Tabela de conteúdos

1.10.2. A ação penal


Possibilidade de retratação e renúncia à representação – Audiência do art. 16 da Lei nº 11.340/2006


O art. 16 da Lei nº 11.340/2006 prevê:

“Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

Observando a motivação legal do referido dispositivo e as alterações legislativas por ele sofridas, nota-se que a redação original do Projeto de Lei nº 4.559/2004, no art. 32, que tratava da mediação (extirpada do procedimento dos crimes de violência doméstica quando do afastamento da aplicação da nº 9099/95), previa no § 6º: “A retratação ou a renúncia da representação somente serão consideradas válidas após audiência”. A lei em vigor extirpou a palavra retratação, de sua redação, sendo possível perceber não se tratar de lapso de técnica legislativa, mas de expresso afastamento da possibilidade da retratação.

Por outro lado, faz a Lei Maria da Penha previsão da renúncia à representação, hipótese na qual a ofendida deixa de exercitar o seu direito à representação. Entretanto, tendo a vítima representado, já não é cabível a renúncia, visto que esta é “[…] a abdicação do ofendido ou de seu representante legal do direito de promover a ação penal privada”.1) Se a vítima exerceu o direito de representar, dele não abdicou. A representação não depende de nenhum outro ato para produzir seus efeitos jurídicos, espelhando o desejo genuíno da vítima de ver a prestação da tutela jurisdicional, e não a abdicação desse direito.

Tem-se que a representação feita perante a autoridade policial tem plena validade jurídica. Não poderia o Estado violar o direito da vítima de ver o fato, em tese delituoso, ser examinado pelo Judiciário, sob pena de flagrante inconstitucionalidade por violação do art. 5°, inciso XXXV, da Constituição da República. A representação não tem formalidade expressa em lei, sendo a autorização processual da vítima ao Estado para a persecução penal.

A renúncia, como ato unilateral, significa a desistência, a abdicação do ofendido, ou de seu representante legal, do direito de originar a ação penal privada ou a ação penal pública condicionada à representação da vítima. Somente se pode renunciar ao que ainda não se exerceu. Não se pode renunciar a um direito que já foi exercido válida, volitiva e regularmente. A representação, uma vez oferecida de forma expressa e incontestável, revela o interesse da vítima em ver processado o autor do fato.

No crime de ameaça, para o qual a lei exige autorização da vítima para o devido processo, por meio de sua representação, apenas após essa representação está o Ministério Público autorizado a dar início à ação penal. Nesse caso é exigida a autorização da vítima para a propositura da ação penal. E se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, o órgão do Ministério Público oferece a denúncia no prazo de quinze dias, dispensável até o inquérito policial (art. 39, § 5º).

Iniciada a ação penal, tendo observado os requisitos aqui expostos, incabível a renúncia, uma vez que o direito de representação foi regularmente exercido, não havendo hipótese de sua abdicação. Tem-se, portanto, que, oferecida à representação da vítima, não cabe a renúncia.

O Código Penal, no seu art. 102, e o Código de Processo Penal, no seu art. 25, prescrevem que a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. Não houve alteração legislativa nesse sentido, de modo que continuam vigentes os dispositivos em comento.

A audiência prevista no art. 16 da Lei nº 11.340/2006 diz respeito, claramente, ao procedimento a ser adotado quando a vítima exerce o seu direito de renunciar à representação contra o ofensor. Assim, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, e em se tratando de crime cuja ação penal depende de representação da vítima – como, por exemplo, o crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal –, ainda na delegacia de polícia, pode a vítima simplesmente dizer que não tem interesse na ação penal. Ou seja, pode a vítima renunciar ao seu direito de representação, ao seu direito de ver a justiça promover ação penal contra seu agressor.

Nesse caso, tendo a vítima renunciado ao seu direito de representar, deve o magistrado, quando tomar conhecimento dos fatos, designar audiência para oitiva da vítima, ouvindo-se o Ministério Público. Tal audiência se justifica exatamente por se tratar de caso de violência doméstica, que foi praticada dentro dos limites da afetividade da vítima, que pode renunciar tanto por seu afeto pelo agressor quanto por estar subjugada à vontade dele. A audiência prevista no art. 16 da Lei nº 11.340/2006 representa mais um mecanismo de proteção à vítima, podendo-se avaliar se a renúncia é mesmo de sua livre vontade.

Mas há ainda uma hipótese em que há a possibilidade de retratação da representação, como prevê o art. 102 do Código Penal, bem como o art. 25 do Código de Processo Penal. Se a vítima, ainda na fase policial, regularmente, ofereceu representação, que originou validamente o inquérito policial e se trata de crime de ação pública condicionada à representação, pode ela se retratar, desde que a retratação seja feita antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Para tanto, entende-se, deve ser aplicado o art. 16 da Lei nº 11.340/2006, designando-se audiência para verificar se a retratação foi feita estando a vítima livre de qualquer tipo de coação.

Sabemos que nosso posicionamento não representa a única corrente doutrinária no nosso país. Existem doutrinadores que defendem que houve um erro legislativo ao prever a palavra renúncia em vez de retratação no art. 16 da Lei nº 11.340/2006. Tal corrente entende que ainda há a possibilidade de conciliação própria dos Juizados Especiais, em que a vítima, mesmo que tenha representado perante a autoridade policial, pode se retratar de tal ato, por motivos próprios, principalmente por reconciliação com o agressor. Entende-se, assim, que não mais se tem presente o interesse do Estado em atuar nesses casos.

Apenas para esclarecer bem o nosso posicionamento, pensamos que não houve o tal equívoco do legislador, até mesmo pelo estudo histórico da Lei nº 11.340/2006 a que procedemos. O afastamento proposital do termo retratação nos indica que houve uma escolha do legislador nesse sentido. Não bastasse esse argumento, pensamos que a possibilidade de conciliação está afeta diretamente aos Juizados Especiais Criminais, que se mostraram ineficazes no combate à violência doméstica. Com o afastamento total da Lei nº 9.099/95, temos que o legislador, claramente, quis afastar também a possibilidade de conciliação, que, em verdade, somente enfraqueceu a vítima de violência.

Pensamos, ainda, para não sermos tão radicais em nosso posicionamento, que mesmo que tenha o legislador se equivocado, e que o termo correto para o art. 16 da Lei nº 11.340/2006 seja a retratação, tal procedimento somente faria sentido se houvesse, quando da apreciação da denúncia oferecida, algum indício de que a vítima queira efetivamente se retratar. Assim, se iniciado o inquérito policial, com autorização da vítima por meio de representação criminal, a autoridade policial termina seu trabalho via complementação das investigações e remete os autos à apreciação da justiça. O Promotor de Justiça, diante do inquérito concluído e esclarecidos os fatos, com a representação da vítima num caso de crime de ameaça, oferece a denúncia. Ao analisar a denúncia, e não tendo nenhuma informação pelo magistrado de que a vítima tenha interesse em se retratar da representação, não caberia ao magistrado abrir tal oportunidade baseado no art. 16 da Lei nº 11.340/2006. O que tal artigo prescreveria, em se tratando de representação, é que esta somente poderá ser feita em juízo, em audiência especialmente designada para tal finalidade, ouvido o Ministério Público. Não há nada que nos faça entender que no caso descrito, sem qualquer indício de que a vítima queira se retratar (pelo contrário, a vítima colaborou com as investigações, indicou testemunhas, compareceu na delegacia de polícia, etc., por hipótese), deva o magistrado abrir espaço para ouvir a vítima, se ela ratifica a representação já firmemente oferecida, ou se dela se retrata.

Várias são as consequências práticas de tal designação sem indicação alguma por parte da vítima de que queira se retratar. Primeiramente, a vítima pode, por absoluta falta de crença de que a justiça poderá socorrê-la, visto a morosidade dos atos processuais, desistir do processo e se conformar em continuar sua vida, muitas vezes ainda na companhia de seu agressor. Outra hipótese bastante comum é a de que a vítima já tenha se reconciliado com o agressor, já o perdoou por mais um deslize, e prefira continuar vivendo o martírio que já faz parte de sua existência, sem que a justiça concorra para uma efetiva mudança e melhoria da qualidade de vida de seus jurisdicionados.

Costumamos ficar até satisfeitos quando, via de regra, o casal chega ao fórum para os atos processuais pertinentes, de mãos dadas, sendo a própria vítima a principal defensora de seu agressor. E que bom que seja assim. Significa que a tomada de providência por parte da vítima já surtiu efeito positivo em sua vida e que o casal passou a conviver em paz, que é o objetivo principal de nosso trabalho. Mas a harmonia não apaga o crime que já ocorreu e merece resposta da justiça, até mesmo para que possa perdurar.

A reconciliação do casal é sempre fator positivo, mas não pode mais significar o silenciar da Justiça naquele caso. As estatísticas são alarmantes ao nos informar o alto índice de reincidência. A mulher brasileira, até por questões culturais, chega a considerar normal viver anos seguidos suportando ameaças e agressões, e são tentadas a perdoar, dar outra chance, mesmo que saibam, no seu íntimo, que as agressões são parte da rotina da família.

Vale ressaltar sempre o aspecto positivo da reconciliação. A Justiça pode ter um papel de grande importância nesse processo de libertação da mulher e de fortalecimento da família. Entendemos que, no caso de lesão corporal ou ameaça, deve o processo criminal chegar ao seu final, mesmo que a vítima compareça para dar a notícia da reconciliação com o agressor. Não que o Ministério Público queira que o agressor seja apenas condenado e cumpra pena de prisão, mas com a continuidade do processo, até seu final, há a possibilidade de absolvição pela fragilidade das provas, ou mesmo a condenação do acusado. Nos casos, por hipótese, em que as lesões são leves ou se trata de ameaça, pode haver a condenação, com a consequente substituição condicional da pena corporal, podendo, inclusive, uma das condições a serem impostas implicar a frequência do agressor a grupos de apoio e de fortalecimento e valorização da mulher e da família. Há exemplos vários de grupos que atuam nesse sentido, que já deram resultados bastante satisfatórios atuando nos casos de violência doméstica, ainda sob a competência dos Juizados Especiais.

Portanto, mesmo com a conciliação das partes, é necessário e legal que o processo penal chegue a seu final, e não seja mais um processo arquivado à espera da próxima agressão envolvendo, provavelmente, as mesmas partes.

Admitir a audiência do art. 16 nos casos em que já há a representação da vítima, para a sua ratificação, é voltar ao espírito da conciliação buscado pela Lei nº 9.099/95 e afastado pela Lei nº 11.340/2006. Nos casos de violência doméstica, a conciliação não resulta producente, já que as partes implicadas vivem sob o mesmo teto, estão implicadas emocionalmente, e não se sentem livres o bastante para se conciliarem.


Ação penal nos delitos de lesão corporal leve


Um ponto polêmico da Lei nº 11.340/06 diz respeito à ação penal pública incondicionada no crime de lesão corporal leve.

De acordo com o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40), o crime de lesão corporal leve é caso de ação pública incondicionada. Em verdade, a regra geral prevista no Código Penal é a ação penal pública incondicionada. Os casos de ação privada e de ação penal pública condicionada à representação da vítima, por serem exceção, devem ter comandos expressos em lei, no que diz respeito à ação penal. Assim, até a entrada em vigor da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve sempre foi de ação penal pública. Essa lei expressamente, no seu art. 88, modificou a ação penal em relação aos crimes de lesão corporal leve e culposa. Assim, e por ser exceção à regra geral, não poderia ser diferente, a Lei nº 9.099/95 modificou a ação penal do crime de lesão corporal leve, que passou a ser ação penal pública condicionada à representação da vítima.

Agora a Lei nº 11.340/2006 afastou, literalmente, a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos crimes praticados mediante violência doméstica e familiar contra a mulher, entre eles a lesão corporal leve, crime bastante comum no ambiente familiar. Afastando-se a Lei nº 9.099/95, afasta-se também o seu art. 88, uma vez que houve um afastamento total e não parcial da citada lei. Dessa forma, volta o crime de lesão corporal leve a ser de ação pública incondicionada.

Tal medida foi adotada para maior proteção da mulher, constantemente vítima de violência doméstica. Entendeu o legislador que deixar a cargo da mulher vítima de violência doméstica o destino da ação penal contra seu agressor a fragiliza mais ainda no ambiente doméstico, pois ela pode ser intimidada a não oferecer representação, mantendo-se em constante situação de violência.

Essa situação foi amplamente debatida nas comissões parlamentares que discutiram a questão da violência doméstica, discussão que culminou com a Lei nº 11.340/2006. Chegou-se à conclusão de que os mecanismos trazidos pela Lei nº 9.099/95 não foram eficazes para diminuir a violência doméstica, sendo necessária uma resposta mais efetiva por parte da Justiça, para combatê-la. Assim, o afastamento total da Lei nº 9.099/95 nos crimes de violência doméstica contra a mulher foi a forma escolhida pelo legislador nacional para dotar a Justiça de mecanismos que possam, com efetividade, erradicar a violência doméstica no Brasil.

Porém, nesse assunto, também há correntes contrárias, que entendem que o afastamento da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher se deu apenas quanto a seus dispositivos despenalizadores, como transação penal, suspensão do processo, etc. Entendem que, no que diz respeito à modificação da ação penal no crime de lesão corporal leve introduzida pelo art. 88 da Lei nº 9.099/95, tal modificação permanece, mantendo o crime de lesão corporal leve, mesmo praticado contra a mulher em situação de violência doméstica, como crime dependente de representação da vítima, ou seja, de ação pública condicionada à representação da vítima.

Tal corrente se vale do estudo vitimológico o qual entende que deve se concentrar na mão da vítima o poder de decidir se deseja ou não processar o agressor. Entretanto, tal poder decisório se mostra parcial e comprometido, na medida em que as vítimas não têm – no momento em que se veem agredidas pelo parceiro ou cônjuge –, equilíbrio ou discernimento emocional para optar sem se comprometer. Umas, pelo medo da retaliação; outras, por vínculos gerados por relações afetivas de dependência emocional ou por carência financeira; outras, ainda, porque nunca tiveram autonomia sobre suas próprias vidas. Enfim, por uma gama de particularidades além da legalidade é que defendemos que deve ser entregue ao Estado a decisão de processar ou não o agressor.

Um dos argumentos defendidos por essa corrente é de que, no art. 12, I, da Lei nº 11.340/2006, quando há descrição das medidas a serem tomadas pela autoridade policial, há previsão expressa de reduzir a termo a representação da vítima. Ora, o art. 12 foi necessário para definir quais seriam as condutas a serem adotadas na delegacia de polícia na fase investigativa. Como as modificações quanto aos procedimentos dos juizados especiais foram consideráveis, fizeram-se necessárias novas orientações às autoridades policiais. Por exemplo, nos casos previstos pela Lei nº 11.340/06, não mais se lavra o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), mas a previsão é de instauração de inquérito policial, com a coleta de todas as provas necessárias à elucidação dos fatos, como oitiva de testemunhas, apreensão de objetos, encaminhamento a exame pericial, inclusive coleta do termo de representação. Esse último, por óbvio, é previsto apenas nos casos em que se fizer necessário, como nos crimes de ameaça. Nos crimes em que tal termo não é necessário, evidentemente, não há necessidade de se cumprir tal dispositivo.

O disposto no art. 12 é exatamente para esclarecer aos delegados de polícia os atos imprescindíveis às investigações, uma vez que houve uma mudança radical de procedimento, com o afastamento do TCO.

Da mesma forma, o artigo prevê coleta de prova testemunhal e pericial. Nos casos em que essa última não existir, por circunstâncias próprias de cada caso, não há que se desconsiderar a existência do crime. Assim, o simples fato de se prever a coleta do termo de representação na delegacia de polícia não tem o poder de transformar todos os crimes ocorridos em situação de violência doméstica em crime de ação penal pública condicionada.

Outro exemplo que nos socorre nesse entendimento é a ocorrência do crime de estupro, em situação da violência doméstica. Tal crime é de ação penal privada, por força do próprio Código Penal. Na ação penal privada não há que se falar em representação da vítima, a não ser em casos especiais previstos expressamente, sendo certo que a ação penal é iniciada por queixa-crime. A se adotar tal posição, temos que apenas pelo fato de o art. 12 da Lei nº 11.340/2006 prever expressamente a coleta da representação da vítima é que o crime de estupro passou a ser de ação pública condicionada à representação da vítima. Tal absurdo é impensável.

Da mesma forma, é inaceitável que, com o afastamento expresso da Lei nº 9.099/95 pelo art. 41 da Lei nº 11.340/2006, apenas pela previsão de representação genérica como uma das medidas a serem adotadas na delegacia de polícia, possamos pensar que o crime de lesão corporal leve continua a ser de ação pública condicionada à representação da vítima.

Fica claro, no nosso entendimento, que a nova lei afastou por completo a Lei nº 9.099/95, restaurando a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais leves, não precisando o Ministério Público de autorização da vítima para promover a ação penal.

Em simpósio realizado nos dias 28 e 29 de julho de 2007, reunindo Promotores e Procuradores de Justiça do Estado de Minas Gerais, foi, por maioria dos presentes, decidido que o afastamento do art. 41 da Lei nº 9.099/95 dos crimes de violência doméstica apenas se refere ao afastamento dos institutos despenalizadores, bem como o rito processual, não modificando a ação penal nos crimes de lesão corporal leve, que dependeriam de representação da vítima. Nesse ponto, entendemos de forma diversa, porque o legislador, ao nosso ver, quis realmente dar ao caso um tratamento mais rigoroso, retirando da alçada da vítima o poder de decidir pelo processamento ou não do caso em que sofreu de violência doméstica e lesão corporal. Ocorre que, no nosso modesto entendimento, quando o art. 88 da Lei nº 9.099/95 introduz a necessidade de representação nos crimes de lesão corporal leve, ele trata exatamente de instituto despenalizador, uma vez que, vencido o prazo decadencial de seis meses, não pode mais o agressor ser processado criminalmente. Trata-se, portanto, de um instituto despenalizador, afastado dos casos de violência doméstica, conforme amplamente discutido no simpósio mineiro. Assim, mesmo se entendendo que estão afastados os institutos despenalizadores, afastada também a hipótese de se exigir a representação da vítima nos casos de crime de lesão corporal leve quando se tratar de violência doméstica.

Dito isso, torna-se óbvia a impossibilidade da aplicação da Lei nº 9099/96, inclusive quanto ao procedimento, às condições da ação e dos institutos despenalizadores e à transação penal, visto que todas as especificidades da Lei nº 9099/95 são privilégios inerentes à individuação da pena, típicos dos que cometem delitos de menor potencial ofensivo. São benefícios constitucionalmente garantidos aos que cometem crimes que não sejam considerados tipicamente como violência doméstica. Não se trata só de agravar a satisfação dos requisitos para sua concessão ou de atribuir condição particularmente mais gravosa, trata-se de individualização da pena de acordo com a gravidade do crime. A violência doméstica é reconhecidamente violação dos direitos humanos e, portanto, merece seja apenada de forma mais gravosa, não fazendo jus o agressor, no lar e na família, a benefícios reservados àqueles que cometem crimes de menor potencial ofensivo.


1)
JESUS, Damásio de. Código de processo penal comentado. 13 ed.