Tabela de conteúdos

2.4.1. Modelos de Técnicas de atuação


Recomendação


A recomendação se traduz em meio hábil para prevenir o contencioso perante o Poder Judiciário, oportunizando que o poder responsável pela violação do texto constitucional repare, sponte sua, a pecha de inconstitucionalidade. Vale referir, ademais, que a recomendação, concernente à inconstitucionalidade de lei ou ato normativo primário, pode ser oferecida ao poder violador da norma constitucional pelo próprio Promotor de Justiça da Comarca. Eis um modelo:



Procedimento Adm. n°: 093/2007-CCConst


Expediente n°: 803023


Representado: Poder Executivo de xxx


Objeto: Inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Municipal n° 205/1995


Espécie: recomendação (que se expede)



Lei municipal que regula a contratação temporária por excepcional interesse público. Afastamentos e vacâncias de cargo público. Excepcionalidade. Inexistência. Concessão de direitos sociais aos contratados além do tempo trabalhado. Enriquecimento sem causa. Previsão de hipóteses dessa espécie de contratação fora de lei formal. Violação do princípio da reserva legal. Contratação de servidor público efetivo. Impossibilidade. Inconstitucionalidade dos dispositivos.

Excelentíssimo Prefeito Municipal,

Dos prolegômenos

Foram requisitadas, ex officio, por esta Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade, cópias da Lei Municipal, caso existente, e respectiva certidão de vigência, que regulamenta, no âmbito do Município, a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, CF/88).

Enviado ofício ao Promotor de Justiça da respectiva Comarca, foram enviados pela ilustre Presidência da Câmara Municipal os documentos solicitados.

Em sendo esse o sucinto relato, entendido necessário, esta Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade, antes de utilizar a via do controle concentrado e abstrato da constitucionalidade das leis e dos atos normativos perante o Tribunal de Justiça, resolve expedir a presente RECOMENDAÇÃO ao Poder Executivo, objetivando, com isso, que se busque, primeiramente, uma solução perante o próprio poder elaborador da norma impugnada, dentro do seu poder de autocontrole da constitucionalidade, tudo nos termos abaixo.

Da fundamentação

a) Do texto legal a merecer reparos:

Eis os dispositivos legais maculados pela inconstitucionalidade:
Art. 2° – […]:
[…]
IV – contratação de professor e cantineira, em substituição ou vacância do cargo;
V – execução de serviços que não exijam habilitação legal dos servidores, desde que inexistente o cargo no plano de carreira dos servidores municipais;
VI – execução dos servidores (sic) para cujas atividades não existam servidores aprovados no concurso;
VIII – atendimento a situações de urgência não referidas expressamente nesta lei.
Art. 6° – […]
§ 1° – É vedado a servidor público celebrar contrato, na forma desta lei, com a administração pública direta, indireta ou fundacional, salvo motivo fundamento (sic) aceito pelo prefeito municipal e ocorrente compatibilidade horária.
Art. 8° - Aplica-se ao pessoal contratado, na conformidade desta lei, as seguintes disposições referentes ao servidor público:
[…]
III – gratificação natalina;
VI – adicional de férias (1/3 do salário);
VII – férias;
Divisa-se que, no particular, a Lei Municipal, nos dispositivos apontados, padece do vício da inconstitucionalidade material, como demonstraremos na sequência.

b) Lei Municipal que autoriza contratação temporária para hipótese em que não há excepcionalidade nem temporariedade. Inconstitucionalidade.

Como é possível inferir do dispositivo legal transcrito (art. 2°, IV, V, VI), a autorização conferida pelo Legislador local ao Chefe do Poder Executivo para contratar temporariamente agentes nas hipóteses ali referidas malfere, às escâncaras, a temporariedade e a excepcionalidade do interesse público.

É sabido que as contratações temporárias (art. 22, caput, da Constituição Estadual/89) possuem três pressupostos intrínsecos (MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor público na atualidade. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. p. 30.), a saber: a determinabilidade temporal, a temporariedade e a excepcionalidade.

A determinabilidade temporal traz o condicionamento da vigência do contrato temporário a prazo certo e determinado, em antagonismo às regras comuns, estatutária ou celetista, cuja relação jurídica funcional tem, por excelência, prazo indeterminado.

Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho conceitua a determinabilidade temporal:

“O regime especial deve atender a três pressupostos inafastáveis. O primeiro deles é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho. Constitui, porém evidente simulação a celebração de contratos de locação de serviços como instrumento para recrutar servidores, ainda que seja do interesse de empresas públicas e sociedade de economia mista.”(grifo nosso) (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 500.)

O pressuposto da temporariedade é substancialmente diferente: guarda relação com a natureza temporária da necessidade que gerou a formação do vínculo.

O que torna lícita a contratação temporária, de acordo com o segundo pressuposto, é a necessidade efêmera do vínculo especial, independentemente da natureza permanente da função pública examinada.

A fraude constitucional aparece se a função tem exigibilidade permanente e a implementação da contratação não se dá por excepcional necessidade temporária, concretamente motivada e devidamente amparada em lei.

É o que conclui Cármen Lúcia Antunes Rocha, em consonância com o posicionamento do Desembargador Araken de Assis, in verbis:

“A necessidade que impõe o comportamento há de ser temporária, segundo os termos constitucionalmente traçados. Pode-se dar que a necessidade do desempenho não seja temporária, que ela até tenha de ser permanente. Mas a necessidade, por ser contínua e até mesmo ser objeto de uma resposta administrativa contida ou expressa num cargo que se encontre, eventualmente, desprovido, é que torna aplicável a hipótese constitucionalmente manifestada pela expressão ‘necessidade temporária’. Quer-se, então, dizer que a necessidade das funções é contínua, mas aquela que determina a forma especial de designação de alguém para desempenhá-las é temporária. Esse é o caso, por exemplo, de função de magistério ou de enfermeiro ou de médico a prestar o serviço em posto de saúde […] Até o advento do concurso público […]”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 242.)

A contratação temporária de pessoal, prevista no art. 37, IX, da CF/88, portanto, há de se fundar em necessidade eventual. Tratando-se de necessidade permanente, como parecem ser as hipóteses elencadas na Lei Municipal hostilizada, especificamente nos incisos V e VI, há invalidade do contrato. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ação Cível n° 70.000.438.069. Relator: Des. Araken de Assis. Porto Alegre, 9 de fevereiro de 2000.)

Ao discorrer sobre o segundo pressuposto constitucional da contratação temporária, José dos Santos Carvalho Filho afirma:

“Depois, temos o pressuposto da temporariedade da função: a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação, e a admissão será inteiramente inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o mínimo) ao citado pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para funções permanentes, em flagrante tentativa de fraudar a regra constitucional. Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outro elemento mobilizador senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem no serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade”. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 500.)

O pressuposto derradeiro é o da excepcionalidade da contratação temporária. Caracteriza-a a situação atípica regularmente prevista em lei, o que possibilita a formação do regime especial.

É pacífica a orientação doutrinária:

“A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e resumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, 'necessidade temporária'), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse comum que se tem de acobertar.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.)

É o que ocorre, no particular, com a hipótese prevista no inciso IV do art. 2° da Lei vergastada.

Como não poderia deixar de ser, nossa Suprema Corte já firmou o entendimento sobre os requisitos da referida contratação, segundo o qual:

“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF/88, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF/88, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão, em lei, dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. II. Lei n° 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.229-6/ES, Pleno, Relator: Min. Carlos Velloso, Brasília, DF, 25 de junho de 2004. DJU, 17 ago. 2004.)

E mais:

“Servidor público: contratação temporária excepcional (CF/88, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.987, Pleno, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Brasília, DF, 2 de abril de 2004. DJ, 28 abr. 2004.)

“Inconstitucionalidade da previsão da nomeação de auditores e controladores sem aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos, conforme determina o art. 37, II, da Constituição Federal”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.280, Pleno, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Brasília, DF, 27 de setembro de 2006. DJ, 11 dez. 2006.)

Vale relembrar que:

“Se a necessidade de contratar da Administração não é temporária, nem resulta de circunstâncias especiais, mas é permanente e resulta da necessidade rotineira do serviço, o que é evidenciado pelas sucessivas prorrogações de contratações que deveriam ser temporárias, é inafastável a exigência constitucional de concurso público. Desrespeitada a exigência, deve ser cominada a nulidade prevista no art. 37, § 2º, da Constituição”. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Ação Cível n° 1.000.263.180-4/00, 5ª C. Cível, Relator: Des. Maria Elza, Belo Horizonte, 16 de maio de 2002.)

Constatada, assim, clara ofensa aos arts. 21, § 1° e § 4°, e 22, caput, da Constituição do Estado pelos apontados incisos do art. 2° da Lei Municipal n° 205/95. Isso se dá, a toda vista, pelo fato de a lei sub examine não cogitar da temporariedade e da excepcionalidade nas hipóteses transcritas. Ao revés, tais hipóteses administrativas em nada se compatibilizam com os aspectos da temporariedade e da excepcionalidade, visto que ocorrerão sempre nos meandros da administração pública.

Incontornável, pois, o vício de inconstitucionalidade contido no inciso apontado.

c) Dispositivo de Lei Municipal que autoriza hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público sem que seja prevista em lei formal. Malferimento ao princípio da reserva legal. Inconstitucionalidade.

Como é possível inferir do dispositivo legal contido no art. 2°, VIII, da Lei, a autorização conferida pelo legislador local para que outras situações urgentes possam ensejar a contratação temporária, mesmo que não prevista em lei, malfere, às escâncaras, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva legal.

Isso porquanto, como é sabido, o princípio da legalidade possui duas perspectivas de concretização, em relação às quais o administrador público e o legislador devem obediência irrestrita. É lícito afirmar, assim, que, enquanto o administrador deve obediência ao princípio da legalidade, na medida em que somente pode agir ou deixar de agir consoante o que for expressamente fixado em lei, o destinatário principal do princípio da reserva legal é o legislador, que deve regular aquilo para o qual a Constituição exige lei formal para sua densificação, excluídas quaisquer outras espécies normativas. Nesse aspecto, impõe-se reconhecer que quaisquer hipóteses que autorizem contratação temporária sem previsão legal, levadas a efeito pelo Poder Legislativo, conflitam com o disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, de cujo teor se extrai a seguinte determinação:

“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público […]” (grifo nosso).

Divisa-se, daí, que o inciso constitucional transcrito encerra, desenganadamente, um exemplo perfeito do princípio da reserva legal, o qual não admite exceções que abarquem outras espécies normativas na concretização das cláusulas constitucionais limitadas, como ocorre em relação ao dispositivo legal mencionado, o qual conferiu competência que não pode ser delegada ao Chefe do Poder Executivo.

Com efeito, à luz da doutrina alienígena, totalmente aplicável ao direito constitucional brasileiro, o princípio da reserva de lei:

“[…] pretende-se delimitar um conjunto de matérias ou de âmbitos materiais que devem ser regulados por lei (reservados à lei). Esta 'reserva de matéria' significa, logicamente, que elas não devem ser reguladas por normas jurídicas provenientes de outras fontes diferentes da lei (exemplo: regulamentos). Ainda por outras palavras: existe reserva de lei quando a constituição prescreve que o regime jurídico de determinada matéria seja regulado por lei e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 718.)

Perquirindo a razão de ser do princípio, chegaremos facilmente aos motivos que levaram o legislador constituinte originário a tal exigência, in verbis:

“No momento actual de progressiva ampliação da competência legislativa do executivo, o problema da reserva da lei ganha sentido se quisermos acentuar não tanto a divisão dos poderes (hoje substancialmente atenuada face à institucionalização da prática dos decretos-leis) ou a função dos parlamentos como simples órgãos de controlo político da legislação governamental, ou ainda a redução das leis parlamentares à fixação racionalizadora e estabilizadora de uma ordem estadual (reserva de lei informada pela ideia de Estado de direito), mas sim a legitimidade democrática das assembleias representativas, expressa na consagração constitucional da preferência e reserva de lei formal para a regulamentação de certas matérias.” (grifo do autor.) (CANOTILHO, 2002, p. 719.)

Destarte, chega-se à conclusão segundo a qual a exigência de lei formal para a prévia das hipóteses acolhedoras da contratação temporária se traduz em uma garantia democrática para a concretização de uma exceção, qual seja, a investidura em cargos ou funções públicos sem a realização de concurso público.

Por encerrar, portanto, uma exceção à regra do certame público (art. 37, II, CF/88), as hipóteses de contratação temporária deverão ser expressas em lei formal, com exclusão, frisamos, de quaisquer outras espécies normativas.

Nesse mesmo diapasão, nossa Suprema Corte fixou o entendimento no sentido de que:

“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão, em lei, dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. II. Lei n° 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade”. (grifo nosso) (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.229-6/ES, Pleno, Relator: Min. Carlos Velloso. Brasília, DF, 25 de junho de 2004. DJU, 17 ago. 2004.)

Sob essa perspectiva, também o inciso VIII do art. 2° é inconstitucional.

d) Servidor efetivo. Celebração de contrato temporário com a administração pública. Impossibilidade. A contratação temporária, como prevista em sede constitucional, visa socorrer a administração de mão de obra em casos nos quais não haja servidores efetivos em número suficiente para colmatar o fato imprevisível.

Por outro lado, infere-se que o § 1° do art. 6° da Lei sob exame confere a autorização legal para contratação temporária de servidores efetivos, componentes do quadro de servidores permanentes da administração municipal, quando houver motivo fundamentado e aceitação pelo alcaide, bem como compatibilidade de horário.

É sabido que a exceção aberta à regra do concurso público pela cláusula constitucional de regência (CF/88, art. 37, IX) tem por escopo prover a administração pública de mão de obra para extirpar fato imprevisível, temporário e relevante sob o aspecto do interesse público, quando o quadro de servidores permanentes (efetivos) não for suficiente para tal desiderato.

Assim sendo, a autorização de contratação temporária, prevista no dispositivo legal em exame, conquanto cercada de requisitos a serem cumpridos para sua efetivação, desvirtua-se do objetivo constitucional de afastar, excepcionalmente, o concurso público.

Isso porquanto, caso o servidor efetivo possa ser contratado temporariamente, tal fato por si só já é indicador de que a administração possui número suficiente de servidores do quadro permanente para fazer frente à ocorrência imprevista e excepcional, não havendo, nessa hipótese, necessidade de contratação temporária, a inchar os quadros do poder público, o que enseja gastos de dinheiro público sem carências.

Infere-se, portanto, ser impossível a contratação temporária de servidores do quadro permanente (efetivo) da administração pública, por inverter a lógica finalística da cláusula constitucional de regência e, via de consequência, revelar-se inconstitucional.

e) Dispositivo de Lei Municipal que olvidou o princípio da razoabilidade. Desproporção entre o serviço prestado à administração pública e os benefícios a que o contratado tem direito. Enriquecimento sem causa. Inconstitucionalidade.

Consoante se infere dos incisos III, VI e VII do art. 8º da Lei Municipal hostilizada, os agentes contratados nos termos da referida Lei terão direito aos seguintes benefícios: décimo terceiro salário (gratificação natalina), adicional de férias e férias.

Com efeito, a leitura dos incisos apontados nos leva a crer que tais determinações legais não preveem a proporcionalidade e razoabilidade em tais pagamentos, mesmo que o eventual contratado preste serviços à administração pública tão só pelo período de seis meses.

Tal redação, dessa forma, poderá ensejar o pagamento integral de tais benefícios a pessoas que tenham trabalhado somente meio ano, isto é, seis meses, fato que se traduz, desenganadamente, em enriquecimento sem causa para o contratado, em detrimento do erário público municipal.

Isso, por si só, dá ensejo à adequação da redação dos incisos referidos.

f) Legitimidade do Ministério Público e recomendação como instrumento útil para provocar o autocontrole da constitucionalidade pelo poder elaborador da norma.

O Ministério Público, por força da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, assumiu função nuclear no contexto da tutela dos interesses magnos da sociedade brasileira.

Passou a ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, encarregada da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da Constituição da República/88).

O Estado Democrático de Direito, estatuído no art. 1° da Constituição da República/88, é o Estado da Justiça Material, e o seu compromisso primordial é a transformação, com justiça, da realidade social. Tal transformação, que deve ter em vista a igualdade material, não é possível sem que haja efetiva proteção preventiva, especialmente no plano do controle abstrato e concentrado da constitucionalidade de leis e atos normativos em geral.

Pelo controle concentrado e abstrato da constitucionalidade, garantem-se a supremacia e a rigidez constitucionais, impedindo-se que leis e atos normativos infraconstitucionais possam colocar em risco os valores primaciais da sociedade brasileira, consagrados constitucionalmente.

No plano da proteção em abstrato da constitucionalidade, a Constituição da República prevê expressamente um sistema de controle concentrado, a ser exercido pelo STF (art. 102, I, “a”, § 1°, § 2°, e 103), na sua condição de corte constitucional nacional, ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, os quais funcionam como cortes constitucionais regionais (art. 125, § 2º).

Esse mecanismo processual de proteção em abstrato contra a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, exercido pelas cortes constitucionais, não impede que se recorra a outros mecanismos de controle, que podem ser operados pelos próprios poderes legiferantes, por intermédio do autocontrole da constitucionalidade, ou pelo Chefe do Poder Executivo, neste caso por intermédio do exercício do poder de veto. Nem exclui o mecanismo do controle difuso ou incidental da constitucionalidade, que possui, inclusive, natureza de garantia constitucional fundamental (art. 5°, XXXV, da Constituição da República/88).

Em sendo possível e até mesmo o mais recomendável o autocontrole da constitucionalidade pelo próprio poder legiferante — seja revogando, seja alterando, para adequação ao sistema constitucional, a lei ou o ato normativo apontado como inconstitucional —, nada mais razoável do que provocar, nas hipóteses em que as circunstâncias venham a comportar, a atuação do poder elaborador da norma apontada como inconstitucional, só se lançando mão do controle abstrato e concreto de constitucionalidade em caso de recusa do autocontrole pelo poder competente.

E, de fato, o Ministério Público é um dos principais legitimados ativos para provocar o controle abstrato e concentrado da constitucionalidade de leis e atos normativos perante as cortes constitucionais pátrias, consoante se extrai dos arts. 103, VI, e 129, IV, ambos da Constituição da República/88; do art. 6°, I, II e III, da Lei Complementar Federal n° 75/93; do art. 25, I, da Lei Federal n° 8.625/93; do art. 66, I e II, da Lei Complementar Estadual n° 34, de 12 de setembro de 1994, e, ainda, do art. 120, IV, da Constituição do Estado de Minas Gerais.

Assim, quando desrespeitados direitos constitucionais, especialmente os de dimensão social, não há dúvida de que é dever do Ministério Público promover as medidas necessárias à garantia desses direitos (art. 129, III e IX, da CF/88).

Contudo, essa atribuição do Ministério Público não o impede de utilizar outros mecanismos para assegurar o respeito aos direitos assegurados constitucionalmente.

Um dos fortes mecanismos de atuação do Ministério Público, que decorre da Constituição e está previsto expressamente no plano infraconstitucional, é a recomendação, que poderá ser dirigida ao poder público em geral, tendo-se em vista o respeito aos direitos assegurados constitucionalmente.

Nesse sentido, estabelece o art. 6°, XX, da Lei Complementar Federal n° 75, de 20 de maio de 1993:

“Art. 6° – Compete ao Ministério Público da União:
[…]
XX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.”

O dispositivo transcrito tem plena aplicabilidade ao Ministério Público dos Estados por força do art. 80 da Lei Federal n° 8.625 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), de 12 de fevereiro de 1993, a qual, em seu art. 27, I, parágrafo único, IV, também prevê a recomendação como instrumento útil que o Ministério Público poderá dirigir aos poderes públicos, estaduais ou municipais, nos termos abaixo:

“Art. 27 – Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:
I – pelos poderes estaduais e municipais;
[…]
Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:
[…]
IV – promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito.”

A respeito da recomendação, afirma Hugo Nigro Mazzilli:

“Embora as recomendações, em sentido estrito, não tenham caráter vinculante, isto é, a autoridade destinatária não esteja juridicamente obrigada a seguir as propostas a ela encaminhadas, na verdade têm grande força moral, e até mesmo implicações práticas. Com efeito, embora as recomendações não vinculem a autoridade destinatária, passa esta a ter o dever de: a) dar divulgação às recomendações; b) dar resposta escrita ao membro do Ministério Público, devendo fundamentar sua decisão”. (MAZZILI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 337.)

Como se vê, não há limites constitucionais e infraconstitucionais ao exercício do poder de recomendação para a tutela dos direitos assegurados constitucionalmente, a fim de provocar o autocontrole da constitucionalidade pelo próprio poder responsável pela iniciativa da elaboração da norma inconstitucional.

A recomendação, apesar de não ter o condão de vincular a atuação do poder público, pode servir para suscitar a reflexão do administrador, do legislador, enfim, dos agentes públicos a quem ela se dirige e, com isso, contribuir para a proteção - em abstrato e em concreto - de direitos constitucionais, especialmente os de dimensão coletiva.

Em verdade, a utilização da via da recomendação, que de nenhum modo descarta a via constitucional do controle abstrato ou concentrado, é um reforço útil e eficaz ao mecanismo de controle abstrato da constitucionalidade e sua utilização contribui inclusive para a diminuição da sobrecarga das cortes constitucionais pátrias.

g) Conclusão:

Ante o exposto, considerando a inconstitucionalidade dos apontados dispositivos da Lei Municipal em referência;

Considerando, outrossim, que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, e para tanto é seu dever constitucional o combate a leis e atos normativos inconstitucionais;

Considerando, também, a possibilidade do autocontrole da constitucionalidade pelo próprio poder legiferante, na sua condição de canal legítimo para a adequação do sistema infraconstitucional aos ditames constitucionais;

Considerando, por fim, que a recomendação é um dos mais úteis instrumentos de atuação do Ministério Público, esta Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade expede a presente recomendação a Vossa Excelência, nos termos e condições abaixo fixados:

1) Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, esta Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade, valendo-se das suas atribuições constitucionais e infraconstitucionais e a fim de que sejam excluídos os vícios assinalados e salvaguardado o requisito da legalidade das contratações temporárias e a obediência à regra constitucional insculpida no art. 21, § 4°, da Constituição Mineira, inspirada no art. 37, § 2°, da Carta Política de 1988, recomenda a Vossa Excelência:

a) em relação aos incisos IV, V, VI e VIII do art. 2°: a sua revogação.

b) em relação ao § 1° do art. 6°: a revogação de sua parte final, qual seja, salvo motivo fundamento (sic) aceito pelo prefeito municipal e ocorrente compatibilidade horária.

c) em relação aos incisos III, VI e VII do art. 8°: a inserção, no final de cada dispositivo, da expressão – proporcional ao tempo de serviço prestado.

2) Fixa-se, nos termos do inciso IV, parágrafo único, do art. 27 da Lei Federal n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o prazo de trinta dias, a contar da data de sua notificação pessoal, para que Vossa Excelência cumpra a presente recomendação, a ela anuindo.
3) Na ocasião, também nos termos do disposto no inciso IV, parágrafo único, do art. 27, da Lei Federal n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, requisita-se ainda a Vossa Excelência:

a) a divulgação adequada e imediata da presente recomendação;

b) informações por escrito, no prazo de dez dias, contados a partir do vencimento do prazo de trinta dias acima fixado, sobre o cumprimento ou não da presente recomendação.

Anexas, a cópia da portaria de instauração do presente procedimento administrativo e a da certidão de vigência da lei impugnada.

Cumpra-se.




Belo Horizonte, 9 de novembro de 2007.


ELAINE MARTINS PARISE




Procuradora de Justiça - Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade



RENATO FRANCO DE ALMEIDA


Promotor de Justiça - Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade


Representação


Inquérito Civil n°: 97/05 - Investigação de nepotismo no município




As representações apresentadas à Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade, com o escopo de ser analisada a compatibilidade de dispositivos legais com a Constituição do Estado, devem, peremptoriamente, ser minimamente fundamentadas, declinando-se as cláusulas constitucionais porventura violadas em homenagem ao princípio da especificação das normas e ao disposto na Resolução PGJ n° 77/2005, com redação dada pela Resolução PGJ n° 63, de dezembro de 2009, segundo os quais se faz necessária a catalogação dos ditames, preceitos e princípios constitucionais presumivelmente conspurcados pela atividade legiferante ordinária. Eis um modelo:

Ofício n°: 147/2007
Assunto: requerimento (faz)


Betim, 6 de março de 2007.



Excelentíssima Senhora Promotora,

A 8ª Promotoria de Betim instaurou, em novembro de 2005, o Inquérito Civil n° 097/05, com o objetivo de investigar a prática do nepotismo no poder público municipal.

Detectou-se, no curso da instrução inquisitorial, a existência de inconstitucionalidade em um artigo da Lei Orgânica Municipal, o que motiva a materialização do presente requerimento, conforme será demonstrado, a teor da inclusa documentação.

Até outubro de 2005, o art. 39 da Lei Orgânica do Município de Betim dispunha o seguinte:

“Art. 39. O Prefeito, o Vice-Prefeito, o Vereador, o Secretário Municipal, a pessoa ligada a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consangüíneo, até o segundo grau, ou por adoção, e o servidor e empregado público municipal não podem contratar com o Município, subsistindo a proibição até três meses após findas as respectivas funções”.

Através da Emenda n° 023/2005, inconstitucional alteração ocorreu, afrontosa ao princípio da impessoalidade administrativa:

“Art. 39. O Prefeito, o Vice-Prefeito, o Vereador, o Secretário Municipal e o Secretário Adjunto não podem contratar com o Município, subsistindo a proibição até três meses após findas as respectivas funções.”

Não obstante já dispor o Ministério Público de elementos indiciários de atos de improbidade administrativa concretamente verificados (art. 13, § 1°, da Constituição do Estado), requerimento à Procuradoria-Geral de Justiça também se faz necessário, no âmbito da especial atribuição de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais.

A Constituição do Estado de Minas Gerais, ao fixar as balizas principiológicas da administração pública, vinculando todos os Poderes do Estado, dispôs o seguinte:

“Art. 13. A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade”. (grifo nosso)

Não é necessário maior esforço interpretativo para diagnosticar que a Emenda n° 23/2005, que instituiu a nova redação do art. 39 da Lei Orgânica Municipal, padece de grave inconstitucionalidade.

Configura grave inconstitucionalidade porque, ao permitir que parentes, consanguíneos e afins, das autoridades públicas municipais celebrem contratos com o Município, caminha em sentido diametralmente oposto ao princípio da impessoalidade administrativa e a todas as reformas políticas e constitucionais atualmente em discussão, tendentes a eliminar a prática do nepotismo.

O princípio da impessoalidade visa à neutralidade e à objetividade das atividades administrativas no regime político, que tem como objetivo principal o interesse público.

Esse princípio traz consigo a ausência de marcas pessoais e particulares correspondentes ao administrador que esteja no exercício da atividade administrativa. A pessoa política é o Estado, e as pessoas que compõem a administração pública exercem suas atividades voltadas ao interesse público e não pessoal.

“A grande dificuldade da garantia da impessoalidade estatal reside na circunstância de que as suas atividades são desempenhadas pelas pessoas, cujos interesses e ambições afloram mais facilmente ali, em razão da proximidade do Poder e, portanto, da possibilidade de realizá-las, valendo-se para tanto da coisa que é de todos e não apenas delas”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. In: AMARAL, Jasson Hibner. Breves notas sobre o princípio da impessoalidade administrativa. Disponível em: <jus2.uol.com.br/dou!rina/texto. asp?id=8387>. Acesso em: 15 out. 2013.)

Desse modo, requer-se a Vossa Excelência a promoção das medidas cabíveis para o reconhecimento da inconstitucionalidade da atual redação do art. 39 da Lei Orgânica Municipal de Betim.


Promotor de Justiça X