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9.1. Improbidade administrativa

A defesa do patrimônio público na atualidade tem como linha de atuação as seguintes vertentes: a) o combate à improbidade administrativa; b) o ressarcimento ao erário; e c) o respeito aos princípios constitucionais.

Historicamente, a primeira Constituição a prever o sequestro e o perdimento de bens em razão de enriquecimento ilícito por abuso de cargo ou função pública foi a Carta Magna de 1946, que ensejou a elaboração da Lei Pitombo-Godói (Lei nº 3.164/57).

Passada essa primeira fase, o Congresso Nacional aprovou a Lei Bilac Pinto (Lei nº 3.502/58), que estabelecia medidas de combate ao enriquecimento ilícito na administração pública.

Atualmente, a Constituição Federal Brasileira, no art. 37, § 4º, trata sobre a improbidade administrativa, exigindo a edição de lei regulamentadora para combatê-la.

O art. 37, § 4º, da Constituição Federal, determina que os atos de improbidade administrativa importarão: a suspensão dos direitos políticos; a perda da função pública; a indisponibilidade dos bens; e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Em atendimento à Constituição Federal foi editada a Lei nº 8.429/92, estabelecendo as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função administrativa pública direta, indireta ou fundacional e dando outras providências. »A Lei nº 8.429/92 é resultante do Projeto de Lei nº 1.446/91, enviado pelo então Presidente da República, Fernando Collor de Mello. Em sua exposição de motivos, o Ministro da Justiça Jarbas Passarinho salientou o combate à corrupção afirmando tratar-se de 'uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda aflige o País.1)

A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) prevê três categorias específicas de atos: a) atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); e c) atos de improbidade administrativa que atentam contra princípios da administração pública (art. 11).

Em doutrina, um colega do Ministério Público do Estado de Minas Gerais assevera que as grandes inovações trazidas ao ordenamento jurídico nacional pela LIA foram as seguintes:

Tipificar os vários atos de improbidade administrativa; dispensar expressamente a existência ou a comprovação de dano para a punição do agente público e/ou particular que tenha agido em conluio com ele para a prática de atos de improbidade administrativa. O legislador aqui foi mais longe, ou seja, definiu com clareza meridiana que o agente ou terceiro que causarem lesão ao patrimônio público, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, farão o integral ressarcimento do dano.2)

Neste passo, a primeira questão é verificar se os atos (tipos) são de numerus clausus ou de tipologia aberta.

Enfrentando o tema com a maestria que lhe é peculiar, Emerson Garcia preconiza:

Os atos de improbidade administrativa encontram-se descritos nas três seções que compõem o Capítulo II da Lei nº 8.429/92; estando aglutinados em três grupos distintos, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito (art. 9º), cause lesão ao erário (art. 10) ou tão somente atente contra os princípios da administração pública (art. 11).
Da leitura dos referidos dispositivos legais, depreende-se a coexistência de duas técnicas legislativas: de acordo com a primeira, vislumbrada no caput dos dispositivos tipificadores da improbidade, tem-se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, apresentando-se como instrumento adequado ao enquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poder de improvisação humanos; a segunda, por sua vez, foi utilizada na formação de diversos incisos que compõem os arts. 9º, 10 e 11, tratando-se de previsões específicas ou passíveis de integração, das situações que comumente consubstanciam a improbidade, as quais, além de facilitar a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput, têm natureza meramente exemplificativa, o que deflui do próprio emprego do advérbio notadamente.3)

O legislador optou, ainda, por graduar os atos de improbidade, punindo mais severamente as figuras tipificadas no art. 9º, de forma moderada os tipos do art. 10 e de forma leve as infrações derivadas por ofensa ao art. 11. 4)

O primeiro gênero de ato de improbidade administrativa são os atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º). Neste caso, o agente público obtém dolosamente vantagem patrimonial ilícita em razão do exercício ímprobo de sua função.

O Professor Pazzaglini afirma que, para a caracterização do ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito, exigem-se como requisitos:

1.recebimento de vantagem econômica indevida por agente público, acarretando, ou não, dano ao Erário ou ao patrimônio de entidades públicas ou de entidades privadas de interesse público (no caso de verbas públicas por estas recebidas);
2.vantagem patrimonial decorrente de comportamento ilegal do agente público;
3.ciência do agente público da ilicitude da vantagem patrimonial pretendida e obtida;
4.conexão entre o exercício funcional abusivo do agente público nas entidades indicadas no art. 1º da LIA e a vantagem econômica indevida por ele alcançada para si ou para outrem.5)

Como se observa, o caput do art. 9º da Lei nº 8.429/92 traça as características principais dos atos que importam enriquecimento ilícito, enquanto seus incisos exemplificam algumas condutas que se enquadram no referido artigo.

É mister lembrar que nenhuma das condutas listadas admite a modalidade culposa, devendo, em todos os casos, ser demonstrado o dolo do agente, pois não é lógico falar em enriquecimento ilícito imprudente ou negligente.

O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 678.599/MG, frisou o caráter doloso dos atos que ensejam o enriquecimento ilícito:

[…] 1. Os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) normalmente sujeitam o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre são dolosos e ferem o interesse público, ocupando o mais alto ‘degrau’ da escala de reprovabilidade. Todos são prejudicados, até mesmo os agentes do ato ímprobo, porque, quer queiram ou não, estão inseridos na sociedade que não respeitam.

Os incisos do referido artigo são exemplificativos, indicando alguma das formas em que se materializará o ato de improbidade administrativa que ensejará o enriquecimento ilícito, que poderá importar em similitude ou dissonância com os elementos gerais anteriormente referidos6) no caput. Desta forma, qualquer conduta que não se enquadre nos incisos poderá ser capitulada no caput do art. 9º.

O segundo gênero são os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art.10). Nessa modalidade, temos uma ofensa ao aspecto financeiro do patrimônio estatal.

De acordo com Pazzaglini, para a configuração desse tipo de ato ímprobo, os requisitos seriam os seguintes:

ação ou omissão ilegal do agente público no exercício funcional;
dano econômico efetivo ao erário;
ação ou omissão funcional dolosa ou culposa;
relação de causalidade entre o comportamento funcional ilícito e o efetivo dano patrimonial daí resultante7)

Em um primeiro plano, temos a ilegalidade do ato praticado pelo agente público consistente em uma conduta antijurídica por expressar um excesso de poder ou desvio de finalidade.

Outro requisito necessário para o enquadramento da conduta nesse gênero de improbidade administrativa é a existência de responsabilidade subjetiva por parte do agente. Logo, deve o sujeito ativo realizar uma ação ou omissão ilegítima decorrente de dolo ou culpa.

Neste ponto, a doutrina discute a possibilidade da punição a título de culpa, sendo que o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento favorável à questão no Recurso Especial nº 842.428/ES (RECURSO ESPECIAL 2006/0068856-1):

[…] 4. Embora mereçam acirradas críticas da doutrina, os atos de improbidade do art. 10, como está no próprio caput, são também punidos a título de culpa, mas deve estar presente na configuração do tipo a prova inequívoca do prejuízo ao erário. (2)

O último requisito citado seria o nexo de causalidade entre o comportamento funcional ilícito e o efetivo dano patrimonial resultante, princípio básico de direito que possibilita a imputação do resultado para alguém.

Nesses termos, o Professor Pazzaglini finaliza os comentários a respeito do caput do art 10 da LIA:

A técnica legislativa aqui adotada é idêntica à do artigo anterior, que trata dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito. Assim, no caput do art.10, conceitua-se a improbidade lesiva ao Erário e seus incisos trazem o elenco das espécies mais freqüentes, que em face do advérbio notadamente, como já assinalado, é meramente exemplificativo (e não taxativo).8)

Frisamos que a conduta que não se enquadra nos incisos exemplificativos poderá ser capitulada no caput do art. 10.

O terceiro gênero são os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art.11). Neste quadro, temos uma violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e/ou lealdade às instituições.

Além da violação dos deveres elencados acima, também configurará a improbidade administrativa os atos atentatórios aos princípios da administração pública previstos na Constituição da República em seu art. 37, caput, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Esse dever de observância dos princípios administrativos igualmente é frisado no art. 4º da LIA, que prevê:

Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.

Por outro lado, ao analisarmos sistematicamente a Lei de Improbidade Administrativa, verifica-se que, ao enquadrar o agente na prática de um ato ímprobo que acarreta enriquecimento ilícito ou importe lesão ao erário, haverá, por consequência, uma violação ao princípio da legalidade.

Por esse motivo, Pazzaglini assevera que

o art. 11 constitui soldado de reserva (expressão do saudoso jurista Nelson Hungria), configurando-se pelo resíduo na hipótese da conduta ilegal do agente público não se enquadrar nas duas outras categorias de improbidade.9)

Ainda sobre o tema:

O artigo em comento é considerado residual em relação aos arts. 9º e 10, o que significa que, sempre que ocorra a improbidade por enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, haverá violação a princípios administrativos. Desta forma, quando não for possível enquadrar o ato de improbidade naquelas duas primeiras modalidades, utiliza-se o art. 11 como regra de reserva. Em outras palavras, qualquer que seja o ato ímprobo perpetrado, haverá violação de princípios administrativos.10)

Noutro aspecto, não será qualquer violação ao princípio da legalidade que caracterizará a improbidade administrativa, pois, se fosse assim, qualquer ato praticado por agente público em discordância com a lei implicaria um ato ímprobo.

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a má-fé, neste caso do art. 11, é uma das premissas para que o ato ilegal tenha o status de improbidade administrativa, conforme julgado do Recurso Especial nº 807.551 / MG (RECURSO ESPECIAL 2006/0006443-0):

[…] 3. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei nº 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum grano salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.(3)

Como fora asseverado anteriormente, o art. 11 da LIA tem como norte a defesa dos princípios aplicáveis à administração pública, tornando-se interessante uma digressão acerca de seus limites e significações.

As condutas ilícitas que não se enquadrem nos incisos exemplificativos poderão ser capituladas no caput do art. 11.

O princípio do Estado de Direito cifra-se na legalidade como medida do exercício do poder, ou seja, o exercício do poder deve processar-se mediante processos jurídicos. É a autolimitação do Estado perante os direitos subjetivos e a vinculação da atividade da administração à Constituição.

Assim, o princípio da legalidade, no Brasil, significa que os agentes públicos nada podem fazer além do que a lei determina.

Nesse sentido, são as lições do Professor Hely Lopes Meirelles:

Legalidade – A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigência do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
[…]
Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que lei autoriza. A lei para o particular significa pode fazer assim; para o administrador público significa deve fazer assim.11)

Outro princípio de grande valia é o da moralidade administrativa, que implica a observância de preceitos éticos pelo administrador, devendo suas ações ser pautadas na honestidade.

Hely Lopes Meirelles comenta que o sistematizador do referido conceito foi Hauriou, salientando que a moral jurídica não se confunde com a moral comum, sendo aquela entendida como “[…] o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina anterior da Administração”.12)

Em seguida, o mestre Hely complementa:

O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima. Já disse o notável Jurista luso – Antônio José Brandão – que “a atividade dos administradores, além de traduzir a vontade de obter o máximo de eficiência administrativa, terá ainda de corresponder à vontade constante de viver honestamente, de não prejudicar outrem e de dar a cada um o que lhe pertence – princípios de Direito Natural já lapidarmente formulados pelos jurisconsultos romanos. À luz dessas idéias, tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais ou desonestos como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda. Em ambos os casos, os seus atos são infiéis à idéia que tinha de servir, pois violam o equilíbrio que deve existir entre todas as funções, ou, embora mantendo ou aumentando o patrimônio gerido, desviam-no do fim institucional, que é o de concorrer para a criação do bem comum.13)

Nesse sentido, o princípio da moralidade está servindo como fundamento jurídico para a proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos, conforme entendimento do eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. Servidora pública da Secretaria de Educação nomeada para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade. A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder. Mandado de segurança denegado. (MS 23.780)

Temos, ainda, o princípio da impessoalidade. Esse mandamento constitucional, contido expressamente no caput do art. 37 da Carta da República, impõe a prática do ato para o seu fim legal, que é unicamente aquele que a norma de direito indica, expressa ou virtualmente, como objetivo do ato, de forma impessoal. Dessa forma, não se deve beneficiar um grupo específico e determinado de pessoas.

A respeito deste princípio, são as palavras do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio de impessoalidade
Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem »interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie.14)

Em relação ao princípio da igualdade, o preceito constitucional impõe igualdade de tratamento jurídico para pessoas que ostentam situações ou condições igualitárias de direitos ou obrigações.

Na lição de Carmen Lúcia Antunes Rocha:

Pela igualdade – havida como um dos princípios magnos primários da Constituição Brasileira e de todos os Estados Democráticos desde a Antigüidade – pretende-se enfatizar a ausência de discriminação que desiguala o que é igual, criando-se, pela desequiparação fundada em razões pessoais, situações de prejuízos de uns e privilégios de outros.
A igualdade jurídica recria e saneia as diferenças que a desigualdade natural oferece e que poderia comprometer a convivência numa sociedade política. Por isso, reconhece-se a desigualdade natural entre as pessoas, naquilo que, contudo, desimporta para o Direito. A este apenas interessam aquelas diferenças que se refiram às finalidades objetivadas no sistema jurídico e que se voltam para o bem de todos os cidadãos. Todas as diferenças pessoais são desconsideradas e vedadas como base de comportamento sociopolítico pelo Direito, quando não sejam objetivamente verificados como pertinentes a uma situação descrita no próprio sistema jurídico-normativo e nele tomado, validamente, como referencial para a distinção.15)

A razoabilidade aparece como o princípio que exige proporcionalidade entre os meios empregados e os fins a se alcançar.

Enuncia-se, com esse princípio, que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal.

José dos Santos Carvalho Filho assim o explica:

Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade. Dentro desse quadro, não pode o juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque a isso se coloca o óbice da separação de funções, que rege a atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado ao controle.16)

Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada uma delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito, de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda.

O princípio da publicidade é expressamente protegido na Lei de Improbidade Administrativa, pois o inciso IV do art. 11 reza que consiste violação ao princípio da publicidade “negar a publicidade aos atos oficiais.”

Como é tratado em vários compêndios de direito administrativo, os atos praticados por agentes públicos em suas funções devem ser abertos para toda a sociedade para que ela possa fiscalizá-los e avaliar a sua adequação aos ditames legais vigentes.

Deve-se observar que o princípio da publicidade desdobra-se em dois aspectos: a) deve ser franqueado à sociedade o acesso aos atos públicos que não estejam resguardados por sigilo e b) os atos praticados pela Administração devem ser públicos e abertos.

Sobre o tema:

O princípio da publicidade consiste em dar conhecimento ou pôr à disposição dos indivíduos informações sobre fatos, decisões, atos ou contratos da Administração Pública, conferindo transparência aos comportamentos dos agentes públicos e segurança jurídica aos membros da Coletividade, quanto a seus direitos.
É menos princípio e mais mecanismo de controle externo e interno da gestão administrativa. Segundo ele, os atos administrativos são públicos e devem ser objeto de ampla publicidade: seja por divulgação na imprensa oficial, na imprensa comum, e/ou em locais públicos; seja pelo fornecimento de informações quando solicitadas, ressalvadas as hipóteses de sigilo, contempladas na Lei Maior, quando imprescindível à defesa da intimidade ou ao interesse social (art. 5º, inciso LX), ou à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, inciso XXXIII).
A regra, pois, é a transparência da Administração com a divulgação de seus atos a todos. A dispensa é a exceção, nas situações expressamente previstas em lei, e a publicidade é requisito de eficácia dos atos administrativos que tenham de produzir efeitos externos.
A publicidade, enfim, é o instrumento pelo qual a Administração Pública torna público, dando divulgação à sociedade ou prestando informações aos interessados, todo o conteúdo da atividade administrativa não sigilosa: regulamentos, programas, planos, atos administrativos (de admissão, permissão, licença, autorização, aprovação, dispensa, homologação, visto, lançamento tributário etc.).”17)

Por fim, temos o princípio da eficiência, novidade trazida pela Emenda Constitucional nº 19/98 da Carta Magna, que tem por escopo maior produtividade com menor custo, evitando-se o desperdício de dinheiro público e zelando pela prestação de serviço público com presteza e perfeição.

Mas, como lembrado pelo Professor José dos Santos Carvalho Filho,

[…] o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter qualidade total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem exercê-las.18)

Dessa forma, a violação de princípios afetos à administração pública enseja a configuração do ato de improbidade administrativa, como explicado anteriormente. Além disso, não se pode olvidar a função de controle da atividade estatal a que se prestam os princípios:

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a importância basilar dos princípios é tamanha que a sua violação, a depender do escalão do princípio violado, poderá constituir a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Cumpre acrescentar que diante da nossa piedosa realidade legislativa – principalmente no âmbito municipal –, os princípios garantem a sociedade contra regras jurídicas violadoras do sistema jurídico, destinadas ao atendimento de interesses de grupos políticos e econômicos, na maioria das vezes desvinculadas dos interesses coletivos.
Para a nossa sorte, o Supremo Tribunal Federal vem acatando a autonomia e suficiência dos princípios como fundamento para suas decisões, não sendo poucas as decisões alicerçadas sobre princípios.19)

Ressarcimento ao erário

Como mencionado anteriormente, para o combate à improbidade administrativa, na esfera cível, o Ministério Público possui dois instrumentos: a) a ação civil pública por ato de improbidade administrativa e b) a ação civil pública.

Ocorre que, em certos casos, os atos de improbidade administrativa podem estar prescritos, pois o prazo para a sua apuração é muito exíguo (o que será tratado mais adiante). Devido a isso, restará, quando for o caso, o ajuizamento de ação civil pública de ressarcimento ao erário, com base na Lei Federal nº 7.347/85.

Por outro lado, a grande vantagem da ação civil pública de ressarcimento ao erário é a sua natureza imprescritível, como disposto na Constituição da República (art. 37, § 5º) e endossado pelo colega Emerson Garcia:

Reprisando o que já fora anteriormente dito, é voz corrente que o art. 37, § 5º, da Constituição dispõe sobre o caráter imprescritível das pretensões a serem ajuizadas em face de qualquer agente, servidor ou não, visando ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário.20)

Fazzio Júnior comunga do mesmo entendimento:

Dessa norma de eficácia contida complementável, desde logo, é possível inferir que é imprescritível a ação de ressarcimento de danos causados ao erário, mercê da ressalva estabelecida em sua parte final. Assim, o prefeito que, mediante ato de improbidade administrativa, carrear danos ao erário não se livrará da ação de ressarcimento, com apoio na prescrição. Claro que, em relação às outras sanções cominadas para as condutas tecidas no art. 10 da LIA, o prazo prescricional incidirá. Tem-se, pois, como conclusão lógica, que a regra prescritiva do qüinqüênio vale para todas as sanções previstas na LIA, exceto para as ações de ressarcimento de danos.21)

Prescrição

Quanto à prescrição, temos aquela referente aos atos de improbidade administrativa que são previstos na Lei nº 8.429/92, e aquela referente ao ressarcimento ao erário prevista no art. 37, § 5º, da CF/88.

Inicialmente, vejamos os exatos termos da Lei nº 8.429/92 (LIA) acerca da prescrição:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Diante da norma posta, podemos verificar que a lei prevê dois prazos prescricionais distintos, a depender do vínculo do agente com o poder público, se efetivo ou transitório.

Dentre as novidades trazidas pela Constituição Federal de 1988, cumpre destacar a constante do art. 37, § 4º, segundo o qual

os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens, e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista na lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Com a previsão da improbidade administrativa e o seu rigoroso combate por medidas legais que atingem a pessoa do administrador ímprobo, já se percebe significativa modificação em nosso cenário político-administrativo.

Em 2 de junho de 1992, foi publicada a Lei Federal nº 8.429, que regulamentou o art. 37, § 4º, da CF/88, dispondo sobre os atos de improbidade administrativa. Essa lei representa um avanço, dada a sua amplitude, para extirpar do âmbito da administração pública não somente os agentes públicos que se enriquecem ilicitamente às custas da função pública, também os que causam prejuízo ao erário ou violam os princípios norteadores da administração pública.

Determina o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que cause prejuízo ao erário, ressalvadas as ações de ressarcimento.

A Lei nº 8.429/92, por sua vez, determina, no art. 23, que as ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos caso de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Segundo Pontes de Miranda,

Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade.

Acrescenta que a prescrição não se refere somente à ação, atingindo toda a eficácia da pretensão. Assim, o exercício da pretensão ou da ação é limitável, no tempo, pela prescrição.

O que caracteriza a prescrição é que ela não atinge o direito propriamente dito, e sim a ação. Dessa forma, o direito tem prescrita a ação (ou pretensão) que dele decorre. Vale dizer, pois, que o instituto da prescrição foi criado com o propósito de trazer segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas pela possibilidade de propositura de ações por prazos indeterminados.

Concebida e aperfeiçoada como um imperativo de ordem pública, a prescrição é fator imprescindível à harmonia das relações sociais, atuando como elemento impeditivo do avanço de uma instabilidade generalizada.

Outrossim, em casos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário, considerando o dispositivo constitucional supratranscrito, bem como o princípio da indisponibilidade dos bens e direitos da administração pública, não há que se falar em prescrição, já que a imprescritibilidade decorre do texto da própria Constituição da República, muito embora os direitos de natureza patrimonial, como regra geral, exercidos mediante ações condenatórias, estarem sujeitos à prescrição.

Definido, em linhas gerais, o alcance conceitual da prescrição, podemos voltar ao § 5º, do art. 37, da CF/88, que, em sua primeira parte, determina que a lei deverá fixar o prazo para o exercício da ação que vise responsabilizar os agentes públicos por atos que causem prejuízo ao erário.

Sendo assim, foi elaborada a Lei nº 8.429/92 (LIA), que estabeleceu, no art. 23, anteriormente referido, o prazo prescricional de cinco anos para o exercício da ação de improbidade administrativa, destinado a dar efeito às sanções previstas naquele diploma legal. Decorrido esse lapso temporal, já não poderá ser proposta ação com fundamento na Lei nº 8.429/92, porque estará prescrita.

Em contrapartida, o prazo para exercício da ação de improbidade administrativa em face de ocupantes de cargo efetivo ou emprego é o mesmo do disposto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. Vale dizer que, nos casos de funcionário público civil do Estado de Minas Gerais, deve-se observar a Lei Estadual nº 869/52; já nos casos de servidores federais, é necessária a observância da Lei Federal nº 8.112/90.

Convém salientar que, no caso dos agentes com vínculo temporário (mandato, cargo em comissão e função de confiança), o prazo prescricional somente fluirá a partir de sua dissolução, conforme entendimento do insigne Emerson Garcia:

[…] tratando-se de vínculo temporário (mandato, cargo em comissão e função de confiança), a teor do art. 23, I, o lapso prescricional somente começará a fluir a contar de sua dissolução. Com isto, confere-se aos legitimados um eficaz mecanismo para a apuração dos ilícitos praticados, pois, durante todo o lapso em que os agentes permanecerem vinculados ao Poder Público, ter-se-á a prescrição em estado latente, a depender da implementação de uma condição suspensiva (dissolução do vínculo) para o seu início, o que permitirá uma ampla investigação dos fatos. Entendemos que a prescrição somente começará a fluir a partir do término do exercício do último mandato outorgado ao agente, ainda que o ilícito tenha sido praticado sob a égide de mandato anterior. Em abono dessa conclusão, podem ser elencados os seguintes argumentos: a) o art. 23, I, da Lei nº 8.429/92 fala em exercício de mandato, o que afasta a possibilidade de se atrelar o lapso prescricional ao exercício do mandato durante o qual tenha sido praticado o ato; b) a reeleição do agente público denota uma continuidade no exercício da função em que se deu a prática do ilícito, o que, apesar da individualidade própria de cada mandato, confere unicidade à sua atividade; c) as situações previstas no art. 23, I, da Lei nº 8.429/92 tratam de vínculos de natureza temporária, estando o lapso prescricional atrelado à sua cessação, o que somente ocorrerá com o término do último mandato; d) a associação do termo a quo do lapso prescricional à cessação do vínculo está diretamente relacionada à influência que poderá ser exercida pelo agente na apuração dos fatos, o que reforça a tese de que a prescrição somente deve-se principiar com o afastamento do agente) a sucessão temporal entre os mandatos não pode acarretar a sua separação em compartimentos estanques, pois consubstanciam meros elos de uma corrente ligando os sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade.22)

Logo, como mencionado acima, em caso de reeleição do ocupante de cargo eletivo, o prazo prescricional começará a fluir do término do exercício do último mandato do agente, ainda que a improbidade tenha sido praticada durante o mandato anterior.

Noutro passo, a parte final do § 5º do art. 37 da CF/88 faz ressalva em relação às ações de ressarcimento de danos ao erário. Sabe-se que o ressarcimento de danos é uma das consequências jurídicas da ação de improbidade, prevista nos incisos do art. 12 da Lei nº 8.429/92, aplicável toda vez que o ato de improbidade cause dano material ou moral à administração pública.

Considerando que a prescrição atinge as pretensões, fica evidente que, decorrido o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 23, já não se poderá ingressar com ação de improbidade administrativa com fundamento na Lei nº 8.429/92, para levar a efeito a aplicação das sanções previstas no art. 12 do mesmo diploma legal.

Com relação à pretensão do ressarcimento de danos causados ao erário em decorrência de atos de improbidade administrativa, ao contrário, entendemos tratar-se de natureza imprescritível, não estando a ação sujeita a quaisquer prazos prescricionais, haja vista a exceção imposta expressamente pelo Texto Constitucional.

O entendimento majoritário da jurisprudência mineira também vem sendo pacificado nesse sentido. Vejamos alguns acórdãos proferidos recentemente pelo egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Cuidando-se de ação civil pública que, diversamente daquela que busca a responsabilização e a sanção do administrador, persegue a reposição de valores ao erário com sustentação em rejeição de contas pelo Tribunal de Contas do Estado, não há que se falar em prescrição, eis que a ação consagra situação de indisponibilidade de direitos;[…]
[…] 2. A despeito na inaplicabilidade das sanções da Lei nº 8429/92 aos fatos a esta anteriores, o dever de ressarcir é imprescritível, nos termos do art. 37, §5º, da C.F./88, sendo imperativo se comprovado efetivo dano ao erário ou enriquecimento ilícito do agente. […]
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REPARAÇÃO AO ERÁRIO - PRESCRIÇÃO - NÃO INCIDÊNCIA - INDISPONIBILIDADE DE BENS - “”FUMUS BONI IURIS”” E “”PERICULUM IN MORA”” CARACTERIZADOS.A prescrição quinquenal não se aplica às ações de ressarcimento aos cofres públicos, oriundas de ilícitos administrativos, pelo que dispõe a parte final do art. 37, § 5º da CR. […]

Nesse mesmo sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

[…]
III - A ação civil pública é imprescritível, porquanto inexiste disposição legal prevendo o seu prazo prescricional, não se aplicando a ela os ditames previstos na Lei nº 4.717/65, específica para a ação popular.

Considerando que a ação de ressarcimento de danos causados ao erário tem natureza jurídica imprescritível, não cabe falar em termo inicial, in casu, haja vista a própria inexistência de qualquer prazo de prescrição.

Observe-se, finalmente, que o entendimento até aqui exposto se refere apenas aos atos praticados depois da promulgação da Constituição da República de 1988, e assim após a entrada em vigor da Lei nº 8.429/1992.

Com relação aos atos praticados em períodos anteriores à promulgação da Constituição Federal de 1988, prevalece o entendimento de que a ação civil pública de ressarcimento ao erário se sujeita a prazo prescricional de vinte anos. Entretanto, é preciso que a prescrição tenha se aperfeiçoado antes do advento da Constituição da República de 1988, uma vez que a sua promulgação é considerada causa interruptiva da prescrição, tendo-se em vista a instauração de um novo ordenamento constitucional no País. Consequentemente, a ação de ressarcimento ao erário passa a ser de natureza imprescritível, com base no dispositivo constitucional constante do art. 37, § 5º, supratranscrito, conforme entendimento predominante na jurisprudência.

Outro ponto importante sobre a prescrição e a ação civil pública por ato de improbidade administrativa é a necessidade do requerimento expresso de notificação do requerido, tal como disposto no art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92, pois o prazo prescricional pode ocorrer entre a distribuição da ação e a citação do requerido e, segundo entendimento jurisprudencial, somente com a observância dos requisitos legais é que a citação válida retroagirá à data da propositura da ação (art. 219, § 1º, CPC).

Aspecto penal

Quanto ao aspecto penal, a Lei de Improbidade Administrativa somente prevê tipificação criminal no art. 19, que, diga-se de passagem, não trata propriamente de improbidade administrativa.

A esse crime os estudiosos têm denominado denunciação caluniosa de improbidade administrativa. O Professor Pazzaglini tece as seguintes considerações sobre a conduta típica desse injusto:

A ação que constitui a materialidade do fato delituoso cinge-se à formulação de representação às autoridades mencionadas, atribuindo a determinado agente público ou terceiro beneficiário ato de improbidade administrativa.
É indispensável a sua configuração que o sujeito ativo ofereça à autoridade pública representação sobre falsa acusação de improbidade administrativa.
A representação, no âmbito da LIA, é o exercício do direito de petição aos Poderes Públicos, assegurado na Carta Magna (art.5º, XXXIV).
A representação, como já salientei, não precisa corresponder a uma peça jurídica quanto a forma, linguagem ou conteúdo.
É suficiente que seja apta ou idônea para possibilitar seu exame pela autoridade administrativa ou órgão do Ministério Público a quem foi endereçada.
Logo, deve conter os requisitos estabelecidos na norma do § 1º do art.14 da LIA, que permitam a identificação do ato de improbidade administrativa denunciado (narração do fato assim qualificado pelo representante e indicação de provas ou indícios de seu conhecimento) e de seu autor (qualificação e endereço, caso possua, do agente público ou terceiro representado e, na ausência deles, informações que possibilitem sua identificação).
Para caracterização do delito, é indispensável que o fato imputado constitua uma das modalidades de ato de improbidade administrativa. E que acusação falsa objetive agente público ou terceiro determinado.
A imputação, em representação, de fato administrativo real ou parcialmente verdadeiro não configura o crime, pois é da essência da figura delituosa a representação de fato considerado improbidade administrativa inexistente ou que não tenha sido praticado pelo agente público ou terceiro representado23)

Noutro passo, como lembrado pela ex-Corregedora-Geral da União Anadyr de Mendonça Rodrigues:

[…] muitos dos ilícitos descritos na Lei de Improbidade configuram, igualmente, ilícitos penais, que podem dar ensejo à perda de cargo ou da função pública, como fica evidenciado pelo simples confronto entre o elenco de “atos de improbidade”, constante do art. 9º da Lei nº 8.429/92, com os delitos contra a administração praticados por funcionário público (Código Penal, arts. 312 e seguintes, especialmente os crimes de peculato, art. 312, concussão, art. 321, corrupção passiva, art. 317, prevaricação, art. 319, e advocacia administrativa, art. 321).

Dessa forma, havendo indícios da existência de ato de improbidade administrativa que importe também em ilícito penal, caberá ao membro do Ministério Público providenciar a instauração de inquérito policial para fins de apuração criminal.

Nessas situações, observado o teor da Resolução nº 72/2006 do PGJ/MG, aprovada pela egrégia Câmara de Procuradores de Justiça de Minas Gerais, sobre atribuições internas no MPMG, tendo em mãos o órgão de execução elementos de prova aptos ao oferecimento da denúncia, deverá fazê-lo de forma imediata, para a persecução na área criminal do ilícito porventura praticado.

Requisição de instauração de inquérito policial

Chegando ao conhecimento do Promotor de Justiça notícia de prática de ilícito contra o patrimônio público, cuja elucidação, em razão da complexidade da matéria, exija a realização de exames periciais ou diligências fora do alcance da estrutura administrativa do Ministério Público, recomenda-se a requisição de inquérito policial, independentemente do procedimento administrativo a ser instaurado pela Promotoria.

Envolvimento de prefeitos e ex-prefeitos municipais

Nas hipóteses de procedimentos oriundos do Tribunal de Contas do Estado e de representações que envolvam atuais Prefeitos municipais, cuidar para que seja enviada cópia do inteiro teor do processado ao Procurador-Geral de Justiça, para análise dos contornos criminais do caso, tendo-se em vista a prerrogativa conferida àquelas autoridades pelo art. 29, X, da CF/88. Os fatos que envolvam ex-Prefeitos são julgados perante a Justiça de Primeira Instância do local do fato praticado, uma vez que eles não têm direito ao foro privilegiado após deixarem o cargo, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Conclusão da investigação – possibilidade de ajuizamento das ações civil e penal

Cuidar que, nas situações em que for ajuizada ação civil ao final de procedimento presidido pelo Promotor de Justiça, não deixe de ser instaurada a competente ação penal contra eventuais responsáveis, estando configurada a hipótese de condutas criminosas. Se o procedimento levado a efeito pelo próprio Promotor de Justiça for suficiente para a comprovação da autoria e materialidade do delito, torna-se desnecessária a requisição de inquérito policial para apuração dos mesmos fatos.

A Resolução PGJ/MG nº 72/06 confere expressamente às Promotorias de Justiça de Defesa do Cidadão Especializadas a titularidade das ações cíveis e penais nos casos afetos à sua área de atuação, excluindo-se a atuação perante os Juizados Especiais (art. 1º, § 1º). Especificamente no caso das Promotorias de Justiça Especializadas de Defesa do Patrimônio Público, prescreve que exercerá a titularidade da ação penal apenas em relação àqueles delitos verificados no âmbito de suas investigações e quando envolverem a participação de agentes públicos. A atuação, portanto, não se resume às providências extrajudiciais e, no âmbito judicial, à esfera cível. Verificada, ao final ou no curso de inquérito civil ou procedimento administrativo sob sua responsabilidade, a ocorrência de crime decorrente da ação lesiva ao patrimônio público (especialmente crimes contra a administração pública) em que haja participação de agente público, impõe-se a tomada de medidas adequadas pela Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Patrimônio Público.

Ressarcimento do dano e a esfera penal

O eventual ressarcimento do dano material causado à administração pública, embora possa constituir circunstância atenuante ou causa geral de diminuição de pena (art. 16 do CP), não é causa extintiva da punibilidade.

Ilícitos penais previstos na Lei de Licitações

Para os casos de inobservância dos princípios e requisitos pertinentes às licitações públicas, a Lei nº 8.666/93 prevê figuras típicas específicas (arts. 89 a 99), que deverão ser utilizadas nos respectivos casos concretos, em lugar dos crimes contra a administração pública previstos no Código Penal.

A mesma lei dedicou seção própria às normas processuais (arts. 100 a 108), apresentando as seguintes diferenças com o processo penal comum:

a) recebida a denúncia e citado o réu, terá este prazo de dez dias para apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório;
b) na defesa, além da juntada de documentos, poderão ser arroladas até cinco testemunhas;
c) ouvidas as testemunhas, praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, o prazo de alegações finais será de cinco dias sucessivos para cada parte;
d) o prazo de prolação da sentença é de dez dias e o recurso poderá ser interposto no prazo de cinco dias.


1)
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006. p.2738.
2)
COSTA, Epaminondas da. Manual do patrimônio público: teoria e prática. [Local:] Inédita, 2000. p.27-28.
3)
GARCIA, Emerson; PACHECO, Rogério Alves. Improbidade administrativa. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 249.
4)
É preciso lembrar que, em regra, os atos de improbidade podem incidir em mais de um tipo ímprobo, v.g., a ausência de licitação pode se traduzir em ato que importe enriquecimento ilícito e, ao mesmo tempo, descumprimento a preceitos constitucionais que regem a administração pública, in casu, o princípio da legalidade. Para equacionar o problema, é prudente a utilização, por analogia, de um princípio do Direito Penal, a saber, o princípio da consunção (o delito menos grave é absorvido pelo delito mais grave, pois aquele é meio para a consecução deste).
5)
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada. São Paulo: Atlas, 2002. p. 55.
6)
GARCIA, Emerson. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 195.
7)
Op. cit., p. 73.
8)
Op. cit., p. 75.
9)
Op. cit., p. 101.
10)
TOURINHO, Rita. Discricionariedade administrativa: ação de improbidade e controle principiológico. Curitiba: Juruá, 2006. p. 194.
11)
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 87-88.
12)
  Op. cit., p. 89 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006. p.89.
13)
Op. cit., p. 90.
14)
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 58.
15)
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 152.
16)
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007. p.31.
17)
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios constitucionais reguladores da administração pública. São Paulo: Atlas, 2001. p.30.
18)
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.24.
19)
TOURINHO, Rita. Discricionariedade administrativa. Juruá, 2006. p.59/60.
20)
Op. cit., p. 421.
21)
FAZZIO JR, Waldo. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo: Atlas, 2001. p. 309.
22)
Op. cit. p. 519-521.
23)
Op. cit., p. 182.