1.4. Os caminhos do futuro do Ministério Público


“O Ministério Público do futuro é um exercício da imaginação. Há dois caminhos indicando o futuro do Ministério Público. O primeiro deles aponta que o sucesso do futuro está estreitamente ligado ao fincar âncoras nas conquistas alcançadas e através delas, sem esquecer das dificuldades do passado, procurar obter novas conquistas. O segundo caminho indica que se os mais antigos membros da instituição não conseguirem transmitir aos mais jovens a realidade passada e a necessidade de se lutar pela manutenção das conquistas atuais, a instituição Ministerial, como qualquer outra instituição que não tenha história, não tenha passado, estará fadada ao fracasso”.

“O Promotor de Justiça novato deve saber que a evolução da instituição foi alcançada através de muita luta, muita compreensão, muito diálogo, e, sobretudo, respeito às autoridades municipais e estaduais, com as quais o Ministério Público buscou ter, sem descuidar de sua independência, um bom relacionamento. E tudo isso foi um trabalho de ideias, plantadas, evidentemente, por homens bem intencionados, que viam no Ministério Público a grande instituição capaz de representar, defender o povo brasileiro”. 1)

Hoje, tão logo se encerra um concurso e se forma uma lista de classificação dos aprovados, as nomeações seguem por ordem de classificação. Isso só passou a ocorrer, entretanto, como direito defluente de lei, a partir de 1981, ou seja, de decorrência da Lei Complementar Federal n° 40.

Em outros tempos, quando se encerrava um concurso de ingresso, na hora das nomeações, pouco importava a classificação. Acontecia de o primeiro colocado de uma turma ser relegado a um plano secundário, e os nomeados para as melhores comarcas eram, não raro, os últimos colocados aprovados no concurso.

A ingerência de fatores políticos no Ministério Público também ocorria na ocasião das promoções, a partir do momento em que se criou uma carreira dentro da Instituição.

Moacir Navarro, que viveu aquela época, relembra:

[…] sem pistolão político ninguém era promovido. Era preciso uma carta, ou um cartão, do Deputado da região recomendando o candidato ao Governador do Estado à Promoção. Sem o beneplácito do Deputado da região, nada feito! Mas este para dar-lhe o apoio tinha de consultar suas bases: os Prefeitos, Vereadores e chefetes políticos de seus partidos nas respectivas Comarcas.

Quanto mais cartas, maior se tornava a possibilidade de promoção. Era mais do que constrangedor, era até mesmo humilhante: o Promotor de Justiça tinha de ir às comarcas para pedir a várias pessoas, que nem sequer conhecia, que abonassem a sua promoção por merecimento! O merecimento era então mais do que uma ilusão, raiava à farsa! Como ato final de uma tragédia funcional ou opereta bufa, o Secretário da Justiça verificava os trunfos de cada um e levava as respectivas pastas para o despacho do Governador, que não queria se indispor com o Deputado regional de seu partido!

Hoje alijamos do Ministério Público a influência político-partidária nas nomeações iniciais ou nas promoções da carreira. Quem escolhe a comarca inicial são os próprios candidatos aprovados, por meio dos seus méritos e da sua classificação. Quem promove os membros do Ministério Público somos nós mesmos, mediante de um colegiado, mas um colegiado que muda de ano em ano, impedindose que aqui se formem grupos ou igrejinhas para proteger ou para perseguir alguém.

Não se pode fazer nenhum previsão de uma perspectiva de futuro, de qualquer área da atividade humana, sem se atinar para o fato de que o poder vai, lentamente, saindo da esfera política para ficar sob a influência da econômica. É evidente que isso também irá produzir conseqüências jurídicas, pois, num acentuado processo de globalização, também o Direito e suas formas de aplacação tendem a ser globalizados.

Dentro dessa colocação, os tipos penais bem como a busca de sua apuração e a procura de marginais ficarão, numa primeira etapa, sob uma orientação ou uma política de grupos culturais internacionais para, a longo prazo, subsumirem-se a uma ordem global.

A condução político-sociológica dos povos apontam para um efetivo sistema democrático no mundo do futuro. Mas, mesmo nas democracias, há interesses econômicos predominantes.

Esses interesses forçarão, lentamente, uma união legislativa crescente, sobre vários ramos do Direito: aduaneiro, fiscal e tributário. Como os tipos penais de cunho econômico tendem a se ampliar, também o Direito Penal sofrerá influência dessa globalização legislativa. Igualmente, como os tipos devem ser apurados em processo regular, também o Direito Processual Penal será influenciado por tais modificações.

É evidente que o Ministério Público bem como a Magistratura sofrerão influência desse processo. Afinal os operadores do Direito não são colocados em posição alheia aos fenômenos da vida numa sociedade mundial.

Ao longo de toda a história, o Ministério Público tem-se caracterizado pela busca constante de novos espaços para o trabalho, sem qualquer campo para fisiologismos. Essa, talvez, seja a grande razão da real consolidação institucional, visualmente alcançada em todas as unidades da Federação.

O Ministério Público é uma instituição que, na verdade, ainda está dando seus primeiros passos de afirmação social.

A figura do homem de dedo em riste, dizendo eu acuso, tem os seus dias contados! Não que ela vá desaparecer, mas porque ao lado desse homem, há de surgir, e já está aparecendo, uma nova dinâmica social para o Ministério Público, transformando-o, na verdade, no velho Tribunal da Plebe!

Hoje ele é, e ainda mais o será, aquele que defende o meio ambiente, o desvalido, o patrimônio histórico e artístico, a comunidade contra os avanços econômicos dos grandes cartéis.

Não há nenhuma instituição no Brasil em que os seus membros elejam uma lista tríplice, para que dela seja escolhido o seu Chefe, com mandato certo, pelo Chefe do Poder Executivo. Não há nenhuma instituição na qual seus integrantes elejam, anualmente, os membros de seu Conselho Superior, ou seja, os integrantes do órgão responsável pela carreira de seus membros, eis que responsável pela formação de listas de promoções ou remoções destes, vedada a recondução de seus membros enquanto todos os demais integrantes do Colégio de Procuradores não compuserem aquele Conselho. Isso se chama democratização!

O Ministério Público será uma instituição que a cada avanço legislativo, a despeito de ocasionais retrocessos, irá adaptar-se ao meio social e avançar. E como irá crescer ainda mais em deveres e responsabilidades, é preciso que essa visão seja feita aquém de estritas vantagens materiais. Estas são conseqüência de espaços ocupados e atividades efetivamente prestadas ao meio social. Se vantagens materiais resolvessem os problemas, algumas instituições não estariam tão desmoralizadas!

Uma instituição que seja meramente corporativista não gera nem respeito nem confiabilidade e cria em torno de si uma crescente rejeição.

Ao Poder Executivo, que tem o dever da segurança pública do Estado, caberá o comando dos órgãos de repressão social, mas o Ministério Público do futuro, não tenho dúvidas, terá dentro de seus quadros a polícia judiciária – que não raro tem de agir até mesmo contra agentes do Poder Executivo. Para essa mudança, haverá muita resistência, muitas vezes em razão de incompreensões ou receio de perda de poder de atuação, mas a evolução social acabará por assim determinar.

Nenhuma mudança social é feita para os dias em que se vive: algumas são produto de dezenas, ou centenas, de anos de vivenciamento.

As conquistas de nossa instituição ocorrem de forma tão acelerada que nós mesmos nos esquecemos de quanto temos evoluído. O que não podemos é nos esquecer que essas conquistas têm um preço: honestidade pessoal e funcional, atualização profissional e respeito aos direitos humanos em todos os momentos de nossa atuação!


1)
VARTULLI, Vagner. AMMP em Notícias, nov/94 a fev/95.