=====3.1. Por que o homem usa drogas?===== \\ Desde os primórdios da humanidade, o homem faz uso das drogas, fato constatado por nossos historiadores, como nos dá notícia Tarso Araújo: >>“Antropólogos, arqueólogos e outros estudiosos do assunto, admitem que o homem tenha usado plantas alucinógenas para se embriagar ainda no Paleolítico superior, entre 40 e 10 mil anos atrás, conforme sugerem algumas pinturas em cavernas da Idade da Pedra. Não é possível provar isso com evidências diretas, porque as drogas eram feitas de plantas, fungos e outras substâncias orgânicas que não se preservam por tanto tempo. As únicas pistas que sobraram daquela época são esqueletos e utensílios feitos de osso, pedra ou barro. Mas os especialistas consideram extremamente improvável que o homem, vivendo da caça e da coleta por cerca de 90 mil anos, não tenha comido algumas plantas psicoativas que encontrou pelo caminho. Além disso, nos sítios arqueológicos de 8000 A.C em diante aparecem evidências mais firmes de que as plantas psicoativas já faziam parte da vida do homem nessa época. Ele usava plantas estimulantes em rituais funerários e visionárias em cultos religiosos; consumia bebidas com ópio e cultivava a papoula para produzi-lo; desenhava flores de lótus alucinógenas em vasos e fabricava cordas e tecidos com fibras de Cannabis sativa” ((ARAÚJO,Tarso. **Almanaque das Drogas**: um guia informal para o debate racional. São Paulo: Leya, 2012. p. 24)). Nesse diapasão, o emprego da droga pelo homem sempre foi justificado por diferentes motivos. Nas civilizações mais antigas, eram utilizadas pelos feiticeiros, que alegavam ser esse o meio pelo qual manteriam contatos com os deuses ou espíritos que os guiavam na solução dos diversos problemas que o povo não conseguia solucionar de outra forma. Até hoje, os xamãs utilizam a droga com tal função. No Brasil, os adeptos da seita do Santo Daime tomam o chá alucinógeno ayahuasca com essa finalidade. Francisco Bernardini Tancredi tece as seguintes considerações a esse respeito: >>“Quem se aventurar a estudar as origens do hábito de ingerir ou inalar substâncias entorpecentes, certamente se perderá num emaranhado de fatos e relatos. Um ponto importante para reflexão é que o hábito não nasceu de uma determinada cultura e nem é recente; em praticamente todas as culturas e povos encontram-se referências ao uso esporádico de drogas, principalmente durante cerimônias religiosas. Nesta última circunstância, o consumo do tóxico só era permitido ao xamã (líder religioso), que detinha a posse da droga, o direito ao seu uso ou mesmo o segredo de sua obtenção. Acredita-se que o xamã usava a droga a fim de obter um estado de dissolução da consciência que melhor lhe permitisse “invocar os espíritos”. Encarado sob o prisma da Psicologia entende-se que neste estado de turvação da consciência ele tinha os seus sentidos aguçados, e suas fantasias poderiam fluir mais livremente, dando-lhe a sensação de uma real aproximação dos poderes das entidades divinas” ((TANCREDI, Francisco Bernardini et al. A toxicomania do ponto de vista da medicina e da saúde pública. In: SANCHEZ, Amauri M. Tanucci et al. **Drogas e drogados**: o indivíduo, a família, a sociedade. 2. ed. São Paulo: Pedagógica e Universitária Ltda., 1987. p. 4)). Outra razão, nesse caso, justificável até hoje para o uso das drogas é o fato de algumas delas possuírem efeitos terapêuticos. Na Índia a //cannabis sativa lineu//, vulgarmente conhecida como maconha, era considerada um tradicional remédio contra disenteria e dor de cabeça. A cocaína sempre foi utilizada pelos povos andinos, que mascavam as suas folhas para combater a fadiga e aliviar a fome e a sede. O ópio já foi utilizado como remédio para dores e diarreia. José Guilherme Raimundo aborda tal situação: >>“As primeiras descrições do haxixe não o diferenciavam de outra droga, o ópio, igualmente usada pelos médicos árabes. E até que aparecesse outro analgésico eficaz, o ópio seria muito empregado na medicina, o qual parecia ter mais capacidade de aliviar a dor e a ansiedade do que sua propriedade de criar dependência. Esse amplo emprego na medicina faria com que o ópio se estendesse como vício, a todas as esferas de atividade. Lord Robert Clive, um dos maiores expoentes do imperialismo inglês na Índia, começou a fumar ópio por causa de uma doença nos intestinos e acabou morrendo em consequência de uma dose excessiva” ((RAIMUNDO, José Guilherme. **Tóxicos e psicoses**: doutrina, prática, legislações. 2. ed. São Paulo: Leud, 1998. p. 114)). A ciência, sob influência do movimento iluminista, no início do século XVIII, com a disseminação de livros e métodos empíricos de pesquisa, deu origem ao surgimento da revolução científica, que fez com que o estudo da botânica, até então um ramo da medicina, fosse aperfeiçoado pelas ciências novas (no caso a química, a bioquímica e a farmacologia); essa mudança redundou no surgimento da indústria farmacêutica. Paralelamente ao surgimento de tal indústria, cientistas, como o alemão Friedrich Sertürner (o qual em 1805 conseguiu isolar a essência retirada das flores de papoula, que preservava os efeitos analgésicos e sedativos da planta, e fez surgir a morfina), começaram a buscar maneiras de isolar a essência nas drogas tradicionais. Isto significaria a solução para um problema até então enfrentado pelos comerciantes de folhas de cocaína, que, ao tentarem trazê-las do Novo Mundo para a Europa, acabavam por ver tais folhas apodrecidas durante a longa viagem transatlântica, impossibilitando a sua venda. Assim, em 1860, Albert Nierman isolou pela primeira vez a substância psicoativa da cocaína, o que ocasionou a sua utilização em diversos tônicos e xaropes, podendo-se citar, à guisa de exemplo, o francês vinho Mariani (Vin de Mariani) e o vinho Pemberton’s French Wine Coca. Posteriormente, o farmacêutico John Pemberton mudou a fórmula deste último, abandonando o vinho, misturando a coca com um xarope de noz-de-cola e lançou a Coca-Cola. Resolvido o problema da utilização da cocaína, esta passou a ser empregada pela novel indústria farmacêutica no tratamento terapêutico de diversos públicos, inclusive o infantil, como se pode vislumbrar nas propagandas daquela época: >>Heroína da Bayer: {{:cap8:heroinabayer.jpg?200|}} >>"Um frasco de heroínada Bayer. Entre 1890 e 1910 a heroína era divulgada como um substituto não viciante da morfina e um remédio contra tosse para crianças". >>"//Glyco-Heroína//": {{:cap8:555.jpg?200|}} >>"Propaganda de heroína da Martin H. Smith Company, de Nova York. A heroína era amplamente usada não apenas como analgésico, mas também como remédio contra asma, tosse e pneumonia. Misturar heroína com glicerina (e frequentemente açúcar e temperos) tornava o opiáceo amargo mais agradável para a ingestão oral". >>“Dropes de Cocaína para Dor de Dente – Cura instantânea”: {{:cap8:666.jpg?200|}} >>"Os dropes de cocaína para dor de dente (1885) eram populares para crianças. Não apenas acabavam com a dor, mas também melhoravam o //humor// dos usuários". Ainda no que tange ao emprego da droga no campo da medicina, deve-se frisar que muitas delas hoje consideradas ilegais foram utilizadas no passado como anestésico, em cirurgias. Nesse diapasão, não se pode olvidar o sofrimento de milhares de pessoas ao longo da história da humanidade que não dispunham de uma anestesia para amenizar a dor sofrida em uma cirurgia dentária até que, em 30 de setembro de 1846, o cirurgião-dentista Willian T. G. Morton utilizasse o éter num paciente. Michael H. Hart narra essa importante parte da história: >>“Charles T Jackson, médico e cientista conhecido de Morton sugeriu o uso de éter, cujas propriedades anestésicas haviam sido descobertas, mais de trezentos anos antes, por Paracelso, o famoso médico e alquimista suíço. Um ou dois relatórios semelhantes tinham sido impressos durante a primeira parte do século XIX. No entanto, nem Jackson, nem qualquer um daqueles que tinham escrito sobre o éter, haviam usado o produto químico numa operação cirúrgica. Parecendo-lhe boa possibilidade, Morton fez experiências usando éter primeiro em animais (entre eles, seu cachorro de estimação) e, depois nele mesmo. Finalmente, no dia 30 de setembro de 1846, surgiu a oportunidade perfeita para testar o éter num paciente. Um homem chamado Eben Frost entrou no consultório de Morton com terrível dor de dente e disposto a tentar o que quer que fosse para diminuir a dor da necessária extração. Morton administrou-lhe éter e, então, extraiu o dente. Quando Frost voltou a si, revelou não ter sentido dor. Resultado melhor não poderia ser esperado, e Morton pôde antever o sucesso, a fama e a fortuna na sua frente” ((HART, Michael. **As 100 maiores personalidades da História**. 7. ed. Tradução de Antônio Canavarro Pereira. Brasil: Difel, 2002. p. 245-246)). Por fim, a droga pode ser usada como afrodisíaco, para alterar o humor, como forma de explorar os limites da percepção humana, para ser aceito em um determinado grupo social etc. Motivações para o uso da droga ao longo da história do homem são muitas. O que importa saber, para o presente trabalho, é que o uso abusivo das drogas se expandiu, levando a tragédia do vício para dentro de um número incontável de famílias no mundo inteiro. Evidentemente, não está se falando das drogas livres, sob o ponto de vista legal e jurídico, nem das drogas controladas por receita médica. As drogas denominadas ilegais é que demandam maior atenção das autoridades, em razão da facilidade com que suas substâncias causam dependência física e psíquica, tornando o seu uso incontrolável e causando um verdadeiro flagelo para a sociedade. \\