4.2.1. Princípios basilares do atual direito da criança e do adolescente


O direito da infância e juventude, assim como qualquer outro ramo jurídico, contém princípios próprios, alicerces de todo o sistema. Nos dizeres de Cretella Júnior,

“[…] princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes”1).

A inobservância de qualquer um deles importará em atuação ilegal.

Na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente ou de qualquer outro dispositivo do sistema, a interpretação do comando oriundo da norma deve se aproximar ao máximo do princípio basilar. O mesmo vale para casos de aparente contradição, como ocorreu na edição da Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, que alterou artigos do Estatuto e ficou conhecida nos meios de comunicação como Nova Lei de Adoção. Aparentemente, essa alteração ensejou dois comandos antagônicos que requerem do intérprete uma manobra para evitar contradições, o que é possível evocando-se um dos princípios presentes no Estatuto.

O art. 136 da Lei nº 8.069/90 atesta que o Conselheiro Tutelar tem a atribuição de aplicar as medidas de proteção arroladas no art. 101 dos incs. I a VII, e este último inciso abarca a possibilidade de o Conselheiro aplicar a medida do “acolhimento institucional”, expressão que substitui o termo “abrigo”2). Porém, no § 2º do mesmo art. 101, o Estatuto estabelece que

“o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária”3).

É óbvio que, ao colocar a criança numa unidade de acolhimento, com base no inc. VII do art. 101, o Conselheiro Tutelar a está afastando do convívio familiar, o que lhe é vedado pelo § 2º do mesmo dispositivo.

Está-se diante de um aparente conflito, e já começam a aparecer posições nos dois sentidos: de que só o juiz pode decidir pela colocação em unidade de acolhimento, pois isso não deixa de ser uma forma de afastamento do convívio familiar; e de que o conselheiro pode, sim, colocar a criança em tais instituições. Para solucionar essa possível contradição, deve-se atentar para os princípios basilares do Estatuto, e um deles parece ser bem esclarecedor: o do melhor interesse para a criança. O sistema de garantias deve assegurar a prevalência de tal interesse.

Parte-se do pressuposto de que o melhor para a criança é permanecer junto à família natural, e ser dela afastada somente em situação de risco (art. 98 do ECA). A convivência familiar é a regra básica. A retirada é excepcional e deverá ser feita por autoridade judicial. Entretanto, considerando o princípio do melhor interesse, a criança ou o adolescente pode ser afastado pelo Conselheiro se seu direito estiver sendo violado, de maneira que a espera da decisão judicial poderia lhe ser prejudicial.

Por fim, é preciso destacar que o compromisso do Promotor de Justiça da Infância e Juventude é para com a proteção dos interesses de crianças e adolescentes, e não dos pais. Ele deve defendê-los a despeito dos anseios parentais, do Estado e da sociedade, em caso de conflito. O bem maior, nesse contexto, é o bem-estar dessa faixa etária.



1)
CRETELLA JÚNIOR, José. Filosofia do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 35.
2)
“Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VIII - colocação em família substituta;
[…]
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.”
3)
“§2º. Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa.”