O Estatuto da Criança e do Adolescente confere ao Ministério Público legitimidade para

“promover, de ofício ou por solicitação dos interessados, a especialização e a inscrição de hipoteca legal e a prestação de contas dos tutores, curadores e quaisquer administradores de bens de crianças e adolescentes nas hipóteses do art. 98” (art. 201, inc. IV.).

A legitimação conferida pelo art. 201 não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que o Código de Processo Civil já trazia tal previsão no parágrafo único do art. 1.188.

O instituto da “hipoteca legal”, também conhecida como “garantia de tutela”, impõe que o pretenso tutor indique em juízo tantos bens seus quanto bastem para garantir a boa administração do patrimônio do tutelado e, na sua impossibilidade, preste caução real ou fidejussória.

O Código Civil de 1916 estabelecia um rigor desproporcional a esse instituto. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente previu no seu art. 37 duas hipóteses de dispensa da hipoteca legal: quando o tutelado não possuir bens ou rendimentos ou possuir apenas o suficiente para a própria manutenção e quando os bens existentes constarem de instrumento público devidamente registrado.

Em consonância com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil em vigor passou a considerar a hipoteca legal como exceção em vez de regra,1) exigindo-a apenas quando o patrimônio da criança e do adolescente constituam valor elevado (art. 1.745, parágrafo único). Mesmo nessa condição, a autoridade judiciária poderá dispensá-la se o tutor for pessoa reconhecidamente idônea.

Todavia, caso esteja configurada a exceção da lei civil, a hipoteca legal deverá, sim, ser prestada, cabendo ao membro do Ministério Público promover a sua especialização diante da omissão do tutor. Ajuizada a ação, o tutor será intimado a prestar compromisso no prazo de cinco dias contados da nomeação ou da intimação do despacho que mandar cumprir o testamento ou o instrumento público que o houver instituído (art. 1.187, CPC).

Enquanto não for julgada a ação de especialização, a administração dos bens da criança e do adolescente e a regência de sua pessoa torna-se incumbência do Ministério Público (art. 1.189, CPC).

Caso a tutela não seja garantida, seja por omissão ou por impossibilidade do pretenso tutor, a nomeação ficará sem efeito (art. 1.191, CPC).

Caberá Apelação à decisão proferida ao final da ação de especificação de hipoteca legal, nos moldes do que disciplina o Código de Processo Civil (art. 198, caput, do ECA), respeitado, todavia, o prazo de dez dias (art. 198, inc. II, do ECA).


1)
Outrossim, de acordo com o art. 2.040 do Código Civil em vigor, o tutor que indicou bens à hipoteca legal no procedimento do Código Civil de 1916 poderá solicitar seu cancelamento, desde que seja pessoa reconhecidamente idônea.