Tabela de conteúdos

6.3. Meio Ambiente Urbano - a defesa da ordem urbanística


Promotora de Justiça Marta Alves Larcher

A Constituição Federal de 1988 inaugurou nova ordem jurídica nacional e atribuiu ao Ministério Público papel preponderante no Estado Democrático de Direito inaugurado, alçando-o à categoria de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput).

É inegável que a partir da CF/88, as atribuições do Ministério Público ampliaram-se para além da atuação de custos legis e de dominus da ação penal, abarcando a defesa dos direitos mais caros da sociedade, a saber, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

A mudança do perfil institucional inicialmente causou perplexidade nos diversos setores sociais, mas decorridas mais de duas décadas desde a promulgação da Carta de 1988, o Ministério Público é visto, sem margem de dúvidas, como um dos maiores aliados da sociedade brasileira na construção do verdadeiro Estado Democrático de Direito sonhado pelo constituinte.

Dentre o novo rol de atribuições da Instituição realça a defesa do consumidor, da saúde, da infância e juventude, dos idosos, dos deficientes, do patrimônio público lato sensu (englobados o erário propriamente dito e a defesa dos princípios da administração pública previstos no art. 37, caput da CF/88) do meio ambiente, e ainda, da ordem urbanística, definida por Carlos Ari Sundfeld como “conjunto de normas vinculantes que condicionam positiva ou negativamente a ação individual na cidade 1)”. Ou seja, podemos entender a ordem urbanística como conjunto de normas legais que regem e limitam a liberdade individual e as atividades em geral no espaço urbano em prol do bem comum.

Exemplo de norma urbanística é a que estabelece a obrigatoriedade de licença dos órgãos públicos municipais para exercício de atividades comerciais no espaço urbano, das normas que instituem zoneamentos com escopo de evitar proximidade de usos incompatíveis, que proíbem o exercício de determinadas atividades no horário noturno, que disciplinam o parcelamento do solo, que instituem áreas non aedificandi, que disciplinam o direito de construir, entre outras.

As normas urbanísticas compõem, por certo, o Direito Urbanístico, do ramo do Direito Público, e são de aplicação cogente, no interesse social, vale dizer, são obrigatórias, não restando ao administrador público margem de discricionariedade para juízo de conveniência ou oportunidade na sua aplicação, tampouco ao particular opção, senão sujeitar-se aos seus ditames.


6.3.2 – Competência em matéria urbanística


É bem de ver que o estudo do urbanismo por muito tempo limitou-se à academia e mais interessava aos arquitetos que aos juristas. Assim, não se podia cogitar de Direito Urbanístico como um conjunto de normas legais impositivas, sendo o urbanismo o mero estudo do planejamento urbano, despido de qualquer coercibilidade. Foi somente a partir da crescente industrialização da economia brasileira verificada após a década de 50 do século passado, com a conseqüente intensificação do crescimento urbano, que se iniciou a preocupação com o planejamento e controle da expansão urbana, através da normatização legal do urbanismo.

Infelizmente, a tardia normatização do urbanismo, dando-lhe caráter cogente, deu causa a um intenso e, quiçá, irreversível processo de exclusão econômica, social, política e espacial de grande parte das populações urbanas brasileiras, gerando cidades incapazes de atender as mínimas necessidades básicas de seus habitantes, a exemplo de acesso a trabalho, moradia, saúde, educação e transporte público com dignidade, estando nossas cidades longe de cumprir sua função social, preconizada na CF/88.

O processo de urbanização brasileiro caracterizou-se basicamente pela criação de dois mundos distintos e freqüentemente inconciliáveis: a cidade formal, regular, planejada, aprovada de acordo com normas e projetos urbanísticos, com acesso aos serviços públicos e a cidade informal, caracterizada principalmente pela autoconstrução, sem qualquer observância das normas de parcelamento, uso e ocupação do solo e despida das mínimas condições de infraestrutura urbana, a exemplo de iluminação pública, pavimentação das vias, abastecimento de água, esgotamento sanitário, áreas de lazer, praças, áreas verdes, decorrendo da urbanização desenfreada e sem planejamento enorme degradação ambiental, com prejuízo direto à qualidade de vida da população e comprometendo a preservação dos recursos naturais para as presentes e futuras gerações.

Sensível ao processo, o constituinte de 1988 de forma pioneira incluiu no texto constitucional um capítulo para dispor sobre a política urbana, arts. 182 e 183, em que estabeleceu em linhas gerais as diretrizes para o processo de urbanização, atribuindo, por exemplo, competência aos Municípios para elaborar e implantar sua política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, bem ainda a obrigatoriedade de Plano Diretor para cidades com mais de 20 mil habitantes.

Na distribuição das competências legislativas, o constituinte deferiu competência concorrente aos entes federados para legislar sobre direito urbanístico (art. 24, I), cabendo à União editar normas gerais (art. 24, § 1º), aos Estados, Distrito Federal e Municípios, normas suplementares (art. 24, § 2º e art. 30, II) e, finalmente, aos Municípios, dispor sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) e ainda promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII).

No exercício de sua competência constitucional, a União editou a Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, norma geral em direito urbanístico, cabendo aos demais entes da federação suplementar o diploma legal citado, editando normas legais para atender suas peculiaridades locais, sem, contudo, contrariar as normas gerais federais.

Assim, verifica-se que a competência municipal em matéria urbanística pode ser exercida de forma bastante ampla, disciplinando tudo quando for de interesse local, bem ainda instituir sua política de desenvolvimento urbano, mercê da edição de leis diversas, a exemplo do Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo, Código de Posturas e Obras, dentre outras que reputar necessárias ao adequado planejamento e ordenamento das atividades urbanas.

6.3.3 – A atuação do Ministério Público em prol da ordem urbanística


Como restou acima dito, as normas urbanísticas, quer sejam federais, estaduais ou municipais são de aplicação cogente e de interesse social. Sendo o Ministério Público instituição que tem por função a defesa judicial e extrajudicial da ordem jurídica e dos direitos difusos, dentre outras tantas atribuições, cabe-lhe atuar em prol da obediência e observância da ordem urbanística. Nem se diga que seria essa uma atuação menor, pois estando o respeito à ordem urbanística intrinsicamente relacionado ao adequado ordenamento e planejamento urbanos, a atuação do Ministério Público pode ser decisiva no cumprimento das normas legais referidas para garantir a função social da cidade e a qualidade de vida no meio urbano. E mais: o Estatuto da Cidade expressamente conferiu à ordem urbanística a natureza de direito difuso, a ser tutelado pelo Ministério Público, inserindo o inciso VI no art. 1º da Lei nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública.

E se assim não fora, a atuação do Ministério Público em prol da ordem urbanística já seria possível, se considerarmos que o meio ambiente construído ou urbano é um dos aspectos do meio ambiente, direito difuso por excelência. Na lição de Hugo Nigro Mazzilli:

O conceito é tão amplo que permite considerar praticamente ilimitada a possibilidade de defesa da flora, da fauna, das águas do solo, do subsolo, do ar, com base na conjugação do art. 225 da Constituição com as Leis nº 6.938/81 e nº 7.347/85. Também se incluem na noção de meio ambiente diversos valores integrantes do chamado patrimônio cultural (bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, arqueológico, turístico e paisagístico). Contrapõe-se ao meio ambiente natural (o solo, a água, a vida, etc.) ao artificial (a interação do homem ao ambiente, como o chamado patrimônio cultural – urbanismo, zoneamento, paisagismo, monumentos históricos, meio ambiente do trabalho, etc.)2).


Os instrumentos à disposição do Ministério Público para defesa da ordem urbanística e do meio ambiente urbano são os mesmos rotineiramente usados para atuação em outros ramos, a saber, o inquérito civil, o termo de ajustamento de conduta, a ação civil pública, a recomendação, a ação de improbidade administrativa, a ação penal, etc.

As áreas de atuação do Parquet concernentes à defesa da ordem urbanística e do meio ambiente urbano são ilimitadas. Para este manual prático de atuação, selecionamos, contudo, os temas Plano Diretor e Uso e Ocupação do Solo Urbano, com enfoque nas questões do (a) parcelamento do solo urbano para implantação de empreendimentos imobiliários (loteamentos e desmembramentos), (b) chacreamentos rurais, © loteamentos fechados, (d) regularização fundiária de interesse social e (e) APPS urbanas, mais recorrentes na atuação diária do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Esperamos sinceramente que nossa singela contribuição ao manual possa servir para aprimoramento da atuação dos Promotores de Justiça que militam na área, colocando-nos desde logo à disposição para sugestões de aperfeiçoamento do material produzido.

Registramos, por fim, que todos os roteiros práticos integrantes deste manual, assim, como as peças processuais (petições iniciais, denúncias, recursos, etc) e extrajudiciais (portarias, recomendações, requisições, ofícios, representações, quesitos, termos de ajustamento de conduta, etc.), além de artigos doutrinários, jurisprudência e legislação pertinente estão disponíveis para consulta na página da Coordenadoria Estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo – CEPJHU.

6.3.4 – Plano diretor


6.3.4.1 - A obrigatoriedade dos Municípios em editar seus planos diretores



Conceito e importância do plano diretor

Os teóricos do urbanismo sempre concordaram com o entendimento de que o planejamento era essencial para o adequado desenvolvimento e expansão urbanos. Todavia, nos primórdios do urbanismo, a atividade de planejamento era mera opção política do administrador público, ou seja, cabia ao gestor decidir se editava ou não normas jurídicas de planejamento urbano. A omissão, contudo, não acarretava qualquer sanção jurídica. Em razão disso, pouquíssimas cidades brasileiras adotaram mecanismos legais e cogentes de planejamento. As conseqüências da omissão não tardaram a surgir. O crescente processo de êxodo rural, com transferência de enormes contingentes de população do campo para as cidades, desacompanhado de uma política habitacional voltadas para a população de baixa renda nas cidades deu origem a processos marginais de ocupação do solo, a exemplo de cortiços, loteamentos totalmente insustentáveis do ponto de vista ambiental e urbanístico, além de dar início a um acelerado processo de favelização de nossas cidades.

O cenário começou a mudar a partir da CF/88 que instituiu um capítulo voltado para a política urbana, consagrando a normatividade do planejamento urbano ao dispor que o

Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º).


Com a edição da CF/88, o plano diretor, de instrumento facultativo, passou à categoria de instrumento indispensável para a adoção de políticas de desenvolvimento urbano. Em que pese haver instituído a obrigatoriedade da edição de plano diretor aos Municípios com mais de 20 mil habitantes, o constituinte não previu qualquer sanção para o descumprimento da norma, tampouco o conteúdo mínimo do plano diretor.

Destarte, cumpre observar que o plano diretor deverá ser criado através de lei municipal, aprovada pela respectiva Câmara de Vereadores, afastada a possibilidade de edição de decretos com tal conteúdo, em razão dos termos peremptórios do art. 182, § 1º, da CF/88, até porque no regime democrático atual é inconcebível estabelecerem-se limitações à propriedade privada e às atividades em geral senão por meio de lei (princípio da legalidade – art. 5º, II, da CF/88). A iniciativa da lei, contudo, não é privativa do Poder Executivo, podendo partir de qualquer vereador ou mesmo do povo (iniciativa popular – CF/88 – art. 61, § 2º). Todavia, considerando as peculiaridades do projeto de lei de plano diretor, cuja elaboração deve ser precedida da realização de estudos e diagnósticos da realidade local, preferencialmente conduzidos por equipe multidisciplinar, recomenda-se que a iniciativa seja do Poder Executivo, que está melhor aparelhado para conduzir o processo de debates e consultas populares.

Coube ao legislador infraconstitucional ao editar a Lei Federal nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, regulamentar o dispositivo constitucional, instituindo outras hipóteses de obrigatoriedade do plano diretor, prazo para edição da lei, seu conteúdo mínimo, procedimentos para sua elaboração e atualização e ainda sanções jurídicas para o descumprimento do dever de editar o plano diretor. Coube ao Estatuto da Cidade definir os contornos da chamada função social da propriedade urbana, aduzindo que

[…] a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. (art. 39, da Lei nº 10.257/2001).


Assim, verifica-se que a propriedade urbana atende sua função social quando é exercida em consonância com os princípios e diretrizes de ordenação da cidade estabelecidos no plano diretor. Ora, se um imóvel urbano é utilizado para atividade não autorizada pelo zoneamento instituído pelo plano diretor, podemos dizer que a propriedade privada não está cumprindo sua função social.

Além disso, a utilização dos diversos e importantes instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade, a exemplo de IPTU progressivo, parcelamento, utilização ou edificação compulsórios, outorga onerosa do direito de construir, operações urbanas consorciadas, transferência do direito de construir, entre outros, depende de prévia previsão e autorização pelo plano diretor.

6.3.4.2 – A obrigatoriedade e abrangência do plano diretor


De acordo com o art. 41 do Estatuto da Cidade:

Art. 41 – O plano diretor é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de área de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimento ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

VI – incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. (incluído pela Lei nº 12.608, de 2012).


A primeira hipótese legal de obrigatoriedade de instituição do plano diretor é dos municípios com mais de 20 mil habitantes. Na página da CEPJHU consta relação dos municípios mineiros que se enquadram nessa hipótese, observando-se que a população a considerar à data da promulgação do Estatuto da Cidade é aquela fixada com base no censo realizado pelo IBGE no ano de 2000. Outrossim, tão logo atinja o patamar populacional de 20 mil habitantes, os demais Municípios ficam automaticamente obrigados a editar seus planos diretores.

A segunda hipótese de obrigatoriedade legal de instituição de plano diretor é para os municípios integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, observando-se que em Minas Gerais existem duas regiões metropolitanas, a de Belo Horizonte, criada pela Lei Complementar estadual nº 89/06, composta por trinta e quatro Municípios e a do Vale do Aço, criada pela Lei Complementar estadual nº 90/06, composta por quatro Municípios.

A terceira hipótese de obrigatoriedade engloba aqueles municípios que pretendam fazer uso dos instrumentos de política urbana previstos na CF/88, a saber, parcelamento e edificação compulsórios, IPTU progressivo e desapropriação em caso de não edificação, subutilização ou não utilização do imóvel urbano.

A quarta hipótese legal de obrigatoriedade de edição do plano diretor é a dos municípios integrantes de áreas de especial interesse turístico, a exemplo dos municípios que integram os chamados circuitos turísticos, observando-se que cabe ao Ministério do Turismo emitir declaração de especial interesse turístico. A obrigatoriedade, na hipótese, justifica-se considerando que o turismo é nitidamente atrativo de novas atividades e moradores para o Município, incrementando o crescimento econômico e populacional, ensejando a necessidade de planejamento do desenvolvimento e expansão urbanos de modo a permitir o atendimento da função social da cidade, mercê da oferta de moradia, saúde, educação, transporte coletivo, trabalho e melhoria da infraestrutura urbana, como abastecimento de água, esgotamento sanitário, entre outros. Atualmente, os Municípios listados na Deliberação Normativa 432/2002 da EMBRATUR estão obrigados a editar plano diretor.

Devem editar plano diretor os municípios que se situam em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. Da mesma forma, a instalação de novos empreendimentos em seu território traz para o Município grandes contingentes de novos moradores, havendo necessidade de conhecer-se essa demanda por serviços públicos e estabelecer a forma de atendê-la, mediante o adequado planejamento. Nesse caso, cabe ao empreendedor, a título de medida compensatória, a critério do órgão ambiental, dar início ao processo de elaboração do plano diretor, contratando consultorias e estudos necessários, arcando com todos os custos do processo até a promulgação da lei (art. 41 §1º da Lei 10.257/2002).

A Resolução Recomendada n. 22/2006 do Conselho Nacional das Cidades estabelece os critérios e diretrizes para regulamentação da matéria pela União, Estados e Distrito Federal, o conteúdo mínimo dos estudos técnicos a serem elaborados pelo empreendedor para apontar ou não a necessidade de incidência da medida compensatória em referência e a forma de cálculo dos valores.

Finalmente, a Lei 12608/2012 acrescentou mais uma hipótese de obrigatoriedade de elaboração de plano diretor, a saber, Municípios incluídos em cadastro nacional de áreas sujeitas a acidentes geológicos, deslizamentos e enchentes, fixando prazo de 04(quatro) anos para elaboração.

A lista de Municípios referida pelo inciso ainda não foi elaborada pela União, através do Ministério da Integração Nacional/Secretaria Nacional de Defesa Civil, contrariando o disposto na Lei Federal 12.608/2012. Todavia, consta no site do Ministério da Integração Nacional uma relação de 821 de Municípios brasileiros, incluindo os mineiros com maior recorrência de inundações ou deslizamentos.3)

Cumpre ressaltar que o plano diretor deve englobar todo o território municipal, inclusive o rural, justamente porque o crescimento urbano se dá em direção ao campo.

6.3.4.3 – Prazo para editar o plano diretor


O Estatuto da Cidade, em sua redação original, fixou prazo até 10/10/2006 para os municípios que se enquadram no art. 41, incisos I e II, editarem seus planos diretores (art. 50). Contudo, a Lei 11.673/2008, estendeu o prazo para edição do plano diretor nos casos previstos no artigo 41, I e II, até 30 de junho de 2008. No caso dos Municípios que se enquadrem na hipótese do inciso VI, o artigo 42A §4º estabelece o prazo de 05 (cinco) anos a partir da inclusão na lista do Ministério da Integração Nacional, para os Municípios que ainda não tiverem elaborado o plano diretor. Nas demais hipóteses, não existe prazo estipulado. Contudo, é entendimento pacífico que a obrigatoriedade surge a partir do momento em que o Município se enquadre na hipótese legal. Por exemplo, no caso do inciso IV, deverá o Município iniciar o processo de elaboração do plano diretor tão logo passe à condição de área de especial interesse turístico, assim declarado pelo Ministério do Turismo.

Além de estabelecer prazo para a edição do plano diretor, o Estatuto da Cidade dispõe que os planos diretores editados devem ser atualizados, no mínimo, a cada dez anos (art. 40, § 3º). Para os planos editados anteriormente à vigência do Estatuto, o prazo de dez anos começa a fluir a partir da vigência da Lei nº 10.257/2001, ou seja, a partir de 10/10/2001.

Não obstante o prazo máximo de dez anos para atualização obrigatória do plano diretor, quando se dará profunda revisão da lei, para adaptá-la à contínua e dinâmica realidade social, é possível que neste interregno, sejam realizadas alterações pontuais no diploma legal, que deverão obviamente ser precedidas de todas as cautelas exigíveis para elaboração da lei, tais como consultas populares, audiências públicas, etc.

6.3.4.4 – As sanções jurídicas pela não edição do plano diretor


O descumprimento da obrigatoriedade em editar o plano diretor traz sérias conseqüências ao gestor municipal, além de privar o Município de seu principal instrumento de planejamento do desenvolvimento e crescimento urbano, impossibilitando-o de utilizar os importantes instrumentos de política urbana previstos na CF/88 e no Estatuto da Cidade, conforme acima explicitado.

Destarte, não editar o plano diretor nas hipóteses previstas no art. 41, incisos I e II, da Lei Federal nº 10.257/2001, no prazo previsto no art. 50 do mesmo diploma, com a redação introduzida pela Lei Federal 11.673/2008, bem ainda deixar de promover sua atualização no prazo previsto no art. 40, § 3º sujeita os gestores públicos à responsabilização por improbidade administrativa, nos termos do art. 52, VII, do Estatuto da Cidade. Não se trata de nova modalidade de improbidade administrativa, senão aquela já prevista no art. 11, caput e II, da Lei nº 8.429/92, decorrente da violação aos princípios da administração pública, em especial, da legalidade, da eficiência e da moralidade.

Além disso, está sujeito à responsabilização por ato de improbidade administrativa o gestor público que deixar de garantir ou impeça durante o processo de elaboração da lei e de sua atualização a efetiva participação popular, nos termos do art. 52, VI, c/c art. 40, § 4º.

Finalmente, devemos aduzir que, ainda que nas hipóteses do art. 41, incisos IV e V, não haja prazo para aprovação do plano diretor, entendemos que o gestor público estará também sujeito à responsabilização por improbidade administrativa, desde que, implementada a condição legal de obrigatoriedade, não adote as providências necessárias para editar a lei.

6.3.4.5 – Conteúdo mínimo do plano diretor


O Estatuto da Cidade indicou em seus arts. 42 e 42A o conteúdo mínimo do plano diretor. No caso de o Promotor de Justiça constatar que a lei aprovada não atende ao dispositivo legal, convém editar recomendação para complementação do plano diretor em prazo determinado, sob pena de improbidade administrativa do gestor municipal, sem prejuízo de celebração de termo de ajustamento de conduta ou ajuizamento de ação civil pública tendo por objeto obrigação de fazer.

A Resolução nº 34/05 do Ministério das Cidades/Conselho das Cidades dispõe sobre o conteúdo mínimo do plano diretor, devendo o Promotor de Justiça consultar o ato normativo referido para verificar se os planos diretores dos municípios integrantes da comarca onde atua atendem aos requisitos legais.

6.3.4.6 – Procedimentos de elaboração do plano diretor


O Estatuto da Cidade estabelece que tanto durante o processo de elaboração quanto de atualização do plano diretor (art. 40, § 4º), deve ser assegurada a participação popular, mediante realização de audiências públicas, como consectário lógico dos princípios da democracia participativa e da gestão democrática da cidade, previsto o último no art. 2º, II, da Lei nº 10.257/2001.

A matéria vem regulamentada na Resolução nº 25/2005 e na Resolução Recomendada nº 83/2009 do Conselho Nacional das Cidades/Ministério das Cidades e a inobservância da participação popular acarreta a responsabilização do gestor municipal por improbidade administrativa, conforme acima deduzido, além de ensejar eventual ação civil pública com escopo de obter a suspensão do plano diretor e a declaração de inconstitucionalidade por vício formal durante sua elaboração, pela via da ação direta de incostitucionalidade.

6.3.4.7 – Conclusão


Como restou dito, o plano diretor é um importante instrumento de planejamento do desenvolvimento e crescimento urbano. No exercício de seu mister, deve o Promotor de Justiça zelar pelo cumprimento das normas legais que instituíram a obrigatoriedade de edição do plano diretor, processo participativo social e prazos previstos no Estatuto da Cidade, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para fazer cumprir as disposições legais.

Destarte, ainda que o Município não se enquadre nas hipóteses legais de obrigatoriedade, deve o Promotor de Justiça buscar conscientizar os gestores públicos da importância da edição de plano diretor, como instrumento de planejamento preventivo para evitar o crescimento urbano desordenado. Com essa atuação, o Promotor de Justiça estará contribuindo para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, bem ainda zelando pela qualidade do meio ambiente urbano, assegurando às presentes e futuras gerações o direito às cidades sustentáveis e à paulatina eliminação das desigualdades sociais, mercê da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.

6.3.5 – Técnicas de atuação: roteiro prático


Expedir ofício ao Município (que se enquadre em uma das hipóteses legais) e que não tenha plano diretor aprovado ou revisto dentro do prazo legal4) e ofício à câmara de vereadores para que informem a situação do respectivo plano diretor (em elaboração, em tramitação, aprovado etc.), enviando cópia à Promotoria de Justiça, se ele estiver aprovado, considerando-se os arts 41 e 50 da Lei federal nº 10.257/20015).

Os municípios inseridos em áreas de interesse turístico também estão obrigados à elaboração de seus planos diretores6) (art. 41, IV, do Estatuto da Cidade). Embora não haja, na lei, previsão de prazo limite para a edição dos planos diretores, o Ministério Público deve buscar o quanto antes o cumprimento dessa relevante obrigação em caso do Município já se enquadrar nessa situação jurídica, ou tão logo venha a obter a declaração pertinente do Ministério do Turismo.

Verificar se foi encaminhada recomendação ao Município à época do Plano Geral de Atuação 2004. O CAO-MA enviou, por meio do Ofício Circular nº 02/2004, modelo da referida recomendação salientando a necessidade de recomendar ao Município a elaboração do Plano Diretor e inclusão no orçamento para o fim do art. 52, VII, da Lei nº 10.257/2001. Tal verificação é necessária para fins de melhor comprovação do dolo.

Se o plano diretor ainda não tiver sido aprovado ou revisto com descumprimento do prazo legal ou sem participação popular efetiva, propor ação pleiteando a condenação por ato de improbidade administrativa7) do Prefeito municipal, integrantes da Câmara de Vereadores e outros agentes públicos eventualmente responsáveis, com fulcro no art. 52, inc. VII, do referido Estatuto, e no art. 11, inc. II, da Lei Federal nº 8.429/92 (ver mod. ref. improbidade). No âmbito penal, encaminhar representação à Procuradoria Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos Municipais, com documentos comprobatórios da desídia do agente público municipal, para oferecimento de denúncia em virtude do delito previsto no art. 68, da Lei Federal nº 9.605/98.

Sem prejuízo da responsabilização por ato de improbidade administrativa, remeter recomendação ao Prefeito Municipal e a todos os Vereadores para que concluam a aprovação ou revisão do plano, de modo célere8), respeitando os parâmetros técnicos preestabelecidos no Estatuto da Cidade e nas Resoluções nº 25 e nº 34, ambas de 2005, do Ministério das Cidades/Conselho das Cidades.

Se o plano diretor estiver aprovado, verificar se os seus termos se compatibilizam com a Lei nº 10.257/2001 e com as Resoluções nº 25/2005 e nº 34/2005, do Ministério das Cidades/Conselho das Cidades. A primeira aborda o processo de participação cidadã na elaboração, implementação e execução do plano diretor; a segunda prevê o conteúdo mínimo que esse plano deve conter. Se o plano não tiver observado tais parâmetros, podendo, inclusive, gerar danos ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural, propor ação civil pública (mod. ref. suspensão), com pedido de suspensão in concreto dos efeitos do plano diretor9). Considerar também a necessidade de participação no processo de elaboração dos planos diretores (ver mod. ref. Participação 1 e mod. ref. participação 2). Obs: O CAO-MA elaborou um check-list visando facilitar a verificação do atendimento às exigências previstas nas resoluções do Ministério das Cidades/Conselho das Cidades.

Em caso de inconstitucionalidade do plano diretor, expedir representação à Procuradoria-Geral de Justiça, para que proponha a ADIN pertinente (em relação à Constituição do Estado de Minas Gerais).

6.3.6 – Uso e ocupação do solo: parcelamento do solo urbano



6.3.6.1 – Parcelamento do solo urbano: loteamentos e desmembramentos clandestinos e irregulares


6.3.6.1.1 – O uso e a ocupação do solo urbano na CF/88


De forma inovadora, o constituinte de 1988 trouxe para o seio da Magna Carta a preocupação da sociedade brasileira com o tema do parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, instituindo um capítulo específico para a política urbana. Os arts. 182 e 183 da CF/88 traçam linhas gerais sobre o planejamento do desenvolvimento e expansão urbanos, que se darão, via de regra, mediante aprovação de leis urbanísticas, em especial do plano diretor, obrigatório para Municípios que se enquadrem nas hipóteses indicadas no artigo 41 da Lei Federal 10.257/2001, além de dispor sobre a função social da propriedade, a desapropriação do imóvel urbano não utilizado ou subutilizado, matérias intimamente relacionadas com a preservação do meio ambiente, pois sabidamente a ocupação urbana desordenada tem como conseqüência direta a degradação ambiental, com prejuízo à qualidade de vida, a escassez dos recursos naturais, dentre outras mazelas. Além disso, a CF/88 outorgou aos Municípios a competência para

[…] promover no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII).


Não é novidade que a urbanização brasileira caracterizou-se pelo crescimento rápido e sem planejamento das cidades a partir dos fins da década de 50 do século passado, tendo como conseqüência do processo, cidades despreparadas para acolher o imenso contingente humano e absorver as demandas sociais, especialmente nos aspectos de trabalho e moradia, com conseqüências negativas tais como colapso do sistema de transporte coletivo, congestionamento no trânsito, aumento dos processos erosivos, assoreamento dos rios, impermeabilização dos solos, como fator desencadeante das enchentes, proliferação de favelas, ocupação de áreas de proteção ambiental, precariedade de saneamento básico, desemprego, violência, etc.

Infelizmente, a sociedade brasileira ainda não tem a cultura de defesa dos espaços urbanos, tampouco da defesa da qualidade de vida urbana e o respeito às normas urbanísticas. Ao contrário, as normas urbanísticas são diuturnamente desconsideradas tanto pelo cidadão comum, como muitas vezes pelo próprio poder público, que se julga imune ao cumprimento das leis ou, deliberadamente, se omite na fiscalização de seu cumprimento.

6.3.6.1.2 – Urbanismo, ordem urbanística e direito urbanístico


Para perfeito entendimento dos conceitos que serão utilizados neste artigo, impõe-se de plano diferenciar os termos urbanismo, ordem urbanística e direito urbanístico, que muitas vezes são confundidos. O urbanismo é a ciência do planejamento das cidades, afeta aos arquitetos. Já ordem urbanística ou direito urbanístico é o conjunto de leis que planejam e disciplinam as diversas atividades nas cidades. O direito urbanístico é um ramo interdisciplinar do direito, estreitamente relacionado ao direito público e constitucional, cuja legislação é considerada de natureza cogente, porque de interesse geral e visa à ordenação racional dos espaços urbanos, à funcionalidade desses espaços e à boa qualidade de vida das pessoas que neles vivem. José Afonso da Silva ressalta que

[…] as normas urbanísticas, por serem de direito público, são compulsórias, cogentes […] porque regulam […] uma função pública – que é a atividade urbanística do poder público, conformando, por outro lado, a conduta e as propriedades dos particulares a seus ditames.10)

6.3.6.1.3 – Efeitos da inobservância das normas urbanísticas



A inobservância das normas urbanísticas traz como conseqüências graves problemas para o adequado ordenamento das atividades no espaço urbano, com comprometimento da qualidade de vida dos habitantes e do meio ambiente, podendo-se citar, à guisa de exemplo, os seguintes gravames:

1 - a desarticulação do traçado viário interno do parcelamento com as vias oficiais prejudica a circulação de pessoas e coisas difusamente consideradas, e não só os moradores de um bairro;

2 - as vias públicas de um loteamento, abertas sem observância das normas municipais relativas à largura, inclinação e ao seu tamanho, prejudicam, por exemplo, o atendimento do novo bairro pelos serviços de transporte coletivo e coleta regular do lixo, já que as estreitas ruas não permitem a circulação de veículos;

3 - a falta de pavimentação de uma rua provoca a erosão do solo, dificulta a trafegabilidade e pode gerar o desmoronamento das casas;

4 - a inexistência de rede coletora de esgoto dá lugar ao lançamento de esgotos in natura em córregos e no solo, poluindo cursos d’água e rios, contribuindo para a disseminação de doenças de veiculação hídrica;

5 - a falta de sistema de captação e drenagem de águas pluviais favorece o aparecimento de focos de doenças e contribui para o processo de erosão dos solos;

6- a impermeabilização dos terrenos impede a recarga do lençol freático e ocasiona a concentração das águas no solo, provocando enchentes, o que acaba por afetar a circulação, a habitação e a saúde pública;

7 - a não-observância das normas edilícias que estabelecem afastamentos frontais e laterais dos imóveis impede a circulação do ar e a iluminação das residências e dificulta ou impede a implantação de equipamentos urbanos (sistema de rede de água e esgoto, gás canalizado etc) pelo poder público, quando os imóveis são construídos no alinhamento da via;

8 - a invasão de áreas públicas reservadas nos loteamentos para praças, parques, espaços livres, áreas verdes e institucionais impede a fruição desses espaços pela coletividade e impede o poder público de proporcionar meios de lazer e de implantar equipamentos comunitários, a exemplo de postos de saúde e escolas, obrigando a população ali residente a grandes deslocamentos para atendimento de suas necessidades básicas, etc;

9 - o desrespeito às leis de zoneamento pode produzir danos à coletividade, como a implantação próxima de usos inconciliáveis e incompatíveis, a exemplo do caso da construção e funcionamento de um Shopping Center em zona residencial, atraindo maior fluxo de pessoas e automóveis, congestionando as vias projetadas para trânsito local.

6.3.6.1.4 – A legitimidade do Ministério Público para defesa da ordem urbanística



A observância da ordem urbanística interessa a pessoas indeterminadas ou determináveis. Quando violados os interesses e direitos que derivam das relações urbanísticas, de natureza difusa, surge para o Ministério Público o dever de tutelá-los (arts. 127 e 129 da CF/88, art. 1º, VI, da Lei nº 7.347/85).

6.3.6.1.5 – Parcelamento do solo urbano – Lei Federal nº 6.766/79


A questão do parcelamento do solo urbano é um dos principais aspectos relacionados ao uso e à ocupação do solo. O regramento da atividade de parcelamento do solo urbano interessa a toda a coletividade, sendo dever do poder público aprovar previamente qualquer empreendimento desta natureza, bem ainda acompanhar todas as intervenções para implantação de loteamentos e desmembramentos, a fim de assegurar o fiel cumprimento das normas urbanísticas. Devemos observar que o parcelamento pode tanto se dar para fins urbanos quanto para fins rurais. A nós interessa o parcelamento do solo urbano, impondo-se aduzir que o parcelamento para fins rurais é regulado pelo Estatuto da Terra (LF nº 4.504/64) e pelo Decreto-Lei nº 58/45, devendo ser observado o módulo rural mínimo fixado pelo INCRA para a região.

Os empreendimentos de parcelamento do solo para fins urbanos são aqueles que transformam o imóvel indiviso em bairros, vilas ou cidades. Implicam a implantação de lotes destinados a edificações residenciais, comerciais ou industriais, atendidos por equipamentos urbanos (redes de água e de esgoto, de iluminação pública, de telefonia, etc) e equipamentos comunitários (escolas, postos de saúde, áreas de lazer, etc). São rurais os parcelamentos voltados às atividades nitidamente extrativistas, agrícolas, de pecuária e agroindustriais, nos termos do art. 4º, I e II, da Lei Federal nº 4.504/64 – Estatuto da Terra.

A Lei federal nº 6.766/79 é o diploma legal que rege, em linhas gerais, a atividade de parcelamento do solo urbano. Os Estados, Distrito Federal e Municípios poderão editar normas suplementares desde que não contrariem as disposições gerais da norma federal11). A Lei nº 6.766/79, em seu art. 2º, prevê duas modalidades de parcelamento do solo urbano: o loteamento e desmembramento. Os §§ 1º e 2º do art. 2º dispõem:

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.


§ 2º - Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.


6.3.6.1.6 – Exigências legais para o regular parcelamento do solo urbano


A atividade de parcelamento do solo urbano é pública por natureza, tanto que a violação das disposições legais que regulam a atividade constitui crime contra a administração pública (art. 50 da Lei nº 6.766/79).

Para regularidade urbanística e ambiental de um empreendimento de parcelamento do solo urbano, impõe-se a observância de todo um procedimento estabelecido pela Lei Federal nº 6.766/79, composto das seguintes fases a serem cumpridas pelo empreendedor:

1º) solicitação das diretrizes (art. 6º) ou apresentação de requerimento à prefeitura (art. 10);
2º) a licença ambiental, necessária para a aprovação, implantação e registro de loteamento ou desmembramento, pois qualquer parcelamento do solo é considerado atividade poluidora (Resolução CONAMA nº 237/97, DN COPAM nº 58/02 c/c DN COPAM nº 74/04). Observe-se que o porte do empreendimento vai determinar se o licenciamento ambiental se dará em âmbito estadual ou municipal;
3º) a prévia e necessária anuência do Estado de Minas Gerais, nas hipóteses do art. 13 da Lei nº 6.766/79. Atualmente quem autoriza são as Agências Metropolitanas de Belo Horizonte e do Vale do Aço para empreendimentos situados nas respectivas regiões metropolitanas e a SEDRU – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Urbano, no resto do Estado;
4º) aprovação do projeto pelo Município (art. 12), observada também a legislação local de parcelamento do solo urbano;
5º) após a aprovação pelos órgãos competentes, efetivação do registro no competente cartório de registro de imóveis onde se encontra matriculada a gleba parcelanda no prazo de 180 dias (art. 18, Lei nº 6.766/79), sob pena de caducidade;
6º) elaboração de contrato-padrão de compra e venda dos lotes contendo cláusulas e condições protetivas dos consumidores nos termos dos arts. 25 a 36 da Lei nº 6.766/79, que também deverá ser arquivado no RGI;
7º) estar a gleba parcelanda situada fora das áreas de risco ou de proteção ambiental e em zona urbana ou de expansão urbana (art. 3º, caput e parágrafo único, da Lei nº 6.766/79), sendo necessária prévia anuência do INCRA, quando houver a alteração de uso do solo rural para urbano (arts. 3º, caput, e 53, Lei nº 6.766/79);
8º) execução das obras de infra-estrutura exigidas pelos órgãos públicos no ato da aprovação e de licenciamento ambiental, ditadas pela Lei federal (art. 18, V, Lei nº 6.766/79 com a redação introduzida pela Lei federal nº 11.445/2007), estadual ou municipal. Observe-se que o mínimo de infra-estrutura a ser exigida está estabelecida na lei federal, podendo, contudo, os Municípios incluírem outras obras, desde que previstas em lei local.

6.3.6.1.7 – Loteamentos e desmembramentos clandestinos


Chama-se clandestino o parcelamento do solo urbano não aprovado pelo poder público e/ou não registrado no cartório de registro geral de imóveis. A clandestinidade do empreendimento impede que os adquirentes promovam a necessária matrícula de seus lotes no competente cartório do RGI. Consoante conceito legal, lote é

[…] o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe (art. 2º, § 4º, da Lei nº 6.766/79).


Ora, se o lote não atende aos índices urbanísticos, tampouco é servido de infra-estrutura básica, consoante conceito legal acima transcrito, sequer pode ser considerado lote para os efeitos jurídicos, não é passível de registro e matrícula no RGI, tampouco passível de edificação regular, já que não é dado ao poder público autorizar edificações urbanas sem obediência aos critérios legais.

Para melhor compreensão do que restou dito, basta aduzir que qualquer edificação urbana há de atender critérios tais como índice de coeficiente de aproveitamento, gabarito, afastamentos frontal e lateral, taxa de ocupação, índice de permeabilidade, entre outros, fixados em lei, conforme o zoneamento levado a efeito no plano diretor, em lei municipal de uso e ocupação do solo ou ainda no Código de Obras. Para se atender a esses critérios, necessário se faz que o lote tenha dimensões compatíveis com o zoneamento e esteja regularmente matriculado em cartório. Não sendo observados esses requisitos, não poderá o poder público conceder alvará de construção, tampouco o habite-se, o que acarreta irremediavelmente a clandestinidade da totalidade das edificações existentes nos loteamentos clandestinos, com prejuízos não só à ordem urbanística e ao meio ambiente, mas também danos ao erário, na medida em que normalmente não incide IPTU sobre tais imóveis clandestinos ou mesmo ITBI sobre as negociações translativas de posse ou propriedade realizadas.

A implantação de loteamentos clandestinos freqüentemente é responsável por vários danos ambientais e urbanísticos, como proliferação de habitações edificadas sem acompanhamento técnico, disposição de lixo a céu aberto ou nos cursos d’água, rápido crescimento populacional sem a necessária infra-estrutura urbana, a exemplo de equipamentos urbanos e comunitários, entre outros.

Via de regra, a implantação de parcelamentos clandestinos é seguida de expedientes, manobras e artifícios dos empresários, principalmente no tocante à alienação de lotes na forma de frações ideais para a implantação de supostos condomínios, ou cessões de direitos possessórios, tudo para ocultar a verdadeira natureza do empreendimento e burlar as disposições cogentes da Lei nº 6.766/79, expedientes que muitas vezes contam com a omissão dos Cartórios do Registro de Imóveis, que promovem a averbação de sucessivas transações envolvendo frações com áreas e localização definidas da gleba indivisa sem qualquer questionamento e em completa afronta às disposições do Código Civil que regulamentam o instituto do condomínio (arts. 1.314, parágrafo único, e 1.322).

Essa prática lesa os adquirentes porque normalmente os empreendedores, após a conclusão das vendas dos lotes, desaparecem sem implantar a mínima infra-estrutura urbana, deixando todo o ônus da urbanização para o poder público municipal, sabidamente sujeito a limitações orçamentárias, o que torna muito difícil a regularização de referidas ocupações em curto e médio espaço de tempo, contribuindo para que as populações ali residentes convivam anos a fio com a precariedade dos serviços públicos, dentre outras mazelas. Outrossim, diante da consolidação das ocupações, muitas vezes com construção de moradias em áreas de preservação non aedificandi, a regularização fundiária promovida pelo poder público tem por escopo apenas aprovar o que já está implantado, com sérios prejuízos ao meio ambiente urbano e à qualidade de vida urbana.

Ademais, o empreendedor somente está autorizado à venda de lotes após o necessário registro do ato de aprovação do empreendimento na matrícula do imóvel parcelando no competente cartório do RGI (art. 37 da Lei nº 6.766/79).

Assim, deve o Promotor de Justiça no exercício de seu munus averiguar outras circunstâncias que indiquem a implantação de um loteamento clandestino com simulação de condomínio, a exemplo de planta dispondo sobre a localização exata dos lotes, abertura de vias de circulação interligadas ao sistema viário da cidade, previsão de áreas públicas para praças, áreas verdes ou institucionais, que são próprias do sistema da Lei nº 6.766/79 e não da legislação de condomínio horizontal ou vertical (Lei nº 4.591/65), inexistência, nos contratos dos compradores, de normas pertinentes à legislação de condomínio, a exemplo de rateio de despesas para manutenção das áreas comuns, demarcação física dos lotes por estacas, etc.

6.3.6.1.8 – Loteamentos e desmembramentos irregulares


São irregulares os parcelamentos do solo que, embora aprovados e registrados na forma da legislação pertinente, não tiveram suas obras de infra-estrutura inteiramente executadas. A falta das obras de um loteamento pode acarretar danos ao meio ambiente urbano, a exemplo de erosão das vias públicas, causada pela falta de pavimentação e compactação do solo, impedindo a circulação de pessoas e veículos, concentração de resíduos domésticos, criando focos de poluição e de doenças, com perigo à saúde pública, deslizamentos, desmoronamentos, enchentes, e ainda, aos adquirentes dos lotes, que serão obrigados a habitar locais sem a infra-estrutura urbana básica.

Para a Lei federal (art. 18, V, Lei nº 6.766/79), as obras de infra-estrutura básica são as vias de circulação devidamente pavimentadas, a demarcação dos lotes, quadras e logradouros, as obras de escoamento das águas pluviais, a exemplo de meios-fios, bocas de lobo, galerias de captação e drenagem, etc. e ainda esgotamento sanitário, incluindo abastecimento de água potável, coleta e destinação ambientalmente adequada de esgoto, energia elétrica pública e domiciliar. Mas o Município, além das mencionadas obras obrigatórias, tem atribuição legal para exigir outras, desde que haja lei municipal prevendo a hipótese. É muito comum o loteador cobrar o custo dessas obras de infra-estrutura dos adquirentes, além das prestações pagas pela compra dos lotes, normalmente denominadas cotas para abertura de ruas, cotas para iluminação pública e abastecimento de água, dentre outros, quando o legislador, em verdade, estabeleceu essa obrigação de fazer ao primeiro, conforme cronograma de obras aprovado pelo poder público, inclusive com estabelecimento de garantias (caução, hipoteca, etc), o que pode gerar a composição dos danos sofridos pelos consumidores em decorrência da cobrança de valores indevidos (restituição dos valores pagos, mais perdas e danos).

Além disso, a inexecução de obras de infra-estrutura do loteamento no prazo previsto no cronograma de obras aprovado pelo poder público municipal configura o crime previsto no art. 50, inciso II, da Lei nº 6.766/79. Portanto, irregular é o parcelamento que, apesar de aprovado e registrado, não contém total ou parcialmente as obras para os equipamentos urbanos, que devem ser executadas no prazo máximo de quatro anos da data da aprovação do projeto (art. 18, V).

6.3.6.2 – Técnicas de atuação



6.3.6.2.1 – A instrução do inquérito civil



Parcelamento Clandestino

O Promotor de Justiça, ao tomar conhecimento de loteamento ou desmembramento clandestino em sua comarca, deve:

1º) instaurar inquérito civil, com a expedição de ofícios e outras providências a seguir indicados:
a) Cartório de Registro Geral de Imóveis da Comarca: requisitar cópia da matrícula do imóvel parcelando, mais a certidão do oficial do CRGI que comprove a existência ou não de loteamento ou desmembramento transcrito ou registrado; essa diligência, além de demonstrar eventual clandestinidade do parcelamento, a partir da inexistência de seu registro, possibilita a identificação do domínio do proprietário da gleba indivisa, pois o loteador pode não ser o proprietário da área; observe-se que a Lei nº 6.766/79 exige que o loteador detenha título de propriedade para parcelar o solo (arts. 9º, caput, 18, caput e incisos I e II);
b) Prefeitura municipal: requisitar informe o prefeito ou o secretário municipal responsável pela área de aprovação de parcelamentos se o empreendimento foi aprovado pela municipalidade, encaminhando cópias dos documentos pertinentes; requisitar também vistoria no local para constatar se houve movimentação de terra, terraplenagem, demarcação de quadras e lotes, abertura de ruas, indicando sua largura, inclinação, se houve pavimentação, edificação de casas, desmatamento, assoreamento de cursos d’água ou nascentes e comprometimento de áreas de proteção ambiental ou non aedificandi, a exemplo de faixas de servidão de linhas de transmissão, entre outras;
c) SUPRAM ou órgão ambiental municipal, se o licenciamento ambiental for realizado no Município: requisitar informação sobre eventual licença ambiental do empreendimento, bem como vistoria atestando eventuais danos ao meio ambiente, mais as obras necessárias para a regularização do loteamento ou seu desfazimento, na hipótese de estar sendo implantado em áreas não parceláveis, a exemplo de imóveis rurais, áreas de preservação permanente, unidades de conservação, áreas poluídas, sujeitas a inundação, ou outras restrições decorrentes do próprio zoneamento do Município (art. 3º da Lei nº 6766/79);
d) SEDRU ou Agências Metropolitanas– requisitar informação sobre eventual anuência ao empreendimento nos casos previstos no art. 13 da Lei nº 6.766/79;
e) Autoridade policial: requisitar instauração de inquérito policial, com os documentos preliminares obtidos pela Promotoria (termo de declarações de compradores, do loteador, dos corretores de imóveis que venderam os lotes, certidão imobiliária do RGI, informações e vistoria da prefeitura, panfletos de propaganda, etc), pois, normalmente, o loteamento clandestino pode ter início com a venda de lotes, infringindo o art. 37 da Lei nº 6.766/79, ou com a alteração física da área parcelanda, ou com as duas atividades simultaneamente, o que já configura crime (art. 50 da Lei nº 6.766/79);
f) Ofício ao CREA, ao CRECI e à OAB: oferecer representação aos órgãos de classe, quando, na implantação de loteamentos clandestinos, houver a atuação de engenheiros, arquitetos, corretores de imóveis (ou imobiliárias) e advogados nos empreendimentos para que sejam adotadas as medidas administrativas punitivas pertinentes;
g) Oitiva do loteador: notificar o empreendedor a comparecer na Promotoria de Justiça, sob pena de condução coercitiva, para prestar esclarecimentos sobre o empreendimento, devendo apresentar documentos, a exemplo de comprovante de propriedade, matrícula do imóvel, aprovações dos órgãos públicos, cópias dos contratos de promessa de compra e venda dos lotes celebrados, plantas, memorial descritivo, etc;
Obs: Nesta fase, se o Promotor de Justiça já tiver de posse dos elementos de convicção e prova suficientes da existência do empreendimento e de sua ilegalidade, poderá propor ao loteador a assinatura de um termo de ajustamento de conduta para a regularização do parcelamento ou seu desfazimento, em caso de ser o empreendimento inviável, em qualquer caso, com a obrigação de ressarcir os danos aos compradores dos lotes e ao meio ambiente urbano e natural.
h) Notificação do art. 38 da Lei nº 6.766/79: essa notificação é formalidade necessária para comprovar a mora do loteador e externar a intenção do Ministério Público em paralisar a atividade ilícita, pela via administrativa, ensejando ainda a possibilidade aos adquirentes dos lotes para depósito das prestações no cartório do RGI, conforme preceitua o art. 38, § 1º, da Lei nº 6.766/79. Não obstante a providência referida, o loteamento poderá também ser embargado administrativamente pelo órgão ambiental ou pelo poder público municipal. As verbas obtidas mediante depósitos levados a efeito pelos adquirentes poderão ser levantadas pelo empreendedor, mediante alvará judicial, depois de regularizado o empreendimento, ouvidos o Município e o Ministério Público ou levantadas pelo Município, a título de ressarcimento, se a regularização for promovida pelo ente público, também por ordem judicial.
i) Oitiva do proprietário da gleba: eventualmente, o proprietário do imóvel parcelando não é o loteador, seja porque contratou terceira pessoa para realizar o empreendimento, seja porque a área foi invadida, indevidamente parcelada e negociados os lotes com terceiros, sendo necessário apurar o grau de responsabilidade do proprietário com o empreendimento ilegal, promovendo sua responsabilização civil, nos termos do art. 51 da Lei nº 6.766/79 e criminal, se for o caso. É comum herdeiros de uma gleba transferirem a gleba herdada para imobiliárias, independentemente de conclusão do inventário ou de alvará judicial, que ficam responsáveis por implantar o loteamento, mediante participação nos lucros auferidos pelos herdeiros com a venda de lotes.
j) Desconsideração da Personalidade Jurídica: quando o parcelamento é feito por uma pessoa jurídica é muito comum a insuficiência do seu patrimônio para responder pela regularização do empreendimento e pela indenização dos consumidores lesados. Assim, convém incluir no pólo passivo da ação ou no TAC celebrado os sócios da pessoa jurídica, em especial aqueles que participaram dos negócios jurídicos, firmando contratos, os que detinham o poder de gestão da sociedade ou os que extrapolaram do objeto estatutário para responderem civilmente com seu patrimônio pessoal pelos danos decorrentes dos atos ilícitos praticados. A desconsideração da personalidade jurídica em casos tais já é de há muito admitida por nosso ordenamento jurídico, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, no art. 28, caput e § 5º, do art. 47 da Lei nº 6.766/79 que fala da responsabilidade solidária e ainda o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, que trata da responsabilidade objetiva do causador de danos ao meio ambiente (natural ou artificial).

Parcelamento irregular

A notícia de que o parcelamento aprovado e registrado não se encontra com as obras de infra-estrutura concluídas normalmente chega ao Promotor de Justiça através de representação de consumidores lesados pela prefeitura, pela COPASA e outros concessionários de serviços públicos, que passam a ser demandados pelas obras, e, ainda, eventualmente pelo cartório de registro de imóveis, pois o oficial do RGI é obrigado a comunicar ao Ministério Público sobre a existência de loteamento registrado, em que não tenha sido apresentado o termo de recebimento de obras, que é expedido pelo poder público municipal após a conclusão de todas as obras de infra-estrutura e que permite o levantamento ou cancelamento das cauções ou garantias oferecidas pelo empreendedor.

Ao tomar conhecimento de loteamento irregular, o Promotor de Justiça deverá instaurar procedimento investigatório, adotando as seguintes providências:
a) Cartório de Registro Geral de Imóveis: requisitar a remessa de cópias dos documentos arquivados no RGI, quando do registro do loteamento (do projeto, memorial descritivo, dos atos de aprovação e de licença, planta do loteamento, do contrato-padrão e instrumento de garantia para a execução das obras, etc), e certidão sobre averbação na matrícula da gleba parcelada de eventual termo de recebimento de obras. Os documentos em tela indicarão a regularidade formal do empreendimento, as obras a cargo do loteador previstas no ato de aprovação e respectivo prazo para execução, a garantia oferecida ao Município, a exemplo de hipoteca, fiança bancária, caução em dinheiro, entre outras, nos termos do art. 18, V, da Lei nº 6.766/79;

b) Prefeitura municipal: requisitar informe o Município se emitiu o termo de recebimento de obras (art. 18, V, Lei nº 6.766/79), encaminhando cópia do documento, se houver e que realize vistoria que ateste a inexecução das obras de infra-estrutura exigidas pela municipalidade e demais órgãos públicos quando da aprovação do loteamento, devendo ser identificadas as obras faltantes e estimativa de custos, o que permitirá, por exemplo, o decreto de indisponibilidade de bens do empresário para execução das obras ou execução da garantia oferecida. Deverá ainda o poder público informar se no prazo previsto no cronograma aprovado houve fiscalização das obras, encaminhando os relatórios elaborados, permitindo colher elementos para aferir a eventual responsabilização do poder público por omissão no seu dever de fiscalizar o cumprimento do cronograma aprovado.

c) Loteador: notificar o loteador para esclarecer o porquê da não-realização das obras no prazo previsto no cronograma; se o loteador for pessoa jurídica, requisitar à JUCEMG ou cartório do registro civil das pessoas jurídicas, os atos constitutivos e alterações societárias havidas, de modo a identificar os sócios com poderes de gerência no período previsto para realização das obras de infra-estrutura, a fim de responsabilizá-los solidariamente em eventual ação civil pública (art. 47 da Lei nº 6.766/79) ou através de termo de ajustamento de conduta.

6.3.6.2.2 - A ação civil pública



1º) Na petição inicial da ação civil pública ou no TAC celebrado deve-se incluir o Município como co-obrigado em razão de sua omissão seja na fiscalização de implantação de loteamento clandestino (é dever do Município exercer o controle sobre o uso e ocupação do solo urbano, nos termos do art. 30, VIII, da CF/88), seja na conclusão das obras de urbanização do loteamento aprovado (art. 40, Lei nº 6.766/79).

2º) Na hipótese de responsabilidade solidária ou conjunta de mais de um agressor do meio ambiente urbano, a exemplo de sócios da empresa loteadora, da imobiliária, do corretor, do advogado, do topógrafo, do arquiteto que elaborou a planta, deve-se descrever a conduta de cada um, bem como demonstrar a existência dos danos causados ao meio ambiente natural e urbano (soterramento de nascente, contaminação de cursos d’água, desmatamento, ocupação de APP, lotes com área inferior ao permitido pelo zoneamento, ausência de áreas verdes, institucionais, vias mais estreitas do que é permitido pela legislação, etc.)

3º) Os pedidos de obrigação de fazer ou não fazer devem ser:

a) ao loteador e co-obrigados, inclusive o Município omisso, para que solidariamente regularizem o loteamento clandestino com a elaboração de projeto e memorial descritivo, obtenção de diretrizes na prefeitura, aprovação dos órgãos públicos, licenciamento ambiental, registro no RGI, execução das obras de infra-estrutura, ressarcimento aos adquirentes lesados por eventual extinção de lotes, ou promovam o desfazimento do loteamento, se impossível de ser aprovado, como no caso de estar situado em área de proteção ambiental, pedindo-se a recomposição da gleba ao estado anterior, mediante apresentação de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) ao órgão ambiental competente, com a indenização pelos danos causados ao meio ambiente e aos adquirentes dos lotes;

b) ao loteador e ao Município, de forma solidária, no caso de loteamento irregular, que executem as obras de infra-estrutura previstas no ato de aprovação do empreendimento, devendo o último valer-se das garantias oferecidas pelo primeiro, se houver;

c) deve-se sempre estabelecer prazo para o cumprimento das obrigações;

d) cumular pedido de cominação de pena pecuniária no caso de descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer pedidas na inicial (astreintes);

e) Em sede de cautelar:

1) embargo das atividades, em caso de loteamento clandestino, até a efetiva aprovação do empreendimento, na forma da Lei nº 6.766/79;

2) colocação de placa anunciando a clandestinidade do empreendimento para evitar que novos consumidores desavisados venham adquirir outros lotes;

3) suspensão dos pagamentos das prestações, com depósito em conta à disposição do Juízo;

4) depósito judicial pelo loteador das quantias recebidas ou oferecimento de caução idônea para garantir a regularização do empreendimento e a execução das obras faltantes;

5) apresentação dos contratos celebrados e informação sobre as quantias pagas por cada um dos adquirentes;

6) indisponibilidade de bens dos responsáveis, com expedição de ofícios ao Banco Central, aos cartórios do RGI, à Bolsa de Valores, etc. Para assegurar o decreto judicial da indisponibilidade dos bens dos responsáveis é salutar que a inicial seja acompanhada de estimativa de custos das obras faltantes, pois os nossos tribunais mostram-se resistentes em decretar a indisponibilidade indiscriminada de todos os bens do réu.

Finalmente, registramos que é cabível o ajuizamento de ação por ato de improbidade administrativa, com base no art. 11, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92 em desfavor do gestor público que deixar de embargar administrativamente loteamento clandestino de cuja implantação tenha notícia, deixar de executar a garantia concedida para execução das obras de infra-estrutura do empreendimento, liberação de caução antes da conclusão das obras ou na hipótese de emissão de termo de recebimento de obras antes da conclusão de todas as obras de urbanização.

6.3.6.2.3 – O inquérito policial



Parcelamento clandestino

Como restou acima evidenciado, a implantação de empreendimento de parcelamento do solo urbano não aprovado pelos órgãos públicos competentes configura crime contra a administração pública previsto no art. 50, I, da Lei nº 6.766/79. Chegando o fato criminoso ao conhecimento do Promotor de Justiça criminal, deverá este adotar as mesmas providências para instruir o inquérito civil acima indicadas, expedindo as requisições necessárias para apuração adequada dos fatos, sendo possível o oferecimento de denúncia criminal a partir dos elementos de prova e convicção colacionados no Inquérito Civil, já que o Ministério Público pode oferecer denúncia criminal com base em quaisquer peças de informação, sendo prescindível a instauração de inquérito policial, nos termos do art. 39, § 5º, do Código de Processo Penal.

Não sendo possível a realização de diligências iniciais pelo Promotor de Justiça, poderá ele requisitar diretamente da autoridade policial a instauração de inquérito policial juntando desde logo a documentação de que dispõe e indicando as diligências a serem realizadas para instrução do procedimento inquisitivo, apurando-se: a) como se iniciou o parcelamento clandestino (através de obras de terraplenagem, desmatamento, movimentação de terras, venda de lotes, etc); b) a data ou período de sua implantação (quando se iniciaram/realizaram as obras ou as vendas dos lotes); c) quantos são os adquirentes e quais lotes já estão edificados; d) perícia do local onde foi implantado (ou se pretende implantar) o parcelamento para comprovação da materialidade delitiva (observe-se que eventual laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística poderá instruir também o inquérito civil); e) a identidade do loteador e eventuais co-autores e partícipes, a exemplo de arquiteto, corretor, advogado, engenheiro, bem ainda do proprietário do imóvel parcelando, promovendo suas oitivas para prestar esclarecimentos sobre o parcelamento, devendo apresentarem os documentos pertinentes ao empreendimento (escritura da área, matrícula do imóvel, aprovações dos órgãos públicos, relação dos adquirentes dos lotes – com seus nomes e endereços, planta do loteamento, memorial descritivo, etc); f) identificar alguns adquirentes, promovendo suas oitivas para esclarecer a identidade do proprietário, vendedor e/ou outros participantes da implantação do loteamento clandestino; a localização do loteamento; tamanho e quantidade de lotes, juntando-se aos autos cópias dos respectivos contratos de promessa de compra e venda ou similar, etc.

Deve também o Promotor de Justiça oferecer representação aos órgãos de classe dos autores, co-autores e partícipes do crime, a exemplo do CREA, CRECI e OAB, quando restar apurado envolvimento dos referidos profissionais na implantação de loteamentos ou desmembramentos clandestinos para a devida aplicação das penalidades administrativas.

Parcelamento irregular

A inexecução das obras de infra-estrutura de loteamento no prazo previsto no cronograma aprovado pelo poder público configura o crime previsto no art. 50, inciso II, da Lei nº 6.766/79. Ao tomar conhecimento de loteamento irregular, o Promotor deve oficiar ao Cartório do RGI requisitando informe sobre a existência de termo de recebimento de obras expedido pela prefeitura, devidamente averbado na matrícula do imóvel parcelado. De posse da informação do cartório atestando a inexistência da conclusão das obras, o Promotor deve requisitar a instauração de inquérito policial para apuração de crime previsto no art. 50, II, da Lei nº 6.766/79, desde logo indicando as seguintes diligências a serem realizadas: a) requisição à prefeitura municipal de informações sobre o recebimento das obras, encaminhando o respectivo termo, se houver; b) realização de perícia técnica para identificar as obras ainda pendentes; c) oitiva do loteador, a fim de que esclareça o motivo da não-conclusão ou realização das obras, no prazo previsto no cronograma aprovado pelo poder público; d) expedição de ofício a JUCEMG ou respectivo cartório do registro civil das pessoas jurídicas, requisitando cópias dos atos constitutivos e das alterações societárias havidas, se se tratar o loteador de pessoa jurídica, a fim de identificar os sócios com poderes de gerência no período de vigência do cronograma de obras, possibilitando responsabilizá-los criminalmente; e) oitiva de alguns adquirentes de lotes para produção da prova testemunhal sobre a inexecução das obras no loteamento.

6.3.6.2.4 - A denúncia criminal



Em face da especificidade dos crimes tipificados na Lei nº 6.766/79, devemos adotar alguns cuidados no oferecimento da denúncia criminal para evitar sua inépcia e rejeição ou ainda a impunidade dos responsáveis.

Sempre que existirem elementos de prova bastantes, quanto à autoria e materialidade do crime, é recomendável oferecer, desde logo, a denúncia, a fim de se evitar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade de prescrição retroativa, visto que normalmente a pena cominada in concreto não excede o mínimo legal de um ano. Na seara criminal, ao contrário da área cível, não é necessário, por exemplo, a realização de prova pericial complexa para constatar a extensão dos danos, pois se trata de crime formal contra a administração pública, prescindindo-se de dano efetivo para sua caracterização. Ademais, se se constatar a posteriori dano ambiental decorrente do empreendimento com base, por exemplo, em laudo técnico elaborado em sede de inquérito civil, o Promotor de Justiça pode oferecer denúncia em apartado ou aditar a denúncia já oferecida, observando que o decurso do prazo prescricional já terá sido interrompido pelo recebimento da primeira denúncia. Sempre indicar o período em que a ação do loteador se desenvolveu, visando, com isso, demonstrar o prolongamento da conduta incriminada no tempo e, portanto, seu caráter permanente, com reflexo direto sobre o início do prazo prescricional (art. 111, III, do CPB).

Descrever o imóvel parcelando, indicando sua localização, área total, confrontações, matrícula, etc.

Indicar algumas vendas de lotes realizadas pelo agente, com menção à data, lotes negociados, preços e adquirentes, bem ainda as interferências físicas realizadas na gleba, a exemplo de abertura de ruas, demarcação de lotes, desmatamentos, etc.

Indicar todos os requisitos legais para regularidade do empreendimento não observados pelo loteador, a exemplo da falta de licença ambiental, falta de aprovação pelo poder público, falta de anuência da SEDRU, falta do registro, falta de anuência do INCRA, em caso de parcelamento de áreas rurais para fins urbanos, apontando, ainda, os textos legais violados.

Informar qual a relação que o loteador mantinha com o imóvel loteado (legítimo proprietário, cessionário de direitos hereditários, invasor, etc), enfatizando que somente se considera título legítimo de propriedade, a que se referem os arts. 9º e 18, e para os fins do art. 50, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 6.766/79, o título de domínio (escritura pública, formal de partilha, etc) devidamente registrado no cartório de registro de imóveis competente.

6.3.6.2.5 - A suspensão condicional do processo


Considerando-se a pena mínima cominada in abstrato aos crimes previstos na Lei nº 6.766/79 é cabível, em tese, a suspensão condicional do processo, desde que atendidos os demais requisitos subjetivos previstos no art. 89 da Lei nº 9.099/95. É importante, portanto, que o Promotor de Justiça condicione a suspensão do processo, a título de reparação do dano, à regularização do loteamento, seja mediante aprovação dos órgãos competentes e realização das obras de infra-estrutura no prazo máximo da suspensão (quatro anos), ou desfazimento do empreendimento em caso de impossibilidade de regularização, se se tratar de loteamento clandestino, seja pela conclusão das obras previstas no ato de aprovação, se se tratar de loteamento irregular, e ainda ressarcimento dos consumidores lesados e reparação dos danos ao meio ambiente, mediante elaboração e execução de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD).

6.3.6.2.6 - Providências cautelares


Ao oferecer a denúncia ou mesmo no curso do inquérito policial, o Promotor de Justiça poderá requerer ao Juízo competente o seqüestro de bens imóveis ou arresto dos bens móveis adquiridos pelo loteador com os proveitos da infração penal, nos termos dos arts. 125 e 137 do CPP, a fim de garantir que os adquirentes lesados, o próprio poder público que promove a regularização do empreendimento e a reparação do meio ambiente degradado, sejam ressarcidos futuramente, através de liquidação de sentença, nos termos do art. 63 do CPP, recolhendo-se ao Tesouro Nacional os valores excedentes.

Além disso, convém desde logo requisitar da autoridade policial no curso do inquérito a busca e apreensão dos instrumentos utilizados no crime, bem ainda documentos e objetos necessários à prova da infração penal, a exemplo de plantas, carimbos, contratos celebrados, panfletos, etc. (arts. 240 e 241 do CPP).



6.3.7 – Chacreamentos rurais


6.3.7.1 – Da expansão para fins urbanos na zona rural


Infelizmente, tem se tornado prática rotineira do ramo imobiliário a criação de loteamentos com fins urbanos na área rural, os chamados chacreamentos, sem que o Poder Público municipal e as autoridades ambientais adotem providências efetivas para coibir a ilegalidade, que causa os danos mais diversos ao meio ambiente e à ordem urbanística e não encontra qualquer amparo na legislação federal de regência.


6.3.7.2 – DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM DIREITO URBANÍSTICO


O artigo 24, I da CF/88 estabelece competência concorrente à União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre Direito Urbanístico, ao passo que o artigo 30, I e II confere competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual, no que couber.

Está assentado no artigo 24, §1º do Texto Constitucional que, em se tratando de competência concorrente, cabe à União editar normas gerais, enquanto aos Estados e Distrito Federal cabe a edição de legislação suplementar, que, todavia, não poderá contrariar as normas gerais editadas pela União, sob pena de inconstitucionalidade por vício de competência12).

Do mesmo modo, as leis editadas pelos Municípios no exercício de sua competência suplementar e para dispor sobre assuntos de interesse local não podem contrariar as normas gerais federais e as suplementares estaduais, sob pena de igualmente incorrer em inconstitucionalidade por vício de competência.

As principais leis federais urbanísticas brasileiras que estabelecem normas gerais em temas de desenvolvimento urbano são o Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001 e a Lei 6766/1979, que dispõe sobre parcelamento do solo para fins urbanos.

Desta forma, quaisquer leis municipais que pretendam dispor sobre desenvolvimento e expansão urbanos e parcelamento do solo para fins urbanos devem obrigatoriamente observar as competências legais estabelecidas na CF/88 e as diretrizes e normas gerais estabelecidas nas citadas leis federais, cuja aplicação é cogente e de interesse público, pois visam garantir o desenvolvimento urbano equilibrado e adequado à infraestrutura urbana instalada, compatível com o adensamento populacional pretendido.

6.3.7.3 – DO ESTATUTO DA CIDADE – LEI FEDERAL 10.257/2001


Neste sentido, merecem destaque as diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano, de responsabilidade dos Municípios, estabelecidas no artigo 2º do Estatuto da Cidade:

Art. 2o  - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
(…)
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
(…)
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental; (…)
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
(…)
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
(grifo nosso)

É certo que o Estatuto da Cidade, com vistas a assegurar uma expansão urbana planejada, onde o Poder Público Municipal tenha plenas condições de atender as necessidades dos novos núcleos urbanos, no que concerne à prestação dos serviços públicos, adensamento populacional e infraestrutura urbana, mediante fixação dos parâmetros urbanos específicos, assegurando áreas livres para habitação de interesse social, bem ainda visando coibir a expansão da cidade para áreas inadequadas sob o ponto de vista ambiental e urbanístico, estabeleceu em seu artigo 42 B, com a redação introduzida pela Lei Federal 12.608/12, requisitos para criação de novas áreas urbanas, a saber:

__Art. 42-B.  __Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo:

I - demarcação do novo perímetro urbano;

II - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais;

III - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais;

IV - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda;

V - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido;

VI - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e

VII - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.


§ 1o  O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando houver.

§ 2o  Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico de que trata o caput deste artigo.

 § 3o  A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá obedecer às suas disposições.” (GRIFO NOSSO)


Fica claro, portanto, que a partir da edição da Lei Federal 12.608/12, que introduziu o artigo 42 B no Estatuto da Cidade, não é mais possível ampliar o perímetro urbano do Município para criar uma zona específica de chacreamentos, uma vez que a novel legislação federal estabelece a obrigatoriedade do novo zoneamento contemplar usos diversificados, como forma de incrementar a economia e geração de renda e também a previsão de áreas destinadas à habitação de interesse social, visando atender a necessidade de moradia das populações de baixa renda, sob pena de impossibilidade jurídica de aprovar novos loteamentos, que se aprovados ao arrepio da legislação federal, não poderão ser registrados em cartório do Registro Geral de Imóveis competente, em face da nulidade absoluta do ato de aprovação.

A inobservância das normas legais acima mencionadas disciplinadoras da ordem urbanística implica crescimento urbano desordenado e distorcido, com prejuízo ao cumprimento das funções sociais da cidade (moradia, circulação, lazer e trabalho), podendo acarretar a responsabilidade civil e criminal do gestor público, vereadores e empreendedores beneficiados, sem prejuízo da responsabilidade por improbidade administrativa (art. 11, I e II da Lei Federal 8429/1992)13), já que as normas urbanísticas são de ordem pública e aplicação cogente, não restando ao administrador campo para o exercício de juízo da conveniência ou oportunidade quanto à sua incidência.

Ademais, tendo-se em mira o principio do desenvolvimento sustentável e do planejamento urbano, como direitos difusos criados pela CF/88, para criação de novas áreas urbanas é imperioso a realização de estudos técnicos que demonstrem a necessidade de alteração/ampliação da zona urbana e a viabilidade técnica de prestação dos serviços públicos essenciais e a capacidade orçamentária do Município em prestá-los adequadamente, inclusive sua manutenção periódica, em face do princípio da adequação e continuidade dos serviços públicos (art. 6º da Lei 8987/1995), devendo também ser assegurada a ampla participação da população e das associações representativas dos vários segmentos comunitários na formulação do projeto, através da realização de debates e audiências públicas, mediante prévia divulgação dos estudos técnicos, em atenção aos princípios do planejamento urbano e da gestão democrática da cidade insertos no Estatuto da Cidade.

A decisão de ampliação da zona urbana do Município deve ser orientada, portanto, com base no interesse público e não apenas em razão da pressão do mercado imobiliário, ávido por novos lançamentos e lucros.

Lei municipal que eventualmente crie novo zoneamento sem observância das disposições do Estatuto da Cidade e para atender a interesses específicos de determinado setor econômico é norma de efeito concreto, equiparável ao ato administrativo, portanto, passível de questionamento judicial através de ação civil pública, em razão dos efeitos lesivos que sua aplicação poderá acarretar ao meio ambiente natural e urbano do Município e certamente acarretará a responsabilização dos agentes públicos omissos ou coniventes com a ilegalidade.

Na lição de Hely Lopes Meirelles (“in” Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 27. ed. 2002, p.678):

As leis e decretos de efeitos concretos podem ser invalidados em procedimentos comuns, em mandado de segurança ou em ação popular, porque já trazem em si os resultados administrativos objetivados. Não são atos normativos gerais, mas, sim, deliberações individualizadas revestindo a forma anômala de lei ou decreto. Tais são, p. ex., as leis que criam Municípios, as que extinguem vantagens dos servidores públicos, que concedem anistia fiscal e outras semelhantes. Assim também os decretos de desapropriação, de nomeação, de autorização, etc.


6.3.7.4 – DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE LOTEAMENTOS PARA FINS URBANOS NA ZONA RURAL OU EM IMÓVEIS RURAIS


Os chamados chacreamentos ou loteamentos rurais para fins urbanos são empreendimentos ilegais.

De plano, verifica-se que a Lei Federal 6766/1979, que disciplina o parcelamento do solo para fins urbanos, em seu artigo 3º, caput14)veda peremptoriamente a implantação destes empreendimentos na zona rural ou mesmo em imóveis rurais, ainda que situados na zona urbana do Município.

Considera-se como urbanos os parcelamentos destinados a residência, lazer, indústria ou comércio, ainda que estejam situados na zona rural, incidindo, portanto, a vedação legal.

A priori, cumpre-nos registrar que o território de um Município compreende as zonas rural, urbana e de expansão urbana, onde as atividades exercidas são distintas.

Normalmente, a Lei de Zoneamento do Município ou o Plano Diretor é que estabelece em que porção do território municipal se situam a zona rural, a zona urbana e a zona de expansão urbana.

Na zona rural, onde os imóveis são rurais e cadastrados junto ao INCRA, são permitidas apenas atividades rurícolas, ou seja, exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial.

Nos imóveis rurais, situados na zona urbana ou de expansão urbana do Município, será permitido o parcelamento do solo para fins urbanos, desde que os mesmos sejam descaracterizados junto ao INCRA, ou seja, deverá ser demonstrado que o imóvel perdeu sua vocação rural.

As atividades no meio rural, inclusive o parcelamento, regem-se pela Lei Federal 4504/1964, o denominado Estatuto da Terra, que encontra-se em vigor, porque recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Bom que se diga que a atividade de parcelamento do solo não é vedada na área rural. Todavia, os imóveis surgidos pelo fracionamento de glebas rurais indivisas devem observar o “módulo rural mínimo”, nos termos do artigo 65 do Estatuto da Terra, bem ainda manter a vocação rural do imóvel, mediante exercício de quaisquer das atividades acima mencionadas.

Com efeito, dispõe o mencionado artigo 65:

Art. 65 – O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.



Extraímos o conceito de módulo rural do próprio texto legal, que dispõe em linhas gerais, que o módulo rural é a “propriedade familiar rural que, direta e pessoalmente explorada pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e, eventualmente, trabalho com a ajuda de terceiros.”

Segundo o professor Rafael Augusto de Mendonça Lima “o módulo rural é o imóvel rural com área mínima suficiente para que uma família possa viver e progredir com a sua exploração”.15)

O módulo rural é definido por ato administrativo do INCRA para cada região do país.

Consoante lição de Élcio Cruz de Almeida “em termos práticos, o módulo rural é definido para cada região do país e para cada tipo de atividade, variável de região para região, de acordo com o tipo de exploração, sendo empregado para definir o tamanho da propriedade familiar e, por conseguinte, definir latifúndio e minifúndio”.16)

Destarte, o módulo rural é o parâmetro legal para o cumprimento da função social da propriedade rural. Explicamos.

Sabe-se que a Constituição Federal consagrou o princípio da função social da propriedade rural nos artigos 185 e 186.
Vejamos:

Art. 185 – São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.


Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social.


Art. 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.


Assim, conclui-se que a propriedade rural atende sua função social quando promove, dentre outros requisitos, o aproveitamento racional e adequado do solo e proporciona o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores, vale dizer, quando promove o progresso social e econômico do proprietário rural e de seus empregados, a partir da exploração da terra. Ora, para que tal possa ocorrer, impõe-se que a propriedade rural tenha dimensões territoriais compatíveis com as atividades nela desenvolvidas, evitando-se o minifúndio improdutivo que só se presta a perpetuar a pobreza e as atividades de auto-subsistência no meio rural. Daí porque o Estatuto da Terra veda o parcelamento dos imóveis rurais em áreas inferiores àquelas necessárias para o exercício economicamente viável das atividades rurícolas.

Registramos que o Estatuto da Terra, em linhas gerais, repete o escopo delineado no Texto Maior ao dispor:

Art. 2º - É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta lei.

§1º - A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:


a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim, como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e cultivam”.(grifo nosso)


Assim, a fim de garantir o cumprimento da função social da propriedade rural, especialmente a manutenção de níveis satisfatórios de produtividade, o Estatuto da Terra não permite o parcelamento do imóvel rural caso venha dar origem a imóveis com dimensões inferiores ao módulo rural, a fim de evitar o surgimento de áreas tão diminutas que não permitem aos seus proprietários desenvolver-se economicamente.

Na lição de Élcio Cruz de Almeida o módulo rural integra a categoria dos bens juridicamente indivisíveis, mesmo que fisicamente divisíveis.17)

Não se entenda, com isso, que não possa haver o condomínio do imóvel rural onde cada condômino é proprietário de frações ou partes ideais inferiores ao módulo rural.

O proprietário do imóvel rural pode dispor livremente de frações ideais de seu imóvel, ainda que inferiores ao módulo rural, observado o direito de preferência dos demais co-proprietários, desde que não ocorra o efetivo parcelamento em glebas menores, vale dizer, desde que não ocorra a divisão de fato do imóvel em partes autônomas inferiores ao módulo rural, de modo a inviabilizar o exercício de atividades econômicas.

Em havendo a venda de frações ideais de um imóvel rural, cada co-proprietário passa a ser dono e exercer posse sobre todo o imóvel, em comunhão, com os demais, podendo exercer todos os direitos inerentes ao domínio, nos termos do artigo 1314 do Novo Código Civil:

Art. 1314 – Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.


O verdadeiro condomínio difere do falso condomínio, instituído unicamente para fraudar as vedações legais, referente ao parcelamento do solo rural, sendo fácil distinguir um do outro na prática, pois na primeira hipótese, o imóvel permanece uno; no segundo caso, a comunhão existe apenas formalmente no registro imobiliário. De fato, o imóvel é retalhado e cada um dos “co-proprietários” exerce seus direitos de forma autônoma e exclusiva sobre uma certa parte delimitada do imóvel.

O condomínio, contudo, tende à extinção em razão dos conflitos que a co-propriedade gera. Sendo o imóvel rural com área equivalente ao módulo rural juridicamente indivisível, a extinção do condomínio se dará, ou através da aquisição das quotas-partes dos condôminos pelos demais, ou através da venda de todas as cotas a terceiro, permanecendo o imóvel uno.

Como sabido, o processo de urbanização se caracteriza pelo crescimento do espaço urbano em direção ao campo, ou seja, neste processo, as cidades tendem a crescer em direção à zona rural.

Cabe aos Municípios, por força de expresso dispositivo constitucional, exercer o controle da expansão, do uso e do parcelamento do solo urbano (art. 30, VIII). Por isso, a alteração do zoneamento rural para o urbano depende da observância de uma série de requisitos, a exemplo da edição de lei municipal específica, seguida de anuência do INCRA para descaracterização dos imóveis rurais, após o quê ocorrerá o cancelamento do cadastro rural dos imóveis situados na área com paralisação da incidência de ITR (imposto territorial rural).

Mas não é só. Não basta que o Município simplesmente edite uma lei transformando parte da área rural de seu território em urbana ou de expansão urbana. Para que tal ocorra, é necessário que a área efetivamente perca sua vocação rural, seja porque ali não mais se exerce atividades tipicamente rurais, seja pelo processo natural de urbanização, com paulatina implementação de equipamentos urbanos e comunitários pelo Poder Público, a exemplo de iluminação pública, abertura e asfaltamento de ruas, abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia domiciliar, coleta de lixo, serviços públicos de saúde e educação, transporte coletivo, entre outros.

Não raro, os Municípios editam leis alterando seu zoneamento para ampliar a área urbana ou criar áreas de expansão urbana sem atentar para estas peculiaridades, bem ainda sem comunicar a providência ao INCRA. Deixam também de efetuar o cadastro dos imóveis situados nas novas áreas urbanas, para fins de incidência do IPTU, o que pode gerar eventualmente responsabilização político-administrativa perante a Câmara Municipal (art. 4º, VIII do Decreto-lei 201/1967) e por improbidade administrativa (art. 10, X da Lei 8429/1992). Destarte, muitas vezes o caso concreto evidencia que não estão presentes os requisitos legais para incidência do IPTU, nos termos do art. 32 do CTN, impedindo sua instituição e cobrança, o que evidencia burla ao Estatuto da Terra, uma vez que efetivamente a gleba não possui características urbanas.

Com efeito, estabelece o art. 32 do CTN:

Art. 32 – O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

§1º - Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo de existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II – abastecimento de água;

III – sistema de esgotos sanitários;

IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3(três) quilômetros do imóvel considerado.


Ora, se a área não atende a pelo menos dois dos requisitos indicados no dispositivo do CTN, a priori, não perdeu ela sua vocação rural, cabendo questionar a legalidade de qualquer diploma que promova a alteração do zoneamento do Município.

Muitos destes denominados “loteamentos rurais” escondem verdadeiros loteamentos urbanos porque, como restou acima dito, apesar de implantados em imóveis rurais, destinam-se ao atendimento das funções urbanas, a exemplo do oferecimento de moradia, trabalho e lazer, com fraude às normas cogentes e de ordem pública da Lei 6766/1979, que impõem ao empreendedor uma série de obrigações para regularidade registrária e urbanística do empreendimento, a exemplo de prévia aprovação do poder público municipal, registro imobiliário do ato de aprovação e implantação de infra-estrutura urbana básica, a teor do artigo 18 do mencionado diploma legal.

Deve-se ainda atentar que a atividade de parcelamento do solo para fins urbanos é potencialmente poluidora e degradadora dos recursos naturais, estando sujeita ao prévio licenciamento ambiental, nos termos do art. 225, §1º, IV da CF/88, da Resolução CONAMA 237/1997 e da DN COPAM 58/2002.

Normalmente os empreendimentos, conhecidos como chacreamentos, são implantados em forma de falsos condomínios a partir da venda de frações ideais devidamente identificadas como lotes com áreas delimitadas em plantas e sistema viário público.

Não são efetivamente condomínios na acepção jurídica do instituto de direito civil, pois cada adquirente é proprietário de um lote específico.

É de se ressaltar que também não é cabível a implantação dos referidos chacreamentos com base na Lei Federal 4591/196418), disciplinadora das incorporações imobiliárias e condomínios verticais (prédios de apartamentos, lojas e salas comerciais) ou horizontais (casas de vilas) por absoluta incompatibilidade do instituto com a natureza e finalidade do chacreamento, onde existe a venda de lote e não de unidades autônomas já construídas e registradas (casas, salas, apartamentos, lojas) e fração ideal do terreno.

6.3.7.5 – TÉCNICAS DE ATUAÇÃO


A) Plano Legislativo:

Deparando-se com hipótese de projeto de lei que vise permitir e regular a aprovação de chacreamentos na zona rural do Município, sugerimos as seguintes providências:

a) Instauração de inquérito civil, com expedição de recomendação ao Prefeito e à Câmara Municipal no sentido da inconstitucionalidade do referido projeto, com recomendação para que o mesmo não seja aprovado;

b) Em sendo aprovado o projeto, o ajuizamento de ação civil pública em desfavor do Município, com pedido incidental de declaração de inconstitucionalidade e pedido principal de obrigação de não fazer, para que o ente público abstenha-se de aprovar empreendimentos com base na legislação referida;

Deparando-se o Promotor de Justiça com projeto de lei que vise ampliar a zona urbana do Município para criação de zona de chacreamentos, sugerimos:

a) Instauração de inquérito civil, com expedição de recomendação ao Prefeito e à Câmara Municipal no sentido da impossibilidade de criação de zona exclusiva, devendo eventual lei de expansão urbana observar os requisitos previstos no artigo 42B do Estatuto da Cidade, sob pena de impossibilidade de aprovar-se novos loteamentos com base no zoneamento criado.

b) Em sendo aprovado o projeto de lei, ajuizamento de ACP em desfavor do Município, com pedido incidental de declaração de inconstitucionalidade e pedido principal de obrigação de não fazer, para que o ente público abstenha-se de aprovar empreendimentos com base na legislação referida;

B) Plano Fático:

Constatando a aprovação de projetos de chacreamentos quer seja na zona rural do Município, quer seja na zona de expansão urbana criada por lei que não atenda aos requisitos do artigo 42 B do Estatuto da Cidade, o Promotora de Justiça deverá recomendar ao Prefeito a anulação do ato de aprovação, bem ainda ao CRGI que abstenha-se de efetuar registro do ato de aprovação e de eventuais vendas de frações ideais, lotes ou chácaras.

Em não sendo acatadas as recomendações, sugere-se o ajuizamento de ACP em desfavor do Município e empreendedor para declaração de nulidade do ato de aprovação do empreendimento, cumulado com obrigação de não fazer, para que não se inicie a implantação ou obrigação de fazer, para desfazimento das intervenções realizadas.

Em caso de chacreamentos consolidados, sugere-se recomendar ao Município a edição de lei de expansão urbana que atenda o disposto no artigo 42 B do Estatuto da Cidade, com posterior celebração de TAC ou ACP em face do empreendedor para regularização do empreendimento com base na Lei 6766/1979 e na Lei 11.977/2009 (regularização fundiária de interesse social ou específico).

Nos casos em que não seja possível a regularização seja porque o Município não tem interesse em ampliar seu perímetro urbano, seja por restrições ambientais ou urbanísticas, sugere-se TAC ou ACP em face do empreendedor para desfazimento do empreendimento, com recuperação ambiental integral da gleba ou para pagamento de indenização por danos ambientais irreversíveis, no caso que o retorno ao status quo ante seja impossível.

Em todos os casos, deverá ser apurada a atuação do gestor do Municipal, buscando-se sua responsabilização criminal e por improbidade administrativa, se aprovou loteamento em desconformidade com a lei ou se omitiu diante da implantação de empreendimentos ilegais.

C) Aspectos criminais:

A venda de chácaras de recreio e a implantação de chacreamentos na zona rural do Município caracteriza o crime previsto no artigo 50, caput da Lei 6766/1979. Eventualmente, podem também restar caracterizados crimes ambientais tais como supressão de vegetação ou intervenção não autorizada em APP (art. 38 da Lei 9605/1998). É de salutar importância que ao lado da atuação cível, seja promovida a responsabilização criminal do gestor conivente e empreendedor.

6.3.8 – LOTEAMENTOS FECHADOS


Infelizmente, vemos a prática de instituir-se “condomínios ou loteamentos fechados” a partir do cercamento de vias públicas e construção de obstáculos à livre circulação dos munícipes, a exemplo de cancelas e guaritas, disseminar-se por todo o território nacional, a pretexto de propiciar “segurança” aos moradores de tais “condomínios”, transferindo-se-lhes, em contrapartida, os encargos financeiros diversos necessários, por exemplo, a limpeza e conservação das vias e espaços públicos ocupados, contratação de empresas privadas de segurança, pagamento de despesas de pública, dentre outros.

Observamos que a prática referida muitas vezes decorre da má qualidade de vida nas cidades, criada a partir do descontrolado crescimento urbano, aliada à crescente falta de segurança pública, servindo de meio de enriquecimento de empresários do ramo imobiliário, que passam a vender seus “produtos”, vale dizer, os lotes e imóveis instalados nestes verdadeiros guetos urbanos com promessa de “status” social, decorrente de “morar bem e com segurança”.

A nosso ver, a prática revela-se inconstitucional e ilegal, ainda que apoiada em diploma legal ou ato normativo de natureza diversa expedido pelo Município, conforme passamos a demonstrar.

6.3.8.1 – DA INEXISTÊNCIA DE VERDADEIRO “CONDOMÍNIO” NA ESPÉCIE:



Em que pese tais “regiões de circulação restrita da cidade”, compostas por lotes privados e espaços públicos passem a ser denominadas pelos próprios moradores e demais citadinos como “condomínios urbanos ou fechados”, não se tem, na espécie, verdadeiro condomínio na acepção jurídica do termo, pois cuidam-se de loteamentos aprovados pelo Poder Público com base na Lei federal 6766/1979, que estatui regime jurídico próprio para criação de novos núcleos urbanos, caracterizando-se pelo fracionamento de glebas situadas nas áreas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, anteriormente indivisas, acompanhado da abertura de vias públicas, que são incorporadas ao domínio público após o devido registro do ato de aprovação no cartório do Registro Geral de Imóveis competente, demarcação de quadras e lotes, venda de lotes individualizados (com localização e metragens definidas e existência jurídica autônoma, em virtude da abertura de matrícula específica para cada lote), além de obras de infra-estrutura urbana, a cargo do empreendedor, conforme cronograma de obras aprovado pelo Município.

Com efeito, o instituto do condomínio caracteriza-se pela co-propriedade de um bem, onde cada condômino ou co-proprietário é titular de uma fração ideal não identificada do todo, podendo exercer, contudo, todos os direitos compatíveis com a indivisão.

Nos pseudos “condomínios ou loteamentos fechados”, não há verdadeiro condomínio, pois cada adquirente exerce seus direitos de propriedade com exclusividade sobre o lote adquirido e as chamadas áreas comuns do loteamento, aí englobadas, as ruas, as praças, áreas verdes e institucionais pertencem ao Poder Público e não aos proprietários dos lotes.

Estes “loteamentos ou condomínio fechados” não se confundem com os verdadeiros condomínios fechados (horizontais ou verticais), instituídos com base na Lei Federal 4.591/1964 que “dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias”.

A sistemática adotada para aprovação dos verdadeiros condomínios fechados é a mesma para aprovação, por exemplo, de um prédio de apartamentos, onde cada unidade habitacional (casa ou apartamento) é autônoma, possuindo sua matrícula imobiliária individualizada e as partes comuns da edificação, inclusive do terreno pertencem ao conjunto de proprietários das unidades, em condomínio.

Recentemente temos verificado um grande número de empreendimentos imobiliários aprovados na modalidade de condomínios fechados de casas, onde o empreendedor, além de construir as casas negociadas, implanta toda a infra-estrutura de lazer comum, a exemplo de quadras de esportes, piscinas, sauna, jardins, etc.

Nestes casos estamos diante de condomínios fechados na acepção jurídica da expressão, pois tais empreendimentos ocupam em sua maioria, por exemplo, uma quadra ou lotes de um parcelamento previamente aprovado, onde cada proprietário adquire uma casa individualizada, denominada unidade autônoma, e uma fração ideal do terreno, passando a ter direito de usufruir da infra-estrutura de lazer comum. Por consequência, deve concorrer para o pagamento dos custos da manutenção desta área comum, o que se dá através do pagamento da denominada “taxa de condomínio”.

Nestes casos, as vias abertas são internas e destinam-se exclusivamente à circulação dos moradores, sem interferir ou conectar-se ao sistema viário da cidade, não se incorporando, portanto, ao patrimônio público. Nestas hipóteses, é perfeitamente legal a limitação de acesso de terceiros às áreas comuns do empreendimento e às unidades autônomas, pois trata-se de propriedade privada.

A aprovação de tais empreendimentos, contudo, deve ocorrer com cautela, pois a implantação de grandes condomínios fechados em áreas urbanas e muitas vezes, composto por dezenas de unidades habitacionais compromete a continuidade do sistema viário e colabora para o isolamento daquele núcleo habitacional, criando verdadeiro “feudo” no território urbano.

Como restou acima dito, tal situação não se confunde com os pseudos “loteamentos fechados”, formados a partir do fechamento de ruas integrantes de loteamentos ou desmembramentos aprovados, mediante instalação de obstáculos, guaritas e cancelas, por associações de moradores, com ou sem autorização do Poder Público Municipal, pois, neste caso, ocorre verdadeira privatização de bens de uso comum do povo, o que é intolerável, frente à legislação de regência, conforme passamos a demonstrar.

6.3.8.2 – DO PROCEDIMENTO DE APROVAÇÃO DE UM EMPREENDIMENTO DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO


A Lei Federal 6766/1979 é o diploma legal que rege, em linhas gerais, a atividade de parcelamento do solo urbano. Os Estados, Distrito Federal e Municípios poderão editar normas suplementares desde que não contrariem as disposições gerais da norma federal.19)

A mencionada lei estabelece todo um “iter procedimental” e requisitos para aprovação de empreendimentos de parcelamento do solo urbano, que uma vez descumpridos, geram consequências graves para os responsáveis, nas searas cível e criminal, prejuízos aos consumidores adquirentes de lotes, além de danos ao meio ambiente e à ordem urbanística.

Não obstante, de pronto observamos que a Lei 6766/1979 não disciplina ou mesmo autoriza o instituto do “loteamento fechado”, tal como vem sendo implantado nos diversos municípios brasileiros, a partir de fechamento de ruas e espaços incorporadas ao patrimônio público, sendo correto afirmar que não existe atualmente lei federal que regule tal atividade.

Pois bem. Todo empreendimento de parcelamento do solo urbano, para ser regular, deve percorrer várias etapas indicadas na Lei 6.766/79: passa do momento preliminar de fixação de diretrizes até a aprovação (arts. 6º e 12); desta, vai para o registro especial na competente circunscrição imobiliária (art. 18, caput e incisos); e, por fim, para a execução das pertinentes obras de infra-estrutura (as quais, no entanto, desde que previamente aprovadas, podem preceder a fase registrária – art. 18, inciso V, primeira parte).

Prestigiando a necessidade de licença oficial, a Lei Federal 6.766/79 proíbe que o parcelamento do solo urbano se inicie sem a autorização dos órgãos públicos (arts. 12 e 13). E essa norma, que submete o parcelamento à prévia aprovação e ao registro, é de ordem pública, motivo pelo qual seu descumprimento importa grave ofensa à comunidade, a ponto de configurar crime contra a administração pública(art. 50), de natureza formal, caracterizado pela simples potencialidade de dano, perigo esse abstrato e presumido pela lei com a mera prática da conduta incriminada.

Em verdade, a modificação ou a criação de novos núcleos urbanos é, por natureza, uma função pública, atribuída, essencialmente ao Município. Por isso se sustenta na doutrina que o particular, quando realiza um parcelamento urbano, está exercendo, em nome próprio, no seu interesse e às próprias custas e riscos, uma atividade que pertence ao poder público municipal, qual seja, a de oferecer condições de habitabilidade à população urbana. Por tal razão, o parcelador, antes de iniciar o empreendimento, deve submetê-lo ao Poder Público, ao qual cabe subordiná-lo à satisfação dos padrões de desenvolvimento urbano definidos pela legislação de regência, dentre os quais figuram, no mínimo, os indicados no artigo 4º da Lei Federal 6.766/79.

Uma vez aprovado o projeto de parcelamento do solo urbano, quer na modalidade de loteamento quer na modalidade de desmembramento, o empreendedor deverá providenciar o registro imobiliário no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade do ato aprovatório. Esta a norma inserida no artigo 18, caput da Lei 6766/1979.20)

Como sabido, o projeto de parcelamento do solo para fins urbanos para ser aprovado deve atender alguns requisitos previstos na Lei 6766/1979, sem prejuízo de outros estabelecidos na legislação suplementar estadual ou municipal, devendo-se destacar, entre outros, a necessidade de prever-se áreas destinadas a sistemas de circulação, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, espaços livres de uso público, proporcionais à densidade da ocupação(art. 4º, I). As áreas mencionadas, uma vez levado ao registro imobiliário o parcelamento aprovado, incorporam-se ao patrimônio do Município21), não mais podendo ter sua destinação alterada, nos termos do art. 17 da Lei 6766/1979, salvo nas hipóteses elencadas no art. 23 do mesmo diploma.22)

Ora, se o empreendedor não pode alterar a destinação das áreas públicas após o registro do parcelamento do solo, também não o podem fazer o Município ou mesmo qualquer associação de moradores, por mais nobres que sejam as intenções, pois como restou acima dito, tais áreas são proporcionais ao adensamento promovido pelo novo núcleo urbano e visam atender as necessidades não só dos novos moradores daquela região, mas de toda a coletividade impactada pelo empreendimento.

O legislador ordinário federal deixou a cargo dos Municípios estabelecer em lei local o percentual mínimo do imóvel parcelando que deve ser doado à Municipilidade para o sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres (áreas institucionais e áreas verdes).

A redação original do artigo 4º, I da Lei 6766/1979 previa percentual mínimo de 35% da gleba parcelanda para os chamados “usos comuns”, com a seguinte distribuição: 15 a 20% para o sistema viário; 10 a 15% para áreas verdes, inclusive praças e 5 a 10% para área institucional.23)

Note-se, portanto, que as áreas transferidas ao domínio do Município, especialmente aquelas destinadas às vias de circulação e aos espaços livres, com o registro no competente cartório imobiliário do ato de aprovação do loteamento, passam à natureza de bens de uso comum do povo, para uso e fruição não só dos moradores do novo núcleo habitacional, mas também para permitir a integração do “novo bairro” ao tecido urbano e o atendimento das necessidades coletivas de circulação, estacionamento, serviços de saúde e educação, dentre outros.

Tratam-se, portanto, nos termos do artigo 17 da Lei 6766/1979 de áreas públicas inalienáveis, por sua própria função e natureza, que não podem ser privatizadas, a qualquer título, como vêm ocorrendo com a implantação dos chamados “loteamentos fechados”, a partir de instrumentos tais como autorização, permissão ou concessão de uso.

6.3.8.3 – DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA ILEGALIDADE DA PRÁTICA DE INSTITUIR-SE LOTEAMENTOS FECHADOS A PARTIR DO CERCAMENTO DE RUAS E ESPAÇOS PÚBLICOS:


Normalmente, estes pseudos “condomínios”, como passam a ser chamados os loteamentos regularmente aprovados pelo Poder Público Municipal, após a construção de cancelas, são criados da seguinte forma: um grupo de moradores de uma determinada rua ou bairro reúnem-se em uma associação regularmente constituída perante o registro civil das pessoas jurídicas, criam “uma convenção” que também é registrada em cartório e dirigem-se ao Poder Público solicitando o fechamento da rua. Via de regra, o deferimento do pleito dá-se através da celebração de um instrumento de direito administrativo, a exemplo da permissão de uso, autorização de uso ou mesmo de contrato administrativo de “cessão de uso” com exclusividade das áreas de uso comum do loteamento, tais como vias públicas, praças, áreas verdes, espaços destinados à implantação de equipamentos comunitários e urbanos, autorizado com base em lei ou decreto municipal mediante determinada contrapartida financeira, passando então a associação: a) cobrar dos moradores, quer associados ou não, um valor à título de contribuição para manutenção das áreas cedidas, manutenção do serviço privado de segurança, dentre outros serviços da natureza pública, e que deveriam ser custeados através dos impostos; b) proibir o acesso de pessoas não moradoras do “condomínio”; c) exigir identificação através de exibição de documento para ingresso no local, em caso de pessoas autorizadas por moradores, etc., práticas que contrariam a natureza dos bens de uso comum do povo, de regra, acessíveis à fruição de qualquer do povo.

O festejado Hely Lopes Meireilles leciona que…

Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem se pode cobrar ingresso ou limitar a frequência, pois isto importaria um atentado ao direito subjetivo público de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem regulamentações gerais, de ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais. Qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição – como a cobrança de pedágio nas rodovias – acarreta a especialização do uso e, quando se tratar de bem realmente necessário à coletividade, só pode ser feita em caráter excepcional.


Prossegue o doutrinador:

No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – uti universi – razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem:o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes. Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo.


E conclui:

O que convém fixar é que os bens municipais de uso comum do povo, não obstante estejam à disposição da coletividade, permanecem sob a administração e vigilância da Prefeitura, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público em geral.24)


Do trecho transcrito, conclui-se que é dever do poder público a manutenção e conservação dos bens de uso comum do povo, a exemplo da varrição das ruas, da manutenção e limpeza de praças, da iluminação pública, entre outros, serviços que devem ser custeados pelas receitas públicas advindas dos impostos em geral, tributos de caráter não vinculado, que já oneram a população como um todo, não cabendo admitir-se cobrança de “contribuições” por entidades privadas para tais finalidades.

Ademais, discute-se também se é possível exigir prestações pecuniárias para conservação dos espaços de uso comum do povo, dos moradores de “ruas fechadas” que não aderiram à tais entidades, considerando-se que o direito de associar-se ou não é consagrado na Carta Magna.25)

Não obstante, não são raros os casos de moradores acionados judicialmente em razão de supostas dívidas relacionadas à “contribuições” para manutenção de ruas e espaços públicos concedidos ao uso de determinada entidade ou associação de bairro.

A jurisprudência tem oscilado, ora entendendo que se o morador não aderiu à associação, não está compelido ao pagamento de quaisquer contribuições e valores,26) ora entendendo que os valores são devidos quando utilizados na conservação dos bens cedidos pela municipalidade ao uso privativo27).

Data venia, ousamos discordar do segundo posicionamento, pois tal entendimento implica violação à garantia constitucional expressa, uma vez que obriga o indivíduo a contribuir para entidade a qual não associou-se.

Como fundamento para concessão de tais autorizações ou permissões de uso de bens públicos por uma determinada entidade, no seu exclusivo interesse, normalmente a administração pública municipal argumenta que a medida é necessária para a manutenção da segurança pública, chegando em muitos casos, através de atos normativos (leis, decretos) a “autorizar” que seguranças privados promovam a identificação de quem quer que pretenda ingressar nos “domínios” do loteamento.

Não se trata, a toda evidência, de medida necessária à segurança pública, senão de uns poucos privilegiados que passam a viver em feudos, apartados do tecido urbano. O restante da população, que mora extra-muros, continua relegado à situação de mais absoluta insegurança.

Ademais, a segurança pública, como serviço público, é da competência comum da União e dos Estados federados, por suas polícias, nos termos do artigo 144 da Carta Maior. Destarte, o patrulhamento ostensivo e preventivo das ruas é da alçada das Polícias Militares dos Estados, a quem cabe, nestas circunstâncias, exigir do cidadão comum, exibição de documentos de identificação, enquanto a atividade de polícia judiciária cabe à Polícia Federal, no plano nacional e às Polícias Civis, no âmbito estadual. Aos Municípios, é autorizado apenas “constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” (artigo 144,§8º da CF/88).

Ora, o Município não pode delegar ao particular competência que não detém para o tema “segurança pública”, tampouco “autorizar” a adoção de quaisquer procedimentos com esta finalidade por particulares.

Ademais, a concessão de uso privativo de bens de uso comum do povo a determinada entidade privada, a exemplo de associações de bairro e afins, deve ser precedida de autorização legislativa específica que desafete o bem cujo uso se pretende conceder, incorporando-o à categoria de bens dominiais.

A edição de referida autorização legislativa, contudo, não é mera formalidade burocrática, pois haverá de restar demonstrado que o bem de uso comum do povo perdeu esta sua característica de uso universal. Em se tratando de uma via pública, por exemplo, deve restar cabalmente comprovado que a mesma perdeu sua natureza de via de circulação pelo desuso da coletivade em geral, que a praça pública não é mais utilizada como espaço de lazer comunitário, etc.

Outrossim, a autorização, permissão ou concessão de uso privativo de um determinado bem público deve se dar para atendimento do interesse da coletividade, ou reverter de alguma forma para o bem comum e não no interesse exclusivo de uma determinada parcela da população, como ocorre via de regra nas permissões para fechamento de ruas, em que o ato administrativo é praticado a benefício dos moradores locais, em detrimento do interesse coletivo, na medida que subtrai de um número indeterminado de munícipes o direito de ir e vir e de fruir dos espaços públicos de uso comum.

Além disso, verificamos que, não raro, as leis municipais editadas com a finalidade de permitir o fechamento destes espaços públicos, excedem a competência legislativa municipal ao dispor sobre “condomínios urbanísticos”, considerando que o tema “condomínio” é matéria de direito civil, da competência legislativa privativa da União Federal, nos termos do art. 23, I da CF/88.

Por tudo que restou exposto, conclui-se pela absoluta inconstitucionalidade e ilegalidade da prática mencionada, pelas seguintes razões:

1º) O Município não tem competência legal para legislar sobre condomínios, matéria de direito civil, de competência exclusiva da União Federal, nos termos do artigo 23, I da CF/88;

2º) O Município também não tem competência legal para legislar sobre o tema “segurança pública”, tampouco delegar ao particular o exercício de tal atividade;

3º) Implica, por vias transversas, na modificação da natureza e finalidade das áreas de uso comum do povo, inalienáveis, incorporadas ao patrimônio público, após o registro do ato de aprovação do parcelamento do solo urbano, violando frontalmente o artigo 17 da Lei 6766/1979;

4º) Viola os princípios da finalidade pública, do bem comum, da igualdade e da impessoalidade que devem reger os atos administrativos, pois estabelece privilégios de uns poucos em detrimento da coletividade;

5º) Implica violação da garantia de ir e vir do cidadão comum no espaço urbano;

6º) Implica violação do direito fundamental de associar-se ou não do cidadão, na medida em que o obriga a contribuir para manutenção de bens públicos cedidos ao uso privativo de determinada associação de moradores ou entidades privadas.

6.3.8.4 – TÉCNICAS DE ATUAÇÃO


Em razão do que restou exposto, sugerimos a adoção das seguintes providências preliminares:

a) instaurar inquérito civil, requisitando-se do Sr. Prefeito informações sobre todas as autorizações, permissões ou concessões de uso de bens de uso comum do povo, que ensejaram autorização para os chamados “loteamentos fechados”;

b) expedir recomendação ao Sr. Prefeito Municipal para revogação/anulação ex officio de todos os atos administrativos de permissão, autorização ou cessão de bens de uso comum do povo, que implicaram em autorização para fechamento de ruas integrantes de loteamentos aprovados, fixando prazo razoável para remoção das guaritas, cancelas e outros obstáculos ao livre acesso da população em geral aos logradouros e espaços públicos fechados;

c) expedir recomendação ao Sr. Prefeito Municipal para adotar em prazo razoável as medidas administrativas necessárias à remoção de guaritas, cancelas e outros obstáculos ao livre acesso da população em geral aos logradouros e espaços públicos fechados sem autorização do poder público municipal, encaminhando informações ao Ministério Público sobre as providências adotadas em prazo razoável;

d) expedir recomendação ao Sr. Prefeito Municipal e à Câmara de Vereadores para revogação de eventual lei editada para autorizar os chamados “loteamentos fechados”, em face de sua manifesta inconstitucionalidade;

e) notificar o Município e as associações de bairro beneficiárias para celebração de TAC, tendo por objeto a revogação dos atos administrativos mencionados, praticados com base ou não em lei municipal, no caso de ter havido autorização do Poder Público e a demolição dos obstáculos construídos, em prazo razoável e sob pena de multa;

f) notificar o Município e as associações de bairro para celebração de TAC, tendo por objeto a demolição/remoção dos obstáculos construídos sem autorização, à livre circulação no espaço urbano, em prazo razoável e sob pena de multa.

Na hipótese de não surtirem efeitos as providências anteriores, sugerimos ao Ilustre Promotor de Justiça:

a) oferecer representação ao Exmo. Procurador Geral de Justiça para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face de lei municipal que autorize fechamento de loteamentos;

b) ajuizar ações civis públicas contra o Município e as entidades beneficiadas, buscando a anulação dos atos administrativos autorizadores do fechamento de ruas e espaços públicos de uso comum do povo, arguindo incidentalmente a inconstitucionalidade de eventual Lei Municipal, cumulado com pedido de desfazimento de eventuais obras erguidas para edificação de cancelas, guaritas e afins (obrigação de fazer) e imediata paralisação de qualquer atividade tendente a exigir dos municípes exibição de documentos de identificação (obrigação de não fazer), sem prejuízo de pedido de indenização por eventual dano moral coletivo e por danos causados ao meio ambiente urbano;

c) ajuizar ação de improbidade administrativa em desfavor do gestor público e dos possíveis beneficiários, por violação aos princípios da administração pública, em especial, legalidade, impessoalidade, entre outros, no caso de ter havido indevida autorização para o fechamento dos espaços públicos (art. 11, caput da Lei 8429/1992) e por omissão, no caso de haver apropriação dos bens públicos por entidade privada, sem autorização do poder público (art. 10, caput da Lei 8429/1992);

d) oferecer de representação criminal à Procuradoria de Justiça especializada em crime praticados por agentes políticos para apurar eventual prática de crime previsto no artigo 1º, incisos I e II do Decreto-Lei 201/1967 e 319 do CP.


6.3.9 – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL

28)

6.3.9.1 – INTRODUÇÃO


O crescimento das cidades brasileiras, iniciado no final do século XIX, acelerou-se com acrescente industrialização verificada a partir da década de 50 do século XX, sem que houvesse, contudo, políticas públicas de habitação para as classes trabalhadoras.

A omissão estatal não tardou a causar sérios prejuízos para o equilíbrio ambiental e a qualidade de vida da população urbana, dando causa ao surgimento de ocupações informais e precárias nos centros urbanos, situadas normalmente em áreas de alta declividade, encostas e topos de morros, margens de rios, sujeitos a deslizamentos de terras e outros acidentes geológicos e inundações, cujo risco é agravado pela própria forma de ocupação desordenada e sem orientação técnica.

A despeito de serem áreas inseridas nos espaços urbanos, as populações ali residentes, dado o caráter precário das ocupações, geralmente não têm acesso regular aos serviços públicos essenciais, em especial abastecimento de água, iluminação pública e domiciliar.

Promover a regularização dos assentamentos urbanos informais precários situados nas cidades brasileiras é medida urgente e indispensável para corrigir a enorme desigualdade social, contribuindo para erradicação da pobreza e inclusão das populações beneficiárias das respectivas políticas públicas, além de garantir-lhes o direito à moradia com dignidade.

6.3.9.2 – A LEI FEDERAL 11.977/2009


A Lei Federal 11.977/2009 é oriunda da Medida Provisória 459, de 25 de março de 2009, publicada no DOU de 26.03.2009, editada para regulamentar o Programa “Minha Casa Minha Vida”. Além das normas do programa referido, a MP, em seu capítulo III, instituiu normas gerais para regularização de assentamentos informais urbanos, englobando vilas, favelas, loteamentos clandestinos e irregulares.

Na exposição de motivos de encaminhamento da MP ao Congresso Nacional, o então Ministro das Cidades, Márcio Fortes consignou que “a regularização fundiária urbana é um passo fundamental na garantia do direito constitucional de moradia, especialmente para as populações de menor renda, as mais afetadas pela falta de oportunidades de acesso ao mercado habitacional. Além disso, a regularização fundiária, ao resolver problemas relativos ao meio ambiente, à ordem urbanística e questões jurídicas atinentes ao direito de propriedade, significa o resgate da cidadania das populações mais pobres e a sua integração à cidade legal. Além disso, permite que o Poder Público local realize investimentos nas áreas precárias, dotando-as de serviços urbanos e infraestrutura, de modo a melhorar a qualidade de vida dos seus ocupantes.”29)

A MP 459/2009 veio a ser convertida na Lei Federal 11.977/2009 em 07 de julho de 2009.

A Lei 11.977/2009 consistiu na materialização do comando inserto no artigo 2º, inciso XIV da Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, que definiu, como uma das diretrizes da política urbana, a edição de um diploma legal dispondo sobre regularização fundiária que estabelecesse normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

Consoante o artigo 46 da Lei 11.977/2009 “a regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

A definição legal deixa evidente que o legislador procurou aliar a regularização cartorária (consistente na aprovação urbanística do assentamento, registro em cartório imobiliário do ato de aprovação na matrícula da gleba parcelada, se houver, e a titulação dos ocupantes) com a introdução de melhorias urbanísticas (obras de infraestrutura urbana) e ambientais (saneamento e recuperação ambiental).

A Lei Federal 11.977/2009 é norma geral de direito urbanístico e, como tal, em razão da competência concorrente entre os diversos entes da federação, estabelecida no artigo 24, I c/c §1º da CF/88, não obsta que os Estados, Distrito Federal e Municípios editem normas locais de regularização fundiária, desde que em consonância com as normas gerais federais.

Por outro lado, não ficam os Municípios impedidos de promover a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares situados em seus territórios pela ausência de leis locais. Neste caso, aplicar-se-á integralmente o diploma federal.(art. 49).

A legitimidade para implementação da regularização fundiária urbana foi ampliada para incluir a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e também os beneficiários, individual ou coletivamente e as cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária (artigo 50 da Lei 11.977/2009).

Importante esclarecer que os legitimados para a promoção da regularização fundiária estarão legitimados também para realizar os atos de registro no cartório imobiliário, após a aprovação do respectivo projeto pelo Município.
A lei estabelece também o conteúdo mínimo do projeto de regularização fundiária, que deverá indicar as áreas ou lotes a serem regularizados e, se houver necessidade, as edificações que serão realocadas. Esta última providência será adotada na hipótese de se pretender abrir alguma via ou espaço público de outra natureza em área ocupada por edificações. O projeto indicará ainda as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso público, as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei, as condições para promover a segurança da população em situações de risco e as medidas previstas para adequação da infraestrutura urbana básica.

A Lei 11.977/2009 é peremptória ao determinar a adoção de medidas necessárias para promover a segurança da população moradora de áreas de risco, o que pode envolver, eventualmente, necessidade de remoções pontuais.

A regularização fundiária somente poderá ser realizada se acompanhada de intervenções que garantam a segurança dos ocupantes, a exemplo de obras de contenção, remodelamento e revegetação de taludes, canalização das águas pluviais e servidas, entre outras medidas técnicas. Acaso estas intervenções se mostrem tecnicamente inviáveis ou demasiadamente onerosas, não poderá ser feita a regularização fundiária, devendo ser assegurado o direito de moradia dos ocupantes em outro local.

A regularização fundiária implicará também a realização das obras de infraestrutura urbana necessárias para garantir as condições sanitárias e de habitabilidade do local.

Ressalte-se que a Lei dispensou a apresentação do projeto de regularização fundiária para registro de sentenças de usucapião (individual ou coletivo) e das decisões administrativas de outorga de concessão de uso especial de imóveis públicos para fins de moradia, na forma da Medida Provisória nº 2220-2001.

O legislador previu no artigo 51, §3º da Lei 11.977/2009 a possibilidade de realização da regularização fundiária por etapas, razão porque fica o regularizador dispensado de cumprir um rigoroso cronograma de obras com prazo máximo de 04 anos, tal como previsto na Lei 6766/1979.

Por fim, a seção I, em seu artigo 52, instituiu a possibilidade do Município, no caso de ocupações urbanas informais consolidadas anteriormente à publicação da Lei 11.977/2009, dispensar o percentual mínimo de áreas públicas e de área dos lotes previstos na legislação municipal de parcelamento do solo. A dispensa é possível e legítima nos casos de regularização fundiária de interesse social, relativos a ocupações consolidadas de população de baixa renda. Nos casos de regularização fundiária de interesse específico, deverá haver compensação pecuniária ou complementação da área pública faltante em outro local, conforme preceitua o artigo 43, parágrafo único da Lei 6766/1979.

6.3.9.3 – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL


A Lei 11.977/2009 instituiu duas modalidades de regularização fundiária de assentamentos urbanos informais: a regularização fundiária de interesse social e a regularização fundiária de interesse específico. Dada a importância social da primeira modalidade de regularização fundiária e dos novos institutos jurídicos criados pela Lei 11.977/2009 a ela conexos, a exemplo da demarcação urbanística, da legitimação de posse e da regularização fundiária em áreas de preservação permanente, esta nota técnica vai fixar-se exclusivamente nesta modalidade de regularização fundiária.

Relativamente à regularização fundiária de interesse social, o legislador a definiu no artigo 47, VII, como a regularização de assentamentos irregulares ocupados predominantemente, por população de baixa renda30) em área que esteja ocupada de forma mansa e pacífica há pelo menos cinco anos, de imóveis situados em ZEIS ou áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social.

Importante ressaltar que o legislador autorizou a utilização desta modalidade de regularização apenas em áreas ocupadas predominantemente por população de baixa renda.

A caracterização da ocupação como de baixa renda é de suma importância para permitir a utilização dos procedimentos inovadores da demarcação urbanística, da legitimação de posse, da dispensa do percentual mínimo de áreas públicas e da gratuidade dos atos cartorários relativos à regularização fundiária de interesse social.

A regularização fundiária de interesse social também depende da elaboração, análise e aprovação do respectivo projeto pelo Município, em consonância com o artigo 30, VIII da Constituição Federal que estabelece ser da competência do Município, o controle do uso, ocupação e parcelamento do solo urbano.

Portanto, ainda que a regularização fundiária seja realizada pela União ou pelos Estados em terrenos públicos de suas propriedades, caberá ao Município estabelecer as diretrizes para elaboração do projeto, bem como sua aprovação final.

O projeto de regularização fundiária deve ser elaborado em consonância com o que dispõe o artigo 51 da Lei. A circunstância da ocupação não atender aos parâmetros legais vigentes não poderá ser empecilho para o deferimento da regularização fundiária.

6.3.9.4 – AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL


Uma das principais inovações trazidas pela Lei 11.977/2009 consiste na possibilidade de regularização fundiária de interesse social de ocupações urbanas consolidadas até 31.12.2007, situadas em áreas de preservação permanente.

Neste aspecto, importante aduzir que o Novo Código Florestal, Lei 12.651/2012, recentemente editada, se reporta à Lei Federal 11.977/2009, quando disciplina o procedimento de regularização fundiária de interesse social das ocupações por população de baixa renda consolidadas em áreas de preservação permanente situadas no perímetro urbano.

Com efeito, a Lei 12.651/2012 estabelece:

Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.


A Lei 11.977/2009 autoriza, no artigo 54, §1º que o Município, por decisão motivada, admita a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implicará a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

A lei define área urbana consolidada para fins de regularização fundiária a “parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos. O estudo técnico que subsidiará a decisão do Município deverá observar o conteúdo indicado no artigo 51, § 2º, in verbis:

Art. 51 (omissis)

(…)

§ 2o. O estudo técnico referido no § 1º deverá ser elaborado por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:

I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;

II – especificação dos sistemas de saneamento básico;

III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;

IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;

VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e

VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o caso.


Se a regularização fundiária de interesse social estiver sujeita a licenciamento ambiental em nível estadual31), caberá ao órgão ambiental estadual deferir a regularização da ocupação em áreas de preservação permanente.

6.3.9.5 – AS OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA E O PAPEL DAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS


Como dito anteriormente, vários são os legitimados para a promoção da regularização fundiária de assentamentos urbanos informais. Em se tratando de regularização de interesse social, poderá ela ser implantada em etapas, nos termos do artigo 51, §3º da Lei 11.977/2009, podendo, inclusive, as obras de infraestrutura urbana precederem a regularização cartorial do parcelamento do solo (artigo 55, parágrafo único).

O parágrafo segundo do artigo 51 estabelece que cabe ao Município definir o cronograma físico das obras e serviços a serem realizados. Tal determinação, a nosso ver, em se tratando de regularização fundiária de interesse social, dirige-se ao próprio poder público e às suas concessionárias, e deve estar acorde com as respectivas leis orçamentárias.

Isto porque, nos termos do artigo 55, caberá em tais casos, ao Poder Público, diretamente ou por seus concessionários e permissionários de serviços públicos, a implantação das obras de infraestrutura urbana básica, ainda que a regularização seja promovida por outros legitimados.

6.3.9.6 – CONCLUSÃO


O processo de expansão urbana brasileira, iniciado no final do século XIX e incrementado a partir da industrialização deflagrada em meados da década de 50 do século passado, ocorreu sem qualquer planejamento, o que acarretou um enorme passivo ambiental nos centros urbanos e comprometeu a qualidade de vida das populações urbanas, em razão da proliferação dos assentamentos urbanos informais, que englobam as vilas, favelas e os loteamentos clandestinos e irregulares.

Somente nas últimas décadas a questão do planejamento da expansão urbana passou a preocupar nossos legisladores.

Atendendo a um reclamo da sociedade civil organizada e cumprindo diretriz consagrada pelo Estatuto da Cidade, foi recentemente editada a Lei Federal 11.977/2009, legislação que instituiu mecanismos para regularização de assentamentos urbanos informais consolidados, entre eles, a regularização fundiária de interesse social, voltada para as ocupações de baixa renda, cujas disposições inovadoras, se devidamente aplicadas, contribuirão decisivamente para concretizar os preceitos constitucionais da função social da cidade e da propriedade urbana e o direito social à moradia.

Neste aspecto, o Ministério Público tem papel preponderante na aplicação da nova lei de regularização fundiária, seja difundindo-a junto ao Poder Público em todas as suas esferas e junto à sociedade, seja capacitando todos os legitimados para sua implementação, bem ainda cobrando dos Municípios brasileiros sua estruturação administrativa para realização de projetos de regularização fundiária de interesse social e destinação de recursos orçamentários necessários para tal.

O passivo deixado por décadas de expansão urbana desordenada não se resolverá em curto espaço de tempo, mas é preciso que os Municípios brasileiros instituam políticas públicas de regularização fundiária.

6.3.9.7 – TÉCNICAS DE ATUAÇÃO


Para efetivação do direito difuso à regularização fundiária de assentamentos informais ocupados por população de baixa renda, tal como preconizado no Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001, artigo 2º, XIV, o Promotor de Justiça com atribuição para atuação na área de Habitação e Urbanismo poderá adotar as seguintes providências:

1) Requisitar ao Município informações sobre vilas, favelas e loteamentos clandestinos existentes em seu território;
2) Entabular negociação com o Município para elaboração do plano municipal de regularização fundiária dos assentamentos urbanos informais, para diagnóstico de cada um dos assentamentos existentes, sua situação registral e de infra-estrutura urbana, com hierarquização de prioridades para fins de regularização fundiária;
3) Propor ao Município um cronograma de intervenções, conforme prioridades elencadas;
4) Em caso de empreendimentos privados, com empreendedor identificado, propor TAC ou ACP em face dos mesmos para regularização fundiária;
5) No caso de o Município não aceitar firmar TAC para estabelecer cronograma de regularização, propor ACP para cada assentamento individualmente;
6) Adotar as providências criminais e por improbidade administrativa pertinentes em face dos responsáveis (arts. 50, 51, 52 da Lei 6766/1979).

6.3.10 - As APPs urbanas


6.3.10.1 - As áreas de preservação permanente e parcelamento, uso e ocupação do solo urbano


Observação: Estamos mantendo este artigo no Manual, em que pese elaborado com base na revogada Lei Federal 4771/1965 para fins de compreensão da evolução legislativa do tema. No item 6.9.2 serão abordadas as inovações legislativas trazidas pela Lei Federal 12.651/2012 e pela Lei estadual 20.922/2013.


6.3.10.1.1 - A preservação do meio ambiente e as áreas protegidas


A Constituição Federal de 1988 erigiu o meio ambiente ao status de direito fundamental na medida em que estabeleceu que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é pressuposto inafastável para a vida humana com dignidade.32) Para assegurar a fruição desse direito, o constituinte determinou ao Poder Público, dentre outras obrigações,

definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, §1º, III da CF/88).


Está assentado entre os doutrinadores pátrios que esses espaços territoriais a serem protegidos, também denominadas “áreas ambientalmente protegidas” são a) as unidades de conservação previstas na Lei Federal 9.985/2000 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação; b) as áreas de preservação permanente, previstas nos arts. 2º e 3º da Lei Federal 4.771/1965 – Código Florestal e c) a áreas rurais de reserva legal, criadas pelo art. 16 da Lei Federal 4.771/1965. Não existem muitas divergências sobre as unidades de conservação, uma vez que as formas de criação, modalidades e possibilidades de utilização estão adequadamente regradas na Lei Federal 9.985/2000. A reserva legal, por seu turno, também está adequadamente regulamentada no Código Florestal, incidindo unicamente nas propriedades rurais. A controvérsia sempre cingiu-se às áreas de preservação permanente, eis que, a despeito do Código Florestal haver sido editado em 1965, ainda hoje existe grande resistência quanto à aplicação das normas legais que instituíram as APPS, especialmente nas áreas urbanas.

A partir da deflagração de uma atuação vigorosa do Ministério Público em todo o território nacional para ver cumpridas as disposições legais pertinentes às áreas de preservação permanente em contraponto à contumaz inércia do poder público no exercício do seu poder de polícia administrativa, haveria mesmo de surgir uma situação de conflito, caracterizada pela enorme resistência dos empreendedores em geral em observar as limitações administrativas concernentes às áreas de preservação permanente.

6.3.10.1.2 - Conceito de áreas de preservação permanente, formas de instituição e importância


O Código Florestal define em seu artigo 1º, §2º:

[…] área de preservação permanente a área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (inciso II).


O diploma legal em comento previu duas espécies de áreas de preservação permanente: aquelas criadas pelo art. 2º, denominadas áreas de preservação ermanente ex lege33) e as instituídas por ato do Poder Público com as funções descritas no seu art. 3º.34) É certo que uma vez instituídas as áreas de preservação permanente por ato declaratório do poder público, somente por lei específica poderão elas ser suprimidas ou alteradas, conforme estatui o art. 225, 1º, III da CF/88.

A supressão de vegetação ou a intervenção em áreas de preservação permanente dar-se-á exclusivamente com prévia autorização do Poder Público

[…] em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (art. 4º do Código Florestal).

O legislador, portanto, a nosso sentir, não deixou margem de discricionariedade ao administrador público competente para autorização das intervenções em áreas de preservação permanente, na medida em que definiu de forma categórica os conceitos de “utilidade pública” e “interesse social”, abrindo, contudo, oportunidade para que o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, no exercício de sua competência prevista no artigo 6º, II da Lei 6938/1981 definisse outras hipóteses de interesse social e utilidade pública, além daqueles descritas no Código Florestal, facultando também ao órgão ambiental competente a autorização para supressão eventual e de baixo impacto, conforme definido em regulamento. (art. 4º, §3º).

Com efeito, o art.1º, §2º, do Código Florestal estabelece in verbis:

IV - utilidade pública: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)


V - interesse social: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)


O Conselho Nacional de Meio Ambiente, no exercício do seu poder regulamentar, editou as resoluções 302 e 303/2002 e 369/2006. A Resolução CONAMA 369/2006 dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP e estabelece litteris:

Art. 2o O órgão ambiental competente somente poderá autorizar a intervenção ou supressão de vegetação em APP, devidamente caracterizada e motivada mediante procedimento administrativo autônomo e prévio, e atendidos os requisitos previstos nesta resolução e noutras normas federais, estaduais e municipais aplicáveis, bem como no Plano Diretor, Zoneamento Ecológico - Econômico e Plano de Manejo das Unidades de Conservação, se existentes, nos seguintes casos:

I - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia;

c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias minerais, outorgadas pela autoridade competente, exceto areia, argila, saibro e cascalho;

d) a implantação de área verde pública em área urbana;

e) pesquisa arqueológica;

f ) obras públicas para implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados; e

g) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos privados de aqüicultura, obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1o e 2o do art. 11, desta Resolução.



II - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental competente;

b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área;

c) a regularização fundiária sustentável de área urbana;

d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;



III - intervenção ou supressão de vegetação eventual e de baixo impacto ambiental, observados os parâmetros desta Resolução.



Art. 3o - A intervenção ou supressão de vegetação em APP somente poderá ser autorizada quando o requerente, entre outras exigências, comprovar:

I - a inexistência de alternativa técnica e locacional às obras, planos, atividades ou projetos propostos;

II - atendimento às condições e padrões aplicáveis aos corpos de água;

III - averbação da Área de Reserva Legal; e

IV - a inexistência de risco de agravamento de processos como enchentes, erosão ou movimentos acidentais de massa rochosa.



Art. 4o - Toda obra, plano, atividade ou projeto de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental, deverá obter do órgão ambiental competente a autorização para intervenção ou supressão de vegetação em APP, em processo administrativo próprio, nos termos previstos nesta resolução, no âmbito do processo de licenciamento ou autorização, motivado tecnicamente, observadas as normas ambientais aplicáveis.

§ 1º- A intervenção ou supressão de vegetação em APP de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo.


As hipóteses de intervenção eventual e de baixo impacto estão definidas no artigo 11 da resolução em comento e delas falaremos mais adiante.35).

6.3.10.1.3 - A aplicação do Código Florestal na área urbana


Por muito tempo discutiu-se e ainda se discute sobre a aplicabilidade do Código Florestal às áreas urbanas. A nosso ver, a controvérsia se mostra desprovida de sentido e decorre principalmente da resistência dos empreendedores e proprietários de imóveis urbanos em sujeitarem-se às limitações administrativas decorrentes do regime jurídico das APPS.

O artigo 1º da Lei no 4.771/1965, ao dispor que:

as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem,


não explicitou qualquer restrição à sua aplicabilidade nas áreas urbanas.

A redação introduzida ao parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal pela Lei Federal no 7.803/1989, salvo engano, serviu para sepultar qualquer controvérsia ao dispor que

no caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(grifo nosso).


A parte final do dispositivo legal transcrito não deixa dúvidas quanto à aplicabilidade das normas disciplinadoras das APPs nas áreas urbanas, devendo eventual legislação suplementar emanada dos Estados e Municípios respeitar os limites e princípios estatuídos pelo Código Florestal, em virtude de sua natureza de norma geral.

Impõe-se evidenciar que os que defendem posição em contrário, fulcram-se na denominada “autonomia municipal” sustentando que o Município teria competência legislativa plena para disciplinar assuntos de “interesse local” (art. 30, I da CF/88) e para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, VIII da CF/88).

Parece-nos, contudo, que o entendimento acima esposado, não se coaduna com o sistema de repartição de competências instituído pela CF/88.Como se sabe, o art. 24 confere à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre “VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.

Em se tratando de competência concorrente, cabe à União, nos termos do artigo 24, §1º da CF/88, editar normas gerais e aos demais entes da federação, editar normas suplementares (§2º), defluindo do sistema que as normas suplementares de Estados e Municípios deverão se conjugar com as normas gerais federais. Neste sentido, a lição de Fernando Reverendo Vidal Akaoui:

[…] de uma análise conjunta dos artigos 24, inciso VI e seu §2º, artigo 30, II e artigo 225, todos do Texto Maior, somente podemos chegar à conclusão de que, sendo dever do Poder Público defender e preservar o meio ambiente, nem a União, e nem os Estados poderiam, dentro de sua competência concorrente, editar norma que viesse a prejudicar os ecossistemas essenciais, assim como não poderia fazê-lo o Município, dentro de sua competência suplementar.36)


José Afonso da Silva ressalta que

[…] é importante ter em mente a parte final do dispositivo, que manda observar os princípios e limites previstos no artigo 2º do Código que define as florestas e demais formas de vegetação de preservação permanente, porque isso significa que o regime municipal tem que respeitar o regime do Código Florestal.37)


Paulo de Bessa Antunes, por seu turno, ao comentar o parágrafo único do art. 2º do Código Florestal, afirma que o

respeito aos limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal deve ser interpretado como a impossibilidade legal de os municípios tornarem mais flexíveis os parâmetros estabelecidos na lei federal.38)


Paulo Affonso Leme Machado, no mesmo diapasão, enfatiza que:

[…] ao introduzir-se esse parágrafo único no art. 2º do Código Florestal, quis o legislador deixar claro que os planos e leis de uso do solo do Município têm que estar em consonância com as normas do mencionado artigo 2º. Isto quer dizer, por exemplo, que um Município, ao construir uma avenida nas margens de um curso d’água, não pode deixar de respeitar a faixa de implantação da vegetação de ‘preservação permanente’, de acordo com a largura do curso d’água. A autonomia municipal ambiental entrosa-se, pois, com as normas federais e estaduais protetoras do meio ambiente39).



6.3.10.1.4 - A observância das restrições legais à ocupação das APPS nos empreendimentos de parcelamento do solo urbano


Restando assentado que as disposições do Código Florestal que disciplinam a intervenção e supressão de vegetação em áreas de preservação permanente se aplicam às áreas urbanas, dúvidas não há também que tais limitações devem ser observadas nos empreendimentos de parcelamento do solo urbano, em face da necessidade de conciliarmos o desenvolvimento e a expansão urbanos com a preservação do meio ambiente em prol da qualidade de vida nos centros urbanos, numa síntese do chamado desenvolvimento sustentável, sob pena de inviabilizarmos a fruição dos recursos naturais às futuras gerações. Este pensamento se coaduna com o escopo que inspirou a edição da Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, que regulamentou os artigos 182 e 183 da CF/88 e contém normas de ordem pública e interesse social, estabelecendo no parágrafo único do artigo 1° que o uso da propriedade privada urbana deve se dar em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

O artigo 2° do diploma legal referido fixa diretrizes para a política urbana, mais uma vez evidenciando a preocupação do legislador em conciliar o “pleno desenvolvimento urbano” com “a função social da cidade e da propriedade urbana”. Dentre as diretrizes gerais a serem observadas nas políticas a serem implantadas pelos Municípios brasileiros, colhemos:

* garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
* planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
* ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos, a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes, o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana, a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente, a deterioração das áreas urbanizadas e a poluição e a degradação ambiental;
* adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
* proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
* audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
* regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais.

Vê-se, portanto, que não é mais possível, frente ao ordenamento jurídico brasileiro, pensar-se em planejamento e expansão urbanos ou mesmo em atividades econômicas sem considerarmos seus impactos sobre o meio ambiente. Deparando-nos com a questão da expansão urbana, impõe-se evidenciar a forma como as áreas de preservação permanente vêm sendo ocupadas nas cidades brasileiras. Infelizmente, o regime legal das APPS é diuturnamente desobedecido, quer seja pela ação comissiva dos empreendedores, quer seja pela omissão sistemática da administração pública no exercício do seu poder de polícia, através de atuação fiscalizatória das atividades exercidas no espaço urbano, dando azo ao crescimento urbano desenfreado e marginal, contribuindo decisivamente para a degradação do meio ambiente, dos recursos hídricos, dos solos, e, principalmente, da qualidade de vida dos habitantes das cidades.

As áreas de preservação permanente são consideradas ex lege

de importância vital para a manutenção do equilíbrio ecológico, devendo serem resguardadas de ações danosas, inclusive no que tange a intervenções urbanísticas.40)


Assim, ao implantar um loteamento deve o empreendedor resguardar as áreas de preservação permanente, abstendo-se de parcelá-las em face de sua condição de áreas non aedificandi. Destarte, as limitações decorrentes do regime legal das APPS estão em perfeita consonância com os princípios constitucionais da função sócio-ambiental da propriedade e do desenvolvimento econômico sustentável.

Como se sabe, de há muito o direito de propriedade deixou de ser o direito absoluto do proprietário de usar, gozar e dispor livremente da coisa. Luis Henrique Paccagnella doutrina que

[…] é da essência do nosso sistema que o direito de propriedade só é reconhecido pela ordem jurídica estatal, se for cumprida a função social da propriedade, concomitantemente com o proveito pessoal do detentor do domínio”. […] Assim, a propriedade só existe enquanto direito se respeitada a função social. Desatendida esta, não existe direito de propriedade amparado pela Constituição.41)


Entrementes, a CF/88 enfatiza que a função social da propriedade é cumprida quando exercida de forma compatível com a preservação do meio ambiente e a utilização adequada dos recursos naturais.42)

Outrossim, o exercício de qualquer atividade econômica é assegurado pelo texto maior, desde que observados, dentre outros princípios, a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente (art. 170, III e VI). Assim, os empreendimentos de parcelamento do solo urbano sujeitam-se às regras e limitações instituídas pelo Código Florestal, especialmente as que disciplinam as áreas de preservação permanente.

Observamos que a preservação do meio ambiente e seus reflexos na qualidade de vida dos moradores do espaço urbano e na dignidade da pessoa humana já preocupavam o legislador da Lei Federal 6766/1979, que institui normas gerais de parcelamento do solo urbano.

Com efeito, o artigo 3º, parágrafo único do referido diploma dispõe:

Art. 3º - (omissis)

Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo:

I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública , sem que sejam previamente saneados;

III – em terrenos com declividade igual ou superior a trinta por cento, salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V- em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até sua correção.(grifo nosso).


A doutrina concorda que as áreas de preservação permanente estão incluídas dentre as “áreas de preservação ecológica” a que se refere o inciso V do parágrafo único do art. 3º acima transcrito.43) Outrossim, é entendimento sufragado que as dimensões e limites de proteção instituídos pelo Código Florestal prevalecem sobre as dimensões fixadas no art. 4º, III, da Lei no 6.766/1979, assim vazado:

Art. 4º - Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

[…]

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de quinze metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;(grifo nosso)


Como se vê, o próprio legislador de 1979 estabeleceu área non aedificandi mínima de 15 metros ao longo das margens dos cursos d’água, ressalvando exigências maiores realizadas por legislação específica. Ora, o Código Florestal é legislação específica in casu, prevalecendo suas disposições em contrário. Para adequado entendimento da matéria, impõe-se analisar a evolução cronológica da legislação que regulamentou as áreas de preservação permanente.

Até o advento da Lei no 6.766/1979, o Código Florestal estabelecia em seu artigo 2º, alínea “a”, como área de preservação permanente, quer nas áreas rurais e nas urbanas, a faixa de 05 metros ao longo dos cursos d’água.

Com a edição da Lei no 6.766, em 19 de dezembro de 1979, passou a vigir, em relação às áreas urbanas, a faixa de preservação de 15 metros ao longo dos rios, consoante o art. 4º, III acima transcrito.

Todavia, a Lei Federal no 7.511/1986, que alterou o Código Florestal, deu nova redação ao art. 2º, alínea “a”, ampliando a área de preservação de 05 para 30 metros, derrogando, por via de conseqüência, o art, 4º, III da Lei no 6.766/1979, passando esta nova metragem a ser aplicável tanto às áreas urbanas quanto às rurais.

Devemos enfatizar que a faixa de proteção de 30 metros instituída pela Lei no 7.511/1986 foi mantida pela Lei no 7.803/1989, que também alterou disposições do Código Florestal. Assim, para os parcelamentos aprovados antes do advento da Lei no 6.766, a faixa de preservação non aedificandi era de 5 metros ao longo dos cursos d´água; para os parcelamentos aprovados após 19/12/1979 e até a edição da Lei Federal no 7.511, de 07/07/1986, a faixa mínima é de 15 metros; após a Lei no 7.511/1986, a faixa passou a ser de 30 metros, observando-se que a legislação municipal pode estabelecer critérios mais rígidos do que aqueles fixados na legislação federal.

Quaisquer aprovações de empreendimentos de parcelamento do solo urbano, sem observância das áreas de preservação permanente, ensejam a atuação do Ministério Público para buscar a anulação do ato administrativo, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal do gestor público, especialmente por ato de improbidade administrativa.

6.3.10.1.5 - Da autorização para novas construções em áreas de preservação permanente em loteamentos antigos


Infelizmente, não são poucos os loteamentos aprovados ao longo dos anos que não observaram a faixa legal non aedificandi das áreas de preservação permanente, com previsão de lotes em áreas com forte inclinação ou mesmo à margem dos cursos d’água, o que inviabiliza sua ocupação, à luz da legislação federal ambiental e de parcelamento do solo urbano em vigor.

A questão que desafia a atuação do Ministério Público na atualidade é a que diz respeito à expedição de autorizações pelo poder público municipal para construção de edificações novas em loteamentos antigos, assim entendidos aqueles aprovados antes da Lei Federal no 7.511/1986, que ampliou a área de preservação permanente ao longo dos cursos d’água com até de 10 metros de largura para 30 metros, metragem que prevalece até os dias de hoje, ou, mesmo naqueles loteamentos aprovados em desconformidade com a legislação de regência.

O entendimento muitas vezes defendido pelo Poder Público para autorizar tais construções em faixas inferiores a 30 metros dos cursos d’água ou mesmo inferiores a 50 metros das nascentes é de que o proprietário teria direito adquirido para edificar, consoante a legislação em vigor à época da aprovação do loteamento, estaria atuando de boa-fé, diante da existência de um ato administrativo de aprovação do empreendimento, ou, ainda, que se tratam de áreas urbanas com ocupações antrópicas consolidadas.

O entendimento acima esposado não se coaduna com o princípio da função sócio-ambiental da propriedade, cabendo ao proprietário de boa-fé, que se sentir lesado diante de um ato administrativo de aprovação ilegal do loteamento, buscar ressarcimento junto ao Poder Judiciário, não cabendo, contudo, pretender que seu direito individual e de caráter meramente patrimonial prevaleça sobre os direitos difusos ao meio ecologicamente equilibrado e à vida em uma cidade sustentável . Com restou dito, o direito de propriedade não é absoluto, havendo de ser exercido em prol do interesse coletivo e da preservação do meio ambiente, respeitando-se, por consectário lógico, as limitações administrativas instituídas no interesse comum. A função ambiental das áreas de preservação permanente e o direito transgeracional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado justificam as limitações legais impostas pelo Código Florestal ao direito individual à propriedade privada.

Ruth Cristina Montanheiro lembra que:

[…] à medida que um núcleo urbano cresce e se densifica, cresce o uso dos recursos naturais disponíveis, eliminam-se coberturas vegetais para a abertura de novos loteamentos”; e, muito embora seja “a natureza composta de elementos que se constituem em poderosos recursos para a construção de um habitat urbano saudável e benéfico a todas as formas de vida”, “se estes forem ignorados e desrespeitados transformam-se em sérios problemas ou até em catástrofes, como aquelas que há séculos têm castigado as cidades, como é o caso dos deslizamentos e das enchentes ou inundações.44)


Destarte, recente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que não existe direito adquirido na hipótese vertente. Vejamos:

[…] não há direito adquirido absoluto decorrente da ocupação antrópica consolidada, pois as restrições legais de APP seguem o imóvel e incidem a partir da vigência da lei. Não se caracteriza a ocupação antrópica à falta de construções, acessões e benfeitorias sobre a área de preservação permanente. O proprietário adquire o imóvel com todos os direitos e deveres inerentes ao mesmo, submetendo-se às medidas de restrição decorrentes da necessidade de proteção à mata ciliar, mormente se ao adquirir o imóvel já estava vigente o Código Florestal com a restrição APP (grifo nosso) (Processo n. 1.0223.03126435-9/002, Relator Desembargadora Vanessa Verdolim, acórdão publicado em 10/03/2006).


Outrossim, a mesma decisão entendeu que não há ocupação consolidada se não existem edificações na área de preservação permanente.

Assim, defendemos o posicionamento de que não existe direito adquirido à construção de novas edificações em APP, ainda quando se trata de loteamento aprovado antes do advento da Lei 7511/1986, que ampliou a faixa non aedificandi para 30 metros, não podendo ser autorizado pelo poder público municipal edificação urbana na faixa de proteção, salvo se caracterizadas aquelas hipóteses excepcionais previstas no Código Florestal, regulamentado pela resolução CONAMA 369/2006, a saber, interesse social, utilidade pública ou baixo impacto, desde que comprovada a inexistência de alternativa técnica e locacional por laudo técnico elaborado em procedimento administrativo próprio, concedida prévia anuência do Instituto Estadual de Florestas.

A Lei Estadual no 14.309/2002, com a redação introduzida pela Lei no 18.365, de 1/9/2009 , procurando disciplinar as situações consolidadas, estabeleceu em seu art. 11, in verbis:

Art. 11. Nas áreas de preservação permanente, será respeitada a ocupação antrópica consolidada, vedada a expansão da área ocupada e atendidas as recomendações técnicas do poder público para a adoção de medidas mitigadoras e de recuperação de áreas degradadas.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, considera-se ocupação antrópica consolidada o uso alternativo do solo em área de preservação permanente estabelecido até 19 de junho de 2002, por meio de ocupação da área, de forma efetiva e ininterrupta, com edificações, benfeitorias e atividades agrossilvipastoris, admitida neste último caso a adoção do regime de pousio.

[…]

§ 4º A comprovação da ocupação consolidada será realizada por meio de laudo técnico emitido pelo IEF, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais - EMATER-MG, ou por profissional habilitado, neste caso acompanhado da anotação de responsabilidade técnica.

Art. 11-A Nas áreas de preservação permanente localizadas em área urbana com plano diretor ou projeto de expansão aprovados pelo Município, será respeitada a ocupação consolidada, atendidas as recomendações técnicas do poder público.



Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, considera-se ocupação antrópica consolidada o uso alternativo do solo em área de preservação permanente estabelecido até 19 de junho de 2002, por meio de ocupação da área com edificações, benfeitorias ou parcelamento do solo.


Como se vê, a lei em referência autorizou a permanência de ocupações consolidadas até 19 de junho de 2002, mediante averiguação do caso concreto pelo órgão ambiental competente, dispensando a comprovação do interesse social, da utilidade pública e a inexistência de alternativa técnica e locacional em completa afronta à CF/88 que, em seu artigo 24, §1º, confere à União competência para legislar normas gerais sobre o meio ambiente, competência essa que, em matéria de áreas de preservação permanente, foi materializada no Código Florestal, e por isso, não pode ser flexibilizado pela legislação estadual. Assim é que a lei estadual, ao estabelecer parâmetros de proteção às APPS urbanas menos rígidos que a norma geral federal, padece de inconstitucionalidade flagrante.

A nova lei estadual, tentando ainda contornar o regime legal das APPS estabelecido pela legislação federal, considerou, no artigo 11 A, parágrafo único, como ocupação antrópica consolidada, o mero parcelamento do solo, ainda que não hajam edificações na APP. Tal previsão fere frontalmente o artigo 3º, parágrafo único , V da Lei 6766/1979, que considera as áreas de preservação ecológica imparceláveis. Vê-se, portanto, que a lei estadual fomenta o uso nocivo da propriedade, devendo ter sua inconstitucionalidade questionada incidenter tantum nos casos concretos e pela via direta, através de ADI ajuizada perante o STF.

6.3.10.1.6 - Do interesse social, da utilidade pública e do baixo impacto como requisitos à autorização da intervenção em APP


Como restou acima exposto, a regra é a intocabilidade das áreas de preservação permanente, em razão de seus atributos ambientais; a exceção, a autorização para supressão de vegetação e ocupação exclusivamente nas hipóteses legais, quais sejam, nos casos de utilidade pública, interesse social e ainda nas intervenções eventuais e de baixo impacto. A matéria foi regulamentada pela Resolução CONAMA 369/2006.

Para contornar a restrição legal, alguns administradores municipais editam decretos de efeitos concretos declarando de interesse social ou de utilidade pública empreendimentos específicos fora das hipóteses estabelecidas na Resolução CONAMA 369/2006 ou declarando antecipadamente de baixo impacto quaisquer obras e intervenções que se pretenda realizar em referidos empreendimentos, normalmente condomínios de luxo aprovados em desconformidade com as leis de regência, de forma a poder autorizar construções em APP, favorecendo empresários do ramo imobiliário e consumidores desavisados. Trata-se, obviamente, de burla ao Código Florestal e à Resolução CONAMA 369/2006, passível de anulação pela via judicial. Ademais, tais fatos retratam conduta violadora da legislação pátria, fomentando o Município o uso nocivo da propriedade, conforme expresso no art. 1º e seu § 1º da Lei 4.771 – Código Florestal , de 15.09.65, in verbis:

Art. 1º As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitados do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1º As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil. (grifo nosso)


Outrossim, o próprio Código Florestal e a Resolução CONAMA 369/2006 estabelecem procedimento administrativo próprio e específico perante o órgão ambiental competente para autorização da intervenção em APP, no qual será elaborado laudo técnico atestando a caracterização ou não das hipóteses legais autorizativas, bem ainda inexistência de alternativa técnica e locacional, não cabendo ao Poder Executivo Municipal alterar as hipóteses já definidas nos atos normativos citados, salvo para ampliar a proteção da APP.

Se se deparar com a edição de decretos deste jaez, deve o Promotor de Justiça expedir recomendação ao Prefeito para anulá-los e abster-se de expedir novos decretos e, sendo necessário, ajuizar a competente ação anulatória, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal e civil, por improbidade administrativa.

6.3.10.1.7 - Das autorizações de intervenções eventuais e de baixo impacto em APPS urbanas


Como dito anteriormente, não são poucos os casos de lotes urbanos vagos situados parcial ou integralmente em APPS, cujos proprietários encontram-se frustrados ante a possibilidade de verem sua intenção de construir limitada pelas restrições decorrentes do regime jurídico instituído pelo Código Florestal.

De fato, a construção particular em área urbana para fins residências ou comerciais dificilmente se encaixaria nas hipóteses de utilidade pública ou interesse social.

Em casos tais, eventualmente poderá ser autorizada a edificação em APP, desde que caracterizada a intervenção de baixo impacto, nos moldes preconizados pela Resolução CONAMA 369/2006.

Ao dispor sobre as hipóteses de intervenção ou supressão de vegetação em APP, a resolução mencionada, em seu artigo 11, inciso XI, abriu oportunidade para que os conselhos estaduais de meio ambiente estabeleçam outras hipóteses de intervenções de baixo impacto ambiental, desde que as intervenções não comprometam as funções ambientais destes espaços, especialmente, a estabilidade das encostas e margens dos corpos de água, os corredores de fauna, a drenagem e os cursos de água intermitentes, a manutenção da biota, a regeneração e a manutenção da vegetação nativa e a qualidade das águas (art. 11, §1º) e não ultrapassem o percentual de 5% da APP localizada na posse ou propriedade (art. 11,§2º), podendo o órgão ambiental competente, conforme o caso, exigir, quando entender necessário, estudos técnicos que comprovem a inexistência de alternativa técnica e locacional.(art. 11, §3º).

Em Minas Gerais, o Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM editou a Deliberação Normativa 76/2004 que dispõe sobre a interferência em áreas consideradas de preservação permanente e dá outras providências.
A DN COPAM 76/2004 em seu artigo 1º, inciso II define baixo impacto com a intervenção localizada em Área de Preservação Permanente, que não polua ou degrade significativamente o meio ambiente, assim entendido como aquela atividade que possa provocar alteração das qualidades físicas, químicas ou da biodiversidade, tais como a) prejudicar a saúde ou bem estar da população humana; b) criar condições adversas às atividades sociais ou econômicas; c) ocasionar impactos relevantes à flora, à fauna e à qualquer recurso natural; d) ocasionar impactos relevantes aos acervos históricos, culturais e paisagísticos.

Em regra, a autorização específica para a intervenção ou supressão de vegetação em APP, que não se confunde com alvará de construção, da alçada do Município, é da competência do órgão ambiental estadual. Todavia, em se tratando de intervenção em APP em área efetivamente urbanizada, a autorização dependerá de autorização do órgão municipal competente, desde que o Município possua Conselho de Meio Ambiente - CODEMA, com caráter deliberativo e Plano Diretor, mediante anuência prévia do Instituto Estadual de Florestas - IEF, fundamentada em parecer técnico favorável. No caso de anuência prévia do IEF, deverá ser encaminhado pelo órgão municipal competente o processo devidamente formalizado, contendo os documentos e informações necessárias, para a análise e emissão do parecer técnico por parte do vistoriante (art. 3º, §§2º e 3º, da DN 76/2004).

Conclui-se, portanto, que o órgão ambiental estadual ou municipal, o último, exclusivamente se possuir CODEMA com caráter deliberativo e Plano Diretor e com anuência prévia do IEF, poderão autorizar a edificação particular residencial ou comercial em APP urbana desde que caracterizado o baixo impacto ambiental, observados os requisitos e critérios definidos na Resolução CONAMA 369/2006 conjugada com a DN COPAM 76/2004 acima citados, devidamente comprovados em laudo técnico, observando-se o procedimento previsto no artigo 4º e seguintes da DN 76/200445).

Em se tratando de intervenção ou edificação em APP já concluída, deverá o responsável promover sua regularização perante o órgão ambiental competente (estadual ou municipal, no último caso com anuência do Estado), comprovando, através de laudo técnico, o baixo impacto, consoante os critérios elencados na Resolução CONAMA 369/2006 e na DN COPAM 76/2004, com ocupação da APP, até o limite de 5%(art. 11,§2º, da DN 76/2004) ou, alternativamente, em não se tratando de intervenção de baixo impacto, que se trata de construção concluída até 19 de junho de 2002 (data da vigência da Lei estadual 14.309/2002), comprovando-se a inexistência de alternativa técnica e locacional, estabelecendo-se as medidas mitigatórias e compensatórias pertinentes, vedada peremptoriamente a expansão da área ocupada.

6.3.10.1.8 – Conclusão


Como restou acima dito, as áreas de preservação permanente, quer sejam urbanas ou rurais, integram as denominadas “áreas protegidas”, de natureza non aedificandi. Na atividade de parcelamento do solo urbano, o Poder Público Municipal não pode aprovar lotes em áreas de preservação permanente, tampouco autorizar edificações nas faixas de proteção da APP.

No caso dos loteamentos antigos, assim considerados aqueles aprovados antes da edição da Lei Federal no 7.511/1986, que ampliou a faixa de proteção das margens dos córregos com largura de até 10 metros para 30 metros, não existe direito adquirido do proprietário em edificar em APP.

As intervenções em APP somente podem ser autorizadas pela autoridade ambiental competente em regular procedimento administrativo, após a expedição de laudo técnico que ateste o interesse social, a utilidade pública ou baixo impacto do empreendimento, consoante critérios explicitados na Resolução CONAMA 369/2006 e DN 76/2004 e ainda, a inexistência de alternativa técnica e locacional, devendo ser indicadas medidas mitigatórias ou compensatórias pertinentes.

6.3.10.1.9 - Referências bibliográficas


AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicação do Código Florestal em áreas urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo. In: Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo, Imprensa Oficial/ Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000.

JELINEK, Rochelle. A delimitação e a proteção das áreas de preservação permanente e seus reflexos no parcelamento do solo urbano. (disponível na página do CAO-MA)

JELINEK, Rochelle. As áreas de preservação permanente no perímetro urbano. (disponível na página do CAO-MA)

SANTIAGO, Alex Fernandes. Ocupação Urbana, áreas de preservação permanente, operações urbanas consorciadas e o Ministério Público. (disponível na página do CAO-MA)

6.3.10.2 – O NOVO CÓDIGO FLORESTAL E AS APPS URBANAS – ORIENTAÇÕES PARA ATUAÇÂO DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS


6.3.10.2.1 – INTRODUÇÃO


Recentemente foi aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro, a Lei Federal 12.651/2012, que dispõe sobre o Novo Código Florestal, revogando in totum a Lei 4771/1965, com suas alterações, em especial a MP 2166-67/2001.

A tramitação do projeto de lei citado foi bastante tumultuada, tendo ocorrido verdadeira queda de braço entre os setores ambientalista e agropecuário, o primeiro buscando evitar o retrocesso legislativo e a diminuição da proteção ambiental, enquanto o segundo pretendia garantir anistia para intervenções realizadas ao arrepio do diploma legal então em vigor e seus regulamentos, com isenção das obrigações de reparação dos danos ambientais e necessidade de recompor as áreas afetadas.

A nova lei acabou sendo promulgada pela Presidência da República com alguns vetos, que foram incontinenti, supridos pela MP 571/2012, posteriormente transformada na Lei Federal 12727/2012.

Outrossim, durante a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, o debate foi tão dominado pelo setor do Agronegócio, representado pela CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, que pouco se discutiu sobre as áreas de preservação permanente urbanas, sendo escassos os dispositivos legais do Novo Código que tratam da matéria.

6.3.10.2.2 - A APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL NAS ÁREAS URBANAS


A Lei 4771/1965 continha dispositivo expresso sobre a aplicabilidade do Código Florestal nas áreas urbanas, a saber:

»Art. 2º - (…)



Parágrafo único: No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.” (grifo nosso).


A Lei 12. 651/2012, de igual forma, contém dispositivo, que ao dispor sobre os princípios da proteção e uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação, estabelece, in verbis:

Art. 1º - A (…)



VI – responsabilidade comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais (incluído pela Medida Provisória n. 571/2012) (grifo nosso).


Do mesmo modo, quando disciplina as áreas de preservação permanente no entorno dos lagos e lagoas naturais no artigo 4º, inciso II, “a” e “b”, a Lei concede tratamento diferenciado, quer se trate de área rural ou urbana, conforme já fazia a Resolução CONAMA 303/2002.

Outrossim, o Novo Código se reporta à Lei Federal 11.977/2009, que disciplina o procedimento de regularização fundiária de interesse social e específico, quando aborda a questão da regularização perante os órgãos ambientais das ocupações consolidadas em áreas de preservação permanente situadas no perímetro urbano, tópico que será abordado detalhadamente mais à frente.

6.3.10.2.3 – DO RETROCESSO AMBIENTAL


Setores da sociedade civil, ambientalistas e o próprio Ministério Público Brasileiro estão reagindo fortemente à nova lei, ao argumento de sua inconstitucionalidade, porque houve retrocesso legislativo, em face da diminuição da proteção do meio ambiente, o que é vedado por nossa Constituição Federal, considerando que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de direito fundamental humano, e por isso, objeto de proteção da cláusula pétrea inserta no artigo 60,§4º, IV da CF/88.

Tiago Fensterseifer observa que

…A proibição de retrocesso, nesse contexto, diz respeito mais especificamente a uma medida protetiva dos diretos fundamentais ( e da dignidade humana) contra a atuação do legislador em termos de retroceder nas garantias e na tutela normativa já existentes para com os direitos em questão. A proibição de retrocesso constitui-se de um princípio constitucional implícito, tendo como fundamento constitucional, como registra Sarlet, entre outros, o princípio do Estado (democrático e social) de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, as garantias expressamente previstas (ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada), o princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção de confiança.46)


De fato, vários são os exemplos extraídos da nova lei que confirmam a assertiva do retrocesso ambiental.

Por exemplo, no regime anterior, a Resolução CONAMA 303/2002 estabelecia no artigo 3º, I que a área de preservação permanente de margem de córrego era contada em faixa marginal, a partir do nível mais alto das águas, em projeção horizontal, de forma que a APP era medida apenas após a faixa de inundação do curso d’água.

A lei atual, contudo, estabelece que a APP será contada a partir da borda da calha do leito regular do rio, computando como APP a faixa de inundação.

Outrossim, ao conceder anistia em alguns casos para intervenções irregulares ocorridas na zona rural, dispensando o degradador da obrigação de reparação integral, a lei criou uma espécie de dano ambiental não sujeito a reparação, quebrando a harmonia do sistema instituído pela CF/88 – artigo 225, §3º e pelo art. 14, §1º da Lei Federal 6938/1981.

Não obstante, a declaração de inconstitucionalidade da Lei em referência depende de decisão judicial, quer seja pela via direta, através de ajuizamento de ADI pelo Procurador Geral da República ou outros legitimados, nos termos do artigo 103 da CF/88, quer seja pela via incidental ou difusa, em ações ajuizadas perante os Juizes de Primeira Instância, diante de casos concretos, em que eventual decisão neste sentido fará coisa julgada inter partes.

6.3.10.2.4 - A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS


Diante da alteração legislativa, vários colegas estão solicitando à Coordenadoria Estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo orientação para a atuação.

Em se tratando de TACs firmados e ações judiciais com decisões transitadas em julgado, assentados no regime da Lei 4771/1965 e respectiva regulamentação, nada muda, em deferência ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, garantias constitucionais previstas no artigo 5º, XXXVI da CF/88.

Outrossim, nos casos ainda pendentes de solução, é de se arguir a inconstitucionalidade da Lei Federal 12.651/2012 e da Lei Estadual 22.922/2013 no que representar retrocesso ambiental.

As áreas de preservação permanente, quer sejam urbanas ou rurais, integram as denominadas “áreas protegidas”. Na atividade de parcelamento do solo urbano, o Poder Público Municipal não pode aprovar lotes e áreas institucionais em áreas de preservação permanente, tampouco autorizar edificações nas faixas de proteção da APP, salvo nas hipóteses legalmente previstas.

As intervenções em APP somente podem ser autorizadas pela autoridade ambiental competente em regular procedimento administrativo, após a expedição de laudo técnico que ateste o interesse social, a utilidade pública ou baixo impacto do empreendimento, consoante critérios explicitados na Resolução CONAMA 369/2006, e ainda, a inexistência de alternativa técnica e locacional, devendo ser indicadas medidas mitigatórias ou compensatórias pertinentes (art. 5º).

Outrossim, deve-se argüir a inconstitucionalidade incidental do artigo 2º, III da Lei Estadual 22.922/2013, no que concerne à possibilidade de regularização das intervenções não autorizadas nas APPS urbanas, que a lei estadual denomina “ocupação antrópica consolidada” em área urbana, por manifesta colidência com a Lei 6766/1979, que disciplina o parcelamento do solo urbano e ainda por ser menos protetiva que a lei federal. Vejamos o que dispõe o citado artigo da Lei estadual 20.922/2013:

Art. 2º - Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

[…]

III - ocupação antrópica consolidada em área urbana o uso alternativo do solo em Área de Preservação Permanente - APP - definido no plano diretor ou projeto de expansão aprovado pelo município e estabelecido até 22 de julho de 2008, por meio de ocupação da área com edificações, benfeitorias ou parcelamento do solo;


Como se vê, a lei em referência autorizou a permanência de ocupações consolidadas até 22 de julho de 2008, mediante averiguação do caso concreto pelo órgão ambiental competente, dispensando a comprovação do interesse social, da utilidade pública, do baixo impacto e a inexistência de alternativas técnica e locacional.

A lei estadual, tentando contornar o regime legal das APPS considerou, no artigo transcrito, como ocupação antrópica consolidada, o mero parcelamento do solo, ainda que não hajam edificações na APP. Tal previsão fere frontalmente o artigo 3º, parágrafo único, V da Lei 6766/1979, que considera as áreas de preservação ecológica não parceláveis. O dispositivo legal estadual viola, portanto, regra de competência da União para estabelecimento de normas gerais em matéria de Direito Urbanístico (art. 24, I da CF/88).

Por outro lado, na prática, o dispositivo legal estadual passou a permitir futuras e intermináveis intervenções e supressões de vegetação em APP fora das hipóteses autorizativas previstas no Código Florestal federal em vigor, burlando o regime legal das APPs, fomentando o uso nocivo da propriedade urbana e a degradação do meio ambiente.

Deve-se observar que a norma estadual flexibiliza a norma federal, pois o atual Código Florestal Federal – Lei 12.561/2012, em que pese o evidente retrocesso ambiental que operou, não permite a realização de novas intervenções e supressão de vegetação em APP fora das hipóteses de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto, exigindo ainda, em alguns casos a comprovação de inexistência de alternativa técnica e locacional.

E é categórico no artigo 8º, §4º:

Art. 8o  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

[…]

§ 4o  Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei.


Diante do exposto, conclui-se que não se pode, com base nos citados artigos da Lei Estadual, admitir a regularização de toda e qualquer intervenção não autorizadas em áreas de preservação permanente na zona urbana do Município, senão em casos definidos pela Lei Federal 11.977/2009, como demonstraremos mais adiante.

6.3.10.2.5 – DA POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DE INTERVENÇÕES EM APP EM ÁREA URBANA COM BASE NA LEI FEDERAL 11.977/2009


Como dito acima, a Lei 12651/2012 – Novo Código Florestal preocupou-se em disciplinar detidamente a anistia a supressão de vegetação e intervenções irregulares realizadas na zona rural. No que concerne à zona urbana, a lei foi bastante econômica, dispondo sobre o tema nos artigos 64 e 65.

Nos artigos 64 e 65 citados, está estabelecido:

Art. 64.  Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.

[…]

Art. 65.  Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.


Ambos os dispositivos transcritos reportam-se ao regime da Lei Federal 11.977/2009.
A Lei Federal 11.977/2009 é oriunda da Medida Provisória 459, de 25 de março de 2009, publicada no DOU de 26.03.2009, editada para regulamentar o Programa “Minha Casa Minha Vida”. Além das normas do programa referido, a MP, em seu capítulo III, instituiu normas gerais para regularização de assentamentos informais urbanos, englobando vilas, favelas e loteamentos clandestinos.

Na exposição de motivos de encaminhamento da MP ao Congresso Nacional, o então Ministro das Cidades, Márcio Fortes consignou que “a regularização fundiária urbana é um passo fundamental na garantia do direito constitucional de moradia, especialmente para as populações de menor renda, as mais afetadas pela falta de oportunidades de acesso ao mercado habitacional. Além disso, a regularização fundiária, ao resolver problemas relativos ao meio ambiente, à ordem urbanística e questões jurídicas atinentes ao direito de propriedade, significa o resgate da cidadania das populações mais pobres e a sua integração à cidade legal. Além disso, permite que o Poder Público local realize investimentos nas áreas precárias, dotando-as de serviços urbanos e infra-estrutura, de modo a melhorar a qualidade de vida dos seus ocupantes.”47)

A Lei 11.977/2009 consistiu na materialização do comando inserto no artigo 2º, inciso XIV da Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto da Cidade, que definiu, como uma das diretrizes da política urbana, a edição de um diploma legal dispondo sobre regularização fundiária que estabelecesse normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais.

A Lei criou dois tipos de regularização fundiária: a de interesse social e a de interesse específico.

O legislador definiu a regularização fundiária de interesse social no artigo 47, VII, como a regularização de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda em área que esteja ocupada de forma mansa e pacífica há pelo menos cinco anos, de imóveis situados em ZEIS ou áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social. Já a regularização fundiária de interesse específico definiu como “regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII”, no que se enquadram todos os assentamentos não ocupados por população de baixa renda. (art 46, VIII).

A Lei 11.977/2009, ao dispor sobre a regularização fundiária de interesse social, autorizou expressamente a regularização de ocupações consolidadas em APP, mediante certos requisitos.

Como se sabe, não raro as ocupações urbanas informais onde predomina população de baixa instalam-se justamente nas áreas de preservação permanente, tais como margens de córrego, topo de morro, encostas com altas declividades, entre outras, áreas estas, que por sua importância ambiental, estão legalmente “fora do mercado imobiliário”, em razão de restrições e vedações legais à sua ocupação e edificação.

A Resolução CONAMA 369/2006 já autorizava a intervenção em APP para fins de regularização fundiária urbana sustentável, permitindo, por conseguinte, a permanência e regularização de edificações urbanas consolidadas em procedimentos de regularização fundiária, por considerar a regularização fundiária uma das hipóteses de interesse social, desde que o assentamento, situado em ZEIS, fosse ocupado predominantemente para fins residenciais por população de baixa renda.

A Lei 11.977/2009 autoriza, no artigo 54, §1º que o Município, por decisão motivada, admita a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implicará a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior.

A lei define área urbana consolidada para fins de regularização fundiária de interesse social a “parcela da área urbana com densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.”

O estudo técnico que subsidiará a decisão do Município deverá observar o conteúdo indicado no artigo 51,§ 2º, in verbis:

Art. 51 (omissis)

[…]

§ 2o  O estudo técnico referido no § 1o deverá ser elaborado por profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:\\ 
I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;\\ 
II – especificação dos sistemas de saneamento básico;\\ 
III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de inundações;\\ 
IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;\\ 
V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;\\ 
VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e\\ 
VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o caso.”


Por outro lado, a Lei 11.977/2009 não dispensa a regularização fundiária de interesse específico de obediência ao regime jurídico das áreas de preservação permanente. Senão vejamos:

Art. 61.  A regularização fundiária de interesse específico depende da análise e da aprovação do projeto de que trata o art. 51 pela autoridade licenciadora, bem como da emissão das respectivas licenças urbanística e ambiental.

\\ 

§ 1o  O projeto de que trata o caput deverá observar as restrições à ocupação de Áreas de Preservação Permanente e demais disposições previstas na legislação ambiental.


§ 2o  A autoridade licenciadora poderá exigir contrapartida e compensações urbanísticas e ambientais, na forma da legislação vigente. (grifo nosso).


Assim, nos casos de regularização fundiária de interesse específico deverá restar caracterizado que as intervenções e supressões de vegetação em APP são de utilidade pública ou de baixo impacto. Do contrário, elas deverão ser desfeitas e recuperada a área.

6.3.10.2.6 – CONCLUSÃO


A aplicação da novel legislação florestal federal e estadual vai exigir do Promotor de Justiça atenção redobrada para aplicação dos dispositivos legais concernentes ao regime jurídico das APPS urbanas, devendo ser aplicada, por mais favorável à proteção ambiental, a Lei Federal 6766/1979 para os novos parcelamentos e para a regularização fundiária de interesse específico cumulada, no último caso com indenizações por eventuais danos ambientais irreversíveis e a Lei 11.977/2009, nos casos de regularização fundiária de interesse social.

6.3.10.3 - Roteiro básico de atuação do Ministério Público em casos de ocupações irregulares de APPS urbanas


PLANO LEGISLATIVO:

1) Lei Municipal estabelece metragens para APP inferiores ao Código Florestal:

a) RECOMENDAÇÃO ao Prefeito e à Câmara de Vereadores para modificação da lei;

b) RECOMENDAÇÃO NÃO ACATADA: Representação ao PGJ para propositura de ADI perante o TJMG

PLANO FÁTICO:
1) AUTORIZAÇÕES PARA INTERVENÇÕES EM DESCONFORMIDADE COM O CÓDIGO FLORESTAL (medidas em face do Poder Público):

a) RECOMENDAÇÃO ao agente público para revogar as autorizações concedidas ilegalmente e abster-se de conceder novas autorizações;

b) RECOMENDAÇÃO NÃO ACOLHIDA: ACP contra o Município tendo como objeto: b.1) declaração incidental da inconstitucionalidade da lei municipal (se for o caso); b.2) obrigação de não fazer (abster-se de conceder autorizações ilegais)

c) ACP de Improbidade Administrativa contra o agente público responsável pelas autorizações ilegais após a recomendação do MP ou liminar judicial (art. 11 da Lei no 8.429/1992) + Denúncia criminal (art. 67 da Lei no 9.605/1998)

2) CONSTRUÇÕES ISOLADAS EM DESACORDO COM O CÓDIGO FLORESTAL (AUTORIZADAS OU NÃO PELO PODER PÚBLICO):
2.1) Em andamento:

a) RECOMENDAÇÃO ao Município para embargo e adoção das providências cabíveis (regularização perante o órgão ambiental ou demolição);

b) RECOMENDAÇÃO NÃO ACOLHIDA:

b.1) ACP Improbidade Administrativa contra o agente público;

b.2) ACP contra o Município e empreendedor para: b.2.1) embargo da construção + recomposição da área (retorno ao status quo ante, se não for possível a regularização administrativa cumulada com medidas mitigatórias e compensatórias) cumulada com medidas compensatórias (valoração do dano) ou b.2.2) embargo da construção até para regularização perante o órgão ambiental cumulado com medidas compensatórias (valoração do dano) e mitigatórias.

Obs: O laudo técnico elaborado com base nos quesitos em anexo vai aferir sobre a possibilidade de regularização da edificação, uma vez presentes os requisitos legais: utilidade pública, interesse social, baixo impacto, ausência de alternativas técnica e locacional.

2.2) Já concluída:

a) TAC ou ACP contra o empreendedor para regularização da edificação perante o órgão ambiental (arts. 11 e 12 da DN COPAM 76/2004), se restarem comprovados os requisitos legais através do laudo técnico elaborado no curso do IC e medidas mitigatórias e compensatórias;

b) ACP demolitória em face do empreendedor e do Município (reversão ao status quo ante) + recomposição da área, uma vez que o laudo ateste a ausência dos requisitos legais autorizadores da intervenção em APP. Pedido subsidiário à demolição: pagamento de indenização;

c) TAC ou ACP para indenização por danos ambientais irreversíveis, na hipótese de o laudo técnico concluir pela inviabilidade ambiental da demolição da construção ilegal em APP (art. 225, §3º, da CF/88, art. 14, §1º, da Lei no 6.938/1981 e 927 do NCCB).

Observação: No caso de edificações já concluídas, verificar se é caso de ajuizamento de ação de improbidade administrativa em face do agente público por omissão dolosa no cumprimento do dever ou por concessão de autorização ilegal.

3) PARCELAMENTOS DO SOLO COM LOTES EM APP EM ESTÁGIO INICIAL DE OCUPAÇÃO:

a) Parcelamentos com empreendedor:
a.1) RECOMENDAÇÃO para embargo do empreendimento e convocação para o licenciamento corretivo.

a.2) RECOMENDAÇÃO NÃO ACATADA: ACP de Improbidade Administrativa + DENÚNCIA CRIMINAL (em caso de secretários municipais) ou representação à Procuradoria Especializada no Combate aos crimes praticados por Agentes Públicos Municipais (em caso de Prefeitos);

a.3) TAC OU ACP em desfavor do poder público e do empreendedor para regularização ambiental e urbanística do empreendimento(licenciamento corretivo, extinção de lotes em APP ou doação ao Município para criação de área verde, etc), e ainda reparação dos danos causados ao meio ambiente (PRAD e/ou pecúnia).

b) Parcelamentos ou assentamentos precários sem empreendedor:

b.1) RECOMENDAÇÃO ao Município para que embargue a ocupação e busque a regularização com base nas Leis Federais no 6.766/1979 e no 10.257/2001 ou adote as providências cabíveis para remoção dos moradores.

b.2) TAC ou ACP em desfavor do Munícipio, se a recomendação não for acolhida.

4) PARCELAMENTOS DO SOLO COM LOTES EM APP EM ESTÁGIO DE OCUPAÇÃO AVANÇADA:

a) Parcelamentos com empreendedor:

a.1) RECOMENDAÇÃO ao Poder Público para que convoque o empreendimento para o licenciamento ambiental corretivo, se este não tiver sido licenciado;(verificar na DN COPAM 58/2002 as hipóteses de licenciamento ambiental de loteamentos) a.2) RECOMENDAÇÃO ao Poder Público para que reveja o procedimento do licenciamento ambiental, se este existiu, e exija do empreendedor alteração do projeto para excluir os lotes em APP, se ainda for possível;

a.3) RECOMENDAÇÃO NÃO ACATADA: ACP de Improbidade Administrativa + DENÚNCIA CRIMINAL (em caso de secretários municipais) ou representação à Procuradoria Especializada no Combate aos crimes praticados por Agentes Políticos Municipais (em caso de Prefeitos);

a.4) TAC OU ACP em desfavor do poder público e do empreendedor para regularização ambiental e urbanística do empreendimento(licenciamento corretivo, extinção de lotes em APP ou doação ao Município para criação de área verde, etc), e ainda reparação dos danos causados ao meio ambiente (PRAD e/ou pecúnia).
b) Parcelamentos ou assentamentos precários sem empreendedor:

b.1) RECOMENDAÇÃO ao Município para que busque a regularização fundiária sustentável, com base nas Leis Federais no 6.766/1979, no 10.257/2001 e no 11.977/2009 e na Resolução CONAMA 369/2006 ou adote as providências cabíveis para remoção dos moradores.

b.2)TAC ou ACP em desfavor do Município, se a recomendação não for acolhida.

Obs: Modelos referenciais das peças acima referidas encontram-se disponíveis na pasta “material de apoio na página eletrônica da Promotoria de Justiça Metropolitana de Habitação e Urbanismo.

6.9.4 - Quesitos para IC que versa sobre construção ilegal em APP Urbana


Ao instaurar o expediente investigatório, preliminarmente, recomenda-se ao Promotor de Justiça que requisite ao IEF, à EMATER, ao Perito da Promotoria ou a outro órgão técnico, vistoria e laudo técnico sobre a intervenção, conforme quesitos que seguem, a fim de que delibere sobre a melhor solução para o caso (a regularização via TAC ou ajuizamento de ação civil pública para demolição), conforme roteiro de atuação disponível na página da Promotoria de Justiça Metropolitana de Habitação e Urbanismo

a) Detalhar as intervenções e construções constatadas no local.
b) As áreas onde ocorreram as intervenções são de preservação permanente? Especificar com base no Código Florestal e normas regulamentares pertinentes (Resoluções CONAMA 302 e 303/2002). Justificar (se possível elaborar croquis, indicando metragens).
c) Houve aprovação ou anuência prévia do IEF às intervenções (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 4º, §1º, c/c DN COPAM 76/2004, artigo 2º e 3º, §2º?
d) Houve aprovação prévia do Município às intervenções (Resolução CONAMA 369/2006, art. 4º, §2º c/c DN COPAM 76/2004, artigo 3º, §2º)?
e) O Município possui plano diretor (Resolução CONAMA 369/2006, art. 4º, § 2º, c/c DN COPAM 76/2004, artigo 3º, §2º)?
Em caso positivo, informar o número da lei que instituiu o Plano Diretor.
f) O Município possui CODEMA deliberativo (Resolução CONAMA 369/2006, art. 4º, § 2º, c/c DN COPAM 76/2004, artigo 3º, §2º)? Em caso positivo, informar o número da lei que instituiu o CODEMA.
g) As intervenções se caracterizam como de utilidade pública, conforme definido no art. 2º, I, da Resolução CONAMA 369/2006? Justificar:

Art. 2º – (omissis)

I - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia;

c) as atividades de pesquisa e extração de substâncias minerais, outorgadas pela autoridade competente, exceto areia, argila, saibro e cascalho;

d) a implantação de área verde pública em área urbana;

e) pesquisa arqueológica;

f) obras públicas para implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efl uentes tratados; e

g) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos privados de aqüicultura, obedecidos os critérios e requisitos previstos nos §§ 1o e 2o do art. 11, desta Resolução.


h) As intervenções se caracterizam como de interesse social, conforme definido no art. 2º, II, da Resolução CONAMA 369/2006)? Justificar:

»Art. 2º – (omissis)

II - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, de acordo com o estabelecido pelo órgão ambiental competente;

b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentável, praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterize a cobertura vegetal nativa, ou impeça sua recuperação, e não prejudique a função ecológica da área;

c) a regularização fundiária sustentável de área urbana;

d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;


i) As intervenções se caracterizam como eventuais e de baixo impacto, nos termos do art. 11 da Resolução CONAMA 369/2006? Justificar:

Art. 11. Considera-se intervenção ou supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto ambiental, em APP:

I - abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso de água, ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar;

II - implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;

III - implantação de corredor de acesso de pessoas e animais para obtenção de água;

IV - implantação de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo;

V - construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;

VI - construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais da região amazônica ou do Pantanal, onde o abastecimento de água se de pelo esforço próprio dos moradores;

VII - construção e manutenção de cercas de divisa de propriedades;

VIII - pesquisa científica, desde que não interfira com as condições ecológicas da área, nem enseje qualquer tipo de exploração econômica direta, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;

IX - coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, desde que eventual e respeitada a legislação específica a respeito do acesso a recursos genéticos;

X - plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais em áreas alteradas, plantados junto ou de modo misto;

XI - outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventual e de baixo impacto ambiental pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente.


j) As intervenções poluem ou degradam significativamente o meio ambiente, provocando alterações nas suas qualidades químicas e físicas e na biodiversidade (DN COPAM 76/2004, artigo 1º, II)? Justificar.

k)As intervenções prejudicam a saúde e o bem-estar da população (DN COPAM 76/2004, artigo 1º, II, “a”)? Justificar.

l) As intervenções criam condições adversas às atividades sociais ou econômicas (DN COPAM 76/2004, artigo 1º, II, “b”)? Justificar.

m) As intervenções ocasionam impactos relevantes à flora, à fauna e a qualquer recurso natural (DN COPAM 76/2004, artigo 1º, II, “c”)? Justificar.

n) As intervenções ocasionam impactos relevantes aos acervos históricos, culturais e paisagísticos(DN COPAM 76/2004, artigo 1º, II, “d”)? Justificar.

o) As intervenções comprometem a estabilidade das encostas e margens dos corpos de água(Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, I)? Justificar.

p) As intervenções comprometem os corredores de fauna (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, II)? Justificar.

q) As intervenções comprometem a drenagem e os cursos de água intermitentes(Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, III)? Justificar.

r) As intervenções comprometem a manutenção da biota (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, IV)? Justificar.

s) As intervenções comprometem a regeneração e a manutenção da vegetação nativa(Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, V)? Justificar.

t) As intervenções comprometem a qualidade das águas (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §1º, VI)? Justificar.

u) Qual o percentual da área da APP impactada na propriedade (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 11, §2º)?

v) Existem alternativas técnicas às intervenções (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 3º, I)? Justificar.

x) Existem alternativas locacionais às intervenções na propriedade (Resolução CONAMA 369/2006, artigo 3º, I)? Justificar.

y) Quais as medidas técnicas mais adequadas para a preservação/recuperação da APP? Justificar.

z) Fazer a valoração monetária dos diversos impactos causados ao meio ambiente.

1)
Sundfeld, Carlos Ari. Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade, comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (coord.), São Paulo: Malheiros, 2003. p. 54.
2)
In: A Defesa dos Direitos Difusos em Juízo. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 98.
4)
Ver relação dos Municípios de Minas Gerais enquadrados nos incisos I e II, do art. 41 do Estatuto da Cidade no site do CAO/MA.
5)
Sem prejuízo dessa diligência, o órgão de execução deve envidar esforços para a identificação dos agentes públicos responsáveis.
6)
Consultar o site da CEPJHU para ver listagem das cidades mineiras de interesse turístico.
7)
Segundo a Conclusão nº 20 da Carta de Princípios do Ministério Público e da Magistratura para o Meio Ambiente (Araxá, 13 de abril de 2002), a improbidade urbanística prevista no art. 52, inc. VII, do Estatuto da Cidade estende-se “[…] aos vereadores e demais agentes públicos que estejam incumbidos de adotar providências necessárias à aprovação do plano diretor ou à sua adequada revisão”.
8)
Sugere-se o prazo de seis meses.
9)
Diante de ACP proposta pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Ipatinga, o juiz local deferiu pedido de antecipação de tutela, obrigando o município a não expedir atos administrativos contrários à qualidade ambiental local. Para acessar o inteiro teor da decisão, consulte a página do CAO/MA.
10)
In Direito Urbanístico Brasileiro. 4 ed., revista e atualizada, São Paulo: Malheiros, 2006. p. 62.
11) , 19)
A CF/88 instituiu a competência concorrente entre os entes da federação em matéria urbanística – art. 24, I.
12)
EMENTA: REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE OBRIGA A REALIZAÇÃO DE PROCESSOS DE SANITIZAÇÃO EM LOCAIS FECHADOS DE ACESSO COLETIVO, PÚBLICOS OU COMERCIAIS, A FIM DE EVITAR A TRANSMISSÃO DE DOENÇAS INFECTO-CONTAGIOSAS. VÍCIO FORMAL. INCOMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS QUE VISEM À DEFESA E PROTEÇÃO DA SAÚDE.
Matéria de competência concorrente entre a União e Estado. Vicio formal de iniciativa quanto às obrigações criadas ao Executivo por Lei de iniciativa do legislativo Municipal. Violação do artigo 74, XII e 112, §1º, II, “d” da Constituição Estadual. Vício formal de iniciativa. Princípio da Separação dos Poderes. Competência privativa do Chefe do Executivo para deflagrar o processo legislativo quando se tratar da criação, estruturação e atribuições dos órgãos do respectivo Poder e da disciplina estatutária de seus servidores. Exceção, absurda, trazida na lei a templos religiosos que fere o princípio da isonomia e do interesse público. Representação que se julga procedente. Vencido o Des. Nagib Slaibi. (TJRJ - 0018281-82.2012.8.19.0000 - REPRES. POR INCONSTITUCIONALIDADE - CAPITAL - ORGAO ESPECIAL - Por maioria - DES. NILZA BITAR - Julg: 01/10/2012 - Íntegra do Acórdão - Data de Julgamento: 01/10/2012).
13)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
        I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
        II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; (…)
14)
Art. 3o Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
15)
LIMA, Rafael Augusto de Mendonça. Direito Agrário, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 1994.
16)
In “O parcelamento do solo rural via fração mínima de parcelamento frente à função social da propriedade”. Disponível em www.senado.gov.br/web/cegraf. Acesso em 03.06.2008.
17)
Ob.citada.
18)
Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
20)
“Art. 18 – Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, (…)”.
21)
“Art. 22 – Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Munícipio as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.”
22)
“Art. 23 – O registro do loteamento só poderá ser cancelado:
I – por decisão judicial;
II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;
III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distirto Federal quando for o caso e do Estado.”
23)
BASTOS, Fernando. DICAS – Idéias para a Ação Municipal/Parcelamento do Solo Urbano. Disponível em www.polis.org.br – Acesso em 02/04/07.
24)
MEIRELLES, Hely Lopes. In Direito Municipal Brasileiro. Malheiros Editores. 12ª edição, São Paulo, 2001, p. 286-7.
25)
“Art. 5º (…) XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
26)
TJSP – Apelação Cível nº 632.786-5/8-00
27)
TJSP – Apelação Cível nº 229.597-4/1
28)
Texto elaborado com base no artigo “Aspectos Práticos da Regularização Fundiária de Interesse Social” de autoria de Marta Alves Larcher, publicado no volume “Meio Ambiente” integrante da Coleção Ministério Público e Direitos Fundamentais da Editora Dey Rey, Belo Horizonte, 2013.
29)
Medida Provisória 459/2009, de 25 de março de 2009, publicada no DOU de 26.03.2009. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS – disponível em http://www6.senado.gov.br – acesso em 21.03.2011.
30)
A Lei Federal 9636/1998 em seu artigo 31, §5º, I define população de baixa renda como aquela que possui renda familiar média de até 05 salários mínimos.
31)
Vide DN COPAM 58/2002 combinada com DN 82/2005
32)
“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.”
33)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

(…)

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d'água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803, de 18.7.1989)
34)
“Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.”\\
35)
Art. 11. Considera-se intervenção ou supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto ambiental, em APP:
I - abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quando necessárias à travessia de um curso de água, ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável praticado na pequena propriedade ou posse rural familiar;
II - implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;
III - implantação de corredor de acesso de pessoas e animais para obtenção de água;
IV - implantação de trilhas para desenvolvimento de ecoturismo;
V - construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;
VI - construção de moradia de agricultores familiares, remanescentes de comunidades quilombolas e outras populações extrativistas e tradicionais em áreas rurais da região amazônica ou do Pantanal, onde o abastecimento de água se de pelo esforço próprio dos moradores;
VII - construção e manutenção de cercas de divisa de propriedades;
VIII - pesquisa científica, desde que não interfira com as condições ecológicas da área, nem enseje qualquer tipo de exploração econômica direta, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;
IX - coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, desde que eventual e respeitada a legislação específica a respeito do acesso a recursos genéticos;
X - plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais em áreas alteradas, plantados junto ou de modo misto;
XI - outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventual e de baixo impacto ambiental pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente.
§ 1º Em todos os casos, incluindo os reconhecidos pelo conselho estadual de meio ambiente, a intervenção ou supressão eventual e de baixo impacto ambiental de vegetação em APP não poderá comprometer as funções ambientais destes espaços, especialmente:
I - a estabilidade das encostas e margens dos corpos de água;
II - os corredores de fauna;
III - a drenagem e os cursos de água intermitentes;
IV - a manutenção da biota;
V - a regeneração e a manutenção da vegetação nativa; e
VI - a qualidade das águas.
§ 2º A intervenção ou supressão, eventual e de baixo impacto ambiental, da vegetação em APP não pode, em qualquer caso, exceder ao percentual de 5% (cinco por cento) da APP impactada localizada na posse ou propriedade.
§ 3º O órgão ambiental competente poderá exigir, quando entender necessário, que o requerente comprove, mediante estudos técnicos, a inexistência de alternativa técnica e locacional à intervenção ou supressão proposta.
36)
In “Apontamentos acerca da Aplicação do Código Florestal em área urbanas e seu reflexo no parcelamento do Solo”. Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo, Imprensa Oficial/Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000.
37)
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 191.
38)
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 386.
39)
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p.372-373.
40) , 43)
Fernando Reverendo Vidal Akaoui, ob. Cit.
41)
In “Função Socioambiental da propriedade rural e áreas de preservação permanente e reserva florestal legal”. Revista de Direito Ambiental nº 08, Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 5-19.
42)
Art. 186, caput , I e II, da CF/88
44)
PAULINO, Ruth Cristina Montanheiro. Análise das alterações no microclima próximo às margens de cursos de água, decorrentes da ocupação urbana. São Carlos, 1997, 30 p. Exame de qualificação - Doutorado – Ciências da Engenharia Ambiental.
45)
Art. 4º - A formalização do processo para intervenção em Área de Preservação Permanente condiciona-se à apresentação prévia dos seguintes documentos:
I - requerimento, devidamente preenchido;
II - Projeto Técnico do empreendimento acompanhado da Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, a critério do IEF;
III - certidão de registro do imóvel atualizada, ou documento que caracterize a justa posse ou servidão;
IV - Averbação da Área de Reserva Legal ou Termo de Compromisso, em caso de posse rural;
V - comprovante do pagamento dos emolumentos;
VI - proposta de medidas mitigadoras e compensatórias;
VII - apresentação de Projeto Técnico de Reconstituição da Flora - PTRF, a critério do IEF;
VIII - planta topográfica georeferenciada, a critério do IEF;
IX - cópia do contrato social, se for o caso;
X - cópia do CNPJ ou CPF;
XI – estudos técnicos que comprovem a inexistência de alternativa locacional, devidamente assinados por profissional legalmente habilitado.
Art. 5º Após formalizado o processo, a área será vistoriada pelo técnico do IEF, acompanhado do empreendedor ou responsável, o qual indicará as medidas mitigadoras e compensatórias, a serem aprovadas pelo Gerente Regional ou de Núcleo, em parecer técnico.
[…]
Art. 10 Em se tratando de intervenção de baixo impacto ambiental em Área de Preservação Permanente não será exigido o Projeto Técnico de Reconstituição da Flora - PTRF, e a autorização, neste caso, será expedida pelo Núcleo Operacional de Florestas, Pesca e Biodiversidade da circunscrição do empreendimento.
Parágrafo único. Toda tramitação do processo, para a expedição da autorização de baixo impacto ambiental, será de competência do Núcleo Operacional de Florestas, Pesca e Biodiversidade, precedida de parecer jurídico.
46)
Fensterseifer, Tiago, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2008
47)
Medida Provisória 459/2009, de 25 de março de 2009, publicada no DOU de 26.03.2009. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS – disponível em http://www6.senado.gov.br – acesso em 21.03.2011