4.6.8. O direito à profissionalização


O trabalho infantojuvenil constitui uma antiga e arraigada realidade brasileira, uma vez que nossa sociedade sempre o concebeu como solução, e não como problema, como ele realmente se evidencia. Essa concepção vem mudando de forma muito lenta e tem sido combatida pela inovação legislativa. Estamos num contexto em que as normas de proteção do trabalho infantil já fazem parte do direito posto. Falta, porém, empenho no efetivo cumprimento dessas normas.

O adolescente é um ser em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, de forma que o trabalho não deve prejudicar seu crescimento regular, por isso se exige que até certo limite de idade não se afaste da escola e do lar, onde se espera que receba orientações necessárias a sua formação e integração na sociedade. Estudos têm mostrado que o trabalho prematuro ou em condições impróprias acarreta lesões irreparáveis e reflexos danosos.

A regulamentação do trabalho eventualmente exercido por crianças e por adolescentes visa a assegurar a plena fruição de outros direitos que lhes são essenciais, como saúde, lazer, educação e convivência familiar e comunitária.

Os principais fundamentos da proteção do trabalho da criança e do adolescente são:

A regra geral contida no art. 7º, inc. XXXIII, da Constituição da República, é a de que o trabalho é proibido para os menores de 16 anos. Na condição de aprendiz, o trabalho poderá ser iniciado pelos maiores de 14 anos. Trabalho noturno, perigoso ou insalubre é vedado a menores de 18 anos.

Não obstante o ingresso no mercado de trabalho aos 16 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante ao adolescente o direito à profissionalização e à proteção do seu trabalho, devendo ser respeitada sua condição peculiar de pessoa em formação e observada sua capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho (art. 69 do ECA).

A atividade a qual o menor de 18 anos se dedicará deverá se afigurar como forma de qualificação. Para materializar esse direito, o Estatuto previu duas figuras: a aprendizagem e a formação técnico-profissional (art. 62 do ECA).

A aprendizagem encontra disciplina na Consolidação das Leis Trabalhistas, que determina a assinatura de contrato de aprendizagem (contrato de trabalho especial), a respectiva anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência à escola, caso o aprendiz não tenha concluído o Ensino Fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica (art. 428, §1º, da CLT).

A educação técnico-profissional é indicada no art. 39 da Lei de Diretrizes Básicas da Educação e se propõe a cumprir os objetivos da educação nacional, integrando-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Quanto à formação técnico-profissional, o Estatuto da Criança e do Adolescente previu os seguintes princípios:

“[…] I - garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular;
II - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
III - horário especial para o exercício das atividades” (art. 63 do ECA).

Ao trabalho do aprendiz, por sua vez, são assegurados direitos trabalhistas e previdenciários (art. 65 do ECA).

Tanto na figura da aprendizagem quanto na da formação técnico-profissional, o trabalho educativo e a atividade laboral devem obedecer às exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando, de modo que prevaleçam sobre o aspecto produtivo (art. 68, §1º, do ECA). O contrato de aprendizagem é disciplinado nos arts. 424 a 433 da CLT, com as modificações da Lei nº 10.097/2000.

A remuneração que o adolescente receber pelo trabalho ou pela participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura de modo algum o seu caráter educativo (art. 68, § 2º, do ECA). As disposições concernentes ao trabalho do adolescente encontram disciplina na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), nos arts. 402 a 441, sob o título “Da proteção ao trabalho do menor”, devendo seus dispositivos, contudo, ser interpretados à luz da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Algumas disposições da CLT merecem destaque. O art. 405, em seu § 31º, considera prejudicial à moralidade do adolescente o trabalho:

”a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;
b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas“.

As atividades indicadas nas alíneas “c” e “d” não poderão ser executadas pelo adolescente, enquanto as das alíneas “a” e “b” são admitidas se autorizadas pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude (art. 406 da CLT).

O empregador ou o estabelecimento que contratar adolescente é obrigado a conceder-lhe o tempo que for necessário para a frequência às aulas (art. 427 da CLT). O empregado adolescente que ainda estudar terá direito a fazer coincidir suas férias com as férias escolares (art. 136, § 2º, da CLT).

Sabe-se que a realidade financeira das famílias brasileiras faz com que crianças e adolescentes se lancem ao mercado de trabalho. Entretanto, o trabalho precoce, por meio das longas jornadas de trabalho e das péssimas condições, gera problemas de saúde e aumenta os índices de mortalidade, além de criar um ciclo vicioso para a família carente.

Deve-se tomar cuidado extremo quando se trata da profissionalização de adolescentes. Normalmente, aqueles que discursam muito acerca do trabalho como saída para os problemas da infância e da juventude são os mesmos que mantêm seus filhos em boas escolas e universidades, até que, já adultos, possam ingressar no mercado econômico qualificados.

O trabalho nessa faixa etária contribui drasticamente para a evasão escolar, de modo que esse trabalhador ficará condenado para sempre a ocupar postos mais humildes em razão da falta de graduação. É preciso estar atento a tal mecanismo.

Não existe a menor pertinência jurídica em alvarás expedidos por Juízes de Direito autorizando o trabalho de adolescentes com idade inferior à estipulada em lei. Trata-se de aviltamento às garantias que devem ser asseguradas a esta pessoa em desenvolvimento. Se a questão é financeira, que a família seja dignamente remunerada e empregada, mas não a criança ou o adolescente.

Em 12 de junho de 2008, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, foi promulgado o Decreto nº 6.481, regulamentando os arts. 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e da ação imediata para sua eliminação. Esse ato normativo lista as atividades que, em razão de sua periculosidade e insalubridade, são proibidas para todos os menores de 18 anos (o Decreto pode ser encontrado no sítio da Presidência da República)1)

A erradicação do trabalho infantil tem certa interface com a atuação do Ministério Público do Trabalho. A fiscalização para responsabilizar o empregador que afronta a lei é do Ministério do Trabalho, que pode aplicar multas. Detectada tal anomalia, o Ministério Público do Trabalho será informado para tomar providências no sentido de responsabilizar o empregador e fazer com que ele cesse a atividade ilegal.

A questão relativa à proteção do adolescente ou da criança compete ao sistema de garantias, aí entendido o Conselho Tutelar, o CMDCA, o Promotor de Justiça e o Juizado da Infância. Não raro, aquele adolescente empregado com afronta à legislação está em situação de risco e deve ser abrigado pelas medidas de proteção atinentes.

O Ministério do Trabalho costuma informar ao Promotor de Justiça e ao Juiz de Direito ao detectar situações de trabalho ilegal envolvendo crianças e adolescentes, justamente para verificarem se há situação de risco e aplicarem medidas de proteção. A criança e o adolescente que trabalham indevidamente podem ter problemas de saúde, por isso devem ser encaminhados aos serviços judiciais.