12.1. A questão da intervenção do Ministério Público sob a ótica da Lei nº 11.101/2005

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula os processos de falência e de recuperação judicial e extrajudicial, passou a ser sustentada, equivocadamente, uma nova tese de que a intervenção do Ministério Público nestes processos teria sido eliminada.

Como veremos adiante, da mesma forma exigida pela lei antiga, não se pode prescindir da participação do Ministério Público nos procedimentos de falência, recuperação judicial e extrajudicial, isso porque o interesse público que existia na ordem jurídica anterior permanece inalterado no contexto da Lei nº 11.101/2005.

O questionamento a respeito da intervenção do Ministério Público na seara falimentar só nasceu em função do veto presidencial ao art. 4º da nova lei, que reproduzia o art. 210 da lei revogada, e tornava expressamente obrigatória a intervenção do Ministério Público nos processos de recuperação judicial, de falência e naqueles feitos em que a massa falida fosse parte.

É de se lamentar o veto ao art. 4º, pois suas razões, a nosso humilde entender, não têm sustentabilidade jurídica, mas, sim, política, representando o anseio de parte minoritária da sociedade que se incomodava com a atuação do Ministério Público nos processos falimentares ao coibir manobras fraudulentas e lesivas ao interesse público.

A nossa experiência prática com a matéria, por outro lado, tem demonstrado que a atuação do Ministério Público no campo falimentar é mais do que necessária ao bom e correto andamento dos feitos, que, na maioria das vezes, só conseguem atingir os fins a que se pretendem graças à atividade fiscalizadora ministerial. Com o veto ao art. 4º, é preciso agora lidarmos com princípios constitucionais e com a lógica jurídica para encontrarmos a exata disciplina de intervenção do Parquet, buscando sempre uma aplicação sistemática das normas referentes à atuação do Ministério Público no processo civil.

É fundamental aplicarmos as normas gerais de intervenção do Ministério Público no processo civil, previstas nos arts. 81 a 85 do CPC, aos procedimentos regulados pela Lei nº 11.101/2005, uma vez que tal direcionamento é determinado pela própria Lei Falimentar em seu art. 189, quando prevê a aplicação subsidiária do Diploma Processual.

Ao atuar como custos legis, o Promotor de Justiça de Massas Falidas continuará tendo vista dos autos depois das partes, devendo ser intimado de todos os atos do processo, nos termos do art. 83, inciso I, do CPC, sendo-lhe facultada a juntada de documentos e certidões e podendo requerer prova em audiência e medidas necessárias ao descobrimento da verdade, amparado no inciso II do art. 83 do CPC.

Frise-se, ainda, que o órgão de execução Ministerial deverá ser intimado pessoalmente para intervir (art. 236, § 2º, do CPC), em todos os atos do processo, sob pena de nulidade (art. 84 do CPC).

De sobremaneira, o Promotor de Justiça de Massas Falidas deverá ser intimado pessoalmente após cada decisão judicial ou sentença, uma vez que possui legitimidade recursal expressamente prevista no art. 499, § 2º, do CPC, já tendo sido tal questão objeto do enunciado nº 99 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.1)

A orientação geral que podemos dar para a boa atuação do Promotor de Justiça no campo falimentar é de que ele não só intervenha nos processos de falência e de recuperação judicial, mas também em todos os processos a eles vinculados, como nas habilitações de crédito, nos pedidos de restituição, bem como em qualquer ação proposta pela massa falida ou contra ela, ainda que em trâmite em Juízo diverso do falimentar, eis que se vislumbra nesses processos a mesma razão determinante da sua intervenção, que é a tutela do interesse público.

Impende frisar que o interesse público que legitima a intervenção do Ministério Público nesses processos não se confunde com o interesse dos credores, mas deve ser compreendido amplamente como o interesse da própria coletividade na proteção da economia pública, da administração da justiça e na garantia de lisura do tratamento dos créditos submetidos ao concurso legal.

Por fim, para que o Promotor de Justiça consiga atingir seu munus no campo falimentar, sugerimos que, ao ser intimado inicialmente do processamento da recuperação judicial e da decretação da falência (previsão expressa nos arts. 52 e 99, XIII), requeira ao Juiz lhe seja dada vista prévia a todo ato decisório para exercício de suas atribuições legais de custos legis; pois, tal pedido provocará a manifestação judicial sobre esse assunto, direcionando a partir daí sua forma de atuação e, se ainda for o caso, permitindo que a matéria seja levada ao 2º Grau mediante a interposição de Agravo de Instrumento.

Não recomendamos que o Promotor de Justiça deixe ao alvedrio do Juiz da Falência a constatação, ou não, da hipótese de intervenção do Parquet, pois, a participação do Ministério Público, tanto como custos legis, tanto como autor, nos processos previstos na Lei nº 11.101/2005 é exigida pela Constituição, não podendo ser eliminada em momento algum em razão do interesse público primário evidenciado, configurando-se, portanto, ato inconstitucional qualquer iniciativa judicial neste sentido.


1)
Enunciado nº 99 da Súmula do STJ: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte.”