Tabela de conteúdos

1.2. Discriminação racial

1)


Na seara de valorização dos direitos humanos, no contexto internacional pós-II Guerra, vários documentos foram firmados visando à erradicação de toda forma de discriminação racial, entre eles, por sua especificidade, podemos citar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CIEFDR), adotada pelas Nações Unidas em 1965.

Essa convenção foi elaborada para conter as atrocidades cometidas pelo regime nazista em nome da superioridade da raça ariana e impulsionada pelo ingresso de países afro-asiáticos, recém-saídos do sistema colonial, como membros da Organização das Nações Unidas (ONU). De fato, o sentimento anticolonialista-escravagista associado às repugnantes práticas racistas do nazismo serviram de substrato à implementação de normas internacionais contrárias à discriminação racial com aplicabilidade em âmbito global.

Em seu preâmbulo, a CIEFDR afirma que:

“Convencidos de que qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, e que não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum”.

Ademais, traz a definição de discriminação racial em seu art. I, assim a considerando:

“Art. I
1. Nesta Convenção, a expressão discriminação racial significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública”.

Essa Convenção apresenta como metas básicas o combate a toda e qualquer forma de discriminação racial e a promoção da igualdade material.


A questão do negro afro-descendente


No cenário nacional, a questão da discriminação é um fenômeno histórico, que remonta ao Brasil Colônia. A adoção do sistema escravagista de trabalho acarretou a percepção do negro como inferior, como mercadoria, utilizado, como um animal, na atividade agrícola colonial.

Com a abolição da escravatura, o negro alcança a igualdade jurídica formal, permanecendo, porém, não só a desigualdade econômica e social entre os escravocratas e a classe dos negros, mas também a ideologia que definia bem a diferença entre os dois e reservava a esses indivíduos uma posição de submissão e inferioridade.

Dessa forma, o processo de mudança da condição do negro de escravo para cidadão foi feito sem a adoção de medidas de integração desse homem livre à sociedade, ao mercado de trabalho, sem proporcionar-lhe o acesso mínimo aos meios de subsistência, como a posse da terra para sua fixação. Sem que lhe fosse garantida nenhuma oportunidade, dava-se mais um passo para a marginalização e o desfavorecimento desse grupo social.

Por um longo período da nossa história pós-escravidão, a comunidade afro-brasileira deixou de ser contemplada com políticas públicas de caráter compensatório. A implementação de medidas reparatórias vem no resgate à dignidade de uma comunidade que, desde a diáspora africana, encontra-se afastada da denominada sociedade inclusiva.

Nesse contexto de inclusão, o maior marco jurídico nacional contra todo e qualquer tipo de discriminação é a Constituição da República de 1988.

Logo no preâmbulo, a nossa atual lei Suprema institui como função do Estado Democrático de Direito, que então se constitui, garantir, entre outros, o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar e a igualdade, como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Constitui como alguns dos objetivos fundamentais do Brasil reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e nenhuma outra forma de discriminação (art. 3º, III e IV). “O Estado reconheceu que não basta declarar que todos são iguais perante a lei; a República assume a responsabilidade de promover o bem de todos“2).

Ademais, o País rege-se, nas suas relações internacionais, pelo repúdio ao terrorismo e ao racismo (art. 4º, VIII). Daí ser signatário e ter ratificado os principais documentos internacionais gerais e especiais de proteção aos direitos humanos, entre eles a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

A Constituição assegura, ainda, como garantia individual, que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e determina que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (art. 5º, XLI e XLII).

Ante tal quadro, é dever de todo cidadão e do Estado respeitar o outro, independentemente de suas características físicas e de sua ideologia, porque isso não enseja cogitação alguma de hierarquia entre seres humanos, que têm, em si, um valor a ser reverenciado.


Comunidades quilombolas


A Constituição Federal de 1988 introduziu a questão quilombola na agenda das políticas públicas brasileiras. O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), resultado da pressão do movimento negro, dispõe que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.

Todavia, a efetivação de tal direito suscitou, de imediato, uma acalorada discussão acerca da exegese do termo quilombo e remanescente de quilombo. Dessa forma, a definição adequada do conceito era fundamental para a implementação do direito à propriedade da terra ao determinado grupo.

O texto constitucional utiliza a expressão remanescentes das comunidades dos quilombos, o que sugere uma noção de resíduo, de algo que estava no passado e que hoje resta apenas na lembrança. Porém, esse termo não condiz com o modo de tal grupo se autodenominar, tampouco com o conceito empregado pela antropologia e pela História.

Assim, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), na tentativa de orientar e auxiliar a aplicação do art. 68 do ADCT, divulgou, em 1994, um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais em que se define o termo remanescente de quilombo:

“Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar”.

Desse modo, comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade, considerando-se essa identidade como um processo de auto-identificação dinâmico, que transcende a elementos materiais ou traços biológicos distintivos.

A origem das comunidades quilombolas remonta a uma diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também heranças, doações, recebimentos de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.

Atualmente, a própria legislação brasileira adota conceito de comunidade quilombola, reconhecendo que a determinação dessa condição advém da sua autoidentificação, consoante se verifica no art. 2º do Decreto nº 4.887/03:

“Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
§ 1º Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
§ 2º São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
[…]”

Convém ressaltar que as comunidades quilombolas constituem, portanto, um patrimônio cultural brasileiro imaterial, uma vez que são portadores de referência à identidade, à ação, à memória de um diferente grupo da sociedade brasileira, nos termos do art. 216 da Constituição da República de 1988. Ademais, compete ao poder público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio das mais diversas formas de acautelamento e preservação, o que inclui a defesa de tais comunidades (art. 126, § 1º, da CF/88).

Por conseguinte, não só as terras ocupadas pelas comunidades quilombolas devem ser reconhecidas como de propriedade dessa comunidade, mas também se deve respeitar o seu modo de vida, o pleno exercício de sua cultura, de forma a resguardar a diversidade cultural do povo brasileiro, garantida constitucionalmente (art. 215 da CF/88).


O caso Ellwanger: antissemitismo como crime de racismo


Caso emblemático, no tocante à abrangência do crime de racismo, foi o que ensejou o Habeas Corpus nº 82.424-2, do Supremo Tribunal Federal. DJ 19/03/2004.

Em resumo, trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que os impetrantes sustentam que, embora condenado o ora paciente, Siegfried Ellwanger, pelo crime tipificado no art. 20, da Lei nº 7.716/89, com a redação dada pela Lei nº 8.081/90, o substrato da condenação foi a discriminação contra os judeus, delito esse que não tem conotação racial para se lhe atribuir a imprescritibilidade que, pelo art. 5º, XLII, da Constituição, ficou restrito ao crime de racismo.

Assim, a fundamentação do habeas corpus se guiou no sentido de descaracterizar o povo judeu como raça, desaparecendo aí a figura do racismo e, consequentemente, a imprescritibilidade, alegando, ainda, que o paciente tem o direito constitucional sagrado de liberdade de pensamento e de opinião.

A questão central que se instaura gira em torno da exegese do termo racismo inscrito na Constituição como sendo crime inafiançável e imprescritível. Discorre-se, a seguir, sobre o tema, tendo como base o voto do Sr. Ministro Maurício Corrêa.

A divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. Daí se considerar o preconceito racial, a aversão ao diferente, como fenômeno cultural. Isso porque a ciência mostrou que todo ser humano faz parte de uma única raça, que é a espécie ou raça humana, sejam os indivíduos brancos, negros, amarelos, judeus ou muçulmanos.

Nesse contexto, como bem elucida o Eminente Ministro em seu voto, mesmo que fosse aceitável a tradicional divisão da raça humana segundo suas características físicas, perderia relevância saber se o povo judeu é ou não uma delas. Configura atitude manifestamente racista o ato daqueles que pregam a discriminação contra os judeus, pois têm a convicção que os arianos são a raça perfeita e eles a antirraça. O racismo, pois, não está na condição humana de ser judeu. O que vale não é o que pensamos, nós ou a comunidade judaica, se se trata ou não de uma raça, mas efetivamente se quem promove o preconceito tem o discriminado como uma raça e, exatamente com base nessa concepção, promove e incita a sua segregação, o que ocorre no caso concreto.

Dessa forma, embora hoje não se reconheça mais, sob o prisma científico, nenhuma subdivisão da raça humana, o racismo persiste enquanto fenômeno social, o que quer dizer que a existência das diversas raças decorre de mera concepção histórica, política e social, e é ela que deve ser considerada na aplicação do direito. É essa circunstância de natureza estrita e eminentemente social e não biológica que inspira a imprescritibilidade do delito previsto no inciso XLII do art. 5º da Carta Política.

Ademais, nos tratados internacionais, o racismo alcança de forma taxativa a discriminação contra os judeus, até porque podem ser havidas como marcas do racismo na história moderna o nazismo antissemita, assim como a escravidão e o apartheid sul-africano. Nesse sentido, cumpre notar que a Constituição e a Lei nº 7.716/89, em especial após as alterações introduzidas pela Lei nº 8.081/90, mantiveram-se fiéis aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Pretender dar interpretação diversa e restritiva a este caso é negar toda a ordem jurídica que concebeu a positivação dos direitos fundamentais. Em consequência, condicionar a discriminação como crime imprescritível apenas aos negros e não aos judeus é aceitar como desiguais aqueles que na essência são iguais perante tal garantia.

Não há que se cogitar, no caso em apreço, nenhuma violação do princípio constitucional que assegura a liberdade de expressão e pensamento, uma vez que tal garantia não é incondicional, devendo ser exercida de maneira harmônica com os demais preceitos da Constituição. Atos discriminatórios de qualquer natureza ficaram expressamente vedados por nossa Lei Suprema.

Os Promotores de Justiça devem ter sempre em vista a interpretação dada ao racismo a partir da decisão em pauta e atuar de forma a garantir a prevalência dos direitos humanos em todas as situações concretas que se lhe apresentarem. Recomendo a leitura da íntegra do parecer exarado pelo colega do Rio Grande do Sul, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, acerca do caso acima mencionado, constante do item de modelo de peças deste capítulo.


Injúria qualificada e crime de racismo


O Código Penal trabalha, entre outras, com a injúria preconceituosa, introduzida pela Lei nº 9.459/97. A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei nº 7.716/89 (preconceito de raça ou de cor) geralmente alegavam ter praticado injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Diante disso, o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada contra a discriminação racial, majorando sua pena.

Para elucidar o exposto, transcrevem-se as palavras de Guilherme de Souza Nucci:

“Esta figura típica foi introduzida pela Lei nº 9.459/97 com a finalidade de evitar as constantes absolvições que ocorriam quanto às pessoas que ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório, e escapavam da Lei nº 7.716/89 (discriminação racial) porque não estavam praticando atos de segregação. […]. Assim, aquele que, atualmente dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá por injúria racial […]”3)

A injúria preconceituosa entre os crimes contra a honra da pessoa é, portanto, o mais grave. O mesmo autor afirma que, comparando-se singelamente a pena fixada em abstrato para a injúria preconceituosa e a pena fixada em abstrato para os outros crimes, há uma certa desproporcionalidade, isso porque “há épocas em que o Estado vê-se levado a punir de forma mais grave certas condutas, que estão atormentando mais severamente e com maior frequência a sociedade”4).

No que tange à Lei nº 7.716/89 (Lei antirracismo), também alterada pela Lei nº 9.459/97, a modificação trazida por essa última alargou significativamente seu alcance ao incluir em seu bojo, além dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça ou de cor, também os delitos que atentem contra a etnia, a religião ou a procedência nacional. É de se notar que, ao abordar tais critérios, a legislação pátria não só se alinhou à definição de discriminação racial prevista internacionalmente pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, transcrita no início deste texto, mas foi além, ao englobar o critério religião, não abordado por essa Convenção.

Em relação à distinção entre o delito de injúria qualificada (art. 140, § 3º, do Código Penal) e os crimes de racismo previstos na Lei nº 7.716/89, convém dispor que a referida lei trata de condutas obstativas, enquanto que o Estatuto Penal tipifica condutas ofensivas.
Acerca do tipo penal da injúria racial, ensina, ainda, Nucci:

“[…] Assim, aquele que, atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do pensamento (como dizer que todo judeu é corrupto ou que negros são desonestos), uma vez que há limite para tal liberdade. Não se pode acolher a liberdade que fira direito alheio, que é, no caso, o direito à honra subjetiva. Do mesmo modo, quem simplesmente dirigir a terceiro palavras referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, com o intuito de ofender, responderá por injúria racial ou qualificada”5).

Por outro lado, os tipos penais descritos na Lei Antirracismo, com suas alterações, tratam de toda conduta que impeça o acesso da pessoa a cargo profissional, a estabelecimentos públicos, comerciais, de ensino e de lazer, ao convívio familiar e social, em razão de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (arts. 3º ao 14, da Lei nº 7.716/89). Qualquer forma de prática, induzimento ou incitação de tais discriminações e preconceitos também é considerado crime de racismo, com pena majorada se tais condutas ocorrerem por intermédio de comunicação social ou publicação de qualquer natureza ou se valendo de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos, propagandas que utilizem a cruz suástica ou gamada para divulgação do nazismo, conforme se verifica no art. 20, caput e § 1º e § 2º, da referida lei. Alguns juristas criticam o fato de a Lei nº 9459/97 ter minorado as penas de alguns delitos e de não agasalhar como conduta delitiva o uso de caracteres de outras seitas que apregoam a discriminação racial, além dos símbolos nazistas.

Assim, em síntese, para a configuração dos crimes de racismo, a hipótese deve envolver segregação racial, como proibir a entrada de negros em determinado estabelecimento de ensino, por exemplo.

E, ainda, relevante se faz conferir o entendimento jurisprudencial acerca da matéria:

A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor (RT 752/594).

Em corroboração ao exposto, juntamos jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“Ementa: CRIME DE PRECONCEITO DE RAÇA. RÉU QUE DIRIGE À VÍTIMA OFENSA LIGADA À COR DA PELE. REEXAME DE PROVAS. AUTORIA COMPROVADA. TIPICIDADE. EMENDATIO LIBELLI. CONDUTA TÍPICA QUE SE AMOLDA AO TIPO DO ART. 140, § 3º DO CÓDIGO PENAL. CRIME DE AÇÃO PRIVADA. AUSÊNCIA DE QUEIXA. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE OFERECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. - Tendo o réu proferido ofensas alusivas à cor da pele da vítima, dirigidas a ela própria e não a um grupo social, pratica injúria qualificada, e não atos de discriminação, impondo-se a desclassificação para o crime do art. 140, § 3º, do Código Penal. - Em se tratando o delito praticado de crime de ação penal privada, e ausente condição de procedibilidade, deve ser declarada a nulidade de todo o processado, com a conseqüente extinção da punibilidade do apelante pela decadência do direito de oferecimento da queixa. Súmula: DERAM PROVIMENTO E, DE OFÍCIO, DECRETARAM EXTINTA A PUNIBILIDADE (Processo nº 1.0686.01.030756-5/001(1), Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Herculano Rodrigues, Julgado em 04/08/2005)”.

A diferença é essencial, uma vez que, de acordo com o art. 145 do CP, a ação penal do delito de injúria preconceituosa é de iniciativa privada, enquanto no crime de racismo a ação penal é pública incondicionada.


História e cultura afro-brasileira como temas obrigatórios no currículo oficial da rede de ensino


A Lei n° 10.639/03, que altera a Lei n° 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira.

O Conselho Nacional de Educação elaborou o Parecer CNE/CP nº 3/04 e editou a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, visando regulamentar essa alteração legal.

A Resolução mencionada, em seu art. 2º, dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas, estabelecendo a finalidade das temáticas:

“§ 1º A Educação das Relações Étnico-raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira.
§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas”.

Assim, os Promotores de Justiça devem verificar se há o devido cumprimento de tal norma na rede de ensino dos municípios e se a implementação do tema História e Cultura Afro-Brasileira está atingindo o fim proposto. Em caso de inobservância de tais pressupostos, é necessário tomar as medidas cabíveis, como um possível termo de ajustamento de conduta do município, ou, se necessário, o ajuizamento de ação civil pública para tutelar esse direito de cunho histórico-cultural.


1)
A Lei 11.345/08 tornou obrigatória a inclusão, no currículo oficial da rede de ensino, da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
2)
DA SILVA, Jorge. Direitos civis e relações raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Luam, 1994. p. 132.
3)
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2005. p 567.
4)
Nucci, 2005, p. 571.
5)
Nucci, 2005, p. 471.