=====3.3.3. Promoção do Inquérito Civil e da Ação Civil Pública (Art. 129, III, da CF/88)===== \\ ====Inquérito Civil==== \\ O inquérito civil, como procedimento administrativo investigatório, de caráter pré-processual, realiza-se extraprocessualmente. Criado pela [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm|Lei n° 7.347/85]] e sufragado pela Constituição da República, o inquérito civil é um relevante instrumento a cargo exclusivo do Ministério Público, destinado à coleta de elementos de convicção para escolta futura de eventual ajuizamento de ação civil pública, o que diminui o risco de propositura de ações temerárias. Por isso possui traços semelhantes aos do inquérito policial. É, portanto, procedimento administrativo inquisitivo, não sendo obrigatório o contraditório, uma vez que por esse procedimento não se busca aplicar nenhum tipo de sanção((Nesse sentido, consultar: ALMEIDA, Gregório Assagra. **Manual das Ações Constitucionais**. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 225.)) Sustenta Marcelo Pedroso Goulart((GOULART, Marcelo Pedroso. **Ministério Público e democracia**: teoria e práxis. São Paulo: LED, 1998. p. 210-211.)), ao discorrer sobre o perfil //resolutivo// do Ministério Público consagrado na Constituição da República de 1988, que é imprescindível que se efetive o Ministério Público resolutivo, potencializando a autonomia funcional de cada órgão de execução, sobretudo com a efetiva atuação na proteção dos interesses e direitos massificados. Assim, a utilização consciente e responsável do inquérito civil pelo Ministério Público tem servido como um importante e eficaz instrumento para o resguardo dos interesses sociais. Sensível ao tema, afirma Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz((FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. Inquérito Civil: dez anos de um instrumento de cidadania. In: MILARÉ, Edis (Coord.). **Ação Civil Pública**. São Paulo: RT, 1995. p. 64.)) que não é difícil perceber que essas atribuições do Ministério Público, recebidas na qualidade de órgão de defesa social, têm por inequívoco escopo a promoção da cidadania. Aliás, o inquérito civil é, e tem sido, um eficiente instrumento de cidadania, estando hoje disseminado o hábito de associações, partidos políticos e cidadãos, isolada ou coletivamente, representarem ao MP para apuração de fatos possivelmente lesivos aos interesses difusos. Vigora, de regra, no inquérito civil o //princípio da publicidade//, condizente com os atos administrativos (art. 37, //caput//, da CF/88). Contudo, persiste a possibilidade de limitação a essa regra, forte em situações em que a norma constitucional resguarda a privacidade e o sigilo de documentos ou dados, cabendo ao órgão ministerial, fundamentadamente, impor o sigilo, a fim de assegurar a apuração cabal dos fatos, com resguardo aos direitos fundamentais. \\ ====Objeto do Inquérito Civil==== \\ Terá o inquérito civil, por objeto, os direitos difusos, coletivos, individuais indisponíveis e os individuais homogêneos. Não obstante, há controvérsia doutrinária quando a apuração de lesão ou ameaça de lesão tem alcance mais restrito, ou seja, a direito individual puro (criança ou adolescente ou idoso). Nesses casos, torna-se cabível a instauração de sindicância simples ou do procedimento administrativo inominado, previsto no artigo 26, I, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8625.htm|Lei n° 8.625/93]]((FERRAZ, 1995, p. 295.)). Como adverte Emerson Garcia, em se tratando de matéria inserida nas atribuições do Ministério Público e que não esteja sob a epígrafe dos interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos, conforme previsão do artigo 25, IV, da Lei nº 8.625/93, não é aconselhável a instauração de inquérito civil para a apuração de lesão ou ameaça de lesão. Justifica-se a assertiva, pois o inquérito civil está sujeito a uma sistemática específica de arquivamento, suprimindo do órgão de execução a decisão final a respeito da investigação por ele presidida. Nesses casos, o correto será instaurar um procedimento administrativo, no qual o agente poderá utilizar todos os instrumentos contemplados na Constituição e na legislação infraconstitucional com o fim de instruí-lo((FERRAZ, 1995, p. 295-296)). \\ ====O procedimento do Inquérito Civil==== \\ Embora inspirado pela informalidade, o inquérito civil não se encontra imune a um regramento básico. São perceptíveis ao menos três fases distintas: * a) a instauração; * b) a instrução, e * c) a conclusão. Desde a //instauração//, mediante portaria inaugural ou por despacho do órgão ministerial, passando-se à etapa //apuratória//, com a coleta de provas, e à sua //conclusão//, deverá o órgão de execução atentar para o procedimento traçado pelo ato normativo que a disciplina. A '[[http://www.mprj.mp.br/portal_content/uploads/2013/08/Resolucao_CNMP_23_07.pdf|Resolução nº 23]], de 17 de setembro de 2007', do Conselho Nacional do Ministério Público regulamenta, no âmbito da Instituição, a instauração e a tramitação do inquérito civil. No Estado de Minas Gerais vigora ainda a '[[http://ws.mp.mg.gov.br/biblio/informa/290511896.htm|Resolução Conjunta PGJ/CGMP nº 03]], de 14 de dezembro de 2007'((Instituiu ainda, no âmbito do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o Sistema de Registro Único de Inquéritos Civis e Procedimentos Preparatórios (SRU).)), que regulamentou a tramitação do inquérito civil e do procedimento preparatório pertinente à tutela coletiva ou difusa, excluindo-se a apuração de ameaça ou lesão a direito individual puro. O inquérito civil, por enquadrar-se em procedimento pré-processual, terá como fonte legislativa concorrente entre a União e os Estados o teor do artigo 24, XI, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm|Constituição da República]]((Nesse sentido, STF – ADI n. 1.285 – SP – Tribunal Pleno – Rel. Min. Moreira Alves, **DJU** 23.03.2001, Inf. n. 221.)). Contudo, nada obsta, no âmbito do Estado de Minas Gerais, ao Procurador-Geral de Justiça, em razão de competência administrativa expressa e por delegação legislativa ([[http://ws.mp.mg.gov.br/biblio/normajur/normas/Lcp_34_atualizada_2004.htm|Lei Complementar Estadual nº 34/94]]), editar ato normativo que discipline normas complementares do procedimento do inquérito civil((MINAS GERAIS. Ministério Público Estadual. **Resolução nº 3**, de 14 de dezembro de 2007. Regulamenta o inquérito civil e o procedimento preparatório na área dos interesses difusos ou coletivos e institui o Sistema de Registro Único de inquéritos civis e procedimentos preparatórios (SRU).)), respeitados os parâmetros e princípios da lei federal básica ([[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm|Lei nº 7.347/85]]). No curso do inquérito civil, poderá sobrevir termo de ajustamento de conduta, sem prejuízo, em algumas vezes, do prosseguimento de diligências. A instauração do inquérito civil sequer é pressuposto processual para que o Ministério Público compareça em juízo. O inquérito pode ser dispensado, portanto, caso existam elementos necessários para a propositura da ação((MAZZILLI, Hugo Nigro. **A defesa dos interesses difusos em juízo**. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 339.)). Concluídas as apurações necessárias, não sendo hipótese de ajuizamento de ação civil pública ou celebração de termo de ajustamento de conduta, caberá ao órgão de execução promover o arquivamento do inquérito, remetendo-o em seguida, no prazo de três dias, ao Conselho Superior do Ministério Público, para fins de homologação. Cabe relembrar que, no curso do inquérito civil, poderá sobrevir, entre o Ministério Público e o investigado, a celebração de termo de ajustamento de conduta, cujo descumprimento ulterior poderá dar ensejo à ação civil pública em forma de ação de execução do acordo, válido como título extrajudicial. \\ ====A Ação Civil Pública: origens==== \\ Historicamente, fez-se necessária a criação de um instrumento jurídico ideal para a defesa de direitos massificados no Brasil, porquanto a proibição gizada no artigo 6º do CPC comprometia a proteção eficaz dos interesses coletivos. José Carlos Barbosa Moreira e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior foram os precursores do tema no país, nos idos dos anos de 1970. Posteriormente, os professores Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e o próprio Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, em trabalho desenvolvido pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, propuseram o anteprojeto de lei. Após isso, o deputado paulista Flávio Bierrembach apresentou o Projeto de Lei nº 3.034/84 à Câmara dos Deputados. Posteriormente, o Ministério Público do Estado de São Paulo apresentou ao Poder Executivo outro anteprojeto, que foi acolhido pelo Governo Federal e resultou na [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm|Lei nº 7.347/85]] – Lei de Ação Civil Pública (LACP). Legislações subsequentes trouxeram outras alterações, tendo sido o seu objeto ampliado pela própria Constituição da República de 1988 para a defesa do meio ambiente, do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Outras leis esparsas alargaram as hipóteses de ação civil pública para a defesa de bens jurídicos relevantes, tais como a [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm|Lei nº 7.853/89]], que visa a proteger as pessoas portadoras de necessidades especiais; a [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7913.htm|Lei nº 7.913/89]], que defende os investidores lesados no mercado de valores mobiliários; a [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm|Lei nº 10.741/03]], que ampara os idosos; e a própria [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm|Lei n° 8.078/90]], que traça as linhas de Defesa do Consumidor, além de outros instrumentos normativos que visam à proteção massificada dos direitos e interesses da sociedade. Entre as modificações ulteriores à LACP, merecem destaque as impostas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que ampliou o campo de incidência. Assim, o CDC previu expressamente a tutela dos interesses individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III), corrigindo o veto imposto pelo Presidente da República à redação original da LACP. Foi alargada, então, a aplicabilidade do CDC à LACP (art.117, CDC)(("**Lei de Ação Civil Pública** - Art. 117. Acrescente-se à Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes: 'Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.")), criando harmônica interação entre ambos os sistemas. Em contrapartida, no art. 90 do Código Consumerista(("**Código de Defesa do Consumidor** - Art. 90: Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.")), estabeleceu o legislador a aplicação da Lei nº 7.347/85 (LACP) às ações reguladas pela Lei nº 8.078/90, acrescentando, ainda, a possibilidade de formação de litisconsórcio entre Ministérios Públicos e a celebração de termo de ajustamento de conduta. Explica Mazzilli((MAZZILLI, 2002, p. 104)) que nem tudo foi progresso em matéria de defesa de interesses transindividuais no país. Em matéria de ações civis públicas, sucessivas alterações legislativas cuidaram de limitar o âmbito das liminares; outras mudanças na legislação buscaram limitar a eficácia da coisa julgada formada nessas ações ([[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9494.htm|Lei nº 9.494/97]]), e questões que o interesse do governo federal não pretendia ver resolvidas, tais como matérias tributárias ou relativas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), tentaram vedar, de maneira inconstitucional, o acesso coletivo à jurisdição. Tais ações caracterizaram uma forma de intimidação aos membros do Ministério Público, com previsão em medida provisória, de responsabilização pessoal e reconvenção em sede de ação civil pública de improbidade, merecendo recuo do governo federal após ajuizamento de [[http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1895636|ADI nº 2.384-5-DF]] pela CONAMP. \\ ====Conceito da Ação Civil Pública==== \\ O acesso coletivo à tutela jurisdicional adequada configura corolário da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição, como a prevista para a defesa dos direitos individuais (art. 5º, inc. XXXV, da CF/88). A ação civil pública tem status constitucional (art. 129, III, da CF/88). Por isso, fala-se que ela constitui verdadeira garantia constitucional processual à disposição de seus legitimados ativos, para a tutela dos direitos difusos ou coletivos e individuais homogêneos. \\ ====Objeto da Ação Civil Pública==== \\ Conforme leciona Hugo Nigro Mazzilli, não existe taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindividuais. Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (defesa do meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia popular, ordem urbanística), quaisquer outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos podem, em tese, ser defendidos em juízo, por meio da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público, quanto pelos demais colegitimados do art. 5º da LACP e do art. 82 do CDC((MAZZILLI, 2002, p. 112.)). Explica Nelson Nery Junior((NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. **Comentários ao Código de Processo Civil**. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1127.)) que é //difuso// o direito de natureza transindividual, e indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis, ligadas entre si por circunstância de fato (art. 81, parágrafo único, inc. I, do CDC); e que são //coletivos// os direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, inc. II, do CDC). Aponta Celso Antonio Pacheco Fiorillo((MILARÉ, Edis (Coord.). **Ação Civil Pública**. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1195. p. 175.)), citando a visão de Nelson Nery Junior, que um direito se caracteriza como difuso de acordo com o tipo de tutela jurisdicional e a pretensão levada a juízo, aduzindo que a pedra de toque do método classificatório para qualificar um direito como difuso, coletivo ou individual, é o tipo de tutela jurisdicional pretendida quando se propõe a competente ação judicial. Para o mesmo autor, é certo que da ocorrência de um mesmo fato podem originar pretensões difusas, coletivas e individuais. Ensina Mazzilli((MAZZILLI, 2002, p. 48-49.)) que os //interesses individuais homogêneos//, à luz do CDC, são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, III, do CDC). Tanto os interesses individuais homogêneos, quanto os difusos, originam-se de circunstâncias de fato comuns. Entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o dano ou responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo. Os direitos individuais homogêneos são divisíveis, identificáveis e titularizáveis. A LACP, em razão da abrangência emprestada pelo CDC ao processo coletivo, não impõe limitação aos tipos de ações passíveis de ajuizamento, de sorte que se admite toda e qualquer modalidade de ação para a tutela dos direitos regulados pela Lei nº 7.347/85 (CDC, arts. 83 e 90; LACP, art. 21). \\ ====Princípio da legitimação concorrente e pluralista==== \\ A legitimação no processo coletivo, consoante previsão constitucional (arts. 129, §1º; 125, § 2º e 103 da CF), conservada desde a vigência da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm|Lei nº 7.347/85]], é concorrente e pluralista. Com isso, confere-se legitimidade à União, aos Estados e Municípios, à Defensoria Pública, às entidades da administração indireta e às associações que preencham os requisitos do artigo 5º da LACP. Idêntico sistema foi adotado nas seguintes leis: [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm|Lei nº 8.069/90]] (ECA — Estatuto da Criança e do Adolescente), [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm|Lei nº 8.078/90]] (CDC), [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm|Lei nº 7.853/89]] (Proteção às Pessoas Portadoras de Deficiência) e [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm|Lei nº 10.741/03]] (Estatuto do Idoso). Vale notar que a legitimação ativa da Defensoria Pública na ação civil pública se relaciona com a defesa de direitos ou interesses coletivos de pessoas necessitadas, em consonância com a regra preconizada no artigo 5º, II, da Lei nº 7.347/85, e no art. 134, //caput//, da Constituição da República. Exigir-se-á da Defensoria Pública, pois, tal pertinência temática específica (atuação concreta de acordo com suas finalidades institucionais), sob pena de desvio de sua função social, regrada em sede constitucional, consistente na representação judicial e na defesa dos necessitados((ALMEIDA, 2007, p. 124.)). \\ ====Natureza jurídica da Legitimação na Ação Civil Pública==== \\ Na tutela transindividual, reconhece a doutrina clássica, com respaldo em posicionamento majoritário da jurisprudência, que a proteção dispensada aos titulares ocorre por //legitimação extraordinária//((ALMEIDA, 2007, p. 53-55.)), tendo em vista a verdadeira substituição dos lesados por expressa permissão legal. Outra corrente defende, baseada em doutrina alemã, que, em relação à defesa dos direitos e interesses difusos ou coletivos, por sua abrangência dilatada, trata-se de //legitimação autônoma para condução do processo//((NERY JUNIOR, Nelson; de Andrade Nery, Rosa Maria. **Código de processo civil comentado e legislação extravagante**. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p. 399; 1466.)) (//selbständige Prozessführungsbefugnis//). Preconiza a teoria que o substituto processual defende direito de titular determinado. Na tutela difusa os substituídos são indetermináveis, e na proteção coletiva indeterminados, daí a sua defesa em juízo ser realizada pela sobredita legitimação; outra corrente sustenta a presença da //legitimidade anômala mista// (ordinária e extraordinária)((MANCUSO, Rodolfo de Camargo. **Ação Civil Pública**. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 123.)). No plano da defesa dos interesses individuais homogêneos, vale mais uma vez o ensinamento de Gregório Assagra de Almeida, ao afirmar que a legitimidade ativa também seria uma forma de legitimação autônoma para a condução do processo, pois o legitimado ativo não tem de identificar, de modo individualizado, os respectivos titulares para o ajuizamento de ação coletiva para a tutela de tais direitos. Basta que haja a afirmação de direitos ou interesses individuais homogêneos, por exemplo, para que o Ministério Público seja legitimado para a defesa, //ex vi legis//((ALMEIDA, 2007, p. 136.)). Vigora aqui o princípio da presunção da legitimidade ad causam ativa coletiva pela afirmação do direito coletivo tutelável. Assim, bastaria a afirmação do direito ou do interesse para presumir a legitimidade, sendo desnecessária a busca pela real titularidade do direito coletivo alegado((ALMEIDA, 2007, p.34-35.)). \\ ====A desistência da Ação Civil Pública e a proibição de seu abandono==== \\ O artigo 5º, § 3º, da LACP((“**Lei de Ação Civil Pública** - Art. 5º, § 3°: Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.”)) prevê o princípio da desistência motivada da ação civil pública e a proibição de seu abandono. A desistência da ação civil pública poderá ocorrer; contudo, caberá ao autor legitimado motivar sua decisão. Se forem infundadas as razões expostas, qualquer outro colegitimado ativo, ou o Ministério Público (desde que não seja o autor), assumirá o polo ativo da ação. Por isso, considerando que a sistemática da LACP não admite o abandono da ação civil pública, haveria incompatibilidade no reconhecimento da //contumácia das partes// (art. 267, II, do CPC) ou da //contumácia do autor// (art. 267, I, do CPC), afastando-se, por tais motivos, a possibilidade de extinção do processo sem resolução de mérito. No tocante ao Ministério Público, nada impede que desista da ação intentada. O órgão ministerial não está obrigado a assumir a titularidade da ação civil pública, pois possui a independência funcional que preserva seu convencimento. Contudo, o Ministério Público deverá justificar adequadamente a recusa em prosseguir na demanda, cabendo ao juiz, caso discorde, aplicar por analogia o disposto no artigo 28 do CPP((Em sentido contrário, dizendo caber o controle da desistência ou abandono da ação civil pública pelo Ministério Público ao CSMP: MAZZILLI, 2002, p. 338-339.)), com remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. A mesma solução vale para a hipótese de abandono da ação pelo órgão ministerial. \\ ====Legitimidade ativa do Ministério Público na Ação Civil Pública==== \\ O Ministério Público é instituição essencial à função jurisdicional, compreendida como uma das funções primordiais do Estado. Extrai-se do desenho constitucional da Instituição o seu dever de tutelar os direitos fundamentais, o regime democrático e a ordem jurídica vigente (art. 127, //caput//, da CF/88). Como corolário desse perfil de defesa social e dos interesses mais elevados da sociedade, a legitimação do Ministério Público ecoa na [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm|Lei nº 7.347/85]] (art. 5º, I) como verdadeira imposição constitucional a proteger os direitos e interesses transindividuais. O artigo 5º da LACP, em acatamento ao comando traçado no art. 129, § 1º, da CF/88, ratifica, pois, no plano infraconstitucional, a legitimidade do Ministério Público no processo coletivo, o qual se apresenta como //concorrente//, uma vez que subsiste ao lado de outros entes igualmente legitimados. É //disjuntiva//, porquanto cada colegitimado ativo poderá vir a juízo, isoladamente, sem a companhia dos demais. Neste particular, assume o Ministério Público, no processo coletivo, a função primordial de guardião da sociedade (//custos societatis//) e guardião da lei (//custos juris//) em face do alcance social a ser tutelado pela via coletiva, não se limitando à mera atividade de //custos legis//((ALMEIDA, Gregório Assagra de. **Direito processual coletivo brasileiro**: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 512)). Também é //exclusiva// a legitimidade coletiva ativa na ação civil pública, pois somente aos entes indicados na lei ou extraídos do sistema jurídico é permitido aforar a ação. Os interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, com origem fática ou jurídica comum, divisíveis, poderão ser tutelados coletivamente (art. 81, parágrafo único, III, do CDC) pelo Ministério Público, em face do //reconhecimento do microssistema da tutela jurisdicional coletiva// entre o CDC (art. 90) e a LACP (art. 21), não obstante a marcante carga de individualidade no compartilhamento dos prejuízos suportados pelos titulares, cuja identidade de origem, contudo, transborda para o terreno do interesse social, compatível com a atuação finalística da Instituição. Ressalte-se que a tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos repousa em interesse social, com a finalidade de evitar: a dissipação dos lesados; os provimentos jurisdicionais contraditórios advindos da fragmentação das inúmeras lides; o abarrotamento de processos no Poder Judiciário, com proliferação de ações individuais, causando o retardamento da prestação jurisdicional e o desprestígio da justiça, além de desequilíbrio e insegurança sociais; a ausência de economia de despesas e de otimização de tempo do Estado na sua relevante função de dizer e realizar o direito. Na tutela jurisdicional coletiva irradia o //princípio do máximo benefício//, consistente na resolução, num só processo, de variados conflitos interindividuais ou de um forte conflito social, tanto que o CDC, no § 3º do artigo 103((“**Código de Defesa do Consumidor** - Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: [...] § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99”.)), prevê expressamente a transferência da coisa julgada coletiva, oriunda da tutela metaindividual, para a seara individual. Vale destacar que a ação civil pública, vocacionada para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados aos direitos ou interesses coletivos, em sentido amplo, poderá tutelar também, com fundamento no artigo 127, //caput//, da Carta Magna, //clausula mater// da estrutura constitucional do Ministério Público, os interesses individuais indisponíveis((Sobre o tema, consultar: ALMEIDA, Gregório Assagra de. Legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais indisponíveis, mesmo quando vise à tutela de pessoa individualmente considerada. **De Jure**: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v.8, p.596-621, 2007.)). A legitimação do Ministério Público na defesa de direitos e interesses individuais puros indisponíveis, tutelando direito alheio em nome próprio, será extraordinária. Ainda no escólio de Gregório Assagra de Almeida((ALMEIDA, 2007, p. 605.)), os fundamentos dessa legitimação devem ser extraídos de forma abrangente, a partir da leitura e interpretação do artigo 127, //caput//, da CF, com base nas orientações neoconstitucionalistas, dentro das quais o sistema constitucional é concebido de forma aberta e irradiante da eficácia extraída, principalmente, da teoria dos direitos fundamentais. Considerando que a ação civil pública é voltada para a proteção coletiva, nada impedirá que a tutela individual pura indisponível seja aviada como verdadeira ação individual proposta pelo Ministério Público, como legitimado extraordinário. A denominação de ação civil pública será individual, repita-se, e liga-se à qualidade da parte processual da Instituição autora, e não ao seu objeto material. A doutrina e a jurisprudência já consolidaram o entendimento de que não é a nomenclatura que confere a natureza da ação, mas a pretensão deduzida. Por isso, ainda que a ação civil pública seja concebida, originariamente, para a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, é secundária a denominação da ação no caso de proteção dos direitos individuais puros indisponíveis, uma vez que se afigura uma ação individual (com objeto individual indisponível), com ampla legitimidade ministerial para sua tutela, em conformidade com o art. 127, caput, da Constituição da República, e não pela regra do art. 129, III, ou do art. 5º, I, da [[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347Compilada.htm|Lei nº 7.347/85]]. Nesses termos, pode-se afirmar que será irrelevante a natureza jurídica da ação civil pública na defesa dos direitos individuais indisponíveis, porquanto tem o Ministério Público legitimidade de cunho constitucional para sua defesa, podendo aplicar à ação civil pública normas ou princípios peculiares da ação coletiva, por força dos artigos 201, V, e 212, ambos do ECA, e do art. 21 da LACP, em casos de defesa da saúde de criança ou adolescente((Nesse sentido: **TJMG** – [[http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0220.05.978293-2%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar|Reexame Necessário n. 10220059782932001]] – Rel. Des. Geraldo Augusto, j. 30.03.2006.)). No tocante ao estudo da indisponibilidade, vale trazer à colação o que preleciona Antônio Cláudio da Costa Machado((MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. **A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro**. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 64.)), quando classifica a //indisponibilidade// em //objetiva// ou //subjetiva// com reflexos na intervenção do Ministério Público no processo, infundindo nesses atributos relevância social. O direito é //objetivamente indisponível// quando o fator a ser considerado se cinge à relação jurídica existente, independentemente de quem seja o seu titular (//v.g.//, questão de estado). Será considerado direito //indisponível subjetivo//, ao contrário, quando este se ligar a um dos titulares da relação jurídica, como é o caso de ações que envolvam interesse de incapaz ou de idosos, todos pessoalmente considerados. A tutela coletiva, indisfarçavelmente, abriga a indisponibilidade dos direitos, por exemplo, na tutela dos interesses difusos, em que se verifica ampla indisponibilidade. Nos demais direitos tutelados pela via coletiva, com maior ou menor extensão, igualmente viceja a indisponibilidade, o mesmo ocorrendo com os direitos individuais homogêneos, podendo externar-se, de modo subjetivo, com alcance coletivo (//v.g.//, pessoas portadoras de necessidades especiais, com dimensão coletiva). \\