4.5.5.1.4. Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos


Atualmente, a drogadição e o alcoolismo mostram-se como dois grandes problemas a serem enfrentados pela rede de atendimento e pelo sistema de garantias, pois o aumento da demanda cresce em ritmo acelerado. O problema se agrava no período da infância à juventude, etapa em que o indivíduo está em formação e é aliciado pelo tráfico, tornando-se, muitas vezes, usuário ou dependente. É sabido que a maior parte dos adolescentes que cometem ato infracional estão envolvidos com tráfico e/ou uso de entorpecentes.

Sendo assim, a medida de proteção deve ser demandada do sistema de saúde local, que trabalha sob a regra de tratamento ambulatorial. No entanto, Promotores de Justiça do interior classificam esse tratamento como pouco eficaz. Primeiro, porque não há voluntariedade – são raros os adolescentes submetidos a tratamento ambulatorial por vontade própria. Segundo, as perspectivas do atendimento são pouco eficazes se comparadas à pressão do mundo exterior. Muitas vezes, o contexto social e familiar do adolescente já contribuem para que o vício permaneça. Apesar de todas essas constatações, feitas por profissionais que lidam diariamente com o público em questão, continua-se a manter um sistema pouco efetivo no trabalho de resgatar o adolescente desse precipício que é a drogadição.

Em tese, a porta de entrada do atendimento pelo sistema de saúde se faz a partir do serviço básico de saúde, nos termos da Portaria/SNAS nº 224/92, tendo como ingresso as Unidades Básicas de Saúde, que direcionam os pacientes conforme as necessidades de cada um: Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), hospitais-dia e leitos ou alas de psiquiatria em hospitais gerais. Na prática, porém, esse fluxo não tem funcionado. Há casos gravíssimos, em que o adolescente está extremamente comprometido com o entorpecente, colocando-se a si e a outros em risco, sem que os CAPS providenciem o encaminhamento, por não existirem hospitais-dia e leitos ou alas de psiquiatria em hospitais gerais. Embora a legislação permita o encaminhamento a leitos em hospitais, desde que isso indicado em laudo médico, os entes federativos não oferecem vagas suficientes, valendo-se do argumento equivocado de que a reforma psiquiátrica tem como premissa a extinção desses serviços, o que é uma falácia utilizada apenas para não aplicarem os investimentos pertinentes.

Esse fluxo deve obrigatoriamente ser atendido. Caso as equipes deixem de assim proceder, o Promotor de Justiça poderá acionar as Coordenadorias de Saúde Mental Regionais para que ajam supletivamente, orientando a equipe local, que muitas vezes deixa de agir por falta de preparo e de conhecimento do fluxo em demanda.

Se na localidade não houver CAPS I, específico ao público infantojuvenil, qualquer outro CAPS instalado deverá obrigatoriamente prover o serviço, indiferentemente da modalidade.

A política de saúde mental está disciplinada em portarias do Ministério da Saúde, e regulamentada pelas Secretarias de Saúde de cada Estado. Atualmente, a legislação que se aplica ao tema são as Portarias nº 336/GM, de 19.02.2002, nº 189, de 20.03.2002, e n.º 245/GM, de 17.02.2005, todas do Ministério da Saúde.

O serviço de saúde mental abrange o atendimento tanto da pessoa que apresenta sofrimento mental, como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, autismo, como a que se mostra dependente e/ou faz uso prejudicial de álcool e outras drogas. O atendimento de saúde mental deverá acontecer por meio dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, conforme disciplinado nas portarias supra referidas. Os CAPS adotam a seguinte modalidade, dependendo do número populacional de cada município:

Modelo: CAPS I
População Necessária: De 20.000 a 70.000 habitantes
A quem se destina: Pacientes com transtornos mentais


Modelo: CAPS II
População Necessária: De 70.000 a 200.000 habitantes
A quem se destina: Pacientes com transtornos mentais


Modelo: CAPS III
População Necessária: Acima de 200.000 habitantes
A quem se destina: Pacientes com transtornos mentais


Modelo: CAPS i
População Necessária: Acima de 200.000 habitantes
A quem se destina: Crianças e adolescentes com transtornos mentais


Modelo: CAPS ad
População Necessária: Acima de 100.000 habitantes
A quem se destina: Pacientes com transtornos decorrentes de álcool e outras drogas


A assistência prestada pelos CAPS envolve:

Assistência prestada pelo CAPS I, com funcionamento no período das 08 às 18 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana:

  1. em um turno de 4 horas deverão receber uma refeição diária;
  2. em dois turnos (8 horas) receberão duas refeições diárias.


Assistência prestada pelo CAPS II, com funcionamento das 8 às 18 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno com funcionando até às 21 horas:

  1. em um turno (4 horas) receberão uma refeição diária;
  2. em dois turnos (8 horas) receberão duas refeições diárias.


Assistência prestada pelo CAPS III, com funcionamento de serviço ambulatorial de atenção contínua, durante 24 horas, diariamente, incluindo feriados e finais de semana:

  1. em um turno (4 horas) receberão uma refeição diária;
  2. em dois turnos (8 horas) receberão duas refeições diárias;
  3. os que permanecerem no serviço durante 24 horas contínuas receberão 4 (quatro) refeições diárias;


Assistência prestada pelo CAPS i, com funcionamento no período das 8 às 18 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até às 21 horas:


Assistência prestada pelo CAPS ad, que funcionará das 8 às 18 horas, em 2 (dois) turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno funcionando até às 21 horas:


Quanto à internação psiquiátrica, esta é uma medida excepcional, embora juridicamente possível. A Lei nº 10.216 disciplina as internações psiquiátricas no Brasil, portando os critérios da chamada Reforma Psiquiátrica, em vigor desde 2001. A norma se fundamenta na concepção de que a internação hospitalar deve ser considerada apenas como mais um dos recursos terapêuticos existentes, e não o único, garantindo ao usuário o direito a uma assistência múltipla.

Conforme o art. 6º da Lei nº 10.216/01, a internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos, como o fato de o paciente estar colocando a si ou a outrem em situação de risco. Logo, a internação, qualquer que seja a modalidade (voluntária, involuntária ou compulsória), só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, com o objetivo de reinserir o paciente em seu meio social, exigindo assim uma estrutura capaz de oferecer assistência integral, como serviços médicos, psicológicos, ocupacionais, de assistência social, de lazer e outros (arts. 3º e 4º). Por essa razão, é expressamente proibida a internação de pacientes com transtornos mentais em instituições asilares que não possuam condições de lhes resguardar todos os direitos enunciados na lei1).

O Estado de Minas Gerais tem atualmente um único hospital destinado à internação psiquiátrica de crianças e adolescentes: o CEPAE, com número de leitos extremamente limitado. Ocorre que o encaminhamento do adolescente não é aceito por falta de vaga, mesmo com laudo emitido nos termos legais, o que é sem dúvida uma afronta a todos os princípios listados no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição da República. Em casos assim, sugere-se que o Promotor de Justiça ajuíze ação exigindo a internação, em consonância com o laudo médico, em instituição pública ou hospital particular, às expensas do poder público. Com relação ao atendimento ambulatorial, a situação não é melhor, embora a internação psiquiátrica seja mais visível e trágica no que se refere à ausência de vagas.

Numa conferência realizada pelo CAO-Saúde em 3 de fevereiro de 2010, a Coordenação Estadual da Saúde Mental classificou como insuficiente o número de CAPs e sugeriu como ideais os seguintes aumentos: CAPS 1: de 71 para 175; CAPS 2: de 43 para 62; CAPS 3: de 8 para 23; CAPS i: de 10 para 55, e CAPS ad: de 14 para 91.

Uma sugestão para amenizar o enorme déficit no atendimento ambulatorial em saúde mental e que os Promotores de Justiça diligenciem pela instalação de CAPS adequados ao número de habitantes de cada município da Comarca2).

É imprescindível abordar também a polêmica questão das comunidades terapêuticas e, já de início, esclarecer que são diferentes de “fazendinhas de recuperação”. Em nível estadual, a instituição da comunidade terapêutica é ligada à Subsecretaria de Políticas Antidrogas, adjunta à Secretaria de Esportes e Juventude, e não ao Sistema Único de Saúde - SUS. Na quase totalidade das vezes, as comunidades surgem de iniciativa particular (ONGs, Igrejas etc.), que se sensibilizam pelos problemas trazidos pelo vício e pela ineficiência da política pública de saúde mental.

Por meio da Subsecretaria de Políticas Antidrogas, o Estado de Minas Gerais mantém 28 comunidades terapêuticas, credencia as particulares que se apresentam regulares e orienta as que estão fora do padrão fixado na Resolução RDC nº 101, de 30 de maio de 2001, da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA). O discurso oficial é de que as comunidades terapêuticas são apenas um complemento das iniciativas implementadas pela saúde e outras áreas, como a assistência social. As demais comunidades estaduais, cerca de 270, são mantidas por particulares, que nem sempre têm conhecimento técnico na área e não se integram aos sistemas de saúde e assistência social. Alguns estudiosos reconhecem que essas entidades podem ser consolidadas como instrumentos favoráveis ao abandono do vício, desde que devidamente estruturadas e com uma proposta terapêutica clara e bem desenvolvida.

Os Promotores de Justiça deverão observar se os procedimentos estão em consonância com a RDC 101 e solicitar à Vigilância Sanitária inspeções periódicas nas comunidades terapêuticas de municípios da Comarca. É interessante também que examine a proposta terapêutica encampada pela entidade, podendo inclusive acionar um perito do Central de Apoio Técnico (CEAT) para essa avaliação. Em caso de inexistência ou inadequação da proposta, é mais interessante propor adequação às normas da Vigilância Sanitária e da Subsecretaria de Políticas Antidrogas do que pleitear o fechamento da entidade, por esta prestar um serviço que o Estado nem sequer oferece.

A fiscalização para adequação às normas deve ser solicitada à Vigilância Sanitária, pois a regulamentação parte da ANVISA, embora a Subsecretaria de Políticas Antidrogas também possa dar orientações, a fim de elevar a qualidade dos serviços. A comunidade terapêutica precisar ter um projeto terapêutico, um profissional registrado e alvarás de funcionamento emitidos pela ANVISA e o Município. Além disso, o direito de ir e vir não pode ser obstruído, pois o objetivo é a reinserção, e não a exclusão social. Internação com impedimento do direito de locomoção, só em estabelecimento hospitalar. Em comunidade terapêutica, esse direito mantém-se intacto.


1)
“Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e,
internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.”
2)
Conforme exposto no art. 13º da Portaria nº 189/2002, é de responsabilidade dos Gestores Estaduais, o processo de cadastramento de novas unidades e recadastramento dos CAPS existentes que, em síntese, seguirá o seguinte fluxo:
  • 1º - requerimento dos Gestores Municipais à Comissão Intergestores Bipartite, por meio do Secretário de Estado de Saúde;
  • 2º - Aprovação do cadastramento pela Comissão Intergestores Bipartite; (em caso de não aprovação, retornará o projeto ao Gestor Municipal para adequação ou arquivamento).
  • 3º - Remessa do processo para a Área Técnica de Saúde Mental e se necessário, também à Câmara Técnica da Comissão Intergestores Tripartite, para o devido parecer. Sendo o parecer favorável, o processo será encaminhado ao gestor estadual para efetivar o credenciamento.
Frise-se que em razão da especificidade e da complexidade do atendimento em saúde mental, que requer um aparato apropriado, sugere-se a associação entre Municípios próximos (Consórcios entre Municípios), a fim de propiciar o atendimento em todas as modalidades de CAPS, de forma regionalizada. O projeto, portanto, deverá especificar a área de abrangência do serviço. Segundo as diretrizes da Portaria 336/GM/2002, também do Ministério da Saúde, as equipes técnicas devem ter a seguinte composição:
  • a) CAPS 1 - 01 médico com formação em saúde mental; 01 enfermeiro; 03 profissionais de nível superior entre as categorias profissionais de psicologia, assistência social, terapia ocupacional, pedagogia ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; 04 profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão).
  • b) CAPS 2 - 01 médico psiquiatra; 01 enfermeiro com formação em saúde mental; 04 profissionais de nível superior entre as categorias profissionais de psicologia, assistência social, terapia ocupacional, pedagogia ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; 06 profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão).
  • c) CAPS 3 - 02 médicos psiquiatras; 01 enfermeiro com formação em saúde mental; 05 profissionais de nível superior entre as categorias profissionais de psicologia, assistência social, terapia ocupacional, pedagogia ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; 08 profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão).
  • d) CAPS i - 01 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental; 01 enfermeiro; 04 profissionais de nível superior entre as categorias profissionais de psicologia, assistência social, enfermeiro, terapia ocupacional, pedagogia, fonaudiologia ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; 05 profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão).
  • e) CAPS ad - 01 médico psiquiatra; 01 enfermeiro com formação em saúde mental; 01 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas; 04 profissionais de nível superior entre as categorias profissionais de psicologia, assistência social, terapia ocupacional, pedagogia ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; 06 profissionais de nível médio (técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão).
Outros elementos que deverão ser considerado para a instalação de tais equipamentos de saúde:
  • Os CAPS só poderão funcionar em área física específica e independente de qualquer instituição hospitalar;
  • O estabelecimento que se habilitar em CAPS III, com funcionamento de 24 horas por dia, deverá ser referenciado a um serviço de atendimento de urgência / emergência geral de sua região, que dará o suporte de atenção médica;
  • Os estabelecimentos deverão contar com Serviço de Nutrição e Dietética – SND, lavanderia e CME – Central de Material Esterilizado, dimensionados conforme RDC nº 50/02 (norma expedida pela ANVISA), podendo tais serviços serem terceirizados, desde que o estabelecimento contratado disponha de Alvará de Funcionamento.