=====3.1. Modelo constitucional do Ministério Público===== \\ Sem a pretensão de buscar a origem histórica do Ministério Público ou mesmo sua gênese no Direito brasileiro, fato é que a [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|Constituição Federal]] promulgada em 1988 inaugurou a fase mais moderna e profícua do Ministério Público brasileiro, quer do ponto de vista estrutural, quer sob a ótica funcional, disciplinando a Instituição vocacionada para a tutela dos interesses sociais. Inspirada por uma Assembleia Nacional Constituinte com ideais progressistas, libertários e humanistas((Sobre o Ministério Público na Constituição Federal de 1988, ver: RIBEIRO, Diaulas Costa. **Ministério Público**: dimensão constitucional e repercussão no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 57-67.)), mesmo sobre influências contrárias e pressões de alguns segmentos sociais que defendiam interesses menos nobres, eclodiu o Ministério Público brasileiro, delineado na Carta Maior, com autonomia, independência e unidade funcionais, apartado dos Poderes do Estado, voltado à defesa dos interesses maiores da sociedade. Enfim, veio a lume o desenho constitucional de uma instituição que seria reconhecida, em momento posterior, como um dos maiores avanços sociais concebidos pelo Poder Constituinte originário. A magnitude da tarefa constitucional atribuída ao Ministério Público encontra diretriz no artigo 127 da Constituição Federal, tendo sido concedido à Instituição o caráter permanente e a essencialidade de sua função na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição da República dispôs sobre a normatização fundamental do Ministério Público no título IV, do capítulo IV, que cuida das funções essenciais à Justiça. Assim, para a salvaguarda dos interesses sociais e individuais mais caros, caberá ao Ministério Público, no desempenho de seu mister, utilizar-se dos instrumentos processuais dispostos pelo legislador, não apenas como mecanismo de atuação da Instituição, mas como garantia conferida à sociedade, com o objetivo de viabilizar ou potencializar a tutela social com que a Instituição se vê compromissada. Preleciona Emerson Garcia, estribado em Renato Alessi,((ALESSI, Renato. **Sistema Istituzionale di Diritto Amministrativo Italiano**. 3. ed. Milão: Guiffrè, 1960. p. 2.)) que “[...] toda a função estatal denota o dever de o agente praticar determinados atos, valendo-se dos poderes que a lei lhe confere, visando à consecução do interesse da coletividade”((GARCIA, Emerson. **Ministério Público**: organização, atribuições e regime jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 48.)). Dessa forma, na defesa da ordem jurídica e do regime democrático, tarefa constitucional compreendida em seu sentido mais amplo, abarcando a noção do próprio Direito, contempla-se, por exemplo, a legitimidade para deflagrar o controle da constitucionalidade das leis (art. 103, I e § 4º, da CF/88). Extraindo uma interpretação sistemática do artigo 127 da Constituição da República, reproduzida pelo legislador infraconstitucional no artigo 1º da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm|Lei nº 8.625/93]], é de todo razoável asseverar que, no desempenho da atribuição constitucional, fica afastada a ideia de que toda e qualquer ordem jurídica merece ser tutelada pelo Ministério Público. Como ensina ainda Emerson Garcia, somente deve ser tutelada a >>"[...] parcela que aglutine os interesses tutelados pelas denominadas normas de ordem pública, que abarcam, além dos interesses sociais, os individuais, ainda que disponíveis, que gerem reflexos relevantes e imediatos na própria coletividade (//v.g.//: as hipóteses contempladas no artigo 82, I e II, do Código de Processo Civil)"((GARCIA, 2005, p.48)). Malgrado a história registrar em regimes totalitários a existência de Ministério Público forte, notou-se sua fragilidade quanto a sua independência funcional. A defesa do regime democrático compreende, pois, que o Ministério Público se apresente como efetivo instrumento de transformação social em ambiente político permeado pela democracia plena, uma vez que fadado a servir à sociedade, e não ao autoritarismo. O Estado democrático, preleciona Hugo Nigro Mazzilli((MAZZILLI, Hugo Nigro. **Regime Jurídico do Ministério Público**. 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 136.)), escorado no ensinamento de Ataliba Nogueira, é aquele em que o povo, de acordo com o seu entender livre, toma decisões concretas em matéria política ou, ao menos, decide quais hão de ser as linhas diretivas a que se deve ater a ação dos que são colocados no governo((MAZZILLI, Hugo Nigro. **Teoria geral do Estado**. 4. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1966, p. 67.)). Ensina Hugo Nigro Mazzilli, //verbis//: >>"[...] Ora, para tornar concreto o mandamento constitucional de que o Ministério Público está a serviço da defesa do regime democrático, mister é que tome ele, por exemplo, a iniciativa de propor mandado de injunção, quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania, como a falta de regulamentação da participação popular nas decisões políticas, quer pelo plebiscito, quer pelo referendo, quer pela iniciativa do processo legislativo; necessário é que proponha ações diretas de inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional; preciso é que intervenha na fiscalização de todo o processo eleitoral, bem como nas hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos, e no zelo do livre funcionamento dos partidos políticos"((MAZZILLI, 1966, p. 136-137.)). Assim, na dicção do artigo 127 da CF/88 e do artigo 1º, caput, da Lei nº 8.625/93, será legítima a tutela ministerial nas questões que tenham por objeto interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como interesses difusos ou coletivamente considerados. Os interesses sociais transbordam o terreno da individualidade para atingir os interesses maiores da sociedade, podendo versar sobre direito disponível desde que tenham expressão para toda a coletividade. Daí a noção de direito individual homogêneo reconhecidamente existente no ordenamento jurídico pátrio. Nota-se, portanto, que será legítima a tutela de interesses individuais, ainda que disponíveis, desde que a defesa manejada busque proteção coletiva, uma vez que não existe previsão constitucional que permita ao Ministério Público que sua atuação se volte à defesa de direito individual disponível. Mais uma vez vale o ensinamento de Hugo Nigro Mazzilli: >>"[...] o objeto da atenção do Ministério Público resume-se nesta tríade: a) ou zela para que não haja disposição alguma de interesse que a lei considera indisponível; b) ou, nos casos em que a indisponibilidade é apenas relativa, zela para que a disposição daquele interesse seja feita conformemente com as exigências da lei; c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo na solução do problema"((MAZZILLI, 1966, p. 139.)). A Constituição da República, refletindo o modelo federativo que inspirou o Estado Brasileiro, estabeleceu os ramos do Ministério Público sob a forma dicotômica: da União e dos Estados, sem elos funcionais entre ambos, administrativo ou hierárquico. O Ministério Público da União compreende o Ministério Público Federal, o Militar, o do Trabalho e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; afastado, pois, o ramo do Ministério Público Eleitoral, sendo este compreensível na medida do exercício das funções junto à Justiça Eleitoral. Chefiado o Ministério Público da União pelo Procurador-Geral da República, as demais carreiras que o integram são independentes entre si, tendo cada uma delas organização própria, recaindo a chefia em seus respectivos Procuradores-Gerais, que, por força da Lei Orgânica do Ministério Público da União, e para reverter a omissão constitucional, poderão exercer, exclusivamente, atribuições especialmente delegadas pela [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm|Lei Complementar nº 75/93]]((Sobre o tema, consultar: arts. 22 e 26, VIII, § 1º, e arts. 32, 45, 83, 87, 116, 120, 149 e 155, todos da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.)). No âmbito estadual, cabe ao Procurador-Geral de Justiça exercer a chefia institucional (§§ 3º e 4º do art. 128 da CF/88). A Lei Complementar nº 75/93 dispôs sobre a organização e atribuições do Ministério Público do Trabalho e do Militar. Cabe ao primeiro a atuação nas causas de competência da Justiça do Trabalho (art. 83, //caput//), e ao segundo nas causas afetas à competência da Justiça Militar (art. 116, //caput//). O Ministério Público Federal exercerá as funções nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal e Juízos Federais. Contudo, suas relevantíssimas funções não serão aprofundadas no presente trabalho. Ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, não obstante pertencerem à abrangência do Ministério Público da União, caberá o desempenho das atribuições junto ao Tribunal de Justiça e juízes do Distrito Federal. \\