=====3.3. A quantidade como critério diferenciador do usuário e do traficante de drogas===== \\ Preliminarmente, é importante frisar que a quantidade de droga apreendida na posse de uma pessoa não pode servir de único elemento para conclusão da prática do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n.° 11.343/06) ou de posse para o uso próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/06). Se restar comprovado nos autos que o indivíduo vendeu uma pequena quantidade de droga, tratar-se-á de tráfico. Por outro lado, se ele portava uma grande quantidade de droga que se destinava, exclusivamente, ao seu uso, é o caso de posse de droga para uso próprio. Não obstante, pelo menos num primeiro momento, ainda que de forma provisória, já que o entendimento majoritário é de que, no momento do oferecimento da denúncia, vige o princípio //in dubio pro societati//, o promotor de justiça precisa saber o que caracteriza “grande quantidade de droga”. Alguns julgamentos já foram feitos discorrendo sobre o tema, a saber: >>"TJRS. TÓXICOS. TRAFICÂNCIA. 7,24g de cocaína e 7,03g de maconha não constituem pequena quantidade, porque permitem, respectivamente, 144 a 145 carreirinhas e 9 a 10 baseados. Substância acondicionada em papelotes e saquinhos. [...] A conjugação de todos esses dados autoriza a condenação nos lindes do art.12 da Lei de Tóxicos (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 69.300.827-8. Relator: Des. Luis Carlos de Carvalho Leite. Porto Alegre, 4 de maio de 1993. RJTJRS 159/192)". >>"TACRIM-SP. A quantidade de 14g de maconha é razoável e suficiente para exteriorizar ato de tráfico. Notadamente se repartido em pacotinhos, denotando o intuito de venda. (TACRIM-SP – Apelação Criminal nº196.517 – Rel. Geraldo Gomes – TR 543/382)". Importante ressaltar ainda que, no que tange a cocaína, é preciso se ter ideia do que seja a dose letal de droga, já que a apreensão de um peso muito superior a tal porção é um indicativo de que se está diante de uma grande quantidade. O médico psiquiatra e professor regente de medicina legal na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás Renato Posterli, a respeito da dose letal de cocaína, assim se manifestou: >>“A dose letal para o homem é em torno de 1,2 gramas por via oral (pura). Aplicada localmente nas mucosas, pode ser letal em doses menores, em torno de 20 mg por via parenteral, endovenosa. Pode ser letal em doses ainda menores, se considerarmos o perigo de ação anafilática, segundo orienta o Dr. Alberto Corazza”((POSTERLI, Renato. **Tóxicos e comportamento delituoso**. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 80)). Por sua vez, é possível se falar em dose elevada de anfetamina, cujo tipo mais popular se denomina ecstasy, no caso da ingestão de 150 a 250 mg/dia. A esse respeito, transcreve-se trecho do livro //Toxicologia Forense//: Teoria e Prática: >>“A maioria dos usuários toma a droga [anfetamina] por via oral. Começa com uma sensação de bem estar, melhora do humor, aumento da atividade, redução da fadiga, logorréia (necessidade mórbida de falar que apresentam certos alienados, falando indefinidamente, sem razão aparente e às vezes sem darem conta disso), inquietude e insônia. Doses maiores apresentam apreensão, tremores e hiperexcitabilidade. Fisicamente, observa-se dilatação pupilar, sudorese, respiração acelerada, pressão arterial aumentada, taquicardia, rubor, secura de boca e vômitos. Como a tolerância aos euforizantes desenvolve-se de modo rápido, a dose é aumentada gradualmente de 5 a 10 mg/dia para grandes quantidades como 150 a 250 mg/dia”((PASSAGLI, Marcos. **Toxicologia forense**: teoria e prática. Campinas: Millenium, 2008. p. 118)). Também se pode falar em dose elevada de LSD a partir de 10 mg. Nesse sentido, importa salientar um trecho do livro Toxicologia Forense: Teoria e Prática, que trata da Dietilamida do Ácido Lisérgico (LSD): >>“O LSD é bem absorvido por via oral (sublingual), sendo que a absorção provoca efeitos que aparecem de 35 a 45 minutos, permanecendo por aproximadamente 6 horas. Depois de absorvido é intensamente biotransformado em metabólicos inativos. Cerca de 1% da dose é excretada de forma inalterada na urina e a meia-vida biológica é de aproximadamente 3 horas. Doses de 200 a 400 µg (microgramas) determinam intenso efeito alucinógeno; porém, não é rara a ocorrência de doses muito elevadas (10 mg) que causam intensas intoxicações”((PASSAGLI, 2008, p. 173)). Alguns países europeus, como é o caso de Portugal, têm estabelecido uma política de “redução de danos”, segundo a qual o porte para consumo pessoal de drogas deixou de ser punido como crime e passou a ser tratado como uma espécie de infração administrativa. O critério para se estabelecer se ocorre porte para uso de drogas (espécie de infração administrativa denominada pelos portugueses de contraordenação) ou posse de grande quantidade de drogas (para caracterizar o crime de tráfico de drogas) é a quantidade apreendida em poder do indivíduo. Os volumes de referência estabelecem como parâmetro para fazer a supracitada diferenciação o equivalente a 10 (dez) dias de consumo para as substâncias ilícitas. Na realidade tal política é equivocada, já que muitos traficantes de droga portam pequenas quantidades para efetuar a venda aos usuários e acabam sendo presos por terem sido observados por policiais em pleno comércio ilícito, fato que muitas vezes é comprovado pelo próprio usuário que comprou e que é conduzido à delegacia de polícia, confessando a compra efetuada e apontando o vendedor. De qualquer forma, para o presente estudo, é interessante saber o que é considerado em Portugal como a quantidade suficiente para 10 (dez) dias de consumo de droga, para auxiliar o promotor de justiça a ter uma noção do que seja pequena ou grande quantidade de substância entorpecente. Assim, trazemos a lume parte do artigo do promotor de justiça Charles Emil Machado Martins intitulado “Uso de drogas: Crime? Castigo?”: >>“As quantidades de referências estão estimadas no equivalente para 10 dias de consumo, para todas as substâncias. A Lei 30/2000 remete à Portaria n.º 94/96 que no artigo 9º estipula as doses médias diárias individuais para várias substâncias ilícitas. Assim, as quantidades de referência são 10 vezes as doses diárias, nomeadamente para as mais comuns: >>{{:cap8:tabela01.jpg?300|}} >>Abaixo destas quantidades é normalmente considerado 'contra-ordenação'; acima destas quantidades aumenta a possibilidade de ser considerado crime”((CALLEGARI, André Luís; WEDY Miguel Tedesco et al. **Lei de drogas**: aspectos polêmicos à luz da dogmática e da política criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 83)). É importante ressaltar, como dito alhures, que a quantidade apreendida na posse do indivíduo é apenas um dos elementos de prova que devem ser aferidos para se concluir se o fato se amolda à figura do art. 28 da Lei n.º 11.343/06 ou ao art. 33 desta mesma lei. \\