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3.7 Atuação extrajudicial atípica

Mecanismos de atuação do Promotor de Justiça à frente do Procon-Mg

1)

Conforme dito alhures, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por força de disposição constitucional expressa2), passou a titularizar, com exclusividade, as competências do órgão estadual de proteção e defesa do consumidor (PROCON-MG).

Desse modo e considerando a forma peculiar de atuação do Promotor de Justiça na condição de autoridade administrativa do PROCON-MG3), faz-se necessária a descrição dos instrumentos de ação administrativa do órgão de defesa do consumidor e suas formas de ação, baseadas na estrita observância do regime jurídico administrativo.

Medidas cautelares

Nota de destaque na atuação do Promotor de Justiça, no manejo dos instrumentos de atuação na defesa do consumidor enquanto PROCON-MG, é a possibilidade de se servir de medidas administrativas cautelares. Tais medidas, desde que necessárias e atendidos seus pressupostos, são de grande valia e têm por escopo fazer cessar, interromper, atos tendentes a causar prejuízos ao consumidor. Revestem-se, por exemplo, dos atributos da auto-executoriedade e da imperatividade, sendo, pois, de cumprimento obrigatório, sem a necessidade de prévio ajuizamento de ações junto ao Poder Judiciário. Desse modo, é instrumento célere e valioso na efetivação de direitos do consumidor e, principalmente, na prevenção de danos a estes, concretizando, assim, direito básico do consumidor, constante do art. 6º, VI, do CDC.4)

Investigação preliminar

Instrumento análogo ao inquérito civil, utilizado para a investigação de fatos indicadores de lesão ou ameaça de lesão a interesses consumeristas. Previsto no art. 33, § 1º, do Decreto Federal nº 2.181, de 20 de março de 1997.

Recomenda-se a adoção da investigação preliminar quando do recebimento, pelo Promotor de Justiça, de representações de entidades e pessoas, físicas e jurídicas, com a notícia de fatos, em tese, indicativos de infração a direitos do consumidor, visto que as provas, porventura existentes, foram unilateralmente produzidas.5)

Processo administrativo

Nas hipóteses em que restar caracterizada a prática de ilícito consumerista, o Promotor de Justiça poderá servir-se do processo administrativo, com vistas à aplicação das sanções previstas no art. 56 do CDC.6)

Usualmente, são duas as formas pelas quais tem início o processo administrativo:7)

O auto de infração vem exaustivamente descrito no art. 35, inciso I, do Decreto nº 2.181/97, letras “a” a “h”. É de se salientar que os autos de infração atualmente em uso no PROCON-MG têm todas as características legais, próprias da espécie em comento. É formalizado pelo agente fiscal do PROCON-MG8), em atos fiscalizatórios regulares, realizados junto ao mercado consumidor, ou, em casos especiais, mediante determinação específica da autoridade (Promotor de Justiça). Nesse caso, não se faz necessária a portaria do Promotor de Justiça, pois o auto de infração é a peça de instauração do processo.

A portaria tem sua forma legal definida no art. 40, incisos I e IV, do Decreto nº 2.181/97. Objetiva a individualização do fato constituinte da infração e a explicitação dos dispositivos legais pertinentes. Poderá, se presentes as circunstâncias autorizadoras, vir acompanhado de medidas cautelares. É ato exclusivo do Promotor de Justiça, na condição de autoridade administrativa do PROCON-MG.

Tanto o auto de infração quanto a portaria têm por escopo definir o objeto sobre o qual versa o processo administrativo, possibilitando o exercício de defesa e contraditório.

Recomenda-se que ambas as peças de instauração do processo tragam consigo a notificação para a juntada aos autos de cópias do contrato social, estatuto (ou ato equivalente), atualizados, bem como da Demonstração do Resultado do Exercício, referente ao exercício financeiro imediatamente anterior ao da prática da suposta infração.9)

Iter procedimental

Iniciado por auto de infração ou portaria, o processo administrativo aguarda a impugnação (defesa) do fornecedor, a ser produzida em até 10 dias, contados da intimação do ato10). É possível a utilização de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, na forma prevista pela Lei Federal nº 9.800/99.

Após recebimento de impugnação, verificar a existência de requerimento de perícias, análises de contraprova, entre outros atos de instrução, bem como pedido de celebração de termo de ajustamento de conduta (TAC) ou termo de acordo (TA). Deferir aqueles que sejam pertinentes, notificando a empresa das diligências posteriores, para acompanhamento, se desejarem, por profissional especializado.11)

Caso haja dilação instrutória, o fornecedor será intimado do resultado das diligências, podendo defender-se em sede de alegações finais.12) Ao Promotor de Justiça é facultada a possibilidade de requerer diligências instrutórias complementares, após as quais sempre se dará vista ao fornecedor. Reiterar, se necessário, requisição de documentos ao fornecedor.13)

Após o encerramento da fase instrutória e verificada, pelo Promotor de Justiça, a verossimilhança da autuação contida no auto de infração ou na portaria, deverá ser oportunizada a solução conciliatória, consistente em proposta ministerial de termo de ajustamento de conduta (TAC) ou termo de acordo (TA), esse último quando a conduta do fornecedor já tiver sido adequada às normas pertinentes14) ou, ainda, quando a correção da conduta se mostrar inexeqüível15). Sendo obtida a conciliação, o processo será suspenso até que se verifique o cumprimento integral do termo firmado, seguido de seu arquivamento, sujeito a controle pela Junta Recursal. Não sendo possível a solução conciliatória, por negativa do fornecedor acusado, o processo segue para decisão administrativa.

Decisão administrativa

Em sede de decisão administrativa, o Promotor de Justiça julgará a infração subsistente ou insubsistente.16)

Ao julgar subsistente a infração, aplicará as sanções cabíveis, entre as elencadas no art. 56 do CDC, ou, desde que haja autorização legal para tanto, outras sanções previstas em normas específicas. É, em todo caso, possível a cumulação de sanções, conquanto sejam pertinentes e úteis ao objetivo pretendido de proteção e defesa do consumidor. Da referida decisão de subsistência, cabe recurso voluntário17) no prazo de dez dias.

Se, do contrário, o Promotor de Justiça considerar insubsistente a infração, decidirá nesse sentido, submetendo, incontinenti, sua decisão, sob a forma de reexame necessário, ao órgão superior competente, isto é, à Junta Recursal do PROCON.

Sanções

As sanções previstas no CDC encontram-se elencadas no art. 56, incisos I a XII, sendo certo que, à exceção da multa (inciso I), poderão as demais, inclusive, ser objeto de medida cautelar, antecedente18) ou incidente de processo19)administrativo.

No magistério de Cláudia Lima Marques, as sanções comportam divisão em:

a) pecuniária;
b) objetivas;
c) subjetivas.

A sanção pecuniária consiste basicamente na imposição de multa, graduada conforme disposições legais constantes do art. 57 do CDC. O PROCON-MG possui planilha informatizada própria para o cálculo das sanções pecuniárias, possibilitando, assim, a fixação objetiva, uniforme e isonômica do quantum da multa. Quando, na instrução do processo, não for dado conhecer a capacidade econômica do fornecedor, esta será arbitrada20). Somente será aplicada, após regular processo administrativo, julgado subsistente.21)

As sanções objetivas são aquelas que resultam em medidas concretas quanto ao produto ou serviço, sobre o qual incide a conduta ilícita. Visa cessar ou interromper a propagação e perpetração de fatos atentatórios ao direito do consumidor. São comuns as medidas cautelares administrativas que se servem das sanções objetivas, antecedentes ao provimento final do órgão de defesa do consumidor22), com vistas, no mais das vezes, à preservação da saúde e segurança do consumidor.23)24)

Por fim, as sanções subjetivas são as que se referem diretamente à atividade do fornecedor, determinando a abstenção dela (CDC, art. 56, VII a XI), sob a forma de medidas de caráter geral ou, ainda, a imposição de uma obrigação de fazer, consistente na contrapropaganda (art. 56, XII). Têm caráter bifronte – preventivo e repressivo – de afetação da conduta do fornecedor que seja prejudicial aos legítimos interesses e direitos do consumidor.25)

Referências bibliográficas

ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JR., Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. São Paulo: Saraiva, 2006.

MARQUES, Cláudia Lima et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2005.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2008.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. São Paulo: Saraiva, 1991.

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006.

RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

1)
Vide LCE nº 61/2001 e Resolução PGJ nº 49/2002.
2)
CE-MG, art. 14 do ADCT.
3)
Ao compatibilizar as competências administrativas do PROCON-MG com os objetivos e funções institucionais do Ministério Público, observa-se que, em uma interpretação sistemática dos dispositivos legais em questão, somente quando verificada a existência de interesses transindividuais e/ou indisponíveis, estará o órgão estadual autorizado a agir. Note-se, porém, que, em se tratando de PROCON municipal, não existe nenhuma vedação a sua atuação na defesa do consumidor, seja ele individual ou coletivamente considerado.
4)
Inserem-se nessa categoria de atos as interdições administrativas, as medidas suspensivas de comercialização e distribuição de produtos, busca e apreensão de mercadorias, proibição de fabricação de produtos, entre outras.
5)
Exemplo que caracteriza bem a questão acima descrita pode ser dada com relação ao problema de impureza e sujidades encontradas no café torrado e moído. Habitualmente, os sindicatos e associações de produtores de café encaminham ao PROCON-MG representação contra fornecedores, noticiando, embasados em laudos periciais, a existência de vícios de qualidade no produto café torrado e moído. Ocorre, porém, que, em razão de limitações administrativas e também em respeito ao devido processo legal, necessidade de contraditório e ampla defesa, não é possível a instauração, de plano, do processo administrativo. Assim, deve o Promotor de Justiça agir com a devida cautela e receber a representação como notitia delicti, passando, ato contínuo, a certificar-se a respeito da suposta infração, instruindo o procedimento inquisitivo com provas passíveis de suportar processo administrativo em contraditório.
6)
“Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste art. serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.”
Acerca da aplicação das sanções previstas no CDC, vide tópico específico abaixo.
7)
O Dec. nº 2.181/97, art. 33, III, prevê ainda a modalidade de reclamação, porém esta é típica da ação dos órgãos oficiais de defesa do consumidor no tocante a interesses individuais. O recebimento de reclamações pelo Promotor de Justiça tem, por essa razão, apenas o condão de dar-lhe conhecimento da suposta prática de ilícito consumerista (notitia delicti).
8)
Conforme a Resolução PGJ nº 49/2002, art.12, § 2º, com a redação dada pela Resolução PGJ nº 14/2003, são agentes fiscais do PROCON-MG os oficiais do Ministério Público em exercício nas Promotorias de Justiça Especializadas na Defesa do Consumidor. Na hipótese de, extraordinariamente, ser necessária a designação de outro servidor, será previamente nomeado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, mediante Portaria, agente fiscal AD HOC, com menção expressa das diligências a cumprir, bem como da autorização do Promotor de Justiça a que estiver subordinado. A respectiva Portaria acompanhará todos os atos praticados pelo agente fiscal designado e será anexada aos autos dos procedimentos em que este atuar.
9)
Na generalidade dos casos, as empresas consideram, para efeito de exercício financeiro, o ano fiscal, compreendido entre o dia 1º de janeiro e 31 de dezembro.
10)
A contagem dos prazos, no sistema dos processos administrativos do CDC, obedece à regra especial do art. 42 do Dec. nº 2.181/97: na contagem do prazo computa-se o dia do início. Caso algum dos prazos encerre-se em dia sem expediente normal na Promotoria, será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte, no qual houver expediente normal.
11)
Nas perícias, deve-se sempre facultar ao fornecedor acusado o acompanhamento da diligência por assistente técnico e a formulação de quesitos.
12)
Em que pese o fato de as alegações finais não constarem do procedimento descrito no Dec. nº 2.181/97, em respeito aos princípios da ampla defesa e contraditório, ao fornecedor acusado deve-se permitir a produção de argumentos sobre as provas produzidas e carreadas aos autos após a impugnação.
13)
Cópias do contrato social, estatuto (ou ato equivalente), atualizados, bem como da Demonstração do Resultado do Exercício, referente ao exercício financeiro imediatamente anterior ao da prática da suposta infração.
14)
Demonstrada, de forma cabal, no processo administrativo.
15)
Tal como ocorre nas hipóteses de encerramento ou alteração das atividades (objeto social) do fornecedor.
16)
Procedente ou improcedente, respectivamente.
17)
Caso seja aplicada a sanção pecuniária (multa), o recurso interposto terá efeito suspensivo; nas demais hipóteses, somente comportará efeito devolutivo.
18)
Por medida cautelar antecedente ao processo administrativo, entenda-se medida cautelar inserta na investigação preliminar, que é a única espécie administrativa procedimental e pré-processual, prevista no Dec. nº 2.181/97.
19)
Embora a redação do parágrafo único do art. 56 do CDC faça uso do vocábulo procedimento, entendo que a sua substituição por processo preserva melhor a técnica jurídica, uma vez que não se admite a tomada de medidas cautelares isoladas e independentes de quaisquer procedimentos.
20)
Sugere-se, nos casos em que o fornecedor qualificar-se como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP), adotar-se os limites máximos de faturamento bruto anual, previstos para essas pessoas. - vide, a propósito, a Lei Federal nº 9317/96 e a Lei Complementar Federal nº 123/06.
21)
Conforme se depreende do art. 57, caput, do CDC, a contrario sensu, as demais espécies de sanções poderão ser objeto de medidas cautelares administrativas.
22)
Nesse sentido, são exemplos de medidas cautelares a apreensão de produto impróprio (art. 57, II), seguida, ou não, de sua destruição (art. 57, III – inutilização), bem como a medida de suspensão de fornecimento de produtos e/ou serviços (art. 57, VI).
23)
Em especial, CDC, arts. 6º, I, 8º, 9º e 10.
24)
Note-se que, em se tratando de medida cautelar pré-processual, nada obsta a que seja diferido o contraditório. Sempre que presentes as circunstâncias autorizadoras da adoção de cautelares administrativas, o princípio do devido processo legal será observado, haja vista que haverá a necessária ponderação entre o interesse do fornecedor, calcado constitucionalmente na garantia de propriedade privada (CF/88, art. 5º, XXII) e livre iniciativa (CF/88, art. 170), e a garantia estatal de defesa do interesse do consumidor (CF/88, art. 5º, XXXII), assim como, conforme o caso concreto, a preservação da vida, dignidade e integridade física e moral da pessoa (CF/88, art. 5º, caput).
25)
Vide nota anterior (nº 99).