=====2.2. Competência dos tribunais para julgamento dos crimes envolvendo prefeitos===== \\ A competência dos Tribunais Estaduais é definida nas Constituições de cada Unidade Federativa((§ 1º, do art. 125, CF.)). Nos termos do disposto no art. 106, I, “a”, da Constituição de Minas Gerais, compete ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os Prefeitos Municipais, nos crimes comuns e de responsabilidade. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por meio de suas cinco Câmaras Criminais, tem competência para processar e julgar os prefeitos municipais nos crimes comuns, inclusive aqueles afetos aos juizados especiais, e nos chamados crimes de responsabilidade, previstos no Decreto-Lei nº 201/67. Não é competente, no entanto, para processar e julgar os referidos agentes políticos, nas hipóteses de crimes eleitorais, militares e aqueles afetos à Justiça Federal comum.((Nesses casos, os prefeitos serão julgados pelo Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal de Justiça Militar e Tribunal Regional Federal, respectivamente.)) Nesse particular, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 109, IV, enuncia a competência //ratione materiae// da Justiça Federal comum para julgar crimes de natureza política e em detrimento de bens, serviços e interesses da União, no que dispõe: >>"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: >>[...] IV - Os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral". Todavia, entendimentos sumulados pelo Superior Tribunal de Justiça flexibilizaram e, por conseguinte, restringiram o alcance da regra contida no art. 109, IV, da Constituição da República. Assim, em razão da matéria, a competência para julgar os crimes cometidos por prefeitos tem tido como parâmetro a identificação do órgão fiscalizador e a incorporação ou não dos recursos ao patrimônio do ente municipal. Segundo o enunciado contido na súmula 208, compete, em tese, aos Tribunais Regionais Federais, julgar prefeito por desvio de verba federal de natureza voluntária((LRF “Art. 25 - Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”.)), destinada à aquisição de bens, a prestação de serviços públicos ou de interesse da sociedade, //sujeita à fiscalização de órgão federal//. \\ **Súmula 208**: >>"Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal". Portanto, o membro do Ministério Público deverá estar atento para às seguintes questões: * 1) O prefeito, estando à frente da Administração Pública Municipal, independentemente da natureza do crime e da ocasião em que foi cometido, será julgado pelo Tribunal de Justiça, com as exceções acima referidas (crimes eleitorais, militares e aqueles afetos à Justiça Federal comum). * 2) Deixando o cargo, o processo será remetido ao juízo criminal de primeira instância, no estado em que se encontrar, onde passará a tramitar até julgamento final. Reassumindo o exercício do mandato, a tramitação retornará a uma das câmaras criminais e assim por diante. Nessa linha de raciocínio, no transcorrer do mandato, a tramitação do processo obedecerá ao rito previsto na Lei nº 8.038/90, que institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, findo o exercício do cargo, a ação penal ajuizada prosseguirá no juízo criminal de primeira instância, no rito previsto no Código de Processo Penal. Considerando que uma ação penal intentada contra um chefe do Poder Executivo pode tramitar por período superior ao de um mandato ou dois subsequentes, dúvidas podem surgir sobre o procedimento a ser adotado pelo Órgão do Ministério Público e pelo próprio Magistrado ao receberem os autos da Instância Superior. Citemos um exemplo: a Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio da Procuradoria de Justiça de Combate aos Crimes Praticados por Agentes Políticos Municipais (PJCCAP), oferece denúncia contra um prefeito municipal no penúltimo ano do mandato, por crime praticado durante sua gestão. Conforme previsto nos artigos 4º a 6º da Lei nº 8.038/90, é realizado o contraditório preliminar, com a notificação do denunciado para apresentação de resposta e, após manifestação do Ministério Público sobre os documentos que acompanharam a peça de defesa, a denúncia é recebida pela Câmara Criminal e o réu é interrogado. Nessa fase processual termina o mandato do incriminado e o Tribunal determina a remessa dos autos ao juízo criminal de primeira instância. Pergunta-se: há necessidade de repetição ou mesmo ratificação dos atos praticados? A resposta correta é não, uma vez que a tramitação da ação penal no Tribunal obedeceu ao rito processual próprio da Lei nº 8.038/90, na ocasião em que o inculpado detinha direito ao foro por prerrogativa de função. O mesmo ocorrerá no sentido inverso: se o Promotor de Justiça oferece denúncia contra um cidadão comum, pela prática de delito previsto no Código Penal, ou mesmo por ilícito praticado em sua gestão anterior como prefeito, tipificado no Decreto-Lei nº 201/67 e, após o recebimento da denúncia, o denunciado assume novamente o exercício do cargo, o Tribunal de Justiça, por meio de uma de suas Câmaras, não repetirá ou ratificará os atos praticados por juízo então competente. O Desembargador Relator ordenará a realização dos demais atos previstos na Lei nº 8.038/90. Se, por hipótese, a instrução estiver encerrada, o Tribunal realizará apenas o julgamento, ordenando inicialmente a intimação das partes para oferecimento de alegações finais se a providência ainda não fora adotada na primeira instância. No Processo-crime de Competência Originária nº 1.0000.05.425456-0/000, relativo a homicídio envolvendo Prefeito Municipal, em tramitação junto ao Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça Mineiro, o Desembargador Relator, Herculano Rodrigues, em decisão monocrática, assim se manifestou: >>"[…] consoante o disposto no artigo 21 do Regimento Interno deste Tribunal, compete ao Grupo de Câmaras Criminais julgar, como Câmara Especializada, os processos criminais contra prefeitos municipais por crimes dolosos contra a vida, pelo que acertada, também, a redistribuição do processo – inicialmente enviado pela Câmara isolada – neste Grupo de Câmaras. >>Destarte, regularmente distribuída a ação penal, de se dar prosseguimento ao feito, sob o rito previsto na Lei nº 8.038/90 e no Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. >>Desnecessária, data venia, a ratificação dos atos processuais anteriormente praticados, sugerida pela douta Procuradoria de Justiça à fl. 213. >>De se considerar, aqui, em se tratando de superveniência de competência hierárquica, por prerrogativa de função – de aplicação imediata aos processos pendentes -, que os atos anteriores, mesmo os decisórios, foram praticados pelo juiz natural, constitucionalmente competente à época, segundo o rito então aplicável. Esta a orientação do Supremo Tribunal Federal (HC 76.892-0, j. 18.08.1998, **DJ** 16.04.1999) [...]". A decisão do STF mencionada pelo Eminente Desembargador Herculano Rodrigues possui a seguinte ementa: >>"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES IMPUTADOS A EX-PREFEITO MUNICIPAL – ARTIGOS 319, 314 E 312 DO CÓDIGO PENAL. DENÚNCIA POR PROMOTOR DE JUSTIÇA, RECEBIDA POR JUIZ DE 1º GRAU, ANTES DO ADVENTO DA C.F. DE 1998. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA SUPERVENIENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (ART. 29, x, DA C.F.) VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS, INCLUSIVE A PRÓPRIA DENÚNCIA". Vê-se, portanto, que a decisão de Sua Excelência, respaldada inclusive em precedente do STF, é clara no sentido de que não há que se falar em repetição ou mesmo ratificação dos atos processuais realizados na ocasião em que o réu, Chefe do Poder Executivo, era detentor do direito ao foro por prerrogativa de função. O mesmo ocorrerá no sentido inverso, isto é, se o agente político perder o cargo durante a tramitação da ação penal. Nada impede, no entanto, que o magistrado, a seu talante, realize novo interrogatório.((Art. 196 do CPP.)) \\