispensável ainda a demonstração do dano material acarretado à Administração, que não pode ser presumido, caso contrário haveria locupletamento ilícito da Administração.((STJ - AI nº 44.761-5-RJ e AI nº 44.189-0-RJ, ambos relatados pelo Min. César Asfor Rocha, DJU de 07/12/93; TJSP 157/9; TJSP - RDA 195/211; STJ - RT 709/180 apud MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 157.)) **Atuação na hipótese de não constatação do dano material** Observar, contudo, que a Lei nº 8.429/92, em seu art. 21, inciso I, instituiu importante avanço legislativo nesse tema, ao dispor que as sanções previstas na lei são aplicáveis independentemente da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Assim, nos casos em que subsista irregularidade de ordem normal, não sendo, porém, possível a constatação material de dano ao erário, deve o Promotor de Justiça postular a aplicação das demais sanções previstas na Lei nº 8.429/92, diversas do ressarcimento do dano, consignando-se, sobretudo, que o ato atenta contra os princípios da administração pública, principalmente o da legalidade (art. 11, e incisos, da Lei nº 8.429/92). ====Remuneração recebida a maior por agentes políticos==== É comum que, tomando por base os parâmetros legais balizadores dos limites remuneratórios de Vereadores, Prefeitos e Vice-Prefeitos, o Tribunal de Contas do Estado considere que durante determinado exercício esses agentes políticos perceberam remuneração superior à permitida pelas referidas normas. Do trabalho desenvolvido pelo TCE já constarão os valores recebidos a maior, discriminados mensalmente, na unidade monetária da época. Tão logo recebida a documentação, recomenda-se a adoção das seguintes providências: a) requisitar da mesa da Câmara Municipal os nomes dos Vereadores que exerceram mandato no exercício referenciado;\\ b) providenciar a atualização dos valores apontados pelo TCE;\\ c) notificar todos os agentes políticos beneficiários do recebimento ilícito, com o fito de verificar a possibilidade de solução extrajudicial do caso, com o ressarcimento espontâneo pelos beneficiários dos valores apurados, por via de termo de ajustamento de conduta, não se olvidando, porém, que, ainda que o ressarcimento seja efetuado parceladamente, é imprescindível que corresponda à integralidade do débito;\\ d) caso não seja possível a composição extrajudicial, ajuizar ação civil (de conhecimento), com apoio no art. 9º, caput e inciso XI, da Lei nº 8.429/92, para obtenção de ressarcimento dos danos apurados. Observar também que, independentemente de provocação do Tribunal de Contas do Estado, o Promotor de Justiça deverá fiscalizar a regularidade da remuneração percebida pelos Vereadores dos municípios de sua comarca, tomando-se por conta a resolução regulamentadora, aprovada na gestão passada, verificando, além disso, se o referido ato normativo está consonante com os parâmetros estabelecidos para a matéria, ou seja, remuneração dentro dos 75% (setenta e cinco por cento) da remuneração dos Deputados Estaduais, limitada a determinado percentual da receita do município, estipulado pela legislação infraconstitucional em vigor. ====Despesas sem comprovação==== A Corte de Contas por vezes constata uma série de despesas realizadas pela municipalidade sem que os documentos fiscais respectivos instruam a prestação de contas. Nesses casos, o Promotor deverá notificar o ex-Prefeito (ordenador das despesas), a fim de que este, se puder, justifique documentalmente o ocorrido. Caso o ex-alcaide não comprove documentalmente a realização da despesa e não se proponha espontaneamente a ressarci-la, deverá ser proposta contra ele, bem como contra os beneficiários identificados das despesas, ação de responsabilização, com fundamento na Lei nº 8.429/92 (art. 10, IX e XI). ====Despesas não afetas ao Município==== É comum o Tribunal de Contas do Estado identificar na prestação de contas despesas realizadas pelo município que, na realidade, seriam de responsabilidade de outras instâncias (Estado, entidades assistenciais, etc.). Inicialmente, deve-se verificar se as referidas despesas atendem ao interesse público da comunidade, como, por exemplo, pagamento pela Prefeitura de aluguel do imóvel destinado ao funcionamento do Destacamento da Polícia Militar ou da Delegacia de Polícia, que seriam de responsabilidade do Estado, mas atendem ao interesse comum da coletividade. Nesses casos, não se deve postular eventual ressarcimento da despesa; contudo, é preciso averiguar se a operação foi devidamente formalizada, o que se faz, normalmente, mediante a assinatura de convênio entre os órgãos envolvidos ou edição de lei municipal. Caso não haja formalização do ato, não obstante inexista dano material, estará caracterizado o ato de improbidade administrativa, por inobservância dos princípios da administração pública (art. 37 da CF/88), devendo o ex-Prefeito ser responsabilizado, com fundamento no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92. Contudo, se se realiza uma despesa que não é afeta ao município e não atende ao interesse da coletividade, como, por exemplo, o pagamento de aluguel de imóvel residencial de agente público, sem previsão legal, isso ensejará propositura de ação de responsabilização contra o ex-Prefeito e o beneficiário da despesa, objetivando a imposição das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 (ressarcimento e restritivas de direitos). ====Despesas sem prévio empenho e abertura de créditos adicionais sem autorização legislativa==== Em ambas as hipóteses, as irregularidades eventualmente apontadas pelo Tribunal de Contas se referem aos aspectos formais das operações que, por si só, não ensejam dano material. Convém, portanto, investigar a correta destinação dos recursos e, no caso das despesas efetuadas sem emissão prévia de nota de empenho, verificar se foram antecedidas do necessário procedimento licitatório, quando este for obrigatório; não sendo hipótese de dispensa ou inexigibilidade, estas devem ser formalizadas, consoante o estabelecido na Lei nº 8.666/93. Sendo comprovada a //correta destinação e aplicação dos recursos, ainda assim estará configurado o ato de improbidade administrativa//, com supedâneo no disposto no art. 10, VI, IX e XI, e no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92, devendo o ex-Prefeito, na condição de ordenador das despesas, ser responsabilizado. ====Aplicação de 25% (vinte e cinco por cento) das receitas municipais na rubrica manutenção e desenvolvimento do ensino, consoante prescreve o art. 212, caput, da CF/88==== A par da constatação pelo Tribunal de Contas do Estado da não aplicação em determinado exercício do percentual mínimo exigido pela Constituição na rubrica assinalada, deve o Promotor de Justiça ater-se, inicialmente, ao fato de que na //hipótese incide o prazo prescricional quinquenal// instituído pelo Decreto nº 20.910/32 ((Sobre prescrição das ações contra a Fazenda Pública, ver item 2, seção I, cap. 2, título II.)), uma vez que //eventual ação civil pública a ser proposta o será contra a Fazenda Pública no sentido de compelir a municipalidade a efetivar a compensação dos recursos necessários no exercício seguinte//, consoante o permissivo legal constante do art. 11 da LACP. Nesse sentido, cumpre solicitar ao //Tribunal de Contas do Estado as certidões de aplicação//, pelos municípios componentes de sua Comarca, relativamente à rubrica manutenção e desenvolvimento do ensino dos últimos cinco exercícios. De posse das certidões, faz-se necessário verificar se a média de aplicação do aludido período atingiu o percentual mínimo de 25% (vinte e cinco por cento).((A necessidade de se apurar a média está no fato de que a lei permite a compensação de eventual diferença no exercício seguinte (art. 4º, § 4º, da Lei nº 7.348, de 24 de julho de 1985).)) //Em caso negativo//, adotar uma das seguintes providências: a) procurar estabelecer contatos com a autoridade municipal para estabelecimento de eventual termo de ajustamento de conduta, objetivando a inclusão nos orçamentos futuros dos percentuais necessários à compensação da diferença apurada;\\ b) não sendo viável a compensação, deverá ser proposta ação civil pública (Lei nº 7.347/85) contra o município, no sentido de compeli-lo a efetuar a compensação dos recursos orçamentários necessários à adequação ao preceito constitucional;((O TJMG tem posicionamento contrário, ao entender que a intervenção do Estado no Município seria o meio constitucionalmente mais adequado. No entanto, recomenda-se que a ação civil pública seja ajuizada até que o STJ e o STF apreciem os diversos recursos excepcionais manifestados pelo Ministério Público de Minas Gerais.))\\ c) concomitantemente, comunicar o caso concreto ao Procurador-Geral de Justiça, objetivando a análise de eventual ação interventiva, considerando o disposto no art. 35, III, da CF/88. \\