Conselhos de direitos


Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente foram criados pelo ECA para a efetivação de todos os elementos propostos em lei, como órgãos deliberativos e controladores, nos níveis municipal (CMDCAs), estadual (CEDCA) e nacional (CONANDA), alterando profundamente as relações hierárquicas de gestão pública de atendimento. Até então, as esferas nacional e estaduais detinham o poder de intervenção nos níveis inferiores, o que resultava num controle hierarquizado e distante, reduzindo a participação das comunidades nas ações. Agora, a comunidade local está compelida a colaborar com as propostas.

Merecem ser destacadas as decisões dos conselhos, porque têm caráter deliberativo, editam e divulgam resoluções nas quais a sociedade civil e o Poder Executivo devem estar paritariamente representados, e porque vinculam o chefe do Poder Executivo local, que deve necessariamente atender aos comandos. Para vincular o gestor, é imprescindível que seja expedida resolução. O Promotor de Justiça tem o poder/dever de ajuizar ação civil pública para compelir o prefeito a executá-la caso este apresente resistência.

Sobre este tema, o CONANDA editou a Resolução nº 116/2006, alterando os dispositivos das Resoluções nº 105/2005 e 106/2006, ambas tratando de Parâmetros para Criação e Funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Destaque-se o teor dos §§ 2º e 3º do art. 2º:

Art. 2º Na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios haverá um único Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, composto paritariamente de representantes do governo e da sociedade civil organizada, garantindo-se a participação popular no processo de discussão, deliberação e controle da política de atendimento integral dos direitos da criança e do adolescente, que compreende as políticas sociais básicas e demais políticas necessárias à execução das medidas protetivas e socioeducativas previstas nos arts. 87, 101 e 112, da Lei nº 8.069/90.
[…].
§ 2º As decisões do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios constitucionais da participação popular e da prioridade absoluta à criança e ao adolescente.
§ 3º Em caso de infringência de alguma de suas deliberações, o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente representará ao Ministério Público visando à adoção de providências cabíveis, bem assim aos demais órgãos legitimados no art. 210 da Lei nº 8.069/90 para que demandem em Juízo mediante ação mandamental ou ação civil pública.

O Promotor de Justiça da área da infância e juventude deve diligenciar para:

1) se a composição respeita a paridade, em que o número de representantes do Poder Executivo deve ser igual ao dos representantes da sociedade civil;

2) se a sociedade civil se faz representar no CMDCA por meio de entidades do terceiro setor, privadas, sem que sobre elas haja a ingerência estatal1);

3) se quem elege tais entidades para compor o Conselho é a própria sociedade civil organizada, pois nesta escolha não pode haver nenhum tipo de ingerência dos representantes governamentais, sob pena de se ferir a paridade.


Existem ainda outros pontos dos quais a lei municipal deve tratar no que concerne aos CMDCAs:

Art. 11 Não deverão compor o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, no âmbito do seu funcionamento:
[…]
III - ocupantes de cargo de confiança e/ou função comissionada do poder público, na qualidade de representante de organização da sociedade civil;
Parágrafo único. Também não deverão compor o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, na forma do disposto neste artigo, a autoridade judiciária, legislativa e o representante do Ministério Público e da Defensoria Pública, com atuação no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou em exercício na Comarca, foro regional, Distrital ou Federal.


A lei municipal deve ainda disciplinar:


Além disso, o Conselho deve elaborar um regimento interno com vistas a orientar os próprios trabalhos. Como todo ato administrativo, o regimento interno não pode exceder os limites já previstos no ECA, na lei de criação do Conselho ou nas demais normativas de hierarquia superior.

O princípio-fim estabelecido pelo direito da criança e do adolescente transfigura-se numa estratégia de empoderamento local, sendo necessário para tanto:


Destaque para a longa extensão do papel do Conselho de Direitos:


Atente-se para o fato de que o Parquet poderá intervir a fim de contribuir para a superação das dificuldades que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente enfrentam, por serem instâncias inovadoras no quadro jurídico institucional brasileiro. Pires observa que:

“- Há uma sobreposição no caráter deliberativo do CMDCA em relação ao Poder Executivo municipal; da mesma forma que há, também, com relação ao caráter de formulação de políticas públicas em relação à Câmara Municipal;

- Não existem critérios claros para a escolha dos conselheiros, sendo esta uma situação que varia para cada município;

- Não existe uma homogeneização de conhecimento do sistema jurídico relativo à criança e ao adolescente por parte dos conselheiros, acarretando uma não implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente;

- Não é ação comum dos conselhos realizarem um diagnóstico de necessidades e prioridades do município, no que se refere à situação da criança e do adolescente, de maneira a nortear as ações do CMDCA – neste caso, a defesa de interesses pessoais ou classistas se torna constante;

- A troca de membros do conselho conforme o Estatuto, muitas vezes acarreta a descontinuidade das ações; da mesma maneira, a sucessão de prefeitos que podem definir novas diretrizes de ação das políticas públicas para o município”.4)

A superação dos obstáculos citados exige efetiva mobilização da opinião pública e participação da sociedade civil na discussão sobre o papel institucional do Conselho de Direitos e principalmente dos Conselheiros, pois sua legitimidade deve estar amparada pelo compromisso com a consecução dos direitos da criança e do adolescente.

O CONANDA promulgou, em 17 de novembro de 2005, a Resolução nº 106, que altera dispositivos da Resolução nº 105/2005 e apresenta recomendações para a elaboração de leis municipais, estaduais e nacional de criação e funcionamento de Conselhos dos Direitos (anexo).

Merece atenção especial o Município onde não haja lei que crie o CMDCA. Nesse caso, recomenda-se informar ao CEDCA para que ao menos se imponha um ônus político ao chefe do Executivo local. Outra orientação é enviar ao Prefeito um ofício solicitando que envie projeto de lei à Câmara (na página do CAO-IJ existe proposta de minuta de lei, elaborada pelo Promotor de Justiça Gustavo Leite, da Promotoria de Justiça Regional do Vale do Rio Doce). Se não houver avanços, a convocação de audiência pública para mobilização da sociedade pode ser uma alternativa, assim como a expedição de recomendação, a pactuação de TAC e o ajuizamento da ação pertinente (há modelos disponíveis na página do CAO-IJ).

Para que o CMDCA cumpra satisfatoriamente sua função, é imprescindível que o Poder Público local ofereça uma sede com condições adequadas de funcionamento e dê autonomia aos servidores para que as decisões tragam efeitos positivos.

É importante relembrar o dispositivo inserido na Resolução nº 116/2006 do CONANDA:

Art. 4º Cabe à administração pública, nos diversos níveis do Poder Executivo, fornecer recursos humanos e estrutura técnica, administrativa e institucional necessários ao adequado e ininterrupto funcionamento do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, devendo para tanto instituir dotação orçamentária específica que não onere o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente.
§ 1º A dotação orçamentária a que se refere o caput deste artigo deverá contemplar os recursos necessários ao custeio das atividades desempenhadas pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, inclusive despesas com capacitação dos conselheiros;
§ 2º O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá contar com espaço físico adequado ao seu pleno funcionamento, cuja localização será amplamente divulgada, e dotado de todos os recursos necessários ao seu regular funcionamento.


1)
Uma discussão interessante é saber se instâncias como a OAB ou Conselhos Regionais como o de Psicologia ou de Assistência Social poderiam ser representantes da sociedade civil nos Conselhos. Pelo princípio da paridade, não deveriam, porque tais estruturas são de regime jurídico público e dependem da chancela do Poder Público para funcionarem. Já os sindicatos, que são instituições privadas, estariam autorizados.
2)
É recomendável que participem da composição as Secretarias da Administração, da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Social. Seria muito bom que constasse a necessidade da presença dos próprios Secretários nas reuniões e não de representantes de terceiro escalão, com pouca ou nenhuma representatividade.
3)
Nesse ponto, além das sanções da lei local, há que se considerar a possibilidade de ajuizamento da ação de improbidade administrativa ante a afronta do princípio da legalidade e da eficiência da administração pública, haja vista que o Conselho é um ente da Administração e os Conselheiros são agentes públicos, submetendo-se ao regime jurídico pertinente. Devo destacar que, salvo melhor juízo, a propositura da ação de improbidade não é de atribuição do Promotor de Justiça da Infância, porquanto o disposto no art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente não prevê o ajuizamento de demanda dessa natureza por parte dos Promotores de Justiça da área.
4)
PIRES, João Teixeira. Projeto de Fortalecimento de Conselhos Municipais do Direito da Criança e do Adolescente: Um projeto de pesquisa-ação focado no exercício da cidadania em alianças estratégicas intersetoriais para atuação social, envolvendo instituições relacionadas à consolidação dos direitos das crianças e adolescentes, através dos princípios da democracia participativa. Disponível em: <http://www.promenino.org.br/portals/0/biblioteca/pdf/projeto%20de%20fortalecimento.pdf>. Acesso em: 01 maio 2006.