=====3.3. Reconhecimento legal e a efetiva fruição individual de direitos metaindividuais===== \\ O tema do acesso à Justiça((Veja a lição da doutrina francesa, em relação ao consumidor: //“Tout citoyen qui s’estime lésé a théoriquement la liberté de saisir un tribunal pour obtenir justice. Mais il s’agit là d’une liberté toute formelle, dont l’exercice est entravé par le poids des réalités. Parmi les consommateurs qui ont des griefs envers les professionnels, rares sont ceux qui intentent individuellement une action en justice. Des obstacles les dissuadent de le faire: raisons psychologiques, la difficulté de savoir quel est le tribunal compétent, la complexité de la procédure, l’ésotérisme du langage juridique, jusqu’à la robe des magistrats et des avocats, font naître chez le simple citoyen l’impression que la justice est un monde à part où il vaut mieux ne pas s’aventurer; la lenteur de la justice; le coût du procès”.// (CALAIS- AULOY, Jean.**Droit de la Consommation**. 3. ed., Paris: Dalloz, 1992. p. 353-354).\\ A esse respeito: “O sistema judicial não está suficientemente aparelhado para solucionar o grande número de litígios que decorrem das relações de consumo. A garantia constitucional de acesso ao serviço público prestado pelo poder judiciário amiúde se frustra. Barreiras de toda ordem nos impedem de ter acesso ao serviço jurisdicional, impossibilitando a concretização dos direitos conferidos pela ordem jurídica, comprometendo ainda mais o combalido sentimento jurídico do povo e agravando o fenômeno da anomia social. Fatores econômicos, culturais, psicológicos, dentre outros, impedem que a maior parte da população tenha assegurado seu direito de acesso ao serviço jurisdicional” (COSTA, Geraldo de Faria Martins da.Acesso frutífero à Justiça e a realização dos direitos in **Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais**, nº 1, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1997. p. 53).)) ganha grande impulso em todo o mundo e, no Brasil, sobretudo a partir de 1985, ano da entrada em vigor da revolucionária Lei nº 7.347/85, destinada principalmente a formalizar a defesa processual do interesse coletivo dos cidadãos((Por todos, conferir: ALMEIDA, Gregório Assagra.**Direito processual coletivo brasileiro**. São Paulo: Saraiva, 2003.)). Em 1990, o Código de Defesa do Consumidor trouxe consigo regras processuais específicas tendentes a integralizar o sistema processual de defesa de qualquer interesse coletivo (difuso, coletivo em sentido estrito e individual homogêneo). Diversos matizes detalham os interesses coletivos previstos em leis específicas sobre: meio ambiente, agrotóxico, consumidor, valores culturais, deficientes físicos, criança e adolescente, idoso, ordem urbana, ordem econômica, patrimônio público. Compreendeu-se que os paradigmas processuais individualistas não são adequados ao enfrentamento dos macroproblemas metaindividuais e econômicos dos tempos industriais, complexos e massificados em que vivemos. Disso decorre a necessária busca de macrossoluções jurídicas para as crescentes e muito complexas demandas sociais. Repita-se: vivemos os tempos da complexidade((Nesse sentindo, conferir: DIEBOLT, Serge.**Le droit en mouvement – Eléments pour une compréhension constructiviste des transformations complexes des systèmes juridiques**. Thése: Paris X, 2000.)). A lesão ao interesse individual pode ser considerada insignificante, se vista isoladamente. Entretanto, ela assume enorme vulto se observada globalmente: a mesma lesão que atinge um indivíduo geralmente alcança milhares de pessoas((Nesse sentido: COSTA, Geraldo de Faria Martins da.**Consumidor e profissional**: contraposição jurídica básica. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 29.)), por exemplo, nos casos de danos provocados por um produto defeituoso (um medicamento, um brinquedo, um automóvel), por uma publicidade enganosa, por uma cláusula abusiva inserida em um contrato, ou no caso de um dano ao meio ambiente ou ao patrimônio público. Os novos paradigmas processuais de acesso coletivo frutífero à Justiça evoluem paulatinamente. Os profissionais do Direito que operam diretamente no dia a dia forense sabem que as mudanças propostas pela nova legislação ocorrem em perspectiva histórica, isto é, alguns profissionais do Direito e tantos outros agentes econômicos não estão ainda familiarizados com as historicamente novas noções de interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos. Com algumas notas doutrinárias, procuraremos esclarecer as diferenças entre essas noções. A marca da indisponibilidade desses interesses ajuda-nos nesse esclarecimento. Vejamos, então, as distinções entre esses interesses (B) para, a seguir, sublinharmos a sua marcante indisponibilidade (C), e, logo, propormos uma conclusão (D). \\ ====As distinções entre os interesses coletivos em sentido amplo==== \\ Analisando decisões judiciais relativas aos interesses coletivos, Nelson Nery Júnior explica que “os conceitos e diferenciações entre interesses difusos e coletivos encontram-se em pleno desenvolvimento doutrinário, nada havendo, ainda, de caráter definitivo sobre essas duas realidades((NERY JÚNIOR, Nelson. **Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto**. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 621.))”. A codificação da matéria permanece intensamente discutida((Veja, por todos, ALMEIDA, Gregório Assagra.**Codificação do direito processual coletivo brasileiro**. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.)). A primeira distinção a ser feita é entre interesses individuais e interesses coletivos. Nosso Direito, que tutelava apenas os primeiros, só recentemente passou a dedicar-se às questões transpessoais ou metaindividuais. O interesse ou direito individual é aquele que claramente se liga a um determinado sujeito. É o direito subjetivo, o interesse relacionado a pessoa certa, individualizada. Já o interesse coletivo, conforme indica o próprio nome, relaciona-se necessariamente a uma coletividade ou grupo de pessoas. Ao estudá-lo, a doutrina criou uma série de classificações, e o legislador, no Código de Defesa do Consumidor (CDC), dividiu-os em difusos e coletivos. Além disso, resolveu tratar, como coletivos, os interesses individuais decorrentes de origem comum, denominando-os //individuais homogêneos//. Kazuo Watanabe diz que os primeiros são //essencialmente coletivos// (CDC, art. 81, parágrafo único, incisos I e II) e os interesses individuais homogêneos são de //natureza coletiva apenas na forma em que são tutelados//((WATANABE, Kazuo.**Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto**. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. p. 503.)). Três aspectos destacam-se na caracterização dos interesses difusos, conceituados pelo art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC: a indeterminação dos titulares; a inexistência de relação jurídica base; a indivisibilidade do bem jurídico. Derivado do latim //diffusus//, o adjetivo //difuso// é usado com o significado de //disperso, espalhado//. Difuso, portanto, é aquele interesse que se relaciona a pessoas indeterminadas, dispersas, espalhadas. Outra característica é a inexistência de uma relação jurídica base. Os titulares, conforme a definição legal, são pessoas //ligadas por circunstâncias de fato//. Em matéria contratual, por exemplo, identificamos facilmente a presença de interesses difusos na fase pré-negocial, pois a oferta é dirigida a pessoas indeterminadas e ainda não se formou a relação jurídica base (vínculo contratual). Tais interesses serão sempre indivisíveis. Não há como identificar titulares de quotas ou parcelas do interesse difuso. Na conhecida definição de Barbosa Moreira, “a satisfação de um só implica, por força, a satisfação de todos, assim como a lesão de um só constitui,//ipso facto//, lesão da inteira coletividade((MOREIRA, José Carlos Barbosa.**A legitimação para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro**. RF n. 276/1.))”. Cuidando ainda de interesses metaindividuais, o CDC trata, no art. 81, parágrafo único, inciso II, dos chamados interesses coletivos. A leitura do //caput// do art. 81 e de seu parágrafo único, em contraposição ao texto do inciso II, mostra que a expressão //coletivos// foi, nesse último, utilizada em sentido estrito, referindo-se a uma das espécies de interesse que poderá receber proteção a título coletivo. Trata-se de mais uma espécie de interesses essencialmente coletivos, que se distinguem dos interesses difusos porque eles têm, como titulares, os grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. As principais características dos interesses coletivos em sentido estrito são: a possibilidade de determinação de seus titulares; a existência de uma relação jurídica base que liga os titulares entre si ou com a parte contrária; a indivisibilidade do bem jurídico tutelado. Os interesses coletivos em sentido estrito relacionam-se a grupos, categorias ou classes de pessoas. Por isso serão sempre determinados – ou, ao menos determináveis – seus titulares. Filiadas a associações, clubes, sindicatos, as pessoas podem estar unidas, entre si, por uma relação jurídica base, sendo titulares de interesses coletivos. Em outras situações, os indivíduos estarão vinculados, por uma relação jurídica base, com a parte contrária. É o caso, por exemplo, dos alunos de uma mesma escola ou os contratantes de uma mesma companhia seguradora. Eles não mantêm, entre si, nenhum vínculo jurídico, mas ligam-se com a parte contrária, através de idêntica ou semelhante relação jurídica base. Na sociedade da complexidade, os prejuízos individualmente sofridos são iguais ou semelhantes aos de muitos outros indivíduos. Imaginemos, então, milhares de vítimas de um acidente de consumo causado por um medicamento defeituoso ingressando em juízo individualmente, postulando reparação de danos. Teria nosso sistema judicial capacidade para absorver tantas demandas? A proposta para solução desse problema veio com a historicamente nova disciplina processual da Lei nº 8.078/90, que autoriza a tutela coletiva de interesses individuais. Adaptando ao Direito brasileiro o sistema das //class actions for damages// ou dos //mass tort cases// do sistema do //common law//, o CDC permite que interesses individuais sejam protegidos como coletivos((GRINOVER, Ada Pellegrini.A Ação Civil Pública e a Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos. **Revista de Direito do Consumidor**. São Paulo: RT, n. 5, jan-mar 1993. p.209.)) Trata-se dos //interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum// (art. 81, parágrafo único, III). O magistrado gaúcho Teori Albino Zavascki, no conhecido estudo intitulado //O Ministério Público e a Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos//, mostra que tal categoria de interesses já era tutelada pelo nosso Direito. A novidade, introduzida pelo CDC, foi a denominação – //interesses individuais homogêneos//: >>Além da prevista no Código do Consumidor, há outras hipóteses de legitimação do Ministério Público para defender, em forma coletiva, direitos de natureza individual: a da Lei nº 7.913, de 7/12/89, para propor ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários e a do art. 46 da Lei nº 6.024, de 13/03/74, para propor ação de responsabilidade pelos prejuízos causados aos credores por ex-administradores de instituições financeiras em liquidação ou falência. Nas três hipóteses – danos decorrentes de relações de consumo, de investimentos em valores mobiliários e de operações com instituições financeiras – os direitos lesados são por natureza individuais, divisíveis e disponíveis((ZAVASCKI, Teori Albino. O Ministério Público e a Defesa de Direitos Individuais Homogêneos. **Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul**. São Paulo: RT, 1993. p. 30.)). Mais adiante, no mesmo texto, o Juiz gaúcho mostra que tal atribuição está em conformidade com o perfil constitucional estabelecido para o Ministério Público: >>Com efeito, é a própria Constituição que estabelece que a defesa dos consumidores é princípio fundamental da atividade econômica (CF/88, art. 170, V), razão pela qual deve ser promovida, inclusive pelo Estado, em forma obrigatória (CF, art. 5º, XXXII). Não se trata, obviamente, da proteção individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva dos consumidores, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal. O mesmo se diga em relação aos poupadores que investem seus recursos no mercado de valores mobiliários ou junto a instituições financeiras. Conquanto suas posições subjetivas individuais e particulares possam não ter relevância social, o certo é que quando consideradas em sua projeção coletiva passam a ter significado de ampliação transcendental, de resultado maior que a simples soma das posições individuais. É de interesse social a defesa destes interesses individuais, não pelo significado particular de cada um, mas pelo que a lesão deles, globalmente considerada, representa em relação ao adequado funcionamento do sistema financeiro que, como se sabe, deve sempre estar voltado às suas finalidades sociais de ‘promover o desenvolvimento equilibrado do País e de servir os interesses da coletividade’ (CF/88, art. 192). Não será difícil concluir, de todo o exposto, que a legitimação do Ministério Público para a defesa de //direitos individuais homogêneos// dos consumidores e dos investidores no mercado financeiro, estabelecida nas Leis nº 6.024/74, 7.913/89 e nº 8.078/90, é perfeitamente compatível com a sua incumbência constitucional de defender os interesses sociais, imposta pelo art. 127, da Carta de 1988.((ZAVASCKI, 1993, p. 34.)) Ao permitir que feixes de interesses individuais sejam tratados como coletivos, o CDC facilita o acesso à Justiça, possibilitando, através da ação civil pública, a reparação dos danos individualmente sofridos. A Lei nº 7.347/85 restringia a ação civil pública à tutela de interesses difusos e coletivos por meio da ação cautelar e da ação de obrigação de fazer e não fazer. Hoje, no regime do CDC, são admissíveis todas as espécies de ação (art. 83) e, o que é mais importante, o tratamento coletivo de interesses individuais homogêneos. Atento às dificuldades que a doutrina e a jurisprudência têm tido para a caracterização dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, Nelson Nery Júnior apresenta-nos um método simples e eficaz para que se faça corretamente tal qualificação: identificar o interesse a partir da pretensão a ele relativa. Veja-se: >>A pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais. O acidente com o //Bateau Mouche IV//, que teve lugar no Rio de Janeiro recentemente, pode ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.((NERY JÚNIOR, 1992, p. 619.)) Nas ações judiciais, para identificar os interesses discutidos, devemos verificar qual //o pedido// formulado. E será comum encontrarmos, na mesma petição inicial, pedidos relativos a mais de uma espécie de interesse coletivo. Imaginemos um exemplo mais recente, como o do caso do automóvel Volkswagen Fox((No dia 20/04/2008, os grandes jornais brasileiros estampavam um comunicado da Volkswagen, que, após relutar, chamara o consumidor para corrigir um grave defeito no sistema de travamento do banco traseiro (veja //Estado de Minas// p. 20).)). Uma só sentença poderia obrigar o fornecedor a adequar o mecanismo de ampliação do porta-malas (trava do banco traseiro) de todas as unidades a serem fabricadas (interesse difuso dos futuros adquirentes ou usuários), obrigar a empresa a chamar todos os milhares de adquirentes diretos ou secundários para corrigir o defeito (interesse coletivo em sentido estrito) e ainda condenar genericamente o profissional a indenizar todos os indivíduos que tiveram o dedo mutilado ao manipular o dispositivo defeituoso (interesse individual homogêneo). Nesse último aspecto, a sentença condenatória genérica poderia ser executada por iniciativa de cada indivíduo, através do processo de liquidação por artigos (provando-se fatos específicos). Não importa se seriam cinco ou seis ou sete ou trezentas as vítimas do acidente, ou se estas residiriam em São Paulo ou Manaus: todas estariam protegidas por normas jurídicas materiais e processuais de ordem pública e interesse social. Todo indivíduo que se encontrasse na situação jurídica declarada na sentença poderia fruir concretamente do direito que lhe fosse devido. \\ ====A marcante indisponibilidade dos interesses coletivos==== \\ Como dito, as regras processuais do CDC contribuem para a integração do sistema processual de defesa de qualquer interesse coletivo, conforme o disposto no art. 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85, com a redação determinada pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. O art. 1º, CDC, anuncia que todas as suas normas são de //ordem pública e interesse social// e que elas decorrem da ordem constitucional econômica de proteção (CF/88, art. 170, V). Ou seja, suas normas são cogentes, indisponíveis. Eros Roberto Grau aponta a ambiguidade contida nas expressões //ordem pública, ordem privada, ordem econômica e ordem social//. Todavia, traça conceito elucidativo do que podemos entender por //ordem pública// ou por //normas de ordem pública//: >>A expressão ordem pública, não obstante, ganha sentido bem definido ao referir o conjunto de normas cogentes, imperativas, que prevalece sobre o universo das normas dispositivas de direito privado (SAVATIER, René,**La théorie des obligations**, p. 165-ss.). Daí, outra expressão,//lei de ordem pública//, isto é, norma jurídica que impacta sobre o universo das relações jurídicas privadas, de modo impositivo((GRAU, Eros Roberto.**A ordem econômica de 1988** (interpretação e crítica), 2. ed. São Paulo: RT, 1991, p. 63.)). É evidente o alcance social das normas processuais de proteção dos interesses coletivos em sentido lato (difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos). Nesse sentido, a lição de Ada Pellegrini Grinover: >>Muito embora a Constituição atribua ao MP apenas a defesa de interesses individuais indisponíveis (art. 127), além dos difusos e coletivos (art. 129, III), a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos levou o legislador ordinário a conferir ao MP a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX). >>A dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja o seu objeto, insere-se sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da CF/88.((GRINOVER, 1993, p. 213.)) Miremos o exemplo de uma ação de conhecimento cujo pedido vise simplesmente ao reconhecimento dos direitos de consumidores que, cientes de uma decisão judicial de mérito, poderão decidir pela re-ratificação – ou não – de um contrato de adesão contendo cláusulas abusivas. Nessa hipótese, a lição de Ada Pellegrini Grinover é esclarecedora: >>O reconhecimento de direitos aos indivíduos deflui do sistema normativo – e, antes mesmo, do direito natural – sem que se leve em consideração a autonomia da vontade. O direito à vida, à saúde, à segurança, ao ambiente, à propriedade; os direitos dos consumidores, dos contribuintes, dos usuários dos serviços públicos, etc., são assegurados pela Constituição e pelas leis, independentemente da vontade dos beneficiários. Somente quanto à sua efetiva fruição, é que depende ela da vontade e da iniciativa do titular. >>Ora, a tutela jurisdicional dos interesses (ou direitos) individuais homogêneos, no sistema brasileiro, obedeceu rigorosamente a essa distinção. A ação coletiva, ajuizada pelo órgão público ou pelos entes associativos, em nome próprio e no interesse alheio (art. 91 do CDC), leva simplesmente a uma sentença condenatória genérica, que reconhece a existência do dano e estipula o dever de indenizar (art. 95 do CDC). >>Cessa, aqui, a substituição processual dos entes legitimados à ação coletiva dos arts. 91 a 100 do CDC. >>A seguir, a liquidação e a execução da sentença, pelas vítimas ou seus sucessores, será promovida diretamente por estes, ou pelos legitimados às ações coletivas, mas agora a título de representação((GRINOVER, 1993, p. 218)). A possibilidade de uma só sentença garantir o acesso de centenas – às vezes de milhares – de indivíduos à Justiça constitui-se no mais importante instrumento jurídico de proteção dos interesses sociais. \\ ====Conclusão==== \\ Na sociedade da complexidade, os indivíduos permanecem dispersos, espalhados, distanciados dos centros de decisão econômica ou política. É o setor produtivo que determina o que vai ser consumido pelo indivíduo. Este se encontra exposto à crescente profusão de ofertas de produtos muitas vezes inseguros, inúteis ou predestinados à obsolescência rápida: a integridade física do indivíduo é ameaçada gravemente, os desequilíbrios socioambientais tornam-se insuportáveis. O contrato de adesão marca a vida do indivíduo. É o profissional fornecedor que dita a lei do contrato predisposto, que dita a sua vontade unilateral não mais a um indivíduo, mas a uma coletividade de indivíduos desorganizados. O patrimônio público é ameaçado e violado de forma despudorada. Essa problemática mostra a importância do tema do acesso coletivo à Justiça. A fragilidade do indivíduo disperso e isolado precisa de uma resposta jurídica. A legislação declara os direitos (e deveres, obviamente) de todos os indivíduos em relação ao meio ambiente, ao controle de agrotóxicos e pesticidas e à proteção do consumidor, dos valores culturais, dos deficientes físicos, da criança e adolescente, do idoso, da ordem urbana, da ordem econômica, do patrimônio público. Toda essa temática importa a todo o indivíduo, de forma expressamente reconhecida na lei. Por isso, tais assuntos são legalmente declarados de interesse social indisponível para o efeito de acesso coletivo de indivíduos titulares de direitos à Justiça. Sempre é bom dizer o óbvio: a sociedade é constituída de indivíduos, de uma diversidade de indivíduos potencialmente aptos a fruírem seus direitos. \\