Tabela de conteúdos

6.7.5. Atuação prática


É consabido que o art. 225, § 3º, da Constituição da República de 1988 determina a tríplice responsabilidade (esferas cível, penal e administrativa) em decorrência de atos lesivos ao meio ambiente. Outrossim, o art. 51 da Lei nº 12.305/2010 prevê que a inobservância dos seus preceitos sujeitará os infratores às sanções da Lei nº 9.605/1998, independente da obrigação de reparar os danos.


Esfera cível

Para que o gerenciamento dos resíduos sólidos seja considerado ambientalmente adequado, o ordenamento jurídico exige do município, no mínimo:

1) Plano Municipal de Gestão Integrada, com o conteúdo do art. 19 da Lei nº 12.305/2010, prevendo a destinação para todas as espécies de resíduos (pneus inservíveis, resíduos de construção civil, refugos perigosos – pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes, lubrificantes, eletrônicos e agrotóxicos – e resíduos dos serviços de saúde).

2) Programa eficiente de coleta seletiva e reciclagem, inclusive com projeto de educação ambiental direcionado à população.

3) Usina de triagem e compostagem.

4) Aterro sanitário: acompanhado de licença ambiental de operação; instalado em local adequado; dotado de valas impermeabilizadas e sistema de drenagem (chorume, águas pluviais e gases); provido de recobrimento diário; estruturado com sistema de tratamento do chorume; indicado por responsável técnico; isolado por cerca e guarita.


Fase investigatória

De início, sugere-se a instauração de inquérito civil para investigar as circunstâncias do gerenciamento dos resíduos sólidos pelo município, incluindo coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final.

Na portaria de instauração cabem as seguintes providências iniciais: 1) oficiar o município requisitando informações detalhadas sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos, especialmente sobre a existência de Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e de aterro sanitário, além de esclarecimentos sobre a coleta e a destinação de todas as espécies de resíduos; 2) realizar consulta ao Sistema Integrado de Informações Ambientais – Siam (www.siam.mg.gov.br) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), para averiguar se o depósito de lixo do município investigado possui licença ambiental; 3) oficiar a Polícia Militar de Meio Ambiente requisitando a realização de vistoria no local de disposição final de rejeitos, especialmente para verificar a ocorrência de alguma das práticas vedadas pela legislação; 4) oficiar o órgão ambiental competente requisitando a realização de vistoria no local de disposição final de rejeitos, com aplicação das sanções administrativas cabíveis, inclusive embargo da atividade.

Cumpridas as diligências iniciais e existindo indícios de irregularidades, recomenda-se a remessa dos autos à Central de Apoio Técnico – CEAT, para realização de perícia, conforme quesitos relacionados no Guia Prático de Requisições de Perícias Ambientais.


Esfera cível

Constadas irregularidades no gerenciamento dos resíduos sólidos, é imprescindível a notificação do Prefeito Municipal para comparecer na Promotoria de Justiça a fim de prestar esclarecimentos e firmar Termo de Ajustamento de Condutas – TAC (modelo anexo).

Caso não seja possível a celebração de TAC, recomenda-se a propositura de Ação Civil Pública (modelo anexo).

Seja por meio de Termo de Ajustamento de Conduta ou de Ação Civil Pública (ACP), é importante a adoção simultânea das seguintes medidas: a) completa adequação do gerenciamento municipal dos resíduos sólidos; b) interrupção da atividade nociva ao meio ambiente; c) recuperação do ambiente degradado; d) indenização pelos impactos ambientais temporários e não recuperáveis.

Para garantir a efetividade das obrigações pactuadas no TAC ou das determinações impostas pelo Poder Judiciário no julgamento da ACP, é imprescindível que a multa cominatória seja direcionada ao Prefeito Municipal.

“O art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos Declaratórios no Recurso Especial nº 1111562/RN. Relator: Min. Castro Meira. Segunda Turma. Brasília, DF, 1º de junho de 2010. Dje, 16 jun. 2010. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&data=%40DTDE+%3E%3D+20100601+e+%40DTDE+%3C%3D+20100601&livre=%28%28multa+cominatoria%29+E+%28%22CASTRO+MEIRA%22%29.min.%29+E+%28%22Segunda+Turma%22%29.org.&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em 29 jan. 2014.).”


Esfera criminal

Na seara criminal, a disposição irregular de resíduos sólidos pode, em tese, caracterizar as seguintes infrações penais: arts. 54; 56, § 1º, II; 60 e 68 da Lei nº 9.605/1998.

O lançamento de resíduos sólidos em área inadequada e em desconformidade com a legislação, além de causar sérios danos ao meio ambiente, principalmente poluição do ar e do solo, provoca potenciais prejuízos à saúde pública. A conduta comissiva do gestor público municipal amolda-se ao tipo penal previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/98, que criminaliza a mera possibilidade de danos à saúde humana (crime de perigo concreto).

Em casos excepcionais, a conduta pode ensejar a aplicação de alguma das qualificadoras previstas no parágrafo segundo do mesmo dispositivo, quando a conduta: I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV – dificultar ou impedir o uso público das praias; V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.

Sob a ótica da prática processual penal, chamamos a atenção para a necessidade de prova pericial que constate a existência de poluição, por se tratar de crime que deixa vestígios (art. 158 do Código de Processo Penal). A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no processo penal, devendo ser observado o princípio do contraditório (art. 19, parágrafo único, Lei nº 9.605/98).

O dolo do sujeito ativo responsável pela poluição fica evidenciado pela não adoção das medidas concretas para a regularização da disposição final de resíduos sólidos, aliada às seguintes circunstâncias: negativa em firmar Termo de Ajustamento de Conduta; descumprimento injustificado de TAC ou decisão judicial; lavratura de Auto de Infração pelo órgão ambiental ou Boletim de Ocorrência pela Polícia Militar de Meio Ambiente.

Sobre a tipificação do crime ambiental, vale a pena transcrever o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. PREFEITO MUNICIPAL. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. 'LIXÃO'. DENÚNCIA FORMALMENTE PERFEITA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CAPITANEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. ELEMENTOS INDICIÁRIOS SUFICIENTES PARA CONFERIR VIABILIDADE À ACUSAÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA. Preenchendo a denúncia os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal e havendo elementos indiciários a conferir viabilidade à acusação, a instauração da ação penal se impõe. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Ação Penal nº 1.0000.09.504512-6/000. 2ª Câmara Criminal. Relatora: Desª. Beatriz Pinheiro Caires. Belo Horizonte, 25 de fevereiro de 2010. Minas Gerais, Belo Horizonte, 16 mar. 2010. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=1&totalLinhas=2&paginaNumero=1&linhasPorPagina=1&numeroUnico=1.0000.09.5045126/000&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar&>. Acesso em: 29 jan. 2014.).”

Além disso, se a perícia constatar irregularidades na destinação final de resíduos perigosos, tais como pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes e embalagens de agrotóxicos, que não raramente são depositados juntamente com o lixo doméstico, também será possível a caracterização da infração penal prevista no art. 56, § 1º, II, da Lei nº 9.605/1998, cuja redação foi alterada pelo art. 53 da Lei nº 12.305/2010.

Por outro lado, quando a disposição irregular dos resíduos sólidos ocorrer sem a respectiva licença ambiental, restará configurado o crime do art. 60 da Lei nº 9.605/98, já que a atividade é potencialmente poluidora e depende de anuência prévia do órgão ambiental. Importante salientar que o crime é de mera conduta, sendo desnecessária a comprovação de danos ao meio ambiente.

O gerenciamento inadequado dos resíduos sólidos do município pode também permitir a incidência da infração penal tipificada no art. 68 da Lei nº 9.605/98, nos casos em que o gestor público deixar de cumprir obrigações de relevante interesse ambiental, previstas em Lei ou em Termo de Ajustamento de Conduta. Da mesma forma, a tipificação do delito não depende da ocorrência de efetivo prejuízo ambiental.

Nesse sentido orienta-se a jurisprudência:

“CRIME AMBIENTAL. Deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental. Assinatura de termo de compromisso de ajustamento de conduta entre prefeito municipal e Cetesb. Não cumprimento integral do acordado. Prova de efetivo dano ambiental. Desnecessidade. Infração de mera conduta. Caracterização, inteligência do art. 68, caput, da Lei nº 9.605, de 1998. - Comete a infração do art. 68, caput, da Lei nº 9.605, de 1998, o prefeito municipal que, tendo assinado termo de compromisso de ajustamento de conduta com a Cetesb, não o cumpre integralmente, deixando itens por fazer, conforme prova pericial e auto de infração, sendo desnecessária prova de efetivo dano ambiental por se tratar de infração de mera conduta. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação nº 1356299000. Relator: Des. João Morengui. 4ª Câmara. São Paulo, 8 de julho de 2003. Registro: 1º de abril de 2004.).”

É importante destacar que, caso o sujeito ativo do crime seja o Prefeito Municipal em exercício, caberá ao Promotor de Justiça expedir ofício à Procuradoria Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos Municipais, solicitando a adoção das providências pertinentes.

Entretanto, caso o mandato do Prefeito responsável pelo crime ambiental já tenha encerrado, torna-se plenamente possível o ajuizamento de ação criminal na própria Comarca. Para estes casos, consultar modelo de denúncia criminal ao final deste tópico.


Improbidade administrativa ambiental

O Prefeito Municipal que deixa de adotar as providências necessárias para regularizar a disposição final de resíduos sólidos urbanos, contrariando as exigências da legislação ambiental e provocando danos ao meio ambiente e à saúde pública, deve ser responsabilizado pela violação aos princípios de legalidade, moralidade e eficiência, nos termos do art. 11, caput e incisos I e II, da Lei nº 8.429/92.

Neste caso, a contuda negativa do gestor público é duplamente ofensiva à legalidade: ofensa ao dever de não degradar e omissão no dever de combater a poluição ambiental (art. 23, VI, CF). Ou seja, o município, ente constitucionalmente incumbido de impedir a degradação do meio ambiente, torna-se, ele próprio, o agente poluidor.

Em alguns casos, a conduta ambientalmente nociva do gestor municipal poderá acarretar prejuízos ao erário, por exemplo: aplicação de multas administrativas; execuções de multas cominatórias previstas em TACs ou impostas em decisões judiciais. Acrescente-se que o agravamento dos danos ambientais aumenta exponencialmente o custo das obras de reabilitação da área degradada. Nessas situações, restará configurada a improbidade administrativa prevista no art. 10 da Lei nº 8.429/92.