=====1.8. Alguns fatores constitucionais de ampliação da legitimação social do Ministério Público===== \\ ====A importância da preocupação com a legitimação social do Ministério Público==== \\ Já afirmamos que o Ministério Público brasileiro passou a ser, a partir da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|CF/88]], uma grande instituição de promoção social, com atribuições constitucionais para atuar em todas as áreas relacionadas com a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Essas diretrizes constitucionais demonstram a importância da preocupação com a legitimação social do Ministério Público como instituição. O fato de os membros do Ministério Público não serem, nos termos do modelo constitucional brasileiro, escolhidos diretamente pelo povo não impede, porém, que a Instituição tenha legitimação social. Primeiro porque o acesso à Instituição se dá após um disputado concurso de provas e títulos, exigido constitucionalmente; depois, porque a verdadeira legitimação social do Ministério Público deverá advir da sua efetiva e eficiente atuação na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, //caput//, da CF/88). Não é, contudo, qualquer tipo de atuação que irá constituir-se em fator de ampliação da legitimação social do Ministério Público, daí a importância em se compreender o verdadeiro perfil constitucional da Instituição e suas dimensões no novo constitucionalismo. Partindo dessa nova leitura constitucional dos compromissos e dos desafios do Ministério Público brasileiro, apresentaremos, na sequência, alguns fatores constitucionais importantes para a ampliação da sua legitimidade social. Outros existem, mas escolhemos mostrar aqueles que consideramos mais relevantes nesta etapa de maturação e de construção do Ministério Público como instituição constitucional. \\ ====Priorização da atuação preventiva==== ((Sobre o tema, conferir: ALMEIDA, Gregório Assagra de; PARISE, Elaine Martins. Ministério Público e a priorização da atuação preventiva: uma necessidade de mudança de paradigma como exigência do Estado Democrático de Direito. In: **MPMG Jurídico**. Ano I, n. 1, Publicação da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ed. 001, setembro 2005, p. 13-16. Também vale conferir: ALMEIDA, Gregório Assagra de. **Manual das ações constitucionais**. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 151-154.)) \\ O Ministério Público brasileiro já passou por alguns grandes momentos históricos. O primeiro deles pode ser apontado como o de reconhecimento como instituição, o que aconteceu com o advento da república, durante o Governo Provisório, por força do trabalho do então Ministro Campos Salles. O segundo pode ser indicado como sendo o decorrente da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp40.htm|Lei Complementar Federal nº 40/81]], que foi a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, assim considerada porque definiu um estatuto básico e uniforme para o MP nacional e dispôs sobre as suas principais atribuições, garantias e vedações. Um terceiro grande momento ocorreu com o advento da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm|Lei nº 7.347/85]] (Lei da Ação Civil Pública), que conferiu legitimidade ao Ministério Público para a defesa jurisdicional e administrativa dos interesses e dos direitos difusos e coletivos, além de ter criado o inquérito civil. O Ministério Público começa a ter aqui função promocional de transformação da realidade social. Um quarto momento pode ser apontado com o advento da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|CF/88]], o mais significativo e transformador de todos, conforme motivos já aduzidos. Agora entendemos que resta a construção de um quinto grande momento histórico. No entanto, ele não ocorrerá do dia para a noite, nem se dará com uma simples alteração da lei ou da Constituição. Ele se dará com a mudança cultural no seio da Instituição e com a elaboração de técnicas e estudos que possam fazer com que o Ministério Público possa priorizar a mais significativa e importante tutela jurídica do Estado Democrático de Direito: a tutela preventiva. A tutela jurídica preventiva é a mais genuína forma de proteção jurídica no contexto do Estado Democrático de Direito. Ela decorre do princípio da prevenção geral como diretriz, inserida no princípio democrático (art. 1º da CF/88). Por intermédio da tutela jurídica preventiva, poderá ser atacado diretamente, em uma das suas dimensões, o ilícito, evitando-se a sua prática, continuidade ou repetição. Com isso, evita-se o dano, que é objeto da tutela jurídica repressiva, mais precisamente a indenizatória. Ocorre que muitos danos, especialmente os de dimensão social (aqueles que afetam o ambiente, a saúde do consumidor, a criança e o adolescente, o idoso, a saúde pública, etc.), não são possíveis de reparação in natura. Portanto, só restaria nesses casos uma tutela repressiva do tipo compensatória ou do tipo punitiva, que é espécie de tutela jurídica apequenada, já que não responde ao direito, a uma tutela jurídica genuinamente adequada, na sua condição de garantia fundamental do Estado Democrático de Direito (arts. 1º, 3º e 5º, XXXV, da CF/88). Ora, se ao Ministério Público como Instituição incumbe a defesa do regime democrático, a ele incumbe prioritariamente a defesa preventiva da sociedade, pois é essa, repita-se, a mais genuína forma de tutela jurídica no Estado Democrático de Direito. Contudo, como é cediço, a atuação da Instituição no País é predominantemente repressiva, que se dá em grande parte nos momentos patológicos da conflituosidade social. A prova disso é a atuação criminal, que por natureza é repressiva. O que adianta punir criminalmente sem compreender, por intermédio de estudos e de dados estatísticos, as causas dessa criminalidade? São justamente essas causas que devem ser atacadas como prioridade, inclusive porque a exigência de políticas públicas específicas nesses casos é fundamental. Além de combater de modo repressivo os atos de improbidade, é razoável priorizar a atuação para evitar que ocorram atos dessa natureza, especialmente os que geram dano ao erário. Muitas vezes torna-se impossível a recuperação dos ativos desviados, o que resulta em enormes prejuízos para a sociedade. A priorização da atuação preventiva pelos Promotores de Justiça, Procuradores de Justiça e Procuradores da República será um caminho legítimo e eficaz para proteger o patrimônio público. Em vez de esperar a aplicação da lei inconstitucional com danos sociais, é mais recomendável que se priorize o controle da constitucionalidade para que seja evitada a aplicação da lei ou do ato normativo inconstitucional. Essa mudança de paradigma é uma exigência do Estado Democrático de Direito brasileiro, na sua condição de Estado da Justiça material, de Estado da transformação da realidade social. O Estado Democrático de Direito, diferentemente das outras formas de Estado, tem um compromisso nuclear: transformar a realidade social na busca da igualdade material quanto ao acesso efetivo a bens e a outros valores. Essa transformação da realidade social com justiça também é compromisso do Ministério Público como defensor do regime democrático (art. 1º e art. 127, //caput//, ambos da CF/88). O papel do Ministério Público resolutivo, portanto, na defesa dos interesses sociais, deve ser exercido de forma efetiva em todas as suas esferas de atuação. Na área criminal, é imprescindível a sua inserção no seio social, para que venha a se inteirar das verdadeiras causas da criminalidade e exija políticas públicas específicas do Poder Público, além de atuar diretamente nas investigações das condutas criminosas que mais abalam a sociedade, de forma a combater com rigor e eficiência o crime organizado e permitir que o Direito penal tenha eficácia social. Na área coletiva, o Ministério Público deverá priorizar a atuação preventiva para evitar a violação dos direitos sociais, além de combater, de modo articulado e eficiente, as condutas danosas aos direitos massificados((A respeito desse novo perfil constitucional do Ministério Público, escreve Tepedino: “[...] o Ministério Público deixa de atuar simplesmente nos momentos patológicos, em que ocorre lesão a interesse público, sendo convocado a intervir de modo permanente, promovendo o projeto constitucional e a efetividade dos valores consagrados pelo ordenamento”. (TEPEDINO, Gustavo. **Temas de direito civil**. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 300.).)). Na sua atuação extrajurisdicional, como grande intermediador e pacificador da conflituosidade social, o Ministério Público assume função social-pedagógica, mediante a educação da coletividade para o exercício da cidadania e das organizações sociais. E isso a Instituição poderá fazer pelas recomendações, pelas audiências públicas e também pelo termo de ajustamento de conduta. É de se destacar que a forma mais legítima de realização do direito não vem da capacidade de decidir e de fazer imperar decisões, mas do diálogo, da interpretação negociada da norma jurídica. Mesmo para o Ministério Público demandista, a priorização da atuação preventiva é fundamental, principalmente quanto ao ajuizamento de ações civis públicas de tutela inibitória, evitando-se assim a prática do ilícito, sua continuidade ou repetição. \\ ====Exercício da função pedagógica da cidadania: um compromisso constitucional social do Ministério Público (arts. 1º, parágrafo único, 3º, 6º, 127, "caput", e 205 da CF/88==== \\ Um dos grandes problemas educacionais no Brasil, talvez um dos mais graves, decorre do fato de nosso ensino ser muito formal e distante dos direitos da cidadania. O aluno, nos ensinos primário e secundário, é obrigado a estudar e a aprender matemática, química e física, mas não aprende o mais importante para a sua convivência social: os direitos e deveres para o exercício da cidadania e da convivência democrática. Ele sai do ensino médio sem saber quais são os seus direitos políticos, os seus principais direitos fundamentais, os seus direitos como trabalhador, como segurado da previdência social, como consumidor, etc. Ele nem sabe quais são as vias legítimas de acesso a esses direitos. Grande parte dos cidadãos brasileiros ainda pensa que o Promotor de Justiça está subordinado ao Juiz. Essa grande massa popular não conhece o Ministério Público, não conhece o Poder Judiciário e nem tem noção dos seus compromissos constitucionais e, assim, não consegue exercer a fiscalização legítima e necessária dessas e de outras instituições constitucionais. O ensino no País contribui para a exclusão de um grande contingente popular do processo democrático e não cumpre os objetivos e princípios informadores da educação, estabelecidos no art. 205 da CF/88, especialmente o //pleno desenvolvimento da pessoa e o seu preparo para o exercício da cidadania//((Estabelece o art. 205 da CF/88: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ao comentar o dispositivo, escreveu Silva: “O art. 205 prevê três objetivos básicos da educação: a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c) qualificação da pessoa para o trabalho. Integram-se, nestes objetivos, valores antropológico-culturais, políticos e profissionais”. (SILVA, José Afonso da. **Comentário contextual à Constituição**. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 784-785.).)). Até que haja a reestruturação do ensino médio no Brasil, a imprensa e as instituições de defesa social, como o Ministério Público, têm um compromisso, imposto constitucionalmente, de contribuir para a divulgação dos direitos e dos deveres inerentes à cidadania, possibilitando que um maior número de cidadãos participem efetivamente do processo de democratização da sociedade brasileira e, com isso, não fiquem dispersos e sujeitos a manobras imorais e espúrias do poder político e econômico((Ao sustentarem a necessidade de um pensamento complexo, escreveu Morin: “O conhecimento deve certamente utilizar a abstração, mas procurando construir por referência do contexto. A compreensão dos dados particulares necessita da ativação da inteligência geral e a mobilização dos conhecimentos de conjunto. Marcel Mauss dizia: ‘É preciso recompor o todo’. Acrescentemos: é preciso mobilizar o todo. Certamente, é impossível conhecer tudo do mundo, bem como apreender suas transformações multiformes. Mas, por mais aleatório que seja, o conhecimento dos problemas-chave do mundo deve ser perseguido, sob pena da imbecibilidade cognitiva. Tanto mais que hoje o contexto de todo conhecimento político, econômico, antropológico, ecológico constitui o próprio mundo. É o problema universal para todo cidadão: como adquirir a possibilidade de articular e organizar as informações sobre o mundo. Mas para articulá-las e organizá-las é preciso uma reforma do pensamento”. (MORIN, Edgar. O pensamento complexo, um pensamento que pensa. In: MORIN, Edgar; MOIGNE, Jean-Louis. **A inteligência da complexidade**. Trad. de Nirimar Maria Falci. 3 ed. São Paulo: Peirópolis, 2000. p. 207-208.).)). Esse compromisso com //a função pedagógica da cidadania//, além de fundamentar-se no parágrafo único do art. 1º da CF/88, onde está estabelecido que “Todo o poder emana do povo, exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, também é desmembramento do //princípio da solidariedade coletiva//, presente no art. 3º, I, da CF/88, constituindo-se, então, em //direito social fundamental// (arts. 6º e 205, ambos da CF/88), fundado na própria //dignidade da pessoa humana// (art. 1º, III, da CF/88). Assim, o exercício da função pedagógica da cidadania está enquadrado no âmbito do rol das matérias de //interesse social//, inserindo-se como um dos deveres constitucionais do Ministério Público, presente no art. 127, caput, da CF/88. Além das cartilhas cidadãs, da divulgação e da transparência em relação às medidas e às ações da Instituição, o mecanismo da audiência pública é um legítimo canal para que o Ministério Público, em pleno diálogo com a sociedade, possa exercer, efetivamente, essa função pedagógica da cidadania, ampliando a sua legitimação social. \\ ====A realização periódica de audiências públicas==== \\ O mecanismo da audiência pública é um forte canal de ampliação e de fortalecimento da legitimação social do Ministério Público, seja por permitir um diálogo mais direto com a sociedade, seja por permitir que a Instituição estabeleça seu programa de atuação funcional a partir das propostas e das reclamações da própria sociedade. A //audiência pública// encontra-se fundamentada no //princípio constitucional do exercício direto da soberania popular//, estabelecido no art. 1º, parágrafo único, da CF/88. Prevê o referido dispositivo constitucional que “Todo o poder emana do povo, exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Constitui-se, assim, mecanismo de exercício direto da soberania popular, pois o cidadão, por si, ou por seus entes sociais representativos, é convidado a apresentar propostas, reivindicar direitos, exigir a observância de deveres constitucionais e infraconstitucionais, bem como a tomar ciência de fatos ou medidas adotadas ou a serem adotadas pelas autoridades públicas((Sobre o exercício do poder diretamente pelo povo, aduz Silva: “O poder que o povo exerce diretamente. O princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos do governo. As primeiras manifestações da democracia participativa consistiram nos institutos ‘democracia semidireta’, que combinam instituições de participação direta com instituições de participação indireta, tais como: a iniciativa popular, pela qual se admite que o povo apresente projetos de lei ao legislativo de lei ao Legislativo; o referendo popular, que se caracteriza no fato de que projetos de lei aprovados pelo Legislativo devem ser subjetivos à vontade popular; o plebiscito é também uma consulta popular, semelhante ao referendo; difere porque este ratifica (confirma) ou rejeita o projeto aprovado; o plebiscito autoriza a formulação da medida requerida [...]”. (SILVA, 2005, p. 40-41.).)). Com efeito, a audiência pública é desmembramento //direto do princípio democrático//, estatuído no art. 1º, //caput//, da CF/88, que tem a cidadania como um dos seus fundamentos (art. 1º, I, da CF/88)((Sustenta Rodrigues: “A audiência pública é um importante instrumento do Estado democrático de Direito construído a partir da extensão do princípio da audiência individual [...]”. (RODRIGUES, Geisa de Assis. **Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta**: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 94.).)). Faz-se importante ressaltar que o //direito à democracia// é apontado por Paulo Bonavides, ao lado dos //direitos à informação e ao pluralismo//, como direito fundamental de //quarta dimensão// (geração), configurando-se como forma de democracia direta que marca o futuro da cidadania e a própria //liberdade de todos os povos//((Afirma Bonavides: “A democracia positivada enquanto direito de quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema [...]”. (BONAVIDES, Paulo. **Direito constitucional**. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 525-526.).)). Assim, //audiência pública// é o mecanismo constitucional por intermédio do qual as autoridades públicas e os agentes públicos em geral abrem as portas do poder público à sociedade para facilitar o exercício direto e legítimo da cidadania popular, em suas várias dimensões, permitindo-se a apresentação de propostas, a apresentação de reclamações, a eliminação de dúvidas, a solicitação de providências, a fiscalização da atuação das instituições de defesa social, de forma a possibilitar e viabilizar a discussão em torno de temas socialmente relevantes. O Ministério Público pode (e deve) realizar audiências públicas com periodicidade definida. Na condição de instituição de defesa social e de promoção da transformação, com justiça, da realidade social (arts. 1º, 3º, 127 e 129, todos da CF/88), o Ministério Público deve permitir a participação direta da sociedade na elaboração dos seus Programas de Atuação Funcional, bem como esclarecer os cidadãos e seus entes representativos sobre as medidas adotadas pela Instituição, conduzindo o //princípio participativo//, desmembramento natural do //princípio democrático//, ao seu grau máximo de efetivação e concretização. Não há um dispositivo expresso na Constituição que exija a realização de audiências públicas pelo Ministério Público((O art. 58, § 2º, da CF/88, prevê a realização de audiências públicas pelas comissões do Congresso Nacional)), contudo, há um conjunto de direitos, garantias e princípios constitucionais, expressos e implícitos, que impõem a ampliação e a facilitação do exercício direto da democracia pela participação popular, o que deve ser fomentado pelas instituições democráticas de defesa social, como é o caso do Ministério Público. Entretanto, o fato de a audiência pública estar fundamentada no direito político de participação não significa que ela somente se dirige ao cidadão em seu sentido restrito. Os seus entes representativos, bem como outras pessoas jurídicas dela também podem participar. É o que esclarece Hugo Nigro Mazzilli: >>"Além do membro do Ministério Público, que a presidirá, dos funcionários desta instituição, que darão suporte e apoio ao primeiro, e das pessoas que forem nominalmente convidadas para o evento, ainda poderão participar da audiência, sem caráter taxativo: a) representantes de associações civis interessadas; b) as autoridades públicas interessadas ou que tenham competência para analisar a questão em exame; c) as entidades sindicais relacionadas com o objeto da audiência; d) as universidades ou faculdades, bem como entidades acadêmicas que tenham conhecimento técnicos sobre o tema em questão; e) especialistas, peritos e técnicos, que compareçam sob convite ou espontaneamente; f) qualquer pessoa que tenha interesse geral na questão objeto da audiência"((MAZZILLI, Hugo Nigro. **Inquérito civil**. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 330.)). É o que também dispõe a [[http://ws.mp.mg.gov.br/biblio/normajur/normas/Res_PGJ_43_2006.htm|Resolução PGJ nº 43/2006]], do Ministério Público do Estado de Minas Gerais: >>"Art. 3º A audiência é aberta a todos os interessados, pessoas físicas, pessoas jurídicas e demais entidades, que deverão assinar lista de presença, sendo que a participação dar-se-á na condição de expositor ou de colaborador, os quais poderão apresentar informações ou propostas orais ou por escrito quanto aos temas a serem abordados". No plano infraconstitucional, a realização de audiência pública pelo Ministério Público tem amparo em texto expresso de lei. É o que prevê o art. 27, parágrafo único, IV, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm|Lei nº 8.625]], de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público): >>"Art. 27 Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: >>[...] >>Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: >>[...] >>IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no //‘caput’// deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito". A [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm|Lei Complementar Federal nº 75]], de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, não tem previsão expressa sobre a realização de audiência pública pelo Ministério Público da União; porém, isso não impede que os Ministérios Públicos da União a realizem, conforme muito bem ponderou o Procurador da República, Alexandre Amaral Gavronski: >>"Verdadeiro mecanismo de ‘participação’ [democracia participativa] do cidadão na tomada de decisões de interesse coletivo, decorrência natural do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil (art. 1º da CF), a audiência pública não depende de lei ou regulamento para ter cabimento; esta só é necessária para fazê-la obrigatória. Por tal razão, assume pouca relevância a omissão da Lei Complementar nº 75/93 sobre o assunto, diferentemente da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que inclui explicitamente dentre as funções da Instituição ‘promover audiências públicas para, no exercício da defesa dos direitos assegurados na Constituição, garantir-lhes o respeito por parte dos poderes públicos, concessionários e permissionários de serviço público e entidades que exerçam função delegada (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8625/903). Assim, tratando-se de colaboração da cidadania ao Ministério Público, cabe ao membro com atribuição para a matéria decidir se cabe ou não sua realização"((GAVRONSKI, Alexandre Amaral. **Tutela coletiva**: visão geral e atuação extrajudicial. Brasília: ESMPU Manual de atuação, 2006. p. 90-91.)). A audiência pública é mecanismo constitucional fundamental de participação democrática, decorrente do exercício direto da soberania pelo povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88) e que se sujeita a vários princípios orientadores. Alguns desses princípios merecem especial destaque: a) //Princípio democrático// (art. 1º da CF/88). O princípio democrático é o mais importante de todos os princípios; é a cláusula-mãe das audiências públicas, por força do qual se impõe a fomentação da participação popular e, ao mesmo tempo, proíbem-se atitudes restritivas em relação ao acesso à audiência pública. b) //Princípio da publicidade ampla, irrestrita e popular// (art. 5º, LX, e 37, //caput//, da CF/88). À audiência pública deve ser conferida a máxima publicidade, com sua divulgação por todos os meios legítimos, tais como editais, convites e outros veículos de comunicação. c) //Princípio do retorno ou da resposta à sociedade ou ao cidadão ou da prestação de contas das medidas e dos resultados// (art. 5º, XXXIV, a, da CF/88). Por força desse princípio, as autoridades públicas devem prestar contas das medidas tomadas bem como, em sendo possível, de quais foram os seus resultados. Esse princípio é desmembramento do direito de petição, na sua condição de garantia constitucional fundamental. d) //Princípio da periodicidade//. A audiência pública, como é mecanismo constitucional de exercício direto da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da CF/88) e condição legitimadora das instituições democráticas de defesa social, deve ser realizado com periodicidade, atendendo-se as peculiaridades dos interesses sociais de cada região do País. e) //Princípio da solenidade relativizada//. A audiência pública sempre deve ser presidida por uma ou mais autoridades e deve procurar observar, em prol da eficiência (art. 37, //caput//, da CF/88), um procedimento que lhe permita ter um início, um meio e um fim. Daí o seu caráter solene. Contudo, não se deve imprimir à audiência pública um caráter solene e formal que venha constranger o cidadão e impedir ou dificultar o exercício direto de sua soberania. f) //Princípio da não taxatividade em abstrato ou da não limitação em abstrato do objeto da audiência pública//. O rol dos direitos e garantias constitucionais é meramente exemplificativo (art. 5º, § 2º, da CF/88). Em relação ao Ministério Público, especialmente, incidem os princípios da não limitação ou da não taxatividade da defesa dos direitos ou interesses individuais indisponíveis e dos direitos ou interesses difusos e coletivos (arts. 127, //caput//, e art. 129, III, ambos da CF/88). Com base nisso e em outras diretrizes constitucionais, não é permitida a limitação em abstrato do objeto da audiência pública, a qual poderá ser designada para discutir questões relativas tanto a direitos individuais quanto a direitos coletivos. Essa orientação não impede a designação de audiência extraordinária para discutir fatos ou temas determinados, tais como um dano ambiental, o funcionamento de um certo hospital, etc. g) //Princípio do prévio agendamento e da escolha adequada de dia, local e horário que facilite o acesso do público diretamente interessado//. A audiência pública deverá ser designada com uma relativa antecedência da data de sua realização. Com isso, os interessados podem agendar seus compromissos e comparecer ao evento público. A escolha de dia, local e horário tem de ser criteriosa para permitir e facilitar o acesso do público diretamente interessado, em maior número possível((Gavronski demonstra, com muita precisão de raciocínio, a necessidade de expedição de convite ao público com a antecedência necessária e a escolha do local que facilite o acesso dos interessados. (GAVRONSKI, 2006, p. 92.).)). h) //Princípio da oralidade e da informalidade//. A audiência pública, não obstante seja ato complexo com relativa dose de solenidade decorrente da presença de uma ou mais autoridades que a presidem, é regida pelo princípio da oralidade e da informalidade, impostos como forma de facilitar a ampla participação e o debate do público interessado, o que não significa que não deve haver o registro formal dos atos da audiência((A respeito da oralidade e da informalidade da audiência pública, explica Rodrigues: “O que caracteriza a audiência pública é a existência do debate oral e informal, embora ordenado pelo órgão que a preside, sobre uma medida administrativa qualquer que tenha repercussão social. Na audiência púbica, ao mesmo tempo que se informa o ter e implicações da medida administrativa analisada, se consulta a opinião sobre o assunto, sem contudo haver a vinculação da vontade do administrador, posto que na audiência pública se tem voz mas não voto. Não se confunde com os atos de colegiados públicos nos quais só participa quem é formalmente autorizado. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática”. (RODRIGUES, 2002, p. 95.).)) . A gravação da audiência, com a subsequente transcrição da fita, é medida que se impõe. Por tudo que foi dito, percebe-se que existem múltiplas finalidades das audiências públicas. Entre elas, convém destacar o debate sobre fato determinado, a coleta de propostas ou reclamações, a divulgação de medidas e resultados e o exercício da função pedagógica da cidadania. Geisa de Assis Rodrigues aponta as funções da audiência pública: >>"[...] a audiência pública tem as seguintes funções: a) permite ao administrado verificar objetivamente a razoabilidade da medida administrativa; b) é um mecanismo idôneo de formação de consenso da opinião pública a respeito da juridicidade e conveniência de uma atuação do Estado; c) garante a transparência dos procedimentos decisórios do Estado; d) é um elemento de democratização do exercício do poder; e) é um modo de participação cidadã na gestão da Coisa pública, concretizando os princípios políticos e constitucionais de democracia participativa; f) tem uma importante função preventiva, pois pode evitar os prejuízos causados por uma intervenção administrativa inadequada"((RODRIGUES, 2002. p. 95.)). Lei infraconstitucional, decisões judiciais ou medidas administrativas não podem limitar, em abstrato, o objeto da audiência pública, tendo em vista a fundamentação constitucional dos seus princípios orientadores, como os já expostos. E mais: poderão ser realizadas audiências públicas com periodicidade previamente determinada ou audiências públicas extraordinárias, voltadas para o debate de questões e fatos específicos. Como mecanismo constitucional que é, a realização de audiência pública poderá se dar de ofício pelos órgãos das instituições democráticas de defesa social bem como mediante provocação de interessado ou interessados. Em relação ao Ministério Público, a audiência pública poderá ser realizada também no curso ou no final do inquérito civil ou de outro procedimento administrativo assim como fora deles para, entre outras finalidades, colher elementos para a elaboração de programas de atuação funcional da Instituição, gerais, regionais ou locais ou ainda para a divulgação de medidas e resultados dos trabalhos institucionais. Precisamente no âmbito da tutela coletiva pelo Ministério Público Federal, aduziu Alexandre Amaral Gavronski: >>"Como já referido, a tutela coletiva põe o membro do Ministério Público Federal frente a questões de grande interesse social, estranhas ao Direito e relacionadas a uma conflituosidade que, não raro, importa em difíceis opções, diante da necessária ponderação entre valores contrapostos e de grande significação para a sociedade. Para atuar nessas questões, a audiência pública é um excelente instrumento a nosso dispor se o objetivo for buscar informações gerais junto à comunidade envolvida sobre a violação a direitos coletivos que se apura (espécie de danos que vem causando, sua amplitude e decorrências), identificar a aspiração e as necessidades coletivas em dada questão, repartir com a comunidade interessada a responsabilidade quanto às decisões que se impõem ao membro do Ministério Público Federal (ajuizar ou não uma ação, firmar compromisso de ajustamento de conduta nos termos aceitos pelo infrator ou optar pela discussão judicial, por exemplo) ou mesmo buscar o entendimento entre contendores cuja controvérsia vem afetando a comunidade. Para esta última finalidade, todavia, às vezes uma reunião reservada é mais proveitosa, dependendo do número de pessoas que influenciam na decisão e do grau de belicosidade existente entre os cidadãos afetados e os responsáveis pela violação dos direitos coletivos"((GAVRONSKI, 2006, p. 89-90.)). Hugo Nigro Mazzilli, ao escrever sobre o objeto das audiências públicas realizadas pelo Ministério Público, conclui: >>"Já no que diz respeito às audiências públicas a cargo do Ministério Público, o objeto não é, naturalmente, o mesmo das audiências públicas de caráter político-governamental; as audiências públicas cometidas ao Ministério Público são apenas um mecanismo pelo qual o cidadão e as entidades civis (as entidades chamadas não governamentais) podem colaborar com o Ministério Público no exercício de suas finalidades institucionais, e, mais especialmente, participar de sua tarefa constitucional consistente no zelo do interesse público e na defesa de interesses metaindividuais (como o efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição, o adequado funcionamento dos serviços de relevância pública, o respeito ao patrimônio público, ao meio ambiente, aos direitos dos consumidores, aos direitos das crianças e adolescentes, à produção e programação das emissoras de rádio e televisão, etc.)((MAZZILLI, 1999, p. 326-327.)). Inúmeras são as finalidades das audiências públicas que poderão ser realizadas pelo Ministério Público((Afirma Mazzilli: “Por meio das audiências públicas, o Ministério Público não se submete a uma assembléia popular, nem nelas se votam opções ou linhas de ação para a instituição, e sim por meio delas intenta o Ministério Público obter informações, depoimentos e opiniões, sugestões, críticas e propostas, para haurir com mais legitimidade o fundamento de sua ação institucional”. (MAZZILLI, 1999, p. 327.).)). Todavia, duas delas merecem especial destaque. A primeira é a elaboração dos Programas de Atuação Funcional. Com base nas propostas e reclamações colhidas em audiências públicas, o Ministério Público elaborará os seus Programas de Atuação Funcional (geral, regional e local), de forma a atuar em sintonia com as reais necessidades sociais. A segunda é a função pedagógica da cidadania a ser exercida pelo Ministério Público perante os cidadãos e seus entes representativos. Por intermédio da audiência pública, os órgãos do Ministério Público podem dialogar com a sociedade, divulgando seus direitos e deveres, especialmente os constitucionais fundamentais, de forma a permitir a sua compreensão e ampliar o seu exercício pelo cidadão comum que não teve oportunidade de passar por uma instrução que siga os princípios informadores constantes do art. 205 da CF/88((ALMEIDA; SOARES JÚNIOR; GONÇALVES, 2006, p. 13-14.)). \\ ====Combate articulado e sistematizado das causas geradoras de desigualdades sociais (art. 3º e art. 127, "caput", da CF/88): da perícia para as estatísticas e os indicadores sociais – necessidade de planejamento institucional e fiscalização orçamentária==== \\ A promoção social está no núcleo do novo perfil constitucional do Ministério Público. A defesa do regime democrático e dos interesses sociais confirma o compromisso do Ministério Público com a transformação, com justiça, da realidade social (art. 127, //caput//, combinado com os arts. 1º e 3º, todos da CF/88). Entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão a criação de uma sociedade livre, justa, solidária, a erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades sociais. Tendo em vista que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e que o Ministério Público é defensor do regime democrático, todos esses objetivos, elencados expressamente no art. 3º da CF/88, também vinculam o Ministério Público. Para Marcelo Pedroso Goulart: >>"Levar avante essa prática transformadora (práxis) é cumprir uma função política maior, que implica a substituição de uma dada ordem por outra ordem social, mais justa, na qual prevaleçam os valores universais da democracia. A realização prática dessa função política maior dá-se no ‘movimento catártico’ que promove a transição da sociedade, dos seus movimentos, das suas organizações e de suas instituições do ‘momento corporativo’ e particularista para o ‘momento ético-político’ de modificação do real"((GOULART, Marcelo Pedroso. Princípios institucionais do Ministério Público: a necessária revisão conceitual da unidade institucional e da independência funcional. In: **Livro de Teses do XVII Congresso Nacional do Ministério Público**: os novos desafios do Ministério Público. Salvador: CONAMP, 2007. p. 713.)). Todavia, adverte Goulart que o Ministério Público ainda não conseguiu superar muitas barreiras: a velha Instituição (pré-88) morreu, porém o novo Ministério Público (pós-88) ainda não se firmou: >>"No nível institucional, portanto, o Ministério Público ainda não superou, plenamente, o ‘momento corporativo’, fato que impõe a aceleração do ‘movimento catártico interno’. Do contrário, a ‘passividade’ poderá tomar conta da Instituição, levando-a à ‘impotência objetiva’, ao não cumprimento da sua função política e dos objetivos que lhe foram postos pela Constituição. Esse tipo de ‘comportamento passivo-impotente’ poderá acarretar a perda de legitimidade (de sustentação social) e levar ao retrocesso na configuração formal-institucional do Ministério Público"((GOULART, 2007, p. 713-714.)). Portanto, para o Ministério Público cumprir essa sua tarefa constitucional não mais se sustenta o modelo institucional antigo que ainda se arrasta pelo País. É preciso avançar no planejamento funcional e nas estratégias de atuação. A atuação individual e intuitiva dos membros do Ministério Público deve ser superada por um novo modelo, em que o compromisso com a transformação social, o planejamento estratégico e a eficiência passem a ser condições naturais em todos os âmbitos da atuação institucional, jurisdicional ou extrajurisdicional. A atuação repressiva, amparada geralmente nas espécies clássicas de prova (prova pericial, prova testemunhal, etc.) deve ceder espaço para a atuação baseando-se nas estatísticas e dos indicadores sociais((A respeito do surgimento dos indicadores sociais e da sua importância para demonstrar que crescimento econômico não é evidência certa da melhoria das condições de vida das pessoas, escreve Jannuzzi: “O aparecimento e o desenvolvimento dos indicadores sociais estão intrinsecamente ligados à consolidação das atividades de planejamento do setor público ao longo do século XX. Embora seja possível citar algumas contribuições importantes para a construção de um marco conceitual sobre os indicadores sociais nos anos 20 e 30, o desenvolvimento da área é recente, tendo ganhado corpo científico em meados dos anos 60 no bojo das tentativas de organização de sistemas mais abrangentes de acompanhamento das transformações sociais e aferição do impacto das políticas sociais nas sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas. Nesse período começaram a se avolumar evidências do descompasso entre crescimento econômico e melhoria das condições sociais da população em países do Terceiro Mundo. A despeito do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), persistiam altos os níveis de pobreza e acentuavam-se as desigualdades sociais em vários países. Crescimento econômico não era, pois, condição suficiente para garantir o desenvolvimento social [...]”. (JANNUZZI, Paulo Martino. **Indicadores sociais e as políticas públicas no Brasil**. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2008.).)). Para tanto, é imprescindível que o Ministério Público, em todas as suas esferas, constitua núcleos de estudos e estatísticas de atuação funcional e ainda realize parcerias importantes com centros de estudos e pesquisas bem como com universidades que possam fornecer-lhe elementos que deem a ele condições adequadas para atacar, racionalmente, as causas geradoras das graves injustiças sociais((Esclarece Jannuzzi: “Diferentemente de outros países latino-americanos, no Brasil, as estatísticas sociais, econômicas e demográficas usadas para construção dos indicadores são produzidas, compiladas e disseminadas por diferentes agências, situadas em âmbito federal ou estadual. Através de uma rede capilarizada pelo território nacional, com delegacias estaduais e agências municipais, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cumpre seu papel de agente coordenador do Sistema de Produção e Disseminação de Estatísticas Públicas, como produtor de dados primários, compilador de informação proveniente de ministérios e como agente disseminador de estatísticas. As agências estaduais de estatísticas também compilam uma ampla variedade de dados administrativos produzidos pelas secretarias de Estado e, em alguns casos, também produzem dados primários provenientes de pesquisas amostrais. Alguns ministérios e secretarias estaduais também têm órgãos encarregados da produção ou organização de seus dados administrativos. Assim, o IBGE, agências estaduais de estatísticas e ministérios/secretarias integram, pois, o Sistema de Produção e Disseminação de Estatísticas Públicas no Brasil”. (JANNUZZI, 2008.).)). Torna-se imperioso, também, que o Ministério Público acompanhe e fiscalize a elaboração e o cumprimento dos orçamentos públicos, garantindo a aplicação das verbas públicas necessárias para atender aos ditames constitucionais inerentes ao Estado Democrático de Direito, especialmente os elencados no já referido art. 3º e nos arts. 5º e 6º, todos da CF/88. A atuação da Instituição, nesse âmbito, poderá ser extrajurisdicional e jurisdicional. No plano extrajurisdicional, o Ministério Público deverá acompanhar a votação orçamentária, participando das propostas de inserção de políticas públicas específicas, socialmente necessárias, além da utilização dos mecanismos da recomendação e do TAC visando à realização de políticas públicas a serem contempladas nos orçamentos públicos. Poderá, ainda, realizar audiências públicas para colher reclamações e propostas objetivando o controle orçamentário. No plano jurisdicional, o Ministério Público poderá mover ações coletivas com pedidos de tutelas específicas, especialmente o de tutela inibitória, para garantir o cumprimento orçamentário adequado. Contudo, a falta de previsão orçamentária não poderá ser obstáculo à atuação do Ministério Público, especialmente no âmbito dos direitos coletivos, inseridos na CF/88 como direitos fundamentais de aplicabilidade imediata (Título II, Capítulo I, art. 5º, § 1º). Nos casos de políticas públicas específicas e socialmente necessárias, o Ministério Público tem o dever constitucional, em razão do seu compromisso com os interesses sociais (art. 127, //caput//, da CF/88), de atuar para garantir a sua implementação tempestiva e adequada. Nesse sentido, já aduzimos: >>"Falta de norma regulamentadora ou a alegação de ser norma programática não são obstáculos à aplicabilidade imediata e à vinculação geral dos direitos e garantias constitucionais fundamentais. A simples alegação de impossibilidade jurídica não é admitida como cláusula impeditiva da realização de direitos e garantias constitucionais fundamentais. A impossibilidade, que poderá servir como impedimento, é somente a real, amparada em elementos e circunstâncias fáticas, e mesmo assim deve ser sopesada concretamente"((ALMEIDA, 2008, p. 334.)). O combate articulado e efetivo à sonegação fiscal, extrajurisdicional e jurisdicional, também é um caminho útil para garantir a ampliação das receitas do Estado e o cumprimento orçamentário. A respeito do controle orçamentário pelo Ministério Público, aduziram Jayme Weingartner Neto e Vinícius Diniz Vizzotto: >>"O Ministério Público tem papel importante na manutenção do Estado Democrático de Direito, conforme prevê a própria Constituição em seu art. 127, //caput//. Nesta senda, uma das vertentes mais importantes para a concretização deste Estado Democrático de Direito é a utilização, de modo transparente, conforme os ditames da Boa Governança, do orçamento público [...]. Destarte, o Ministério Público tem importante atuação no campo atinente ao Orçamento Público, uma vez que ele atua tanto (i) na questão da captação de receita (fiscalização da sonegação, firmatura de termos de compromisso de ajustamento de conduta para regularizar situações potencialmente ilícitas), bem como na (ii) indução da ‘boa’ despesa, seja em âmbito institucional interno ou junto a outros órgãos públicos, tanto na esfera do Executivo (indução de políticas públicas), do Legislativo (indução de processos legiferantes tendentes à promulgação de leis com temática específica) ou do Judiciário (utilização dos meios e instrumentos judiciais para concretizar disposições orçamentárias e legais)"((WEINGARNER NETO, Jaime; VIZZOTTO, Vinícius Diziz. Ministério Público, ética, boa governança e mercados: uma pauta de desenvolvimento no contexto do direito e da economia. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). **Direitos fundamentais**: orçamento e ‘reserva do possível’. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 292-293.)). Portanto, não mais se sustenta a predominância de uma atuação repressiva condutora da continuidade das injustiças sociais. É importante combater, por exemplo, as reais causas geradoras da criminalidade, o que deverá ser feito com base nos indicadores sociais e nos diagnósticos sociais específicos, os quais necessitam ser realizados com certa periodicidade pela Instituição por intermédio de suas parcerias. Só assim o Ministério Público conseguirá assumir e exercer, efetivamente, a sua mais nobre função constitucional: a promoção da justiça social. Nesse sentido, conclui Marcelo Pedroso Goulart: >>"De acordo com a vontade popular explicitada na Constituição da República, o Ministério Público deve constituir-se em um dos mais importantes ‘agentes da vontade política transformadora’, cabendo-lhe a tarefa de definir e participar de ações político-jurídicas modificadoras da realidade, objetivando a construção do projeto constitucional de democracia (a sociedade livre, justa e solidária, na qual o desenvolvimento sócio-econômico-cultural deve estar voltado para a erradicação da pobreza e da marginalização, para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a promoção do bem de todos). Essa é a ‘estratégia institucional’"((GOULART, 2007, p. 713.)). \\ ====Provocação articulada e sistematizada do controle jurisdicional (abstrato/concentrado e difuso/incidental) e extrajurisdicional da constitucionalidade==== \\ Na condição de guardião da ordem jurídica, assume papel de destaque a atuação do Ministério Público na proteção da Constituição, o que se dá tanto no controle concentrado e abstrato quanto no controle difuso e incidental da constitucionalidade. Também é fundamental a atuação da Instituição no controle extrajurisdicional da constitucionalidade, que poderá ocorrer pela expedição de recomendação para provocar, perante o Poder Legiferante, o autocontrole da constitucionalidade, bem como por intermédio da tomada de Termo de Ajustamento de Conduta, que é, também, um excelente mecanismo para viabilizar o controle extrajurisdicional da constitucionalidade das leis e atos normativos. No plano da proteção em abstrato da constitucionalidade, a Constituição Federal prevê expressamente um sistema de controle concentrado, que é exercido pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “a”, § 1º e § 2º, e art. 103, ambos da Constituição Federal/88), na sua condição de Corte Constitucional Nacional, ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, os quais funcionam como Cortes Constitucionais Regionais (art. 125, § 2º, da Constituição Federal/88). Esse mecanismo processual de proteção em abstrato e concentrado contra a inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos, exercido perante as Cortes Constitucionais, não exclui a existência de outras formas de controle, tais como os exercidos pelos próprios Poderes Legiferantes, por intermédio do autocontrole da constitucionalidade, ou pelo Chefe do Poder Executivo, neste caso por meio do exercício do poder do veto. O referido mecanismo não exclui, ainda, o controle difuso e incidental da constitucionalidade, que possui natureza de garantia constitucional fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal/88)((ALMEIDA, Gregório Assagra de. **Manual das ações constitucionais**. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 690-691.)). Assim, sendo possível, é até mais recomendável o autocontrole da constitucionalidade pelo próprio Poder Legiferante – seja por intermédio da revogação, seja por intermédio da alteração, para adequação ao sistema constitucional, de lei ou ato normativo apontado como inconstitucional. Com efeito, é mais razoável provocar, primeiramente, nas hipóteses em que as circunstâncias venham a comportar, a atuação do Poder elaborador da norma apontada como inconstitucional, deixando para depois, em caso de recusa do autocontrole da constitucionalidade pelo poder competente, a via do controle abstrato e concentrado da constitucionalidade perante a Corte Constitucional competente. O Ministério Público é um dos principais legitimados ativos para controle abstrato e concentrado da constitucionalidade de leis e atos normativos perante as Cortes Constitucionais pátrias, consoante se extrai dos arts. 103, VI, e 129, IV, ambos da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|Constituição Federal/88]], e dos arts. 6º, I, II e III, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm|Lei Complementar Federal 75/93]], e 25, I, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm|Lei Federal nº 8.625/93]]. Contudo, essa atribuição do Ministério Público não exclui a utilização de outros mecanismos pela Instituição, especialmente quando voltados para assegurar o respeito aos direitos assegurados constitucionalmente. Portanto, quando desrespeitados os direitos constitucionais, especialmente os de dimensão social, não há dúvida que é dever do Ministério Público promover as medidas necessárias à garantia desses direitos (art. 129, III e IX, da Constituição Federal/88). Um dos fortes mecanismos de atuação do Ministério Público, que decorre da Constituição e está previsto expressamente no plano infraconstitucional, é a //Recomendação//, que poderá ser dirigida aos Poderes Públicos em geral e mesmo aos particulares, a fim de que sejam respeitados os direitos assegurados constitucionalmente((Sobre o assunto, conferir: : ALMEIDA, Gregório Assagra de; PARISE, Elaine Martins. Ministério Público e a priorização da atuação preventiva: uma necessidade de mudança de paradigma como exigência do Estado Democrático de Direito. In: **MPMG Jurídico**. Ano I, n. 1, Publicação da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ed. 001, setembro 2005. p. 16-17. Também conferir: ALMEIDA, Gregório Assagra de. **Codificação do direito processual coletivo brasileiro**. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 770-773.)) O vício da inconstitucionalidade é o mais grave no âmbito de uma ordem jurídica democrática que valoriza a Constituição como a base do sistema. É por intermédio do controle da constitucionalidade que se faz observar a supremacia e a rigidez constitucionais, impedindo que leis e atos normativos infraconstitucionais possam colocar em risco os valores primaciais da sociedade, já consagrados constitucionalmente. Daí a importância da priorização, do planejamento e da sistematização dessa atribuição constitucional pelo Ministério Público na sua função de guardião da ordem jurídica (art. 127, //caput//, da CF/88)((Nesse sentido, cabe destacar que foi criada, no âmbito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a Coordenadoria de Controle da Constitucionalidade ([[http://ws.mp.mg.gov.br/biblio/normajur/normas/Res_PGJ_75_2005.htm|Resolução PGJ-MG nº 75/2005]]), com as finalidades apresentadas.)). \\ ====Ampliação e estruturação do modelo do Ministério Público resolutivo: necessidade de sistematização e maior investimento na atuação extrajurisdicional==== \\ O modelo tradicional e antigo do Ministério Público, de caráter demandista, ainda é o que prevalece. Em inúmeras situações, os membros dessa Instituição, com destaque para as comarcas do interior, estão sobrecarregados de atribuições processuais em demandas judiciais. Nessas hipóteses, a atuação resolutiva, no plano extrajurisdicional, acaba sendo prejudicada, impedindo a devida inserção social da Instituição ministerial. E o pior: o Poder Judiciário vive uma verdadeira crise de efetividade, o que acaba por recair também sobre o Ministério Público e, nesses casos, em dose muito pesada, principalmente em razão do interesse social, que está quase sempre presente nas demandas judiciais que justificam a sua atuação. A atuação extrajudicial, por intermédio das recomendações, dos inquéritos civis, das audiências públicas e/ou dos termos de ajustamento de conduta, é uma via necessária e muito eficaz para o Ministério Público cumprir os seus compromissos constitucionais perante a sociedade e ter ampliada a sua legitimidade social. Por isso, é imprescindível a sistematização e a ampliação do investimento para estender e fortalecer a atuação extrajurisdicional do Ministério Público. A mudança cultural interna para a compreensão do modelo de Ministério Público resolutivo faz-se necessária, especialmente com o preparo de seus membros e servidores para o diálogo e o consenso na resolução dos conflitos sociais. \\ ====Atuação vinculada à especificação funcional da Instituição==== \\ O novo modelo constitucional implantado na CF/88 para o Ministério Público vincula sua atuação e revela a real dimensão da sua especificação funcional. O art. 127, //caput//, da CF/88 é a cláusula-mãe de toda e qualquer atribuição do Ministério Público, seja no plano da sua normatização em abstrato, seja no da sua aferição concreta. A cláusula aberta de encerramento das atribuições institucionais previstas no art. 129, IX, da CF/88, deve ser lida em perfeita sintonia com o art. 127, anteriormente citado. Com efeito, a base da especificação funcional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Qualquer espécie de atuação institucional deve estar atrelada a essas diretrizes constitucionais. As atribuições arroladas no art. 129 da CF/88 estão em perfeita correlação com o art. 127, //caput//, desta Carta Magna. Uma lei infraconstitucional não poderá conferir ao Ministério Público atribuição que não esteja seguindo essas diretrizes principiológicas. Leis anteriores à Constituição de 1988 que se divorciavam do novo modelo constitucional não foram recepcionadas. Tudo isso decorre da força normativa e irradiante da Constituição, nos termos apresentados pelo neoconstitucionalismo. Convém destacar que o membro do Ministério Público e a Instituição em si devem tomar o cuidado necessário para não desvirtuarem, em suas atuações estratégicas, essa especificação funcional estabelecida na Lei Fundamental. Por exemplo, os //problemas de caixa// do Governo e as dificuldades administrativas do Poder Público em geral não podem servir de parâmetro para justificar a não atuação do Ministério Público; caso contrário, a Instituição estaria desvirtuando a sua especificação funcional ao levar em conta, para justificar sua omissão, problemas que estão relacionados com a especificação funcional de outra instituição, no caso o Poder Executivo. \\ ====O acompanhamento da tramitação processual e a fiscalização da execução dos provimentos jurisdicionais==== \\ Para o jurista Marcelo Zenkner, o Ministério Público precisa ingressar em uma nova fase, em que são fundamentais os resultados adequados e efetivos da sua atuação funcional. Em palestra proferida no Ministério Público do Estado de Minas Gerais, afirmou Zenkner que não é suficiente que o membro da Instituição simplesmente ajuíze a ação e passe para o Poder Judiciário o problema. Torna-se cogente, como fator de ampliação da sua legitimação social, que ele também acompanhe efetivamente a tramitação processual e tome medidas para garantir o rápido e adequado andamento processual bem como a execução dos provimentos jurisdicionais, especialmente no que tange aos processos coletivos, em razão dos seus impactos sociais((A palestra foi proferida na Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, no dia 22 de janeiro de 2008, às 14h, para o curso de formação dos novos Promotores de Justiça do XLVII Concurso, com o seguinte título: Inquérito civil: técnicas de investigação em improbidade administrativa, formalização de TAC e de Recomendação.)). Estamos de pleno acordo com o talentoso jurista, que tem dedicado parte dos seus estudos para aprimorar a efetividade da atuação do Ministério Público((Vale a pena destacar, para conferir, a seguinte obra do autor: ZENKNER, Marcelo. **Ministério Público e efetividade do processo civil**. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.)). Em tempos atuais, a leitura do direito não mais se sustenta no plano abstrato. O plano da concretização é fundamental para compreensão do direito no neoconstitucionalismo. Mauro Cappelletti e Bryant Garth destacam a importância do acesso à Justiça como novo método de pensamento para a revisitação da filosofia do direito e da própria teoria geral do direito: >>"[...] o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos"((CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11-12.)). É importante também que o membro da Instituição acompanhe toda a instrução do processo e diligencie para a produção necessária das provas a fim de alcançar o resultado adequado da prestação jurisdicional. Nos tribunais, é relevante o acompanhamento dos recursos e das ações de competência originária pelo órgão da Instituição, que deverá até mesmo fazer sustentação oral nas hipóteses cabíveis. \\ ====Adequação da independência funcional do Órgão do Ministério Público ao planejamento funcional estratégico da Instituição==== \\ O planejamento estratégico da atuação funcional deve vincular todos os órgãos do Ministério Público. Não pode o órgão de execução alegar a independência funcional para deixar de cumprir as estratégias de atuação funcional da Instituição, presentes nos seus planos e programas de atuação. Nesse sentido, Marcelo Pedroso Goulart propõe uma revisitação à leitura dos princípios institucionais do Ministério Público. Diz ele que, no âmbito do seu objetivo estratégico de promoção da transformação social, tal Instituição Pública deve definir políticas públicas nos seus //Planos e Programas de Atuação Institucional//, com a fixação de metas prioritárias que orientem a atuação dos órgãos de execução e até da Administração Superior. Essas metas prioritárias devem ser seguidas pela Instituição e por seus membros como decorrência do //princípio da unidade// institucional. Para o autor, o //princípio da unidade// ganhou na CF/88 conotação política que supera as dimensões meramente administrativas presentes em sua concepção clássica, passando a informar e a orientar a própria atuação político-institucional do Ministério Público((Conceitua Goulart: “PRINCÍPIO DA UNIDADE - a atuação dos membros do Ministério Público deve estar voltada à consecução da estratégia institucional, qual seja: a promoção do projeto de democracia participativa, econômica e social delineado na Constituição da República”. (GOULART, 2007, p. 714.).)). Afirma, também, Marcelo Goulart que o princípio da independência visa a garantir ao órgão da Instituição o exercício independente das suas atribuições funcionais: >>"[...] tornando-o imune a pressões externas (dos agentes dos poderes do Estado e dos agentes do poder econômico) e internas (dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público). Por força desse princípio, consagrou-se o seguinte aforismo: o membro do Ministério Público só deve obediência à sua consciência e ao direito"((GOULART, 2007, p. 715.)). A independência funcional seria, nesse sentido, uma garantia da própria sociedade antes mesmo de ser uma garantia do membro do Ministério Público, conforme conclui Marcelo Goulart: >>"O Ministério Público concretiza o objetivo estratégico abstratamente previsto na Constituição por meio da execução das metas prioritárias dos Planos e Programas de Atuação. Essas metas decorrem de imposição constitucional, portanto, contemplam hipóteses de atuação obrigatória e vinculam os membros do Ministério Público"((GOULART, 2007, p. 715-716.)). \\ ====Formação humanista, multidisciplinar e interdisciplinar dos membros e dos servidores do Ministério Público==== \\ Para que haja a concretização do novo Ministério Publico, constitucionalmente delineado, faz-se necessária uma mudança cultural de mentalidade atrelada aos valores éticos e humanos que compõem o núcleo do direito no pós-positivismo jurídico. A vida e sua existência com dignidade, em todos os seus planos, devem ser fatores de direcionamento da atuação institucional do Ministério Público. Conforme bem ressaltou Jorge Alberto de Oliveira Marum: >>"[...] democracia não significa apenas liberdade, requerendo também justiça social e busca da igualdade material, ou seja, condições de vida, saúde, moradia, educação e alimentação adequadas, o que se realiza mediante a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais. Daí a profunda ligação entre o regime democrático, que cabe ao Ministério Público defender, e os direitos humanos"((MARUM, Jorge Alberto de Oliveira. **Ministério Público e direitos humanos**: um estudo sobre o papel do Ministério Público na defesa e na promoção dos direitos humanos. Campinas: Bookseller, 2006. p. 395.)). Os cursos de ingresso, de vitaliciamento, de promoção na carreira e outros cursos que visem ao aperfeiçoamento funcional dos membros e dos servidores do Ministério Público devem ser tratados a partir de uma visão humanística, fundada na solidariedade coletiva e no direito à diferença. Os próprios editais dos concursos públicos para ingresso na Instituição devem exigir o conhecimento sobre direitos humanos. Por outro lado, a formação multidisciplinar e interdisciplinar é fundamental para que os membros e os servidores do Ministério Público tenham uma visão mais holística da realidade social e das estratégias de atuação funcional da Instituição. Uma das características principais dos novos direitos, especialmente os de dimensão coletiva, é a sua extrema complexidade. O operador do direito tem dificuldade para compreender e interpretar adequadamente os direitos coletivos somente com fundamento nas diretrizes estabelecidas pela ordem jurídica. Esses direitos, em geral, exigem um grau de conhecimento que se baseie em outras áreas de conhecimento, tais como a Engenharia, a Biologia, Agronomia, Sociologia, Economia, Ciência Política, Geologia, etc. A interpretação fundada no diálogo multidisciplinar e interdisciplinar é o melhor caminho para a boa e adequada compreensão dos novos direitos de dimensão massificada. A tendência é no sentido de ampliação desse diálogo com outras áreas de conhecimento, caminho hoje imprescindível para a oxigenação e o revigoramento do próprio Direito como instrumento de justiça e de transformação da realidade social. A compreensão das diretrizes do novo constitucionalismo, com destaque para a nova //summa divisio// constitucionalizada no País((ALMEIDA, 2008.)), já apresentada neste texto, bem como a consciência crítica das verdadeiras causas geradoras dos problemas sociais devem estar presentes nos cursos, seminários e eventos do Ministério Público. Sustentando a necessidade de uma formação crítica e transdisciplinar do órgão do Ministério Público, afirma Antônio Alberto Machado: >>"Pensamos que a atuação dos órgãos de execução do Ministério Público brasileiro, sobretudo a partir da Constituição de 1988 e legislação subseqüente, institucionalizando conflitos coletivos e operando instrumentais com caráter jurídico-político, ‘na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais’, apesar de sua cultura formalista e unidimensional, está em condições de fazer do ‘Promotor de Justiça’ um operador do direito consciente de suas funções não só jurídicas, mas também políticas e sociais, pelo relacionamento transdisciplinar que doravante estará forçado a fazer entre a estrutura normativa do direito que aplica e as estruturas sociopolíticas que estão na gênese dos conflitos coletivos"((MACHADO, 2000, p. 194.)). \\ ====Revisitação da atuação como órgão interveniente no processo civil com base na teoria dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais==== \\ É fundamental a releitura e a reestruturação da atuação do Ministério Público no processo civil como órgão interveniente, com base na teoria dos direitos fundamentais, especialmente naquilo que se relaciona com o direito à vida e sua existência com dignidade, núcleo básico e irradiante do sistema constitucional. Considerando que os direitos ou os interesses coletivos também são direitos fundamentais, conforme previsto no Título II, Capítulo I, da CF/88, cabe destacar também as hipóteses de presença de interesse social, tais como as situações em que esteja presente, no processo civil, a necessidade de aferição da função social da propriedade, da função social do contrato e da função social da empresa. Nessas hipóteses, também é necessária a participação interveniente do Ministério Público no processo civil (art. 127, //caput//, da CF/88). \\ ====Utilização dos projetos sociais como novos mecanismos de atuação da Instituição==== \\ O rol dos instrumentos de atuação do Ministério Público não é exaustivo, o que também ocorre em relação às suas atribuições constitucionais, consoante se interpreta do art. 129, IX, da CF. Ademais, os direitos e as garantias constitucionais fundamentais são consagrados tanto em dimensão formal quanto em dimensão material, nesse caso pela adoção da cláusula aberta prevista no § 2º do art. 5º da CF/88. Com efeito, tudo isso impõe uma atuação criativa do Ministério Público, tanto no plano jurisdicional quanto no extrajurisdicional, sendo que neste a Instituição assume verdadeira função resolutiva. Além do inquérito civil, da recomendação e do termo de ajustamento de conduta, que possuem amparo no texto constitucional e no infraconstitucional, outros mecanismos legítimos, fundamentados no interesse social, poderão ser utilizados pelo Ministério Pública para a defesa da sociedade (art. 1º, 3º, 127, //caput//, e art. 129, II, III e IX, todos da CF/88). Com base na multifuncionalidade dos direitos e das garantias constitucionais fundamentais, as técnicas de atuação devem ser flexibilizadas para atender às necessidades do direito material. Outras técnicas legítimas de atuação também poderão ser utilizadas para atender às necessidades dos direitos e das garantias fundamentais, mesmo que não previstas expressamente em lei, como ocorre com a utilização de projetos sociais como legítimos mecanismos de atuação social pelo Ministério Público. Os projetos sociais são verdadeiros mecanismos legítimos que poderão potencializar e qualificar a atuação social do Ministério Público, especialmente na promoção da transformação da realidade social de forma resolutiva e cooperativa (art. 3º, art. 127, //caput//, e art. 129, todos da CF/88). Nesse sentido foi pautado o belíssimo trabalho teórico, amparado em experiências concretas, desenvolvido pelo Promotor de Justiça, em seu mestrado, Paulo César Vicente Lima. O referido promotor de justiça coordenou vários projetos sociais junto à Bacia do Rio São Francisco, com excelentes resultados concretos, utilizando-os como mecanismo de atuação do Ministério Público, acabando por desenvolver sua pesquisa científica a partir dessas experiências concretas. ((O Ministério Público como instituição do desenvolvimento sustentável: reflexões a partir de experiências na bacia do Rio São Francisco. 2008. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social). Universidade Estadual de Montes Claros.)) Foi elaborada recentemente, por exemplo, a Carta das Famílias, como resultado do I Simpósio dos Direitos das Famílias, realizado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, na qual consta a utilização de Projetos Sociais como um dos mecanismos de atuação na tutela coletiva no direito das famílias, conforme registra um dos seus enunciados: >>"Enunciado 4. O órgão do Ministério Público com atribuição na área da tutela do Direito das Famílias poderá instaurar inquérito civil, expedir recomendações, tomar termo de ajustamento de conduta, coordenar projetos sociais e ajuizar ações coletivas, entre elas a ação civil pública (arts. 3º, 127, //caput//, 129, III, da CF/1988 e art. 1º, IV, da Lei nº 7.347/1985). (aprovado por unanimidade)". Essa mesma orientação está presente no inciso XV do art. 4º da Resolução PGJ nº 67, de 6 de outubro de 2010, que criou, no âmbito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Famílias. \\ ====Conclusões==== \\ * 1. O neoconstitucionalismo, surgido a partir das concepções filosóficas que compõem do pós-positivismo jurídico, coloca a Constituição no centro do sistema jurídico, conferindo-lhe força normativa vinculatória e irradiante sobre toda ordem jurídica. * 2. A [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|Constituição da República Federativa do Brasil de 1988]], inserida no novo constitucionalismo, adotou uma nova //summa divisio// no Título II, Capítulo I, alçando os direitos coletivos no plano da teoria dos direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais. * 3. Todas as diretrizes principiológicas e interpretativas do neoconstitucionalismo devem servir de parâmetros para a aferição do novo perfil constitucional do Ministério Público brasileiro. * 4. O Ministério Público brasileiro na Constituição Federal de 1988 passou a ser instituição de promoção da transformação da realidade social, assumindo natureza institucional autônoma que o retira da Sociedade Política e o insere, no plano da sua atuação funcional, na Sociedade Civil. * 5. Com a CF/88 passaram a existir nitidamente dois modelos constitucionais do Ministério Público: o demandista, de atuação jurisdicional, e o resolutivo, de atuação extrajurisdicional. * 6. A partir da CF/88, o Ministério Público abandonou a função de mero //custos legis// para assumir a função //custos societatis// e guardião da ordem jurídica (//custos juris//). * 7. O Ministério Público é instituição permanente, de forma que ele e as suas atribuições, princípios e garantias constitucionais são cláusulas pétreas (superconstitucionais). * 8. Os princípios, as atribuições e as garantias constitucionais do Ministério Público como cláusulas pétreas (superconstitucionais) poderão ser ampliados, mas não poderão ser eliminados ou restringidos. * 9. A multifuncionalidade da teoria dos direitos e das garantias fundamentais deve exercer enorme influência nas técnicas de atuação do Ministério Público, especialmente para que a Instituição consiga atuar de modo a promover a transformação social. Assim, o Ministério Público deverá ter criatividade para se utilizar de novas técnicas procedimentais para cumprir sua missão constitucional, por exemplo, a via dos projetos sociais como novos mecanismo de atuação funcional. * 10. No que tange aos direitos e às garantias constitucionais fundamentais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 //segue o modelo misto//, //eclético ou conciliatório//, mas com algumas peculiaridades importantes: primeira delas decorre do compromisso constitucional com a transformação da realidade social, manifestado em um conjunto de objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, muito bem delineado no art. 3º da CF/88; a segunda é fruto da inserção, inédita em nossa história, dos direitos ou interesses coletivos como direitos fundamentais, que passam a compor o núcleo principal, com eficácia irradiante máxima, do sistema jurídico brasileiro, conforme previsto no Título II, Capítulo I, da CF/88((ALMEIDA, 2008, p. 14.)) – sobressai aqui o papel de destaque conferido ao sistema de tutela coletiva, também integrante do núcleo central da ordem jurídica brasileira e diretamente ligado à transformação da realidade social. Nesse contexto, é destacado o projeto constitucional conferido ao Ministério Público, um dos principais protagonistas da tutela coletiva do País (arts. 127, //caput//, e 129, II e III, da CF/88). * 11. Existem vários fatores constitucionais de ampliação da legitimação social do Ministério Público, sendo que a preocupação com esses fatores é muito importante para a concretização do novo perfil constitucional da Instituição, especialmente no que tange à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, //caput//, da CF). * 12. Entre outros, seriam fatores constitucionais de ampliação da legitimação social do Ministério Público: * a) a priorização da atuação preventiva; * b) o exercício da função pedagógica da cidadania; * c) a realização periódica de audiências públicas; * d) o combate articulado e sistematizado das causas geradoras de desigualdades sociais, especialmente por intermédio da fiscalização orçamentária; * e) a provocação articulada e sistematizada do controle da constitucionalidade; * f) a ampliação e a estruturação do modelo do Ministério Público resolutivo; * g) a atuação vinculada à especificação funcional da Instituição; * h) o acompanhamento da tramitação processual e a fiscalização da execução dos provimentos jurisdicionais; * i) a adequação da independência funcional do órgão do Ministério Público ao planejamento funcional estratégico da Instituição; * j) a formação humanista, multidisciplinar e interdisciplinar dos membros e servidores do Ministério Público; * k) revisitação da atuação como órgão interveniente no processo civil com base na teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais; * l) utilização dos projetos sociais como novos mecanismos de atuação constitucional da Instituição. \\