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Resíduos Sólidos Urbanos


A Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, trouxe disposições inovadoras sobre princípios, objetivos e instrumentos relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos.

Em Minas Gerais, ainda está em vigor a Lei Estadual nº 18.031/2009, que também apresenta importantes definições que auxiliam na compreensão do assunto.

Além disso, é imperioso ressaltar que a coleta, o transporte e a adequada disposição de resíduos sólidos se insere na definição legal de saneamento básico, conforme o disposto no art. 3º, I, “c”, da Lei 11.445/2007.

No que tange ao poder público, a obrigação de zelar pela proteção ao meio ambiente é plenamente vinculada. Ademais, a discricionariedade administrativa não legitima a conduta omissiva lesiva aos bens ambientais. É que o Texto Constitucional, principalmente o art. 225, determina a obrigação do poder público, ou daquele que fizer suas vezes, de promover a defesa do meio ambiente, não podendo causar poluição, atividade completamente proscrita e danosa à sociedade. Contudo, sabe-se que muitos são os danos ambientais causados pelo poder público, por ação ou omissão, direta ou indiretamente.

Por se tratar de serviço público de interesse local, compete ao Município realizar, diretamente ou por meio de concessionária, coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (art. 30 Constituição Federal e art. 10 da Lei 12.305/2010).

O gerenciamento dos resíduos sólidos pelos Municípios deve ser executado de acordo com o disposto no Plano Municipal de Gestão Integrada, cujo conteúdo mínimo está previsto no art. 19 da Lei 12.305/2010, merecendo destaque: diagnóstico dos resíduos gerados; identificação das áreas favoráveis à disposição; regras para a limpeza urbana e transporte de resíduos; identificação dos geradores; programa de educação ambiental; meios de controle e fiscalização; ações preventivas e corretivas.

Na gestão dos resíduos sólidos é imprescindível a obediência à seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final adequada dos rejeitos. Com efeito, as ações do poder público municipal devem ser primeiramente direcionadas ao fomento da reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e o aproveitamento energético dos resíduos, de forma a reduzir ao máximo a quantidade de materiais que será encaminhada para à disposição final no aterro sanitário.

Por outro lado, cumpre destacar que a Lei nº 12.503/2010 apresentou o conceito da gestão compartilhada dos resíduos sólidos, atribuindo responsabilidades ao Poder Público, ao empreendedor e ao consumidor. Nessa sistemática, os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos devem desenvolver ações para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.

Dentro da gestão compartilhada dos resíduos sólidos, a Lei nº 12.305/2010 criou a logística reversa, que é o instrumento constituído por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.

Conceitos


Antes de aprofundar no tema, é necessário trazer algumas definições contidas na legislação ambiental:


Práticas Vedadas


A Lei nº 12.305/2010, em seu art. 47, proíbe as seguintes formas de disposição final: a) lançamento em corpos hídricos; b) lançamento in natura a céu aberto; c) queima a céu aberto; d) outras formas vedadas pelo poder público.

Tais práticas afiguram-se extremamente nocivas ao meio ambiente, especialmente por propiciarem poluição do solo, ar e águas (superficiais e subterrâneas), além de graves prejuízos à saúde pública.

De igual forma, a mesma norma (art. 48) veda as seguintes práticas nas áreas de disposição final:

Importante observar ainda as restrições trazidas pela Lei nº 12.725/2012, que dispõe sobre o controle da fauna nas imediações de aeródromos e estabelece algumas limitações locacionais para a implantação de aterros nas proximidades de aeroportos.


Resíduos especiais


A legislação ambiental submete alguns resíduos especiais a um regramento legal específico, impedindo a disposição final juntamente com o rejeito doméstico comum:


Cooperação entre as diferentes esferas do poder público


A Lei 12.305/2010 incentiva a articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos (art. 7º, II).

A norma dá prioridade a opções que promovam a integração da organização, do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum, como os consórcios públicos (art. 45).

Em atenção à competência municipal, o ordenamento jurídico fomenta a formação de consórcios intermunicipais para a instalação e manutenção de estruturas apropriadas à coleta, separação e disposição de resíduos. Desta forma, o art. 11 parágrafo único, da Lei em exame, afirma que os Estados irão priorizar a prestação de auxílio aos municípios que buscarem soluções consorciadas para a gestão do lixo urbano. Do mesmo modo, o art. 79, II “a” estipula que a União e órgãos ou entidades a ela vinculados priorizarão os consórcios intermunicipais para fins de liberação de linhas de financiamento e incentivos financeiros de outra natureza.

Justamente por isto, é crescente o número de municípios que pretendem e já estão se consorciando. Não obstante, deve-se compreender que a implementação de consórcio intermunicipal em nada limita a atuação do Promotor de Justiça, o qual permanece com a possibilidade de exigir dos municípios e do consórcio – uma vez detentor de personalidade jurídica – o cumprimento das determinações legais.


Atuação Prática


É consabido que o art. 225, §3º, da Constituição da República de 1988 determina a tríplice responsabilidade (esferas cível, penal e administrativa) em decorrência de atos lesivos ao meio ambiente. Outrossim, o art. 51 da Lei nº 12.305/2010 prevê que a inobservância dos seus preceitos sujeitará os infratores às sanções da Lei nº 9.605/1998, independente da obrigação de reparar os danos.


Esfera Cível


Para que o gerenciamento dos resíduos sólidos seja considerado ambientalmente adequado, o ordenamento jurídico exige do Município no mínimo:


Fase Investigatória


De início, sugere-se a instauração de Inquérito Civil para investigar as circunstâncias do gerenciamento dos resíduos sólidos pelo Município, incluindo coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final.

Na portaria de instauração cabem as seguintes providências iniciais: 1) Oficiar o Município requisitando informações detalhadas sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, especialmente sobre a existência de Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e de aterro sanitário, além de esclarecimentos sobre a coleta e destinação de todas as espécies de resíduos; 2) Realizar consulta ao Sistema Integrado de Informações Ambientais - Siam (www.siam.mg.gov.br) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para averiguar se o depósito de lixo do Município investigado possui licença ambiental; 3) Oficiar a Polícia Militar de Meio Ambiente requisitando a realização de vistoria no local de disposição final de rejeitos, especialmente para verificar a ocorrência de alguma das práticas vedadas pela legislação; 4) Oficiar o órgão ambiental competente requisitando a realização de vistoria no local de disposição final de rejeitos, com aplicação das sanções administrativas cabíveis, inclusive embargo da atividade.

Cumpridas as diligências iniciais e existindo indícios de irregularidades, recomenda-se a remessa dos autos à Central de Apoio Técnico – CEAT, para realização de perícia, conforme quesitos relacionados no “Guia Prático de Requisições de Perícias Ambientais”.


Esfera Cível


Constadas irregularidades no gerenciamento dos resíduos sólidos, é imprescindível a notificação do Prefeito Municipal para comparecer na Promotoria de Justiça para prestar esclarecimentos e firmar Termo de Ajustamento de Condutas (modelo anexo).

Caso não seja possível a celebração de TAC, recomenda-se a propositura de Ação Civil Pública (modelo anexo).

Seja por meio de Termo de Ajustamento de Conduta ou de Ação Civil Pública, é importante a adoção simultânea das seguintes medidas: a) completa adequação do gerenciamento municipal dos resíduos sólidos; b) interrupção da atividade nociva ao meio ambiente; c) recuperação do ambiente degradado; d) indenização pelos impactos ambientais temporários e não recuperáveis.

Para garantir a efetividade das obrigações pactuadas no TAC ou das determinações impostas pelo Poder Judiciário no julgamento da ACP, imprescindível que a multa cominatória seja direcionada ao Prefeito Municipal.

“O art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público”. (STJ. EDcl no REsp 1111562/RN, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, J. 01/06/2010, DJe 16/06/2010)


Esfera Criminal


Na seara criminal, a disposição irregular de resíduos sólidos pode, em tese, caracterizar as seguintes infrações penais: arts. 54; 56, §1º, II; 60 e 68 da Lei nº 9.605/1998.

O lançamento de resíduos sólidos em área inadequada e em desconformidade com a legislação, além de causar sérios danos ao meio ambiente, principalmente poluição do ar e do solo, provoca potenciais prejuízos à saúde pública. A conduta comissiva do gestor público municipal amolda-se ao tipo penal previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, que criminaliza a mera possibilidade de danos à saúde humana (crime de perigo concreto).

Em casos excepcionais, a conduta pode ensejar a aplicação de alguma das qualificadoras previstas no parágrafo segundo do mesmo dispositivo, quando a conduta: I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV – dificultar ou impedir o uso público das praias; V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.

Sob a ótica da prática processual penal, chamamos a atenção para a necessidade de prova pericial que constate a existência de poluição, por se tratar de crime que deixa vestígios (art. 158 do CPP). A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no processo penal, devendo ser observado o princípio do contraditório (art. 19, parágrafo único, Lei nº 9.605/98).

O dolo do sujeito ativo responsável pela poluição fica evidenciado pela não adoção das medidas concretas para a regularização da disposição final de resíduos sólidos, aliada às seguintes circunstâncias: negativa em firmar Termo de Ajustamento de Conduta; descumprimento injustificado de TAC ou decisão judicial; lavratura de Auto de Infração pelo órgão ambiental ou Boletim de Ocorrência pela Polícia Militar de Meio Ambiente.

Sobre a tipificação do crime ambiental, vale a pena transcrever o entendimento do TJMG:

“PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. PREFEITO MUNICIPAL. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. 'LIXÃO'. DENÚNCIA FORMALMENTE PERFEITA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CAPITANEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. ELEMENTOS INDICIÁRIOS SUFICIENTES PARA CONFERIR VIABILIDADE À ACUSAÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA. - Preenchendo a denúncia os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal e havendo elementos indiciários a conferir viabilidade à acusação, a instauração da ação penal se impõe”. (AP N° 1.0000.09.504512-6/000, 2ª Câmara Criminal, Rel. Des. Beatriz Pinheiro Caires, v.u., j. 25/02/2010).

Além disso, se a perícia constatar irregularidades na destinação final de resíduos perigosos, tais como pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes e embalagens de agrotóxicos, que não raramente são depositados juntamente com o lixo doméstico, também será possível a caracterização da infração penal prevista no art. 56, §1º, II, da Lei no 9.605/1998, cuja redação foi alterada pelo art. 53 da Lei nº 12.305/2010.

Por outro lado, quando a disposição irregular dos resíduos sólidos ocorrer sem a respectiva licença ambiental restará configurado o crime do art. 60 da nº 9.605/98, já que a atividade é potencialmente poluidora e depende de anuência prévia do órgão ambiental. Importante salientar que o crime é de mera conduta, sendo desnecessária a comprovação de danos ao meio ambiente.

O gerenciamento inadequado dos resíduos sólidos do Município pode também permitir a incidência da infração penal tipificada no art. 68 da nº 9.605/98, nos casos em que o gestor público deixar de cumprir obrigações de relevante interesse ambiental, previstas em lei ou em Termo de Ajustamento de Conduta. Da mesma forma, a tipificação do delito não depende da ocorrência de efetivo prejuízo ambiental.

Nesse sentido orienta-se a jurisprudência:

“CRIME AMBIENTAL. Deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental. Assinatura de termo de compromisso de ajustamento de conduta entre prefeito municipal e Cetesb. Não cumprimento integral do acordado. Prova de efetivo dano ambiental. Desnecessidade. Infração de mera conduta. Caracterização, inteligência do art. 68, caput, da Lei n- 9.605, de 1998. - Comete a infração do art. 68, caput, da Lei ne 9.605, de 1998, o prefeito municipal que, tendo assinado termo de compromisso de ajustamento de conduta com a Cetesb, não o cumpre integralmente, deixando itens por fazer, conforme prova pericial e auto de infração, sendo desnecessária prova de efetivo dano ambiental por se tratar de infração de mera conduta.” (TJSP, Apelação nº 1356299000, Rel. Des. João Morenghi, Órgão julgador: 4º Câmara, J. 08/07/2003, Registro: 01/04/2004).

É importante destacar que, caso o sujeito ativo do crime seja o Prefeito Municipal em exercício, caberá ao Promotor de Justiça expedir ofício à Procuradoria Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos Municipais, solicitando a adoção das providências pertinentes.

Entretanto, caso o mandato do Prefeito responsável pelo crime ambiental já tenha encerrado, torna-se plenamente possível o ajuizamento de ação criminal na própria Comarca. Para estes casos, vide modelo de denúncia criminal ao final deste tópico.


Improbidade Administrativa Ambiental


O Prefeito Municipal que deixa de adotar as providências necessárias para regularizar a disposição final de resíduos sólidos urbanos, contrariando as exigências da legislação ambiental e provocando danos ao meio ambiente e à saúde pública, deve ser responsabilizado pela violação aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência, nos termos do art. 11, caput e incisos I e II, da Lei nº 8.429/92.

Neste caso, a contuda negativa do gestor público é duplamente ofensiva à legalidade: ofensa ao dever de não degradar e omissão no dever de combater a poluição ambiental (art. 23, VI, CF). Ou seja, o Município, ente constitucionalmente incumbido de impedir a degradação do meio ambiente, torna-se, ele próprio, o agente poluidor.

Em alguns casos, a conduta ambientalmente nociva do gestor municipal poderá acarretar prejuízos ao erário, v.g: aplicação de multas administrativas; execuções de multas cominatórias previstas em TACs ou impostas em decisões judiciais. Sem contar que o agravamento dos danos ambientais aumenta exponencialmente o custo das obras de reabilitação da área degradada. Nestas situações, restará configurada a improbidade administrativa prevista no art. 10 da Lei 8.429/92.