3. Atuação especializada nos direitos do consumidor

Autora/Organizadora: Promotora de Justiça Mônica Aparecida Bezerra Cavalcanti Fiorentino

Introdução

Importante ramo da ciência jurídica no mundo contemporâneo, o Direito do Consumidor constitui conquista, das mais importantes e significativas, dos povos, sobretudo após a aprovação em sessão plenária, na Organização das Nações Unidas (ONU), da Resolução nº 39/248,1) de 9 de abril de 1985, inspirada, ao que se sabe, na célebre declaração dos direitos do consumidor, proferida pelo então presidente norte-americano, John Kennedy, em 15/03/1962, data na qual (por sinal) se comemora o Dia Internacional do Consumidor.

Sendo assim, o Direito do Consumidor confunde-se, em sentido amplo, com a idéia de direitos humanos, sendo considerado, por parte da doutrina,2) como direitos de segunda geração, cujo princípio fundamental é a busca pela igualdade material, com o reconhecimento e a efetivação prática dos direitos no plano dos fatos. Daí ressaltar o aspecto social do Direito do Consumidor, característica bastante sensível quando se levam em conta, por exemplo, os objetivos e princípios expressamente eleitos pelo legislador brasileiro ao dispor sobre a política nacional das relações de consumo.

Note-se, portanto, que o Direito do Consumidor é, ao mesmo tempo, anseio3) e conseqüência do sistema capitalista e da economia de massa, aspectos típicos do mercado a partir da segunda metade do Século XX.

Sob o prisma consumerista, reconhece-se, a priori, o consumidor inferiorizado em relação ao fornecedor, sobretudo se consideradas (no mais das vezes) a sua capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação, bem como, no plano técnico, acerca das características e riscos de utilização dos diversos produtos e serviços que lhe são postos à disposição. Daí os princípios da vulnerabilidade e hipossuficiência dos consumidores.

Com o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ficou clara e patente a disposição do Estado brasileiro em reconhecer e dar guarida, no plano normativo e na prática cotidiana, aos preceitos básicos traçados a partir da Resolução ONU nº 39/249, bem como a regras de conduta com vistas à tutela do hipossuficiente e vulnerável, participante da relação de consumo.

Nessa conjuntura, o Ministério Público, no cumprimento de seu mister institucional,4) deve atentar para os aspectos econômicos e sociais do Direito do Consumidor, utilizando-se, para tanto, dos instrumentos colocados à sua disposição, dentre os quais se destacam, o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública,5) e, excepcionalmente, por expressa previsão do legislador constitucional mineiro,6) dos mecanismos de atuação administrativa próprios do Programa Estadual de Proteção ao Consumidor (PROCON-MG).

Com essa breve introdução, passo, pois, ao desenvolvimento dos trabalhos afetos à Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor e ao PROCON-MG.


1)
Em última análise, pode-se considerar que a Resolução nº 39/248 constitui a célula mater da legislação consumerista na maioria dos Estados filiados à ONU, haja vista que, à época, poucos países experimentavam considerável desenvolvimento das práticas de consumo de massa, bem como, ainda, a seu turno, era forte a crença na suficiência das codificações civilistas (códigos francês e alemão) no trato das relações de consumo. Imprescindível dizer nesse contexto a vinculatividade dos Ordenamentos Jurídicos dos Estados signatários da Carta da ONU às Resoluções emanadas de seus órgãos. Tem predominado o entendimento segundo o qual esses Estados que já ratificaram a Carta encontram-se fortemente vinculados aos conteúdos dos atos e decisões posteriormente tomadas. E assim o é porquanto os atos que precederam a internalização e reconheceram a sua legitimidade e vaidade não podem ser vistos de forma isolada. A se considerar que o processo de ratificação não tem cunho meramente estrutural, incoerente negar a força vinculante de tais resoluções. Entendimento diverso culminaria no esvaziamento, pela banalização, da própria ONU, que não teria seus atos e decisões observadas, a denotar seu despropósito existencial. No caso em tela mais razão subsiste para a defesa de tal vinculação, na medida em que os direitos do consumidor são direitos fundamentais, reflexos diretos da doutrina dos direitos humanos. Por serem direitos de tal magnitude, não pode restar dúvidas acerca da premência da observância de seus preceitos e diretrizes.
2)
D’ANGELIS, Wagner Rocha. Direitos Humanos: a luta pela justiça. São Paulo: Comissão Brasileira de Justiça e Paz, 1989.
3)
A Consumers International é uma entidade composta por aproximadamente 250 organizações de consumidores de 115 países, sem fins lucrativos, fundada em 1960, para proteger e promover os interesses dos consumidores em nível mundial, bem como representá-los ante aos organismos regionais e internacionais. Atualmente sediada em Londres, suas oficinas regionais, nas quais são implementados seus programas, encontram-se distribuídas na Malásia (Ásia-Pacífico), em Zimbabwe (África) e no Chile (América Latina e Caribe). A Oficina para América Latina e Caribe, fundada em 1986, estabeleceu entre seus objetivos: desenvolver/fortalecer o movimento dos consumidores na região promovendo seus direitos em nível nacional e regional e representar as organizações de consumidores internacionalmente para influir nas instâncias de decisões que os afetem. Desde sua criação, sua missão tem sido promover a construção de uma sociedade justa, mediante a defesa dos direitos consumeristas em todo o mundo, em especial dos grupos vulneráveis. Enfatiza-se responsabilidade que os consumidores têm de usar seu poder no mercado para eliminar abusos e promover práticas comerciais saudáveis, além de apoiar o consumo e a produção sustentáveis.
4)
CF/88, art. 127, caput.
5)
CF/88, art. 129, inciso III c/c Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
6)
CE-MG, art. 233, § 3º c/c art. 14 dos ADTC; Lei Complementar Estadual nº 34/94, com a alteração dada pela Lei Complementar Estadual nº 61/2001