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12.7. Atuação nos procedimentos decorrentes de intervenção ou liquidação extrajudicial e regime de administração especial temporária

Entidades sujeitas ao regime de liquidação extrajudicial

O art. 1º da Lei nº 6.024/76 baliza a incidência do regime de liquidação extrajudicial abarcando as instituições financeiras privadas (bancos comerciais, sociedade de crédito, financiamento e investimento e as sociedade de crédito imobiliário) e as cooperativas de crédito.

Sociedades corretoras, sociedades distribuidoras e sociedade de investimento, integrantes do sistema de distribuição de títulos e valores imobiliários no mercado de capitais e corretoras de câmbio, igualmente, estão sujeitas ao regime diferenciado, pela norma de extensão do art. 52 da Lei nº 6.024/76. Outras entidades ou instituições encontram-se submetidas ao regime de liquidação extrajudicial por força de legislação específica, dentre as quais as Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde (Lei nº 9.656/98), Previdência Privada (Lei Complementar nº 109/2001) e Usinas de Açúcar (Decreto-Lei nº 3.855/41) e Cooperativas (Lei nº 5.764/71), Empresas Concessionárias de Serviços Aéreos (Lei nº 7.565/86).

Providências preliminares

Cientificado da instauração do regime de intervenção, liquidação ou administração especial temporária referente à empresa cuja sede e principal estabelecimento seja situado na comarca, deve-se oficiar ao Banco Central do Brasil, dando-lhe ciência de qual será o órgão do Ministério Público encarregado do ajuizamento das ações eventualmente cabíveis, solicitando receber informações a respeito por parte, conforme o caso, do interventor, liquidante ou administrador, bem como do presidente da comissão de inquérito extrajudicial respectivo.

Indisponibilidade de bens dos administradores

A intervenção e a liquidação extrajudicial da instituição financeira advém das dificuldades financeiras vivenciadas por esta, decretada por ato do Banco Central, órgão fiscalizador do sistema financeiro.

Após sucessivas alterações normativas referentes à responsabilidade civil dos administradores e membros do conselho fiscal, o legislador pátrio consolidou a legislação de regência culminando na edição da Lei nº 6.024/74, que dedicou capítulo integral sobre o tema.

Assim, decretada a intervenção ou liquidação extrajudicial, por efeito direto do ato e por imposição do disposto no art. 36 da Lei nº 6.024/76, todos os bens dos administradores tornam-se indisponíveis, atingindo o período de 12 meses anteriores ao ato de intervenção ou liquidação.

Os administradores que geriram a sociedade nos últimos 5 anos, malgrado não serem abarcados pela constrição legal imediata da indisponibilidade, sujeitam-se à medida judicial de seqüestro dos bens, caso haja apuração de prejuízos em suas gestões (arts. 43 e 45, cit. lei).

A indisponibilidade recai sobre todos os bens, excetuados os bens impenhoráveis ou inalienáveis pela legislação em vigor.

Na lição de Rubens Requião

[…] A indisponibilidade dos bens é absoluta, e nada pode impedir esse efeito da aplicação das normas legais com tal rigor. Os administradores são postos, pela lei, sob suspeita. Só a verificação negativa de sua responsabilidade é que causará a regularização de sua disposição patrimonial[…].1)

Como conseqüência do ato interventivo adotado, impõe a norma a instauração do procedimento investigatório administrativo pelo Banco Central denominado Inquérito Extrajudicial, presidido por comissão investigadora (art. 41 da citada lei), visando esclarecer as causas do insucesso financeiro da instituição, bem como para elucidar as responsabilidades dos dirigentes e dos conselheiros fiscais pelos ilícitos eventualmente praticados.

Concluída a apuração no bojo do Inquérito Extrajudicial, sem embargo da comunicação, via de regra procedida pelo próprio Banco Central ao Ministério Público Federal para apuração de crimes contra o sistema financeiro, encaminhar-se-ão os autos ao Juízo Falimentar que, por seu turno, ordenará vista dos autos ao Ministério Público Estadual, com atribuições na seara falimentar, para a adoção das medidas judiciais pertinentes, dentre as quais a ação cautelar de arresto de bens e a ação principal de responsabilidade.

O inquérito extrajudicial será arquivado no próprio Banco Central se concluir pela inexistência de prejuízo (art. 44).

Medida cautelar prevista no art. 45 da Lei nº 6.024/74 –observância rigorosa do prazo

Prefacialmente, cumpre esclarecer o equívoco terminológico empregado pelo legislador ao prever o seqüestro dos bens e, logo em seguida, utilizar a expressão arresto (cf. § 1º e § 2º do art. 45, cit. lei). Correto, pois, o uso da expressão arresto, uma vez que, enquanto o seqüestro tem por objetivo a apreensão de bens até que se esclareçam direitos a ele referentes, o arresto, por meio da apreensão de bens indeterminados de certo devedor, assegura a execução de uma obrigação patrimonial posta em risco de ser inadimplida.

Ultimada a apuração do Inquérito Extrajudicial, com remessa à vara falimentar (onde houver) e posterior vista dos autos ao Ministério Público, caberá a adoção das providências judiciais tendentes à buscar a reparação do dano, caso a existência de prejuízos causados pelos administradores da instituição financeira seja conclusiva no inquérito.

Assim, recebidos os autos, a par da tiragem de cópias dos autos para fins de segurança de sua existência, observar, rigorosamente, o prazo legal de oito dias para requerer a medida cautelar prevista no art. 45 da Lei nº 6.024/74, inclusive em relação aos bens que não tenham sido real e efetivamente alcançados pela indisponibilidade legal, tais como obras de arte de alto valor econômico.

Vale destacar que, em determinadas ocasiões, poderá ser necessário o ajuizamento simultâneo da ação principal com a ação cautelar, sem necessidade de se aguardar o transcurso do prazo de 30 dias.

Providências quanto aos bens atingidos pela indisponibilidade

Adotar as providências necessárias à preservação dos bens atingidos pela indisponibilidade e/ou pela medida cautelar, inclusive mediante pesquisas, averbações e anotações junto aos seguintes órgãos:

a) registros gerais de imóveis do país (através das Corregedorias de Justiça de todas as unidades da federação);
b) Departamentos de Trânsito de todo o país (através das Secretarias de Estado respectivas);
c) empresas concessionárias de serviços de telecomunicações e telefonia de todo o país (através do Ministério das Telecomunicações);
d) Comissão Nacional da Bolsa de Valores, para que informe acerca de bens, papéis ou direitos em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
e) Bolsa Mercantil e de Futuros operantes (BMF) em todo o país (através do Ministério da Economia) para que informem acerca de bens ou direitos em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
f) Comandos Aéreos Regionais de todo o país (através do Ministério da Aeronáutica) para que informem, inclusive junto ao Departamento de Aviação Civil (DAC) e/ou Serviço Aéreo Regional de Aviação Civil (SERAC), acerca de bens e/ou autorizações em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
g) Comandos Navais de todo o país (através do Ministério da Aeronáutica) para que informem, inclusive junto aos Distritos Navais respectivos e/ou autorizações em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
h) Secretaria da Receita Federal para que remeta cópias das declarações de bens e direitos em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
i) Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), para que informe acerca de todos os contratos de seguro, em vigor ou não, realizados pela instituição submetida ao regime e seus ex-administradores;
j) Banco Central do Brasil para que informe, relativamente a todas as instituições financeiras autorizadas a funcionar no território nacional, acerca de bens e direitos em nome da instituição submetida ao regime e seus ex-administradores, com requisição de remessa da documentação respectiva, devendo o juízo respectivo, na forma do art. 38 da Lei nº 4.595/64, determinar a quebra do sigilo bancário.

Ação de responsabilidade – legitimidade do Ministério Público

A par da ação cautelar disposta pelo art. 45 da Lei nº 6.024/76 que objetiva resguardar a responsabilização patrimonial dos gestores da instituição, caberá, inicialmente, ao Ministério Público o ajuizamento da ação principal de responsabilidade em face dos ex-administradores, conselheiros, procuradores-gestores e gerentes, além de terceiros que tenham concorrido com o prejuízo causado. Caberá ao órgão ministerial promovê-la no prazo de trinta dias a partir da efetivação do arresto, sob pena de responsabilidade. Esta, por interpretação lógica, haverá de ser apurada a luz do caso concreto, eis que o não-ajuizamento da ação ordinária no prazo legalmente previsto poderá ensejar, prima facie, descumprimento de dever funcional, com reflexo na seara disciplinar, sem prejuízo, desde que presentes as elementares do tipo, da incidência da norma penal incriminadora gizada no art. 319 do CP.

Malgrado haja decisões isoladas negando a legitimidade ativa do Ministério Público ao argumento de que a defesa dos interesses dos credores são distintos e individualizáveis, não se identificando com a tutela difusa ou coletiva 2) , tem o Colendo STJ afastado tal entendimento, admitindo a legitimidade do Parquet para propor e prosseguir na ação de responsabilidade de ex-administradores de instituição financeira, mesmo após o encerramento dos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.447/97 c.c. o art. 46 da Lei nº 6.024/76 3), abarcando hipótese de defesa do crédito, do sistema financeiro, do poupador e do investidor frente a empresas que lidam com a captação de poupança popular, fiscalizadas pelo Banco Central. As normas citadas, portanto, encontram-se em perfeita sintonia com a Constituição da República que prevê, inclusive, hipótese de intervenção do Estado no domínio econômico, e com o sistema de defesa do consumidor.

Em caso de omissão, decairá o órgão ministerial do direito de ação em favor de qualquer interessado, no prazo de quinze dias, sob pena de, se ninguém o fizer, levantar-se-ão o arresto e a indisponibilidade dos bens.

Como se vê, descabe ao interventor ou liquidante intervir na ação quer como autor quer como assistente.

Sob outro enfoque, a responsabilidade dos administradores de instituição financeira vem regulada pelos arts. 394) e 405) da Lei nº 6.024/76.

Vigora ante o texto legal empregado acirradas discussões doutrinárias acerca da natureza da responsabilidade. A primeira corrente, adepta à teoria subjetiva da culpa, é subdivida em dois grupos: a) a dos que defendem ser puramente subjetiva a responsabilidade, ou seja, é necessária a prova de uma conduta comissiva ou omissa para autorizar a responsabilização; b) admite-se a inversão do ônus da prova em torno da culpa, ou seja, presume-se a culpa dos administradores, contudo, faculta-se-lhes comprovar a boa gestão.

A teoria puramente subjetiva foi sustentada por Vicente Ráo, Miranda Valverde, F.C. Bulhões Pedreira e outros (apud Waisberg, Ivo.Responsabilidade Civil dos Administradores dos Bancos Comerciais. São Paulo: RT, 2002. p. 102;103). A segunda corrente subjetivista mediante inversão do ônus da prova foi sufragada por Arnoldo Wald e Werter Faria (cf. Verçosa, Haroldo Malheiros Duclerc. in Responsabilidade Civil nas Instituições Financeiras e nos Consórcios em Liquidação Extrajudicial. São Paulo: RT, 1933. p. 56 e ss).

Outra corrente doutrinária assevera que a responsabilidade dos administradores é de natureza objetiva. Dentre outros, defendem-na Mauro Brandão Lopes6), Luiz Roldão de Freitas Gomes7) e Nelson Abrão.

No plano jurisprudencial, entendeu o Colendo STJ que a responsabilidade dos administradores é de natureza dupla; pelo art. 39 da Lei nº 6.024/76 é subjetiva, enquanto o art. 40 do mesmo diploma consagra a responsabilidade objetiva pelas obrigações assumidas no período de sua gestão.8)

Para nós, os administradores, conselheiros fiscais, diretores, gerentes, procuradores-gestores respondem pelos atos ilícitos que praticaram no exercício das atribuições ou poderes dos cargos e terão responsabilidade objetiva9), solidária, direta, e não subsidiária. Justifica-se o critério legal adotado de molde a conferir maior segurança ao consumidor que entrega sua poupança à instituição financeira a qual irá gerir recursos de terceiros, além de resguardar a credibilidade do sistema financeiro nacional, haja vista a atividade fiscalizatória a que está sujeita pelo BACEN e às normas ditadas pela legislação especial.

Assim sendo, caberá ao promovente da ação de responsabilidade, cujo rito será o ordinário, demonstrar o prejuízo suportado pelos lesados e a identidade de quem o causou.

Responsabilização das auditorias contábeis independentes e instituições controladoras

O Inquérito Extrajudicial compreenderá a apuração de atos ou omissões relevantes incorridas pelas pessoas físicas ou jurídicas prestadoras de serviços de auditoria independente às instituições submetidas aos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial ou administração especial temporária.

Atentar, por isso, para a possibilidade de responsabilização das auditorias contábeis independentes, bem como das instituições controladoras, tendo em vista o disposto na Lei nº 9.447/97, que responderão por dolo ou culpa frente aos prejuízos causados aos lesados.

Cessação da liquidação ou intervenção – autuação do Ministério Público como fiscal da lei

Sobrevindo a falência após a decretação do arresto e no curso da ação principal, competirá ao administrador judicial prossegui-la, devendo haver substituição processual do Ministério Público, passando o órgão ministerial a intervir como custus legis, nos termos do art. 82, III, CPC.

Ações relacionadas com os bens das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de intervenção e liquidação extrajudicial – intervenção do Ministério Público

Oficiar em todas as ações que digam respeito a bens de pessoas jurídicas sujeitas ao regime de intervenção e liquidação extrajudicial de que trata a Lei nº 6.024/74 de molde a garantir a real fiscalização nos feitos em que envolvam a instituição sob intervenção ou liquidação.


1)
Curso de Direito Falimentar. v. 2. 11 ed. São Paulo: Saraiva, p. 224.
2)
TJMG/3ª Câmara Cível - Apelação Cível nº 1.0000.00.267956/000
3)
STJ – AgRg nos ERRp 590490-GO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 23.11.2005; REsp. 592.069-SP, 3ª T., REl. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15/02/2007; REsp 444.948-RO, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 11/12/2002; REsp nº 447.939-SP. 3ª T., Relª. Minª. Nancy Andrigui, j. 4/10/2007
4)
Art 39. Os administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras responderão, qualquer tempo salvo prescrição extintiva, pelos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido.
5)
Art 40. Os administradores de instituições financeiras responderão solidariamente pelas obrigações por elas assumidas durante sua gestão até que se cumpram. Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante e dos prejuízos causados.
6)
“Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituição Financeira, Revista das Sociedades por Ações, nº 11.
7)
“Da Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituição Financeira Privada em Regime de Intervenção ou Liquidação Extrajudicial, no Brasil”, in Revista de Direito da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nº 17, p. 23/31.
8)
REsp nº 21.245-9, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ. de 31/10/1994 e REsp nº 592069-SP – 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
9)
TJSP – Ap. Cível nº 116.726-4 – 6ª Câmara Dir. Privado – Rel. Des. Ernani de Paiva, v.u., j. 19/04/01; TJSP – Ap. Cível nº 25.781-4 – 5ª Câm. Direito Privado – Rel. Des. Silveira Netto, v.u., j. 8/04/99; TJSP – Ap. Cível nº 77.018-4 – 6ª Câm. Direito Privado – v.u – Rel. Des. Munhoz Soares- v.u – j. 15.04.99; TJSP – Ap. Cível nº 232.381-4/0-00 e 232.383-4/4, 5ª Câm. Direito Privado – v.u – Rel. Des. A.C. Mathias Coltro, j. 08/08/2007.