1.11.7. Parecer ministerial tomando ciência de audiência designada para oitiva da vítima,requerendo seu cancelamento e o recebimento da denúncia, bem como a designação de interrogatório do acusado

MM. Juiz,

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seu órgão de execução em pleno exercício nesta Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, no exercício de suas atribuições legais, nos autos do processo criminal supranumerado, toma ciência do processado, expondo e requerendo:

A Lei nº 11.340/06 faz previsão da Audiência apenas quando se trata de crime de Ação Penal Pública condicionada à representação. A exigência de representação é uma medida despenalizadora, oriunda da Lei 9.099/95, inaplicável aos delitos de lesão corporal qualificados como Violência Doméstica, por expressa vedação legal, sob a perspectiva do princípio da individualização da pena.

À Lesão corporal cometida nos moldes de violência doméstica contra a mulher não se aplica o art. 88 da Lei nº 9.099/95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves, tanto porque o delito do 129 § 9º tem a pena maior do que o limite da Lei nº 9099/95, quanto por obediência ao art. 41 da Lei nº 11.340/06, concluindo que a lesão corporal, por aplicação do art. 100 do CP, regra geral, tem Ação Penal Pública Incondicionada.
O art. 16 da Lei nº 11.340/06 faz previsão de audiência como formalidade para acatar a renúncia à representação, formalidade inquestionável na medida em que o principal argumento para essa postura se funda na banalização do crime praticado contra a mulher, decorrente da brandura da resposta penal da Lei nº 9.099/95, onde a mulher, fragilizada pela violência, se vê dependente de seu agressor - econômica ou emocionalmente – encontrava no Juizado Especial a “sedução judicial” para desistir dos processos e acabavam por acatar conciliações, sem receber qualquer orientação sobre seus direitos básicos.

Por isso, a audiência do art. 16, é bem-vinda nos casos em que a vítima renuncia ou retrata-se da representação, sendo sua intenção fiscalizar a vontade das vítimas, evitando que a retratação aconteça por ingerência e força do agressor, sendo que o papel do juiz na audiência não é simplesmente homologar o pedido da vítima e sim buscar a real motivação do pedido de desistência, a fim de estar o Estado atento para descobrir se a atitude da vítima é ou não espontânea.

No presente caso, o termo de representação constante dos autos, que é ato jurídico perfeito e válido. Ainda que por absurdo se considerasse lesão corporal como de ação penal condicionada, a Denúncia haveria de ter sido recebida de plano, eis que às folhas 14 encontra-se a representação feita pela vítima. Exato é que não se exige para a representação um formalismo exagerado, então estaria suficiente à Denúncia.

HABEAS CORPUS. Crime contra os costumes. Ação penal condicionada. Representação.Para a representação não exige formalismo, sendo suficiente - como sucedeu no caso - a manifestação inequívoca de que se inicie o processo contra o acusado (RHC 54.018, RTJ 78/109; RHC 58.490, RTJ 98/670).

Em nosso sentir, a realização da audiência do art. 16 da Lei nº 11.340/06 depois do oferecimento da denúncia – que foi feita com base em representação válida da vítima, encontra óbice em princípios constitucionais como o da Estrita Legalidade e Devido Processo Legal, além da aplicabilidade do princípio da adequação social na aplicação do art. 16 da Lei nº 11.340/06.

Daí, mesmo que se admitisse, estaria a retratação da representação feita extemporaneamente, após o prazo decadencial de seis meses. E por mais que se considerasse possível todo o tipo de aberração, não é possível a retratação após o oferecimento da Denúncia, o que também contraria o Código Penal, cuja aplicação subsidiária deve ser feita.

Este é um entendimento pacífico no macro-sistema legal internacional de proteção à mulher. Ainda que não se quisesse ou se concordasse com a aplicação da Lei nº 11.340/06, é sabido e ressabido que foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que foi adotada pela Assembléia Geral da OEA, sendo certo que a dita Convenção de Belém do Pará tem força de Lei interna, conforme o disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal vigente.

Afirmando que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades, a convenção tem como normas: (art. 4º) que a mulher tem direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; (art. 7º) que os Estados-partes, empenham-se em tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas legislativas, para modificar ou abolir leis e modificar práticas jurídicas que respaldem a tolerância da violência contra a mulher; e a estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos, até porque a “Lei Maria da Penha” revela o “status” de violação aos direitos humanos e maior potencial ofensivo.

Assim, a referida Denúncia foi operacionalizada depois do oferecimento da representação válida, quando estavam presentes todas as condições de procedibilidade, sendo certo que já está em muito ultrapassado o prazo decadencial de seis meses da data do fato, estando preclusa qualquer manifestação da vítima.

ANTE O EXPOSTO, a Promotoria de Justiça toma ciência da audiência designada, requerendo sua conversão para interrogatório, concedendo o juízo imediatas vistas da decisão que apreciar o presente pedido.

Local, data
Promotor de Justiça