1.2. O Ministério Público como "custos legis" para o Ministério Público como "custos societatis" ("custos juris")


Na defesa dos interesses primaciais da sociedade, o Ministério Público deixou de ser o simples guardião da lei (custos legis). Assume agora, pelas razões já expostas, o papel de guardião da sociedade (custos societatis) e, fundamentalmente, o papel de guardião do próprio direito (custos juris), conforme ensinamento de Cláudio Souto1).

É baseando-se nessas concepções de custos societatis e custos juris que o Ministério Público, no seu papel demandista, é hoje o principal legitimado ativo no plano das ações coletivas.

Essa hegemonia da Instituição, como legitimada ativa para a defesa dos interesses massificados, decorre certamente de dois fatores básicos. O primeiro está fundamentado no seu próprio perfil constitucional como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado e defensora da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais (art. 127, caput, da CF/88). O outro fator decorre do próprio exercício prático de suas atribuições constitucionais.

Gustavo Tepedino ressalta esse novo papel outorgado pelo Constituinte de 1988 ao Ministério Público, alçado como o principal agente de promoção dos valores e dos direitos indisponíveis, o que lhe conferiu, nas palavras do autor mencionado, função promocional, especificada no art. 129 da CF/882).

Assim, é hoje público e notório que o Ministério Público é a instituição que mais tem atuado para a defesa dos interesses e dos direitos massificados, seja no campo extrajurisdicional, seja no jurisdicional, especialmente por intermédio do inquérito civil e do ajuizamento de ações civis públicas. Antônio Augusto de Camargo Ferraz faz essa observação ao afirmar que mais de 90% dos casos de atuação jurisdicional na defesa dos interesses massificados no País decorrem da iniciativa do Ministério Público, o que para o autor é motivo de preocupação com essa tímida atuação dos demais legitimados ativos, já que tal situação é efeito da fragilidade de nossa democracia3).

Apesar de todos esses avanços e todas essas conquistas da Instituição, entendemos que é o momento de o Ministério Público passar por mais uma mudança de paradigma para cumprir com mais eficiência e legitimidade o seu compromisso de defensor do regime democrático.


1)
SOUTO, Cláudio. O tempo do direito alternativo: uma fundamentação substantiva. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 1997. p. 84-87.
2)
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 300.
3)
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Inquérito civil: dez anos de um instrumento de cidadania. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública: Lei nº 7.347/85, reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 2001. p. 64.