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7.2. Fundações


Definição

Prescreve o Código Civil:

“Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.”

“Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.” (grifo nosso)

Da dicção normativa depreendem-se, como elementos qualificadores das fundações, o fim preestabelecido, o patrimônio e o interesse coletivo.

À luz de tais caracteres, as fundações são conceituadas como patrimônio transfigurado pela ideia que o põe a serviço de um determinado fim de caráter social1). São, em outras palavras, pessoas jurídicas patrimoniais vocacionadas ao interesse público.


Natureza jurídica

As fundações, a depender da qualificação dos instituidores e do regime jurídico a que estão sujeitas, podem assumir natureza de pessoa jurídica de direito privado – quando instituídas conforme os preceitos civilistas – ou de pessoa jurídica de direito público – quando criadas e mantidas pelo Poder Público, nos moldes da disciplina administrativa.

Induvidoso, portanto, que as fundações instituídas por pessoas naturais ou entidades privadas dotam-se de natureza jurídica de direito privado.

Certa controvérsia surge com relação às fundações criadas por entes públicos, havendo respeitáveis vozes a proclamar que estão revestidas, ainda assim, de natureza jurídica de direito privado e outras tantas a apregoar a possibilidade de assumirem tanto personalidade jurídica de direito privado quanto de direito público.

Sob a égide da ordem constitucional vigente, não persiste, a nosso sentir, dúvida quanto à coexistência de fundações públicas – porque instituídas pelo Poder Público – de direito público e de direito privado. Basta, para assim inferir, atentar-se ao fato de que a Constituição da República refere-se, alternadamente, a fundações públicas2) e fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público3). Com esteio na regra exegética de que a lei, principalmente a Lei Maior, não possui palavras inúteis4), concluímos que as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público podem assumir personalidade jurídica de direito público ou de direito privado. Se assim não fosse, não haveria razão para a distinção terminológica engendrada pelo legislador constituinte.

As considerações ora tecidas cingem-se às fundações instituídas pelo Poder Público federal, nada havendo a obstar que, nas demais esferas administrativas, sejam introduzidas restrições à natureza jurídica das fundações instituídas e/ou mantidas pelo Poder Público.

É o que se verifica, a título ilustrativo, na Constituição do Estado de Minas Gerais, que, em seu art. 14, § 5º, preceitua que: “ao Estado somente é permitido instituir ou manter fundação com natureza de pessoa jurídica de direito público”.

Desde que seja inexistente vedação expressa na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica Municipal, a qualificação de determinada fundação instituída e/ou mantida com recursos públicos – se de direito público ou privado – demandará análise do caso concreto, servindo de norte os seguintes pontos distintivos:

i)fundações públicas de direito público: fazem parte da administração indireta, integrando a espécie autarquia fundacional5); são criadas por lei e regulamentadas por decreto, que substitui o estatuto; seus funcionários são servidores públicos, admitidos mediante concurso; são instituídas exclusivamente com recursos públicos e têm suas receitas oriundas, ainda que parcialmente, do orçamento público; gozam de imunidade tributária (imunidade intergovernamental recíproca); os atos de seus administradores podem ser atacados por mandado de segurança; sujeitam-se ao controle do Tribunal de Contas e à Lei de Licitações; seus administradores são ocupantes de cargos de confiança do Poder Executivo; são extintas por lei ou por decreto do instituidor;

ii) fundações públicas de direito privado (ou fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público): são criadas em virtude de autorização legislativa; têm seus atos de instituição lavrados em Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas; regem-se por estatuto, que deve ser elaborado de acordo com as diretrizes contidas na lei autorizadora; submetem-se ao velamento do Ministério Público; seus empregados são contratados pelo regime celetista.


Arcabouço principiológico

Ainda que as fundações de direito privado não integrem a Administração Pública, atrelam-se, intrinsecamente, à consecução de finalidades públicas e sociais (art. 62, parágrafo único, CC), tal qual os entes administrativos.

A confluência de escopos justifica a sujeição das entidades de interesse social ao regime jurídico-administrativo, especialmente aos princípios talhados no art. 37, caput, da CF/1988, os quais nada mais representam do que parâmetros básicos para o desenvolvimento de gestão eficiente e proba. A respeito do tema, colhe-se pacífica doutrina:

A legalidade e a impessoalidade, a moralidade, a publicidade, a economicidade e a eficiência, que mais do que princípios legais, são princípios constitucionais e devem nortear as atividades de uma fundação que, senão pública, tem fins públicos e sociais […] 6).“

“Pelas características de uma fundação privada, sobretudo por lidar com um patrimônio vinculado a uma finalidade social, é possível dizer que a administração da entidade está adstrita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência […]. A economicidade e a eficiência andam juntas, esta inclusive guiando aquela. Por economicidade, entende-se a regra básica de oneração mínima do ativo patrimonial com passivos assumidos pela administração da entidade. Os gastos devem se cingir ao estritamente necessário […] 7);”

“Muito embora o ordenamento jurídico seja extremamente econômico na regulação da estrutura interna das fundações privadas, a doutrina, a jurisprudência e os costumes são praticamente unânimes em orientar que esta modalidade de pessoa jurídica deve seguir os princípios, por semelhança, da estrutura da Administração Pública 8).”


Instituidor

O instituidor – seja pessoa natural ou jurídica – deve ter plena capacidade civil, requisito para a transmissão patrimonial por ato unilateral de vontade.

Exceção à regra encontra-se no art. 1.860, parágrafo único, do Código Civil, que confere ao menor, desde que relativamente capaz, o direito de testar, podendo, em suas últimas declarações de vontade, destinar bens para a instituição de fundação.

Não existe impedimento a que o instituidor seja uma só pessoa ou um grupo de pessoas que, unidas por manifestação de vontade convergente, confiram destinação social a determinado patrimônio.

No caso de o disponente ser pessoa jurídica, a deliberação deverá obedecer aos regulamentos que a norteiam e ser registrada em ata.


Atos constitutivos

A instituição de fundações de direito privado efetiva-se por ato inter vivos ou causa mortis, observados os seguintes requisitos:

i) patrimônio composto de bens livres e desembaraçados (art. 62, caput, CC). No escólio de Gustavo Saad Diniz,

“patrimônio é o conjunto de relações jurídicas passíveis de apreciação econômica agregados a uma pessoa, sujeito de direitos e obrigações, à qual correspondem […]” 9).

Para a constituição de fundação,

“é exigência normativa cogente […] que essa dotação de relações jurídicas e os bens delas resultantes sejam livres de quaisquer ônus ou gravames que prejudiquem o livre exercício da finalidade predestinada. […] O dispositivo [art. 62, Código Civil] deve ser interpretado extensivamente como relações jurídicas patrimoniais livres de ônus e encargos e não simplesmente bens livres 10);”

ii) declaração solene da vontade do instituidor, manifestada por meio de escritura pública ou testamento (fundações privadas), ou ainda lei autorizadora, quando instituída por ente público (fundação pública de direito privado);

iii) especificação minuciosa do fim a que se vincula e da forma de administração;

iv) estatuto que regulamente o seu funcionamento, o qual deverá coadunar-se com as premissas assentadas pelo disponente;

v) registro no cartório competente (Registro Civil de Pessoas Jurídicas), com prévia aprovação dos atos de constituição pelo Ministério Público (arts. 119, parágrafo único, da Lei nº 6.015/1973 e 7º da Resolução PGJ nº 126/01)11).

Existe controvérsia quanto à necessidade de que o estatuto fundacional seja visado por advogado, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994. Entendemos, em companhia de José Eduardo Sabo Paes (2006, p. 280-283), ser dispensável a diligência, dado que os atos constitutivos das fundações de direito privado já se submetem à aprovação do Parquet, não se justificando a duplicidade de controle.


Vontade do instituidor

Sobreleva-se, em matéria fundacional, a vontade do instituidor, que o levou a conceber a criação de uma pessoa jurídica, desfazendo-se de parte de seu patrimônio para atender a um fim de interesse social, lícito e possível (tanto no plano material quanto no jurídico):

“O impulso à criação da fundação, isto é, a determinação do fim e dos meios econômicos para atuá-lo, é dada pela vontade da pessoa (natural ou jurídica), que destina um complexo de bens a uma dada finalidade, instituindo uma pessoa jurídica autônoma (BARASSI apud SANTOS, J. M. Carvalho. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1969. p. 404).”

É a “vontade transcendente do instituidor” 12) que define, inarredavelmente, as diretivas a serem observadas na gestão da entidade e os fins a serem perseguidos. Este é, a propósito, um dos aspectos diferenciadores da forma fundacional em comparação com a associativa, a saber, a ideia de perenidade existente naquela espécie organizacional, reforçada pela vedação à modificação dos objetivos a que vinculado o patrimônio (art. 67, II, CC).

A finalidade da fundação, consignada no ato de instituição, pode voltar-se a qualquer área de atuação, desde que lícita, não econômica e de interesse transindividual13), nos termos do art. 62, parágrafo único, do CC14).


Estatuto

Estatuto é a lei orgânica ou regulamento de qualquer entidade, servindo para orientar-lhe o funcionamento. Sujeita-se, em linhas gerais, ao regramento aplicável às associações (cf. item II. c), do qual se distingue quanto aos atos precedentes, quais sejam:

i) escritura pública (ato inter vivos), testamento (causa mortis) ou lei autorizadora (fundação pública de direito privado – cf. item III. b): trata-se de formalidade essencial (ad substantiam), sem a qual o ato será tido como inexistente. Nela, deverá o instituidor especificar a dotação inicial, os fins a serem implementados e a forma de administração da fundação;

ii) estudo de viabilidade ou sustentabilidade (Resolução PGJ nº 126/01), pelo qual o disponente especificará as atividades a serem exercidas, bem como de que forma será a fundação mantida e administrada em curto, médio e longo prazos. Do estudo deverão constar:

“I) exposição de motivos – justificativa da motivação, necessidade e pretensões envolvendo a instituição da fundação; II) descrição pormenorizada dos objetivos da fundação e forma de alcançá-los – informações sobre as atividades que devem ser desenvolvidas para alcançar cada um desses objetivos; III) descrição detalhada da dotação inicial, das formas de acréscimo do patrimônio, das fontes de rendas e receitas, bem como comprovação de serem as mesmas bastantes à instituição da fundação, ao início de suas atividades mínimas e ao total implemento, em momento posterior, de suas atividades, no sentido de cumprir todos os objetivos elencados em seu estatuto; IV) dados técnico-administrativos – descrição e quantificação da estrutura física mínima necessária para abrigar a fundação (casa, sala, loja, galpão, lote, fax, computador, telefone, móveis, maquinário, etc.) e dos recursos humanos necessários ao início do desenvolvimento das atividades (secretária, voluntários, motorista, etc.), bem como dos referidos dados quando a fundação estiver em plena atividade; V) dados econômicos – descrição dos valores unitários de cada um dos componentes descritos no inciso anterior; do montante de recursos necessários para o início das atividades; da estimativa do montante necessário para o custeio mensal das atividades da fundação em seu início e quando do cumprimento integral dos seus objetivos; do montante disponível no momento de instituição da fundação; do montante a ser obtido logo após a instituição da fundação; das formas de obtenção regular de recursos financeiros; das atividades e do montante dos recursos a serem gerados como forma de auto-sustentação da fundação; VI) ações estratégicas que devem ser desenvolvidas – descrição das ações que devem ser desenvolvidas em curto e médio prazos, visando ao desenvolvimento inicial e posterior das atividades meio e fim da fundação; VII) outros esclarecimentos relevantes, a critério dos instituidores. [ORIGEM DESTA CITAÇÃO É A RESOLUÇÃO PGJ 126/01]”

iii) resolução ou portaria (art. 65, CC): ato administrativo pelo qual o Promotor de Justiça incumbido da Tutela de Fundações declara haver verificado a documentação e concluído pela viabilidade da fundação a ser instituída, autorizando, por consequência, seu registro junto ao cartório competente.

A alteração estatutária somente se processa mediante deliberação de dois terços dos membros competentes para gerir e representar a fundação (art. 67, I, CC), restringindo-se, materialmente, aos limites delineados pelo instituidor (art. 67, II, CC). Condiciona-se, ainda, à aprovação do Ministério Público (art. 67, III, CC), que deverá, caso a votação não seja unânime, dar ciência à minoria vencida, para impugná-la (art. 68 do CC).


Constituição e utilização do patrimônio

Já foi dito que o ente fundacional não contém um patrimônio, mas se personifica em um patrimônio a serviço de escopo de interesse transindividual. Portanto, diferentemente das demais pessoas jurídicas, fundação é patrimônio que, vinculado à finalidade, adquire personalidade jurídica por força de lei.

Assim que consolidada a existência jurídica da fundação (art. 45 do CC e arts. 114 e 119 da Lei nº 6.015/1973), os bens integrantes da dotação inicial desprendem-se do patrimônio do instituidor, passando a vincular-se, indissociavelmente, à finalidade que lhe foi reservada.

Realizada a transcrição em cartório do ato de instituição, o disponente obriga-se a transferir, em favor da fundação, os bens integrantes da dotação inicial, não mais se lhe facultando desistir do ato de liberalidade15). A alienação (lato sensu) se efetua sob a forma de doação.

Firmado o instrumento de doação, o ato perderá efeito se a donatária não vier a ser criada no prazo de dois anos a contar da publicidade da liberalidade (art. 554 do CC).

Não havendo restrição legal, a dotação inicial pode compor-se de bens de qualquer natureza, desde que providos de valor econômico:

”[…] quando a lei fala em dotação de bens livres, não se refere, apenas, a bens corpóreos móveis ou imóveis, em sentido estrito, mas a todos os valores patrimoniais, inclusive aos direitos desta natureza que no sentido genérico da expressão ‘bens’ se compreendem […].“ 16)

O parâmetro é, portanto, a suficiência do patrimônio para atender aos objetivos preestabelecidos, não nos parecendo razoável a fixação de patamar mínimo, como tem sido ditado em algumas unidades da federação. Afinal, não se mostra razoável obstruir a instituição de uma entidade que, embora dotada de patrimônio pouco expressivo, se habilite a produzir resultados de alcance social.

Lincoln Antônio de Castro 17) bem elucida o ponto:

“Merece especial exame o aspecto da suficiência da dotação inicial do instituidor. Todavia, há de se tomar como referência, na apreciação da suficiência patrimonial, não apenas o valor numérico da dotação inicial, mas principalmente a viabilidade de se concretizar a consecução dos fins fundacionais através dos serviços ou esforços comprometidos, ou ainda mediante acréscimo, posteriormente, de recursos advindos inclusive de outras fontes.”

A suficiência do patrimônio dotado será aferida com base em estudo de viabilidade do empreendimento, a cargo do disponente (cf. item III. g. ii).

Na eventualidade de serem os bens insuficientes à concretização das finalidades aspiradas, o patrimônio será destinado a uma entidade congênere, salvo se diversamente dispuser o instituidor (art. 63 do CC).


Natureza relativamente inalienável do patrimônio fundacional

Porquanto estreitamente vinculado ao interesse social – por natureza, indisponível –, entende-se como relativamente inalienável o patrimônio das fundações, somente se admitindo a disposição por imperiosa necessidade ou pelas condições manifestamente vantajosas do negócio, caso em que o produto da venda deverá ser empregado na aquisição de novos bens:

”[…] o fenômeno da indisponibilidade é algo inerente a toda fundação, uma vez que esta não contém um patrimônio, mas é um patrimônio personalizado indisponível a serviço de um escopo qualquer 18).“

“Os bens da fundação são normalmente inalienáveis, porque representam a concretização dos fins preestabelecidos pelos respectivos instituidores, não tendo os seus administradores qualidade para alterar o imperativo da vontade daqueles (RT 252/661). Note-se, porém, que essa inalienabilidade é simplesmente relativa, não tendo caráter absoluto. […] Caso os mesmos sejam vendidos, exigem os tribunais a aplicação do preço na aquisição de outros bens, que deverão ser igualmente destinados ao mesmo fim. (cf. RT 116/650, 138/18, 149/580, 169/127 e 242/232.) 19).”

”[…] os bens das fundações, por afetados a um destino certo, são, de sua natureza, inalienáveis. Sua inalienabilidade é, sem dúvida, relativa e comporta a substituição por outros bens, mediante sub-rogação processada em juízo com audiência e fiscalização do Ministério Público 20).“

Partindo da premissa da relativa indisponibilidade, a alienação de bens da fundação se condiciona à prévia autorização do órgão de execução ministerial incumbido do velamento, consoante prescrição do art. 18, VIII, da Resolução PGJ nº 126/01:

“Art. 18. No velamento das fundações, o respectivo órgão do Ministério Público deverá:

[…]

VIII. avaliar e manifestar-se, através de resolução, sobre a necessidade de alienação, permuta ou gravame de bens pertencentes à fundação;

[…].”

Soma-se à regra de proteção mencionada o fato de que parcela significativa da doutrina e jurisprudência tem exigido alvará judicial para o aperfeiçoamento do ato:

“A princípio, o patrimônio dotado à fundação privada é inalienável. Qualquer ato jurídico que importe em alienação do patrimônio, portanto, é nulo, e o Ministério Público deverá atuar de acordo com o art. 168 do CC/2002 […]. Entretanto, existem ressalvas que a própria existência da entidade permite colocar. Provando-se interesse na continuidade dos fins fundacionais, poderá haver requisição fundamentada para que o juízo das fundações, após prévia manifestação do Ministério Público, autorize a venda de parcela do patrimônio 21).”

A nosso sentir, afigura-se desnecessário o duplo controle estatal, bastando, para a preservação dos interesses da fundação, o velamento exercido pelo Parquet. Acrescente-se, como reforço de argumento, que a extinção administrativa de fundações processa-se sob o velamento do Ministério Público sem a intervenção do Poder Judiciário. Ora, se o ato de que resulta a transferência total do patrimônio fundacional aperfeiçoa-se sem a chancela judicial, é evidente que a transferência parcial do patrimônio pode ser de igual forma processada.


Fundações de apoio

Segundo lição de José Eduardo Sabo Paes (2006, p. 227), fundações de apoio consistem em pessoas jurídicas de direito privado instituídas com o objetivo de auxiliar e fomentar projetos de pesquisa, ensino e extensão das universidades federais e das demais instituições de ensino superior, públicas ou privadas.

Nas palavras de Francisco Assis Alves:

”[…] as fundações de apoio são hoje reconhecidas como aquelas entidades cuja atuação serve de base para que as idéias desenvolvidas na Universidade possam se transformar em projetos com resultados imediatos, produtivos, levando a Universidade para além de sua função primordial, que, em poucas palavras, é a produção de conhecimentos e inteligências 22).“

A Lei Federal nº 8.958/1994, regulamentada pelo Decreto nº 7.423/10, disciplina as relações entre as instituições federais de ensino superior e as fundações de apoio, permitindo àqueles entes educacionais contratar, sem a observação estrita das regras do direito administrativo, pessoas jurídicas de direito privado criadas sob a forma jurídica de fundações (art. 24, XIII, Lei nº 8.666/1993, com a redação dada pela Lei nº 8.883/1994).

Deflui ainda da Lei nº 8.958/1994, especificamente de seu art. 3º, a sujeição das fundações de apoio, “na execução de convênios, contratos, acordos e/ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos”, à observância da “legislação federal que institui regras para licitações e contratos da administração pública” (I), à prestação de contas aos órgãos públicos financiadores (II), ao controle finalístico e de gestão pelo órgão máximo da instituição federal de ensino ou similar da entidade contratante (III), bem como à fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e pelo órgão de controle interno competente (IV). Parece que esses dispositivos foram revogados:

“Art. 3o Na execução de convênios, contratos, acordos e demais ajustes abrangidos por esta Lei, inclusive daqueles que envolvam recursos provenientes do poder público, as fundações de apoio adotarão regulamento específico de aquisições e contratações de obras e serviços, a ser editado por meio de ato do Poder Executivo federal. (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

IV - (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)”


Fundações de previdência privada

As entidades de previdência privada, ou complementar, atualmente regidas pela Lei Complementar nº 109/01, compreendem entidades prestadoras de planos privados para – mediante prévia autorização do Poder Público (arts. 6º, 33 e 38) – a concessão de pecúlio, rendas e benefícios complementares semelhantes aos concedidos pela Previdência Social, resultantes de contribuições dos próprios beneficiários, de seus empregadores ou de ambos.

Tais instituições categorizam-se em fechadas23) e abertas24), sendo que somente a primeira modalidade assume a forma fundacional (art. 31, § 1º), devendo as entidades abertas, por expressa prescrição legal (art. 36), constituir-se sob a moldura de sociedade anônima.

Como consectário do discrímen normativo, as entidades fechadas não podem – pela própria natureza fundacional – visar à lucratividade, enquanto o fim econômico é ínsito à forma societária das entidades abertas.

Incompreensivelmente, a LC nº 109/01, em seu art. 72, reiterando, na essência, disposição constante da revogada Lei nº 6.435/1977 (art. 5º, II), afastou as fundações de seguridade do velamento exercido pelo Ministério Público, delegando o múnus ao Ministério da Previdência e Assistência Social:

“Art. 72. Compete privativamente ao órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas zelar pelas sociedades civis e fundações, como definido no art. 31 desta Lei Complementar, não se aplicando a estas o disposto nos arts. 26 e 30 do Código Civil e 1.200 a 1.204 do Código de Processo Civil e demais disposições em contrário.”

Pensamos que o preceito em questão representa flagrante e inadmissível afronta à ordem constitucional, que não condescende com qualquer tentativa de cercear a atuação do Parquet no sentido de defender a ordem jurídica, o regime democrático e – o que por ora importa – os interesses sociais e individuais homogêneos25).

Fundações partidárias

O Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução nº 22.121/05, estabeleceu que “os entes criados pelos partidos políticos para pesquisa, doutrinação e educação política devem ter a forma de fundações de direito privado” (art. 1º, caput), estatuindo, ademais, que os “entes criados sob a forma de instituto, associação ou sociedade civil devem ser convertidos em fundação de direito privado, nos termos e prazos da lei civil (arts. 2.031 e 2.032 do Código Civil de 2002)”.

Em 14/05/2008, foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução nº 22.746/08, que acrescentou e alterou dispositivos da Resolução nº 22.121/05, adequando-os às especificidades das entidades partidárias, mas reiterando o velamento a ser exercido pelo Parquet (art. 4º do diploma primitivo).


Velamento

O art. 66 do Código Civil confia o velamento das fundações de direito privado ao Ministério Público do estado onde estejam situadas26).

A atribuição de tal múnus, como já destacamos, conforma-se com o disposto no art. 127, caput, da CF/1988 e justifica-se pela repercussão coletiva (lato sensu) dos interesses versados. Nas palavras de Maria Helena Diniz 27):

“Por envolver interesse social, o Curador de Fundações fiscaliza a atuação da entidade fundacional, velando por ela. É o seu órgão fiscalizador, a quem, por isso, deverão ser submetidos os estatutos para sua aprovação e reforma, os atos dos administradores e as contas de suas gestões, através do balanço, para que possa tomar providências, praticando atos necessários para preservar a sua finalidade filantrópica e promover a anulação de tudo que for feito com inobservância das disposições legais e estatutárias.”

Na mesma vertente, o magistério de J. M. de Carvalho Santos 28):

“Fiscalização por parte do Estado. Fácil é justificá-la. A fundação é na essência uma doação feita ao povo, ou a uma parte mais ou menos determinada dele. É justo, pois, que o Estado, em nome desse populus, exerça a devida fiscalização, para que a administração não arruíne a instituição, com uma má orientação, assim como no desempenho de sua missão de defesa dos interesses sociais vele pelos interesses da instituição que pro bono publico foi criada.”

O alcance da atribuição em referência – velamento – extrapola os limites da mera fiscalização. Velar “significa interessar-se grandemente, com zelo vigilante, pela consecução dos objetivos e pela preservação do patrimônio das entidades funcionais” 29); significa “estar atento, estar alerta, estar de sentinela, cuidar, […] proteger, patrocinar” 30), no que se inclui, evidentemente, adotar as medidas necessárias – tanto em órbita administrativa quanto judicial – para inteirar-se de fatos que repercutam na esfera de interesse dos entes sob velamento e conformar eventuais irregularidades constatadas31).

Incumbe ao Ministério Público, enfim, assegurar a proveitosa gerência da entidade, em respeito à vontade do instituidor 32).

a) Instrumentos de atuação do curador de fundações

No plano administrativo – seara em que se atende, idealmente, ao propósito do Ministério Público resolutivo 33) –, o curador de fundações dispõe de relevantes instrumentos para desincumbir-se eficazmente do velamento, dentre os quais sobressaem:

i) intimação: ato pelo qual o órgão de execução ministerial dá à parte interessada ciência de fato relevante;

ii) notificação: ato pelo qual determinada pessoa é instada a tomar providência necessária ao regular cumprimento dos mandamentos estatutários ou convocada a prestar depoimento ou esclarecimento. Fundamento: arts. 129, VI, Constituição Federal; 120, V, Constituição do Estado de Minas Gerais; 26, I, “a”, Lei nº 8.625/1993; e 67, I, “a”, Lei Complementar Estadual nº 34/1994;

iii) requisição: ato pelo qual se exige a prestação de informações ou a apresentação de documentos, bem como o cumprimento de diligências necessárias à instrução de procedimento administrativo. Fundamento: arts. 129, VI e VIII, Constituição Federal; 120, V e VI, Constituição do Estado de Minas Gerais; 26, I, “b”, II, III e IV, Lei nº 8.625/1993; e 67, I, “b”, Lei Complementar Estadual nº 34/1994;

iv) parecer: ato pelo qual o curador de fundações emite, de forma fundamentada, entendimento a respeito de questão suscitada em procedimento de sua competência;

v) atestado: por meio dele, o curador de fundações testifica a lidimidade da conduta dos dirigentes ou a autenticidade de fato relevante;

vi) recomendação: ato pelo qual os dirigentes são orientados a sanar desvios procedimentais perpetrados em prejuízo da entidade. Fundamento: arts. 129, II, in fine, Constituição Federal; 120, II, in fine, Constituição do Estado de Minas Gerais; 24, IV, Lei nº 8.625/1993; e 67, IV, Lei Complementar Estadual nº 34/1994;

vii) resolução: ato pelo qual o curador de fundações manifesta-se a respeito de pedido que lhe foi dirigido (por exemplo, aprovação de atos de instituição de fundação – art. 65 do CC – e autorização de alienação, permuta ou oneração de bens pertencentes à fundação – art. 18, VIII, Resolução PGJ nº 126/01).

Outro relevante instrumento de averiguação da integridade funcional e patrimonial das fundações consiste na vistoria, a ser realizada pelo órgão de execução ministerial em periodicidade não inferior à anual (Resolução PGJ nº 126/01):

“Art. 18. No velamento das fundações, o respectivo órgão do Ministério Público deverá:

[…]

V. visitar a fundação pelo menos uma vez por ano, ou sempre que entender necessário;

[…].”

Em âmbito judicial, o Ministério Público, na defesa dos interesses das entidades sob velamento, pode figurar tanto como autor quanto como custos juris (art. 82, III, do CPC), sendo-lhe assegurado, independentemente da posição assumida na relação jurídico-procedimental, valer-se de toda e qualquer faculdade processual necessária ao desempenho do múnus:

“O Ministério Público, para a fiscalização efetiva das fundações, objetivando os fins que o fundador teve em mira e os meios de alcançá-los, pode tudo… Não poderia ser de outra forma, não se compreenderia a ação de vigilância do Ministério Público. Ilusória seria sua atribuição de velar pela finalidade da fundação se o Direito não lhe desse meios para tornar físico, corpóreo, eficiente seu dever de controle […] 34).”

”[…] só se viabiliza um controle administrativo efetivo se a lei entregar ao órgão fiscalizador, concomitantemente, os remédios processuais adequados à realização judicial de suas pretensões, o que, in casu, é feito pelo próprio art. 26 da lei civil (1916). […] A legitimação ativa ad causam, portanto, resulta diretamente desta regra genérica do art. 26 do Código Civil (1916) que, do contrário, não teria nenhuma eficácia concreta. Destarte, no poder-fim de velar pelas fundações encontra-se implícito, logicamente, o poder-meio de promover todas as medidas judiciais cabíveis a bem da administração e dos escopos fundacionais. […] A intervenção assistencial do curador de fundações deve ocorrer em qualquer tipo de processo de que figure como autora, ré ou interveniente uma fundação […]. De mais a mais, consigne-se esta decisão: o representante do Ministério Público tem o direito de recorrer das decisões que considere prejudiciais às fundações (RT 422/162) 35).“


Prestação de contas

As fundações de direito privado devem prestar ao Ministério Público, anualmente, as contas do exercício financeiro findo:

“O direito do Ministério Público de exigir contas constitui ponto insuscetível de sérias dúvidas em face do que dispõe os arts. 26 do CC [1916] e 653 do CPC [1939]. Constituindo dever funcional do Ministério Público velar pelas fundações e fiscalizar os atos de seus administradores, só poderia cumprir a tarefa a ele atribuída através do poder legal de pedir contas sobre o modo como vem sendo gerida a fundação (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo nº 168.361. Relator: Des. Lafayette Salles. RT 399/167).”

Em Minas Gerais, a prestação de contas se faz pelo Sistema de Cadastro e Prestação de Contas – SICAP (art. 19 da Resolução PGJ nº 126/01) –, devendo ser encaminhada nos 6 (seis) meses seguintes ao término do exercício financeiro.

Cabe ao curador de fundações aprovar ou não as contas, arquivando o procedimento ou adotando providências judiciais e extrajudiciais que julgar pertinentes diante dos relatórios técnicos obtidos (art. 23 da Resolução PGJ nº 126/01).

Em caso de mora no encaminhamento de prestação de contas, o Promotor de Justiça deverá requisitar à entidade que o faça no prazo de 30 (trinta) dias (art. 24, caput, da Resolução PGJ nº 126/01); persistindo a inércia, deverá postular judicialmente a prestação de contas, sem prejuízo da responsabilização dos administradores desidiosos (art. 24, parágrafo único, Resolução PGJ nº 126/01).


Extinção

Em face do paralelismo das formas, a extinção subordina-se às mesmas solenidades impostas à instituição da pessoa jurídica. Ou seja, assim como o “nascimento”, a “morte” de uma entidade privada somente se consuma com o registro no cartório competente.

As hipóteses de extinção das fundações de direito privado vêm previstas no Código Civil e no Código de Processo Civil, nos quais lemos, respectivamente:

“Art. 69. Tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.

Art. 1.204. Qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público promoverá a extinção da fundação quando:

I. se tornar ilícito o seu objeto;
II. for impossível a sua manutenção;
III. se vencer o prazo de sua existência.”

Incomum, mas possível de ocorrer, é a hipótese de tornar-se ilícito o fim perseguido por fundação (impossibilidade jurídica). Exemplo é o de entidade predestinada ao amparo de pessoas envolvidas com o denominado “jogo do bicho”, antes de a lei penal tratar como contravenção referida atividade. Ao tipificar-se a conduta, o que, na origem, se reputava lícito deixou de sê-lo.

Torna-se impossível a manutenção de uma fundação quando acéfala36) ou inativa por largo período, se não entra em efetivo funcionamento, se não presta contas de suas atividades ao Ministério Público, enfim, se não cumpre os objetivos para os quais foi instituída (impossibilidade fática).

A última hipótese de extinção é o vencimento do prazo de sua existência, circunstância que deve, obrigatoriamente, constar no ato de instituição, sendo raríssimos os casos de fundações temporárias.

A extinção opera-se administrativa ou judicialmente e se processa na forma do art. 51 do CC:

“Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.

§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.

§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.

§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.”

Extinta a fundação, o patrimônio remanescente deverá destinar-se a outra fundação, sendo vedada, a nosso juízo, a reversão a associação. E assim entendemos por duas razões. Primeiro porque, embora associações e fundações sejam entidades de interesse social, distinguem-se ontologicamente, bastando lembrar que uma é reunião de pessoas e a outra, um patrimônio personificado – daí não podermos falar em congeneridade (art. 69 do CC), que pressupõe identidade, similitude. Segundo porque, caso se admitisse a destinação do patrimônio de uma fundação a uma associação, permitir-se-ia que os associados lhe reservassem fim diferente do desejado pelo instituidor, já que prevalece, nas corporações, a vontade dos associados:

“A associação é governada por uma vontade imanente, isto é, que está e permanece nela própria, ao passo que a fundação é dirigida por uma vontade transcendente, a vontade do fundador, estranha, superior e inacessível, uma vez lançada a obra na órbita dos seus destinos 37).”

Outra não pode ser, ao que nos parece, a exegese dos arts. 63 e 69 do CC, conforme vem proclamando a jurisprudência, a nosso sentir, mais abalizada:

“Fundação – Inexistência de Atividades – Contrariedade ao Estatuto – Extinção. Permitem o art. 30 do Código Civil (1916) e 1.204, II, do de Processo Civil a extinção da fundação quando nociva ou impossível a sua manutenção, com a incorporação de seu patrimônio a outras fundações, que se proponham a fins semelhantes. E dão os referidos dispositivos legais legitimidade ao Ministério Público para requerer a extinção. Manutenção da sentença que decretou a extinção da fundação, de há muito inativa, contrariando seu estatuto e finalidades (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Processo nº 48.856/98 apud DINIZ, 2003, p. 359).”


Exposição sintética das atribuições do curador de fundações

No cumprimento do múnus outorgado pelo art. 66 do CC, o Promotor de Justiça incumbido da Tutela de Fundações deverá:

i) analisar, antes da lavratura no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, as minutas de escritura (em se tratando de instituição inter vivos) e de estatuto, sugerindo as modificações necessárias para a adequação dos referidos instrumentos aos parâmetros normativos, atentando-se, em especial, aos seguintes pontos:

i. a) se os instituidores detêm capacidade e legitimidade para transmitir patrimônio, bem como se estão devidamente qualificados (nome, estado civil, naturalidade, profissão, endereços comercial e residencial, número de identidade e CPF);

i. b) se os fins são lícitos, não econômicos (vedada a distribuição de lucros e dividendos) e de interesse coletivo (assim compreendidas as prestações de natureza assistencial – lato sensu –, religiosa ou cultural, que tenham como beneficiários pessoas indeterminadas);

i. c) se as finalidades estão bem delineadas, não bastando a alusão a enunciados genéricos como “filantropia” e “educacional”. Por exemplo, se a fundação é voltada à assistência educacional, deverão os atos constitutivos minudenciar os cursos a serem oferecidos e os benefícios a serem concedidos, os requisitos para concessão dos benefícios etc.

i. d) a composição dos órgãos da entidade, sendo os termos “sócios”, “associados” e “assembleia geral” incompatíveis com a estrutura fundacional (cf. item IV);

i. e) se a dotação é suficiente para a consecução das finalidades talhadas pelo instituidor e se as formas de acréscimo patrimonial e de captação de recursos permitirão a manutenção e o funcionamento da fundação, exigindo-se, para tal análise, a elaboração de estudo de viabilidade (cf. item III. g. ii).

É imprescindível que os bens dotados estejam livres e desimpedidos no momento da instituição da fundação, não se permitindo sua criação sem destinação de patrimônio, com argumento de posterior aporte de bens. Quando a proposta de dotação se fizer em pecúnia – o que, embora não seja vedado, é desaconselhado – os instituidores devem ser esclarecidos de que os valores aportados, após a instituição da fundação, serão tidos por relativamente indisponíveis, condicionando-se a movimentação à aprovação do curador de fundações e, segundo alguns, à autorização judicial (cf. item III. h);

i. f) se os bens dotados estão perfeitamente descritos e caracterizados, inclusive com a declaração de seus valores, comprovação de propriedade e da inexistência de ônus ou gravame. Deverá ser avaliada, ainda, a necessidade de se contratar seguro para o patrimônio;

i. g) se há previsão, em caso de extinção da entidade, de destinação do patrimônio para entidade congênere. Não se permite que o patrimônio seja reincorporado pelo instituidor, exceto se se tratar de entidade sem fins lucrativos com objetivos coincidentes com os da instituída;

ii) aprovar, sugerir ou negar autorização para registro dos atos de instituição em cartório, mediante Resolução ou Portaria;

iii) requisitar ao presidente que, após a lavratura dos atos constitutivos em cartório, remeta à Promotoria de Justiça certidão de inteiro teor do registro e comprovação de transferência da dotação inicial em favor da fundação, devendo os referidos documentos ser registrados em pasta própria;

iv) intervir em todos os feitos judiciais ou administrativos em que houver interesse de fundação de direito privado (autora, ré, assistente). Discute-se se relações jurídicas meramente obrigacionais dão ensejo à intervenção processual do Parquet, defrontando-se com manifestações judiciais em ambos os sentidos38). Caberá ao órgão de execução oficiante analisar, no caso específico, a existência de interesse fundacional primário a justificar a sua atuação como custos juris, sustentando, em caso afirmativo, a sua legitimidade pela simples alegação de direito coletivo (princípio da presunção constitucional de legitimidade pela afirmação de direito) 39);

v) propor, autorizar ou negar modificação estatutária, fixando, em caso de aprovação, prazo para encaminhamento de comprovante de averbação do ato40). Sublinhamos que expirou, em 11/01/2007, o prazo para conformação das disposições estatutárias à disciplina do Código Civil vigente (art. 2.031, com a redação dada pela Lei nº 11.127/05), devendo o curador de fundações recomendar aos dirigentes morosos que procedam às alterações necessárias (cf. subitem x);

vi) requisitar, anualmente, prestação de contas contendo balanço contábil, relatório de atividades, cópia de ata de eleição dos componentes da estrutura organizacional e de outros documentos considerados importantes na vida da fundação;

vii) visitar as fundações sob velamento pelo menos uma vez ao ano;

viii) providenciar o preenchimento dos órgãos da fundação em caso de acefalia ou, desde que inviável a solução extrajudicial, provocar a intervenção judicial;

ix) manifestar-se sobre a necessidade de alienação, permuta ou instituição de gravame sobre bens pertencentes à fundação, sendo que os imóveis e os de grande valor somente poderão ser alienados com avaliação prévia e justificativa convincente;

x) elaborar, no caso de declaração de última vontade ou ante a omissão das pessoas para tanto legitimadas, estatuto fundacional e as reformas supervenientes impostas por alteração legislativa ou pelo interesse do ente;

xi) deduzir, em favor de fundação de direito privado, pretensão de qualquer natureza, independentemente da aquiescência dos administradores;

xii) propor judicialmente a extinção, exigindo prestação de contas e indicando outra fundação para absorver o patrimônio, sempre que a fundação quedar-se acéfala, inativa ou não cumprir suas finalidades e desde que não haja meios de promover o restabelecimento da entidade ou proceder à extinção pela via administrativa.


1)
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil comentado. Rio de Janeiro: Liv. Francisco Alves, 1956. p. 233. v. I.
2)
Arts. 37, XIX (redação original), e 39, caput, bem como art. 19, caput, ADCT.
3)
Arts. 70, II e III, 150, § 2º, 157, I, 158, I, 165, § 5º, I e III, 167, VII, 169, § 1º.
4)
Verba cum effectu, sunt accipienda.
5)
“[…] Trata-se de fundação de direito público que se qualifica como entidade governamental dotada de capacidade administrativa, integrante da Administração Pública descentralizada da União, subsumindo-se, no plano de sua organização institucional, ao conceito de típica autarquia fundacional, como tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive para o efeito de reconhecer, nas causas em que essa instituição intervém ou atua, a caracterização da competência jurisdicional da Justiça Federal (RTJ 126/103 - RTJ 127/426 - RTJ 134/88 - RTJ 136/92 - RTJ 139/131). […]” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial nº 183.188/MS. Relator: Min. Celso de Mello, DJ, 14 fev. 1997).
6)
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. 6. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 412
7)
DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas: teoria geral e exercício de atividades econômicas. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 330-331
8)
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. Fundações privadas: doutrina e prática. Atlas: São Paulo, 2009. p. 115
9)
DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas: Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006.
10)
DINIZ, 2003, p. 71-72
11)
“AÇÃO DE NULIDADE E DESCONSTITUIÇÃO DE REGISTRO - AUSÊNCIA DE REQUISITOS - IRREGULARIDADES - ARTIGOS 24 E 27 DO CCB - ARTIGO 1.200 DO CPC - USO INDEVIDO DA DENOMINAÇÃO FUNDAÇÃO. São requisitos para a constituição de uma fundação sua realização mediante escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres especificando o fim para o qual se destina e, facultativamente, a declaração da maneira pela qual será administrada. Cabe ao Ministério Público, como curador de Fundações, fiscalizar a constituição regular destas e aprovar seu estatuto, devendo alertar para as irregularidades e nulidades existentes. Não sendo observada a forma legalmente prescrita, não há como subsistir a constituição da Fundação, pois eivada de nulidades. O uso indevido da denominação fundação por entidade que não possui esta natureza, somente traria instabilidade e insegurança a terceiros, não podendo ser aceito” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo 2.0000.00.351956-2/000. Relator: Des. Armando Freire, MG, 11 set. 2002).
12)
DINIZ, Maria Helena apud DINIZ, Gustavo Saad, 2003, p. 98.
13)
Entre nós, os fins da fundação devem coligar-se ao interesse coletivo lato sensu (o que se confirma pelo conteúdo do art. 11 do Decreto-Lei nº 4.657/1942), diferentemente do que ocorre em outros ordenamentos, em que se admitem fundações para atendimento de objetivos particulares.
14)
Com a expressão “fins de assistência”, pretendeu o legislador consignar que somente se admitem fundações com o fim de, nos mais variados campos do interesse coletivo (lato sensu), colaborar, apoiar, proteger e amparar não apenas no segmento da assistência social, mas em qualquer das áreas de interesse coletivo, tais como educação, saúde, religião, arte, cultura, investigação científica, proteção ao patrimônio cultural, defesa de meio ambiente, defesa do consumidor etc.
15)
Art. 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.
16)
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. São Paulo: RT, [s.d.]. p. 250. v. 2, t. 2.
17)
O Ministério Público e as fundações de direito privado. Rio de Janeiro: Freitas Barros, 1995. p. 42.
18)
MACHADO, Antônio Cláudio Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 269
19)
PAES, 2006, p. 325
20)
RÁO, [s.d.], p. 250
21)
DINIZ, 2003, p. 75-76
22)
apud PAES, 2006, p. 228
23)
Formadas, exclusivamente, pelos empregados de uma ou de um grupo de empresas chamadas de patrocinadoras – art. 31, LC nº 109/01.
24)
Não restringem a participação – art. 26, LC nº 109/01.
25)
Em sentido contrário: “CIVIL. ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (FECHADA). VALIA – FUNDAÇÃO VALE DO RIO DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL. SEGURADO. DESLIGAMENTO. CONTRIBUIÇÕES. DEVOLUÇÃO. DIFERENÇAS. COBRANÇA JUDICIAL. INTERVENÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. DESCABIMENTO. 1 - Nas causas em que se discutem diferenças de contribuições de entidade de previdência privada (fechada), conforme acontece in casu, onde figura como ré na demanda a VALIA - FUNDAÇÃO VALE DO RIO DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL, não se viabiliza a intervenção do Ministério Público, dada a inexistência de qualquer das hipóteses do art. 82 do CPC. 2 - Não incidência do art. 26 do Código Civil, porque revogado pelo art. 82 da Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977, no que tange, especificamente, à fiscalização das fundações de previdência privada. 3 - Recurso especial não conhecido” (BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 262.673/MG, Quarta Turma. Relator: Min. Fernando Gonçalves, DJ, 29 mar. 2004).
26)
As fundações públicas (de direito público) sujeitam-se a um regime diferenciado de controle, sem escapar, evidentemente, da fiscalização do Ministério Público, nesse tocante exercida em concurso com o Tribunal de Contas e tendente à preservação do patrimônio público, à defesa da legalidade, da impessoalidade, da transparência, da eficiência e da probidade administrativas.
27)
Direito fundacional. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 33-34.
28)
apud RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do terceiro setor: associações e fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax, 2006. p. 197
29)
CASTRO, Lincoln Antônio. O Ministério Público e as fundações de direito privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1995. p. 13
30)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma, 1976. Relator: Min. Moreira Alves, Jurisprudência Brasileira, 52/50-4.
31)
Antônio Cláudio da Costa Machado (1989, p. 273-274) assinala, com propriedade, que, no poder-fim de velar pelas fundações, encontra-se implícito, logicamente, o poder-meio de promover todas as medidas cabíveis a bem da administração e dos escopos fundacionais.
32)
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso Especial nº 44.384/SP, citado no Recurso Especial nº 162.114/SP, Quarta Turma. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ, 26 out. 1998
33)
ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 512
34)
apud PAES, 2006, p. 558
35)
MACHADO, 1989, p. 273-274
36)
A extinção por acefalia (falta dos órgãos de administração) somente deve se efetivar se frustrada ou, na prática, inviável a solução alvitrada pelo art. 49 do Código Civil: “Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório”.
37)
GIERKE apud CAETANO, Marcello. Das fundações: subsídios para a interpretação e reforma da legislação portuguesa. São Paulo: Ática, 1961. p. 81
38)
Entendendo obrigatória a intervenção ministerial: “EMBARGOS DO DEVEDOR - FUNDAÇÃO - INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - NECESSIDADE. Nas demandas em que figure como parte uma FUNDAÇÃO é imprescindível a intervenção do Parquet” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo nº 2.0000.00.471230-1/000. Relator: Des. Eulina do Carmo Almeida, MG, 17 jun. 2005). Reputando-a dispensável quando a lide cingir-se a relação negocial: “[…] Cuidando a espécie de discussão acerca de direito obrigacional, o simples fato de ser a ré fundação não implica em intervenção do Ministério Público, na medida em que não é a presença da entidade que impõe tal intervenção (art. 82, III, CPC) e, sim, a existência de interesse público relevante, o que não existe nos autos. […]” (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo nº 1.0223.04.155877-4/001. Relator: Des. Eduardo Marine da Cunha, MG, 22 set. 2005).
39)
ALMEIDA, 2003, p. 516
40)
O registro ou averbação em cartório de ato de interesse de fundação deverá, necessariamente, contar com a prévia manifestação do curador de fundações, devendo a inobservância de tal exigência pelos oficiais cartorários ser objeto de representação perante o órgão correicional próprio, sem prejuízo das demais providências cabíveis.