Tabela de conteúdos

1.6. Tortura


Histórico da tortura no Brasil


É impossível dissociar o processo de formação econômica e política do país da prática da tortura. No período colonial, a Coroa Portuguesa delegou a empreendedores privados a exploração das capitanias hereditárias, sendo que os donatários poderiam designar capitães e governadores para as capitanias. Tais homens eram munidos de extremo poder e comando, inclusive jurisdicional. Assim, a aplicação de penas, como a de morte e a de talhamento de escravos, índios e peões, era da competência deles.

A estrutura da economia colonial era baseada na exploração de mão de obra escrava, trazida de seu continente natal, a África, durante os séculos XVI e XIX. Os negros escravos foram vítimas de toda a forma de abusos e violências, sendo convertidos em verdadeiras mercadorias. Predominavam os interesses dos detentores do poder econômico e político sobre os mais frágeis, poder esse conduzido sob a égide do terror e da força. Nesse contexto, a tortura era comumente empregada como forma de dominação, punição e controle.

Posteriormente, já no século XX, mais especificamente entre os anos de 1964 e 1985, o Brasil vivenciou o período de ditadura militar, em grande parte sob estado de exceção. Nessa época, a tortura disseminou-se como instrumento político para a obtenção de informações e confissões de estudantes, jornalistas, políticos, advogados e cidadãos em geral, ou seja, contra todos os que ousavam manifestar opinião contrária à imposta pelo governo militar. Na concepção dos ditadores da época e sob forte influência norte-americana, o inimigo a ser vencido era o comunismo.

No regime democrático atual, a tortura persiste, assumindo, todavia, nova motivação. A crueldade deixa de ocorrer em razão de delitos de opinião e passa a ser empregada cotidianamente, envolvendo pessoas simples, marginalizadas socioeconomicamente. Normalmente, as vítimas de tortura são autores de crimes comuns ou que já estejam cumprindo pena por algum delito, submetidas a sofrimentos físicos e psicológicos seja dentro ou fora de estabelecimentos prisionais.

Assim, a tortura é usada como forma de obtenção ilícita de provas e/ou para incutir castigo por algum fato delituoso.


A evolução do combate à tortura


Após as atrocidades ocorridas durante a 2ª Guerra Mundial, a comunidade internacional despertou para a necessidade de salvaguardar a dignidade da pessoa humana, especialmente, através do combate à tortura e a tratamentos desumanos e degradantes.

Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, marco no processo de reconstrução da proteção dos direitos humanos, conferindo-lhes conotação internacional, abordou o tema da tortura, em seu art. 5º, ao dispor que ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Também diversos outros documentos internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984, foram firmados pelos Estados com o fim específico de erradicar a tortura.

Para tanto, as autoridades públicas foram impedidas de impor, instigar ou tolerar a tortura ou os maus-tratos, sendo que ordens nesse sentido são manifestamente ilegais, não podendo ser invocadas como justificativa para a tortura. Ademais, os Estados devem promover a criminalização de todos os atos de tortura, por meio da tipificação da conduta pela lei nacional, ensejando a persecução penal estatal e a punição dos responsáveis.

O Brasil, embora com bastante atraso em relação à perspectiva internacional, devido aos regimes autoritários adotados, incorporou no texto constitucional de 1988, como direito e garantia fundamental, a proibição da tortura e de tratamentos desumanos ou degradantes (art. 5°, III, da CF/88). Não poderia ser diferente para um Estado que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) e é regido nas suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88). Também, com tardia, foi promulgada a lei ordinária pátria que define os crimes de tortura, Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997.


Conceito de tortura


O art. 1° da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) estabelece conceito internacionalmente aceito de atos que a constituem, qual seja:

“[…] o termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”.

A lei brasileira seguiu a mesma linha na conceituação da tortura, diferenciando-se no fato de não ter delimitado o tipo penal como crime próprio, apenas praticado por agentes públicos ou no exercício de funções públicas internas. Assim, ampliou a sua abrangência no que se refere à responsabilização penal. Há de se frisar, entretanto, que a Lei nº 9.455/97 se limitou a criminalizar a conduta, quando poderia ir mais além, estabelecendo expressamente a responsabilidade civil do Estado pelos atos delituosos de seus agentes.

Não obstante essa evolução do arcabouço jurídico, a mentalidade de muitos agentes públicos e da própria sociedade ficou estagnada. O próximo passo a ser dado é o da efetiva realização das normas no contexto fático, bem como da definitiva mudança da cultura histórica de tolerância e conivência com a prática da tortura.


A apuração da tortura - Questões probatórias


O crime de tortura, assim como o de abuso de autoridade, é, em regra, praticado por agente do Estado e sem a presença de testemunhas. Ante tal fato, o depoimento da vítima é de suma importância para a apuração do crime, porque esse será, em muitos casos, a prova principal, juntamente com a perícia médica e/ou psicológica.

Os depoimentos devem ser conduzidos de maneira sensível, atentando-se para o estado emocional e físico do depoente, a fim de se evitar qualquer tipo de nova traumatização. É necessário que o interrogador transmita confiança ao interrogado, o que pode ser alcançado iniciando-se a oitiva falando sobre outros assuntos que não a violência sofrida pela vítima e entrando gradualmente na discussão de tais assuntos específicos e relevantes.

Conforme ensina Conor Foley, em Combate à Tortura: Manual para Magistrados e Membros do Ministério Público, no que tange, em especial, à tortura praticada dentro de algum estabelecimento, as seguintes informações devem ser registradas:

Deve-se ter presente que tortura e maus-tratos também podem ocorrer fora da instituição e o profissional que toma o depoimento deve assegurar que se incluam todas as supostas violências que a vítima alega ter sofrido, tanto físicas quanto psicológicas, independentemente de onde aconteceram.



O Protocolo de Istambul, denominado Manual para Investigação e Documentação Eficazes da Tortura e de outras formas Cruéis, Desumanas ou Degradantes de Castigo ou Punição, de 9 de agosto de 1999, consiste no documento mais completo que subsidia os examinadores forenses sobre como devem proceder para identificação, caracterização e elucidação do crime de tortura. Dessa forma, pautados nesse documento, discorreremos acerca da perícia nesse delito.

Competência, imparcialidade, independência, prontidão e rigor são os princípios fundamentais de qualquer inquérito eficaz na apuração de tortura. Estes elementos podem adaptar-se a qualquer sistema jurídico e deverão orientar todas as investigações relativas a alegados casos de tortura.

O objetivo geral de um inquérito consiste em apurar os fatos relativos a alegados casos de tortura, a fim de identificar os responsáveis pelos ocorridos e facilitar a sua acusação no âmbito de um processo penal.

Os peritos médicos envolvidos na investigação de tortura ou maus-tratos deverão pautar a sua conduta, em todos os momentos, de acordo com os princípios éticos mais rigorosos, devendo, em particular, obter o consentimento esclarecido da pessoa em causa antes da realização de qualquer exame. Os exames devem ser efetuados em conformidade com as regras estabelecidas de prática médica e num clima de confiança, com paciência e cortesia, compreendendo-se que as vítimas de tortura, na maioria das vezes, mostram-se arredias, desconfiadas e abaladas, em face das situações vergonhosas e humilhantes por que passaram.

Ademais, os exames deverão ser efetuados preferencialmente em local privado, sob o controle do perito médico e nunca na presença de agentes de segurança ou outros funcionários governamentais. De fato, a presença de tais pessoas intimidaria a vítima, inviabilizando a idoneidade do laudo.

O perito médico-legista deve observar as recomendações específicas do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura; para a realização de exames de lesões corporais nos casos de tortura, são elas:

Concluída a perícia, o técnico deverá elaborar imediatamente um relatório escrito rigoroso, que deverá incluir, no mínimo, os seguintes elementos:


O Ministério Público ante a perícia


O Promotor de Justiça deve estar atento para a completude da perícia e do laudo técnico e do respeito dos peritos aos princípios que norteiam seu trabalho.

Se for necessária a apresentação de quesitos ou de pedido de esclarecimentos do relatório, as perguntas podem ser estruturadas da seguinte forma:

Na prática, a perícia em casos de tortura, sevícia ou maus-tratos, principalmente quando as vítimas estão sob tutela judicial, muitas vezes, não elucida a ocorrência desse crime de evidências difíceis pela sofisticação dos meios utilizados e pela conivência dos agentes do poder em omitir tais ocorrências, não enviando as vítimas aos órgãos especializados da perícia oficial. Acrescente-se a isso o temor e a dificuldade que as vítimas têm de denunciar seus agressores e a escassez de recursos materiais e humanos, principalmente no que tange à devida especialização dos peritos, imprescindíveis à demonstração da conduta delitiva.


O monitoramento de locais de detenção – O Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU


O Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU, do qual o Brasil também é signatário, estabelece a finalidade de sua criação:

“Art. 1º - O objetivo do presente protocolo é estabelecer sistemas de visitas periódicas a cargo de órgãos internacionais e nacionais independentes aos lugares em que se encontrem pessoas privadas de liberdade, com o fim de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes”.

Para tanto, prevê a criação, em âmbito internacional, de um Sub-comitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Tal Sub-comitê é composto por dez membros independentes indicados e eleitos pelos Estados-Partes, com poderes para ter acesso não somente aos estabelecimentos prisionais, que incluem as Delegacias de Polícia com carceragem, mas também a qualquer centro para solicitantes de asilo, campos militares, centros de internação de adolescentes infratores, hospitais psiquiátricos e zonas de trânsito em aeroportos internacionais.

O Protocolo prevê a criação de mecanismos nacionais independentes, cabendo a cada Estado a obrigação de criação, manutenção e designação de tais mecanismos (art. 17). No Brasil, em âmbito interno, um Comitê foi instituído e está fomentando a criação de mecanismos similares nos estados federados através de iniciativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), não tendo o Estado de Minas Gerais concretizado, até o presente momento, tal mecanismo.

O CAO-DH tem participado da discussão sobre a implementação de tais mecanismos preventivos junto a SEDH e ao Comitê Nacional, assessorando o Procurador-Geral de Justiça, que representa o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais naquele comitê.

Ademais, em contato com a ONG Associação para a Prevenção da Tortura (APT), sediada em Genebra, órgão com status consultivo da ONU, OEA, Comissão Africana, Conselho da Europa e da SEDH, o CAO-DH conseguiu autorização para disponibilizar, em sua página no site institucional, a publicação do Monitoramento de Locais de Detenção: um guia prático, editado pela gráfica Abrax, França, tratando-se de tradução da obra original publicada em inglês pela APT no ano de 2004, sob o título Monitoring places of detention: a practical guide.

Esse guia contém dicas e roteiros práticos para a melhoria de fiscalização e monitoramento dos locais em que pessoas se encontrem privadas de liberdade, sendo um material valioso para a atuação do Ministério Público e de outros órgãos e instituições na erradicação da tortura e dos tratamentos desumanos.

Considerando a possibilidade de consulta na íntegra de tal publicação no site institucional, na página do CAO-DH, apresentarei alguns aspectos e orientações relevantes desse material, com as adaptações necessárias à nossa realidade estadual.


Conceitos


Para a adequada compreensão dos objetivos do monitoramento propostos pelo Protocolo Facultativo e pelo guia prático da APT, impõe-se a definição de alguns conceitos básicos. Para tanto, apontaremos os de maior relevância para a atuação funcional do membro do Ministério Público.


Monitoramento de locais de detenção

Processo temporal de investigação e fiscalização regular, através de visitas ao local e entrevistas com as pessoas privadas de liberdade, de todos os aspectos da detenção. Tal atividade, investigativa e fiscalizatória, poderá abranger, ou não, a totalidade das categorias de detentos que se encontrem em um ou mais lugares de detenção.

O monitoramento implica necessariamente encaminhamento, divulgação e transmissão dos resultados aferidos pelo sistema de visitas às autoridades, órgãos e atores envolvidos na proteção das pessoas privadas de liberdade, nacionais e internacionais. O monitoramento visa também à expedição de orientações e recomendações às autoridades competentes pela custódia das pessoas privadas de sua liberdade.


Detento

Tal expressão possui uma pluralidade de conceitos de acordo com o país em que é empregada, bem como em documentos internacionais. Muitas vezes, é utilizada de forma a identificar aquele que se encontra com a sua liberdade de ir e vir privada, previamente a seu julgamento, ou em razão de prisão administrativa, onde houver. Para fins do Protocolo e do guia prático, tal expressão é utilizada no sentido mais amplo possível, contemplando quaisquer pessoas privadas de liberdade como resultado de prisão administrativa, prisão cautelar, temporária ou em razão de condenação transitada em julgado e sua reclusão em algum lugar de detenção.


Lugar de detenção

Da mesma forma que a expressão detento, aqui se busca o conceito amplo desse termo, referindo-se a qualquer lugar em que uma pessoa encontra-se privada de sua liberdade de ir e vir, tais como delegacias, cadeias públicas, presídios, penitenciárias, centros de internação de adolescentes, instituições psiquiátricas, cárceres ou celas de uso militar, entre outros lugares.


Visita

O termo visita deve ser entendido não somente como o deslocamento para o local a ser monitorado, o ingresso e a circulação por seu interior, mas também a sua preparação e acompanhamento.


O monitoramento


A privação da liberdade é medida extrema e atinge diretamente direito fundamental do indivíduo, que tem sua liberdade de ir e vir cerceada, em razão de previsão legal e do respeito ao due process of law (devido processo legal). Entretanto, a dignidade da pessoa humana deve sempre ser resguardada, principalmente em relação às pessoas que se encontrem em tal situação excepcional.

A privação da liberdade pode se dar em local público ou privado, devidamente respaldada por autorização judicial, independe da vontade da pessoa submetida a tal medida.
Na página 21 do guia prático referido anteriormente, encontramos alguns exemplos de situações de privação de liberdade, as quais serão apresentadas com adaptações à nossa especificidade legislativa e com acréscimo de outras:

Há de se ressaltar que, consoante dispõe o art. 6° das Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio), adotadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua Resolução nº 45/110 de 1990, a detenção preventiva não deve ser utilizada de forma sistemática, mas sim como “[…] último recurso, tendo-se em conta a investigação do suposto delito e a proteção da sociedade e da vítima”.

Para que se otimize o monitoramento de locais de detenção como forma de erradicação da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes, impõe-se a adoção de algumas medidas, como a existência de um marco legal (no Brasil, a Lei de Tortura), a capacitação de recursos humanos e a disponibilidade de recursos financeiros e materiais.

Ademais, é de suma importância o engajamento de diversos atores e a implementação de mecanismos que reforcem tal fiscalização, tais como serviços de inspeção interna, ONGs, mecanismos internacionais, advogados e a própria OAB, controle judicial, fiscalização rigorosa do Ministério Público, ouvidorias, organizações de direitos humanos, etc.

Frisa-se que o monitoramento abrange todos os aspectos da detenção, ou seja, medidas jurídicas e administrativas aplicadas internamente aos locais de detenção, às condições de vida durante a detenção, à assistência prevista na Lei de Execução Penal e normas internacionais e à relação entre detentos e a direção e funcionários do estabelecimento.

A importância de tal rotina se deve às frequentes violações dos direitos humanos das pessoas sujeitas à privação de sua liberdade, que, além de se encontrarem em situação vulnerável, estão isoladas da visão da sociedade e dependentes quase exclusivamente das pessoas responsáveis por sua custódia.

Trata-se de uma ação complexa e sensível, visto que envolve pessoas em situações muitas vezes de tensão. Para tanto se impõe a necessária observância de princípios básicos adaptados pela APT do Professional Trainning Series nº 7, Training Manual on Human Rights Monitoring, New York, Geneva, 2001 (Manual de Capacitação para a Fiscalização dos Direitos Humanos das Nações Unidas), do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU. São eles:


Como monitorar?


A maneira indicada para a realização desse monitoramento é a visita, impondo-se a necessidade de criação de um programa de visitas, que ocorreriam rotineiramente, sendo que cada uma deverá respeitar os seguintes estágios: preparação, visita e monitoramento.

Para a elaboração do programa proposto, são necessários, primeiramente, a formação de uma equipe multidisciplinar (formada na Comarca ou do CEAT) e o levantamento dos lugares onde se encontram as pessoas privadas de liberdade que se insiram na definição de detentos. Posteriormente, deve-se avaliar a conveniência, oportunidade e possibilidade de visitas anunciadas ou não. Havendo pluralidade de lugares, convém estabelecer uma ordem de visitação e, para que os trabalhos sejam producentes e otimizados, de acordo com o objetivo a que se propõem, devem ser estabelecidas a duração máxima e a frequência das visitas.

A escolha dos lugares a serem monitorados e o estabelecimento de prioridades dependerá de alguns fatores, tais como o grande número de queixas que cheguem ao conhecimento do Promotor, provenientes do mesmo estabelecimento, o perfil das pessoas recolhidas (adolescentes, mulheres, idosos, etc), lotação, entre outros.

A duração das visitas deverá ser suficiente para que se realize um trabalho com o grau de profissionalismo que a situação exige. Assim, o tempo gasto com a visita deve permitir que a equipe possa estabelecer contatos com a direção do estabelecimento, com os funcionários e com uma amostra representativa das pessoas detidas, bem como examinar as condições de vida e das instalações.

A frequência com que tais visitas se realizarão deverá atentar ao tipo e às peculiaridades do lugar de detenção. Fatores como superlotação, reiteradas reclamações de abuso de autoridade, tortura, maus-tratos e deficiência assistencial devem ser levados em consideração. É importante também avaliar a produtividade de visitas reiteradas, pois elas quebram a rotina interna do estabelecimento, atrapalhando o trabalho da direção e dos funcionários, nem sempre trazendo resultados satisfatórios.

A escolha de uma equipe para realizar tais visitas é de suma importância. A necessidade de uma equipe multidisciplinar se deve ao fato de o monitoramento, proposto através do estabelecimento de uma rotina de visitas, visar à avaliação da detenção como um todo, ou seja, as questões jurídicas afetas à execução da medida privativa de liberdade e às condições de vida e instalações do estabelecimento. A composição ideal, além do Promotor e eventual equipe de apoio de que disponha a Promotoria, deve agregar um médico (nas Comarcas do interior, sugere-se a obtenção de tal profissional junto à Secretaria Municipal de Saúde), especialmente em locais em que tenham sido noticiados abusos e torturas. Outros profissionais, como engenheiros, psicólogos e assistentes sociais também possuem qualificação compatível com o perfil proposto.

O tamanho da equipe responsável pela visita deverá ser balizado de acordo com o seu objetivo, com o conhecimento sobre o estabelecimento e seus problemas, com o tamanho físico e o número de pessoas privadas de liberdade no local e, por fim, conforme quaisquer entraves que sejam colocados pelas autoridades por ele responsáveis.

Há de se frisar que o CEAT dispõe de equipe capacitada para a realização de vistorias nos estabelecimentos em que pessoas estejam privadas de liberdade. Ocorre que não se pode contar apenas com essa equipe, seja pela limitação pessoal, seja pelo expressivo número de pedidos solicitados àquele centro. Assim, sugere-se que a formação de tal equipe seja feita junto às prefeituras locais.

Após a realização da visitas e a elaboração de relatórios das visitas, devem ser noticiadas as conclusões da inspeção à direção do estabelecimento, bem como aos órgãos afetos a administração e fiscalização deste. Após, devem ser expedidas recomendações para a adequação das irregularidades apontadas, com prazo razoável para o cumprimento. Poderá ainda ser avaliada, caso a caso, a possibilidade de celebração de TAC. Como última medida, deve ser ajuizada a Ação Civil Pública para sanar as irregularidades constatadas e não sanadas. No item de peças deste capítulo, encontra-se modelo de recomendação e ação cautelar inominada que pode ser utilizado como modelo de atuação.