12.5. Atuação do Ministério Público na recuperação judicial e extrajudicial

Introduzindo este tema, importante lembrarmos que a Lei Falimentar atual (Lei nº 11.101/2005) acabou com o instituto da concordata e instituiu a chamada Recuperação Judicial da empresa.

A mudança mais significativa entre os dois institutos é o de que a concordata estendia seus efeitos tão-só aos credores quirografários, enquanto que a recuperação judicial alargou as categorias de crédito que se vinculam aos efeitos dela decorrentes, eliminando a restrição imposta em desfavor dos credores quirografários que a lei anterior consagrava.

Assim como a antiga concordata, a recuperação judicial tem por escopo a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, preservando, destarte, a empresa e sua função social.

A legitimidade para propor o pedido de recuperação judicial é do devedor, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, bem como do cônjuge sobrevivente deste, seus herdeiros, inventariante ou sócio remanescente de sociedade empresária (parágrafo único).

A lei ainda exige que, quando da propositura da ação, comprove o exercício de sua atividade há mais de dois anos, devendo ainda atender aos requisitos previstos no art. 48, os quais são idênticos aos da antiga concordata.

Hipóteses de intervenção do Ministério Público na recuperação judicial e extrajudicial

1. O órgão de execução deverá ter sua primeira vista antes do despacho que defere o processamento da recuperação judicial, quando então deverá examinar se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo art. 51 da Lei nº 11.101/2005.

É importante lembrar que a Lei nº 11.101/2005 estabeleceu dois momentos distintos quanto à apreciação, pelo Juiz, do pedido de recuperação judicial formulado pelo devedor.

Estamos agora nos referindo ao primeiro momento, que corresponde ao ato que defere o processamento da recuperação judicial, com a nomeação, pelo Juiz, do administrador judicial e adoção das providências previstas no art. 52.

Recomendamos que o Promotor de Justiça tenha sempre vista e se manifeste fundamentadamente antes do primeiro despacho. Trata-se de uma etapa na qual o Promotor de Justiça deverá examinar os documentos apresentados pelo devedor, verificando a compatibilidade com o extenso rol exigido pela lei.

Embora deva ser intimado também da decisão que deferir o processamento (art. 52, V), a atividade ministerial não pode ser exercida apenas a posteriori, tendo em vista os efeitos graves advindos do processamento, especialmente a suspensão das ações e execuções individuais contra o devedor (inciso III do art. 652), estando evidenciado o interesse público na manifestação prévia do órgão ministerial.

2. Em um segundo momento, o órgão de execução também deverá ter vista e se manifestar antes da concessão da recuperação judicial (art. 58), ocasião em que será verificado pelo Ministério Público o cumprimento dos requisitos legais, tal como disposto no art. 57 (apresentação das certidões negativas de débitos tributários pelo devedor) e a efetiva inexistência de objeções de credores ao plano de recuperação (art. 55), sendo certo também que o Parquet é legitimado a recorrer da decisão de concessão (como de qualquer decisão neste processo), nos termos do art. 59, § 2º. É curial que se manifeste previamente, podendo exigir o cumprimento de qualquer requisito ou apresentação de documento faltante.

Trata-se, agora, de intervenção do Parquet previamente à segunda etapa decisória quanto ao pedido de recuperação judicial. Nesta, o Juiz efetivamente concederá a recuperação judicial, daí a importância da manifestação prévia do Ministério Público.

3. Manifestação prévia à decretação da falência, se acaso rejeitado o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, pela assembléia-geral de credores (art. 56, § 4º), ocasião em que o órgão de execução deverá, na tutela dos interesses indisponíveis de que é guardião, verificar se a rejeição do plano obedeceu, em sua votação, às regras da Lei Falimentar, bem como se não foi abusiva ou arbitrária.

4. O Promotor de Justiça deverá ter vista antes da sentença que julgar encerrado o processo de recuperação judicial, para que verifique se foram cumpridas todas as obrigações do devedor previstas no plano (art. 63, caput).

5. Manifestação prévia à decisão de destituição do administrador prevista no art. 64, parágrafo único, uma vez que tal poderá se dar em razão da prática de ilícito falimentar, o que exige o pleno conhecimento pelo Ministério Público para a propositura de eventual ação penal.

6. O Promotor de Justiça deverá ter vista prévia à decisão que autorizar a alienação de bens ou direitos integrantes do ativo do devedor, após manifestação do Comitê (art. 66), uma vez que cabe ao Ministério Público zelar pela preservação do ativo e fiel cumprimento do plano de recuperação.

7. O órgão ministerial deverá ter vista e se manifestar fundamentadamente antes da decisão que concede a recuperação judicial a uma microempresa ou empresa de pequeno porte (art. 72, caput), com base no plano especial de recuperação (art. 71), possibilitando que o Parquet verifique se a sociedade efetivamente se enquadra no conceito legal de microempresa e empresa de pequeno porte para se sujeitar à disciplina especial mais benéfica.

8. Manifestação prévia à decisão que convolar a recuperação judicial em falência, nas hipóteses do art. 73, devendo sempre verificar a legitimidade e a legalidade da decisão.

9. Assim como na falência, o Promotor de Justiça deverá ter vista dos pedidos de Restituição, após a oitiva do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial (art. 87, § 1º), devendo manifestar-se de forma fundamentada no feito e até recorrendo da decisão se acaso necessário. Por razão de lógica, eventual embargos de terceiro demanda também intervenção do parquet.

10. O Promotor de Justiça deverá ser intimado para opinar sobre o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial bem como sobre eventual impugnação apresentada (art. 164, § 4º e § 5º). Frise-se que, por uma interpretação sistemática da lei, conclui-se que a intervenção do parquet deve ocorrer não só para que atue como custos legis, mas também devido à possibilidade de constatação da prática de crimes falimentares, uma vez que vários tipos penais descrevem condutas praticadas antes ou depois da homologação da recuperação extrajudicial, sendo indispensável a atuação para propiciar a colheita de elementos necessários à propositura da ação penal.

11. No que concerne à participação do membro do Ministério Público às assembléias-gerais de credores, não entendemos esta como conveniente, porquanto não detém o Promotor de Justiça nenhum poder específico reservado na lei; também não podemos ignorar o risco de que sua manifestação seja mal interpretada como defesa de algum credor, de forma a prejudicar sua intervenção no processo de falência ou recuperação por ocasião das deliberações da assembléia.

12. Assim como nos processos de falência, sugerimos ao Promotor de Justiça que requeira ao Juízo sua intimação para manifestar sobre qualquer questão incidente surgida no curso do processo de recuperação judicial ou extrajudicial, sempre opinando após os interessados e previamente à decisão judicial, não estando adstrita sua atuação àquelas situações mencionadas expressamente pela lei.