=====1. Atuação penal===== \\ Se diversas são as vertentes de pesquisa que buscam conferir ao Ministério Público o rótulo de instituição voltada para a acusação penal em juízo, o certo é que os múltiplos papéis atribuídos a ele nos mais diversos países dão mostras de sua relevância como órgão constituído de defesa do Estado de Direito, sob o influxo da Revolução Francesa. De mero defensor dos interesses do Rei que remonta sua origem próxima à //Ordenance// de Felipe IV, em 1302, na França, o Ministério Público de hoje deve ser compreendido como Instituição de funções ecléticas a quem compete, especificamente na área penal, a titularidade da pretensão punitiva estatal,((Como assevera Frederico Marques, o direito de punir não pertence ao Estado-Juiz, mas ao Estado-Administração. Segundo o autor, “cabendo ao Estado-Administração a tutela penal e o exercício do direito de punir, a seus órgãos é que a lei confere o exercício da pretensão punitiva. Da administração, portanto, é a titularidade da pretensão punitiva. Esta, segundo bem o disse Calamandrei, é pretensão administrativa, mas despida de auto-executoriedade (ao reverso do que se dá com as outras pretensões administrativas), em razão do princípio do //nulla poena sine iudicio//. Portanto, para que a tutela penal e a pretensão punitiva possam ser exercidas, há órgãos estatais da Justiça Penal destinados a preparar a ação penal, a impulsionar a //persecutio criminis// e a participar dos procedimentos preliminares que compõem esta; e após a condenação do autor do crime, os órgãos destinados à execução penal. Funções se repartem, portanto, na Justiça Penal, entre os seus órgãos administrativos, para preparar-se a ação penal e fazer efetiva e concreta a pretensão de punir. Todavia, como a atividade preparatória da //persecutio criminis// vai levar à propositura da ação penal, com o pedido de julgamento favorável da pretensão punitiva por meio da acusação; e como o titular da ação penal é o Ministério Público, dúvida não há de que, ao formular a acusação, esse órgão está agindo como titular, também, da pretensão punitiva. A afirmativa de Giuliano Vassali e outros, de que o juiz penal é órgão do direito de punir e da pretensão punitiva, não tem o menor fundamento e não pode, por isso, ser aceita. (MARQUES, José Frederico. **Tratado de direito processual penal**. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 2, p. 63-64).)) sem prejuízo da defesa dos direitos fundamentais do investigado e do acusado. Se o Estado de outrora era policialesco e buscava na repressão penal uma afirmação de Poder, hoje, a busca da punição dos responsáveis pela prática de um fato-crime deve corresponder, em igual medida, à lisura de um processo que se paute pelo respeito à Ordem Constitucional, de tal forma que se desigualdade houver entre acusação e defesa no curso da persecução penal, ela deve ser marcada unicamente pela intensidade da culpa do agente. Segundo o art. 127 da Constituição Federal de 1988, compete ao Ministério Público “[...] a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, sendo essa uma diretriz que deve nortear a compreensão de todas as demais funções ministeriais na área penal, mormente a promoção da ação penal pública em juízo. Daí que o Ministério Público de hoje, embevecido pela matriz constitucional que assegura direitos e garantias e que o aponta como ferrenho defensor deles, tem por dever atuar como parte a quem verdadeiramente interessa uma decisão justa, qual seja a que, conhecendo as limitações do direito penal, busque a aplicação da norma incriminadora somente quando ocorra uma infração penal que mereça a devida retribuição.((“Interessando à comunidade jurídica não só a punição de todos os culpados, mas também – e sobretudo, dentro de um verdadeiro Estado-de-direito – a punição só dos que sejam culpados, segue-se daí que ao MP, como órgão de administração da justiça, há-de competir trazer à luz não só tudo aquilo que possa demonstrar a culpa do argüido, mas também todos os indícios da sua inocência ou da sua menor culpa”. (DIAS, Jorge de Figueiredo. **Direito processual penal**. Reimp. 1. ed. Coimbra, 2004. p 369).)) Investigações mendazes levam à propositura de ações penais precipitadas e à inflação de processos, muitas vezes desnecessários, que acabam assoberbando o Poder Judiciário com demandas falidas, não enquadradas, do ponto de vista da tipicidade material, a nenhuma norma incriminadora. É preciso valorizar o processo, não apenas no sentido de que seja ele o instrumento adequado para uma final punição do culpado, mas também para que revele a justa punição, sem que haja, no entanto, arrefecimento algum no exercício do //jus puniendi//. Daí a necessidade da propositura de ações penais lastreadas em prova, ainda que incipiente, e de uma precisa delimitação do fato típico, com todas as suas circunstâncias, sem prejuízo da objetividade. Como disserta Ferrajoli, >>[...] a acusação contestada deve ser formulada em termos unívocos e precisos, idôneos para denotar exatamente o fato atribuído e a vincular a ele, contra a indeterminação do antigo processo inquisitório, o objeto do juízo e da sentença que o conclui.((FERRAJOLI, Luigi. **Direito e razão**: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 558.)) Ao Promotor criminal não é dado ignorar que o Ministério Público representa, outrossim, o acesso das vítimas ao Poder Judiciário e, por isso, é seu dever requisitar a instauração de inquéritos policiais e fiscalizar, efetivamente, todo o curso das investigações, sendo assim possível sustentar em juízo a versão mais próxima possível da realidade histórica. Sobre outro aspecto, e como introdução às praticas de atuação desenvolvidas nas seções seguintes, o membro do //parquet// deve primar pela técnica e conhecer que o direito de ação é público e subjetivo,((Como subjetivo é direito à suspensão condicional do processo, o qual, por isso, deve ser abordado quando da denúncia, seja no sentido de afirmá-lo, seja no sentido de negá-lo, sempre de forma justificada.)) exercido por isso contra o Estado e não contra a pessoa do acusado, mas sim em face dele. E diante dessa técnica exigida, ele tem por obrigação postular a realização da prova, a mais ampla possível, não prescindindo da palavra da vítima e das perícias que lei processual determina sejam realizadas em se tratando de crimes não transeuntes, que deixam vestígios. Apesar de parte processual, o Ministério Público em exercício na área criminal deve ter sempre em mente que também é fiscal da lei e por isso deve obediência a prazos – que incluem a proibição de dilações desnecessárias – e a práticas que conduzam sempre ao fiel cumprimento daquela, como, por exemplo, a fiscalização do //quantum// de pena, do regime inicial de seu cumprimento e de seus efeitos, dentre os quais a perda de função pública e a suspensão de direitos políticos, isso, é claro, se advindas de uma condenação precedida de um justo processo, nos moldes constitucionais. Compete, assim, ao Promotor criminal, agir como efetivo Promotor de Justiça, na mais pura acepção da palavra "justiça", nunca se esquecendo de pautar sua conduta pela matriz constitucional que não apenas lhe conferiu uma imensa gama de atribuições, mas também lhe depositou a confiança na prestação de suas funções com denodo e responsabilidade. A sociedade passa por profundas transformações, em intersubjetivos, cada vez mais complexos, caracterizam-se como metaindividuais, e exigem condutas capazes de melhor adequar o direito às novas demandas sociais, nunca antes tão relacionadas à defesa dos direitos humanos como hoje. Em busca da otimização do objetivo geral do capítulo, qual seja o de apresentar diretrizes para uma uniformização da atuação funcional do Ministério Público mineiro na área criminal, a exposição será dividida em duas seções; a primeira aborda o agir ministerial na fase pré-processual e a segunda, não menos importante, na fase processual propriamente dita. \\ * [[:cap8:8-1-1|1.1. Recebimento de "notitia criminis"]] * [[:cap8:8-1-2|1.2. Recebimento de inquérito policial]] * [[:cap8:8-1-3|1.3. Fase processual]] \\