3.1. Atuação do órgão de execução em segundo grau


Criada em 2001, por deliberação em seção conjunta dos Procuradores de Justiça que atuavam no Tribunal da Alçada, existente à época, e no Tribunal de Justiça do Estado, proposta de iniciativa do então Procurador-Geral de Justiça, Nedens Ulisses Freire Vieira, originariamente denominado Grupo de Defesa dos Direitos Difusos e Coletivos, a atual Procuradoria Especializada de Defesa dos Direito Difusos e Coletivos teve por atribuição a atuação, em grau recursal, em todas as ações civis públicas e ações populares em que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais se apresentasse como parte, com a finalidade de não só de interpor e acompanhar recursos, mas também de proferir sustentações orais, quando necessário.

Em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público objetivando a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, não há intervenção de outro órgão ministerial como fiscal da lei em qualquer grau de jurisdição (art. 17, § 4º, da Lei nº 8.429/92, art. 5º, § 1º, da Lei nº 7.347/85 e art. 92 do Código de Defesa do Consumidor), como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (Ag.Rg no Ag. nº 95.537-0-SP, rel. Min. Hélio Mosimann, 2ª Turma, maioria, DJ 16/09/96; Emb. Dec. no REsp nº 184906-SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, DJ 29/11/99; Emb. Dec. no REsp nº 186008-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 28/06/98).

Assim, convém esclarecer que a atuação do Procurador de Justiça, representante do Ministério Público em segundo grau – como parte ou fiscal da lei –, é determinada pela forma como ocorreu a intervenção do Ministério Público em primeiro grau. Sua participação, portanto, não é exclusivamente de fiscal da lei, como, inadvertidamente, sustentam alguns.

Nesse sentido a lição do Professor Antônio Cláudio da Costa Machado1):

Também sob a ótica estrita do instituto da legitimação não há como fundamentar a tese de que o Ministério Público em segunda instância seja sempre fiscal da lei. Ora, o autor de uma ação, seja ele legitimado ordinário ou extraordinariamente, exerce ação do começo ao fim do processo; da mesma forma o réu, seja ele titular do direito discutido ou substituto processual, o fato é que há exercício de exceção do começo ao fim e isto ainda que ocorra a alienação da coisa do direito litigioso (art. 42, caput).
[…]
De igual modo, e em decorrência destes mesmos argumentos, parece-nos inconcebível que, em primeira instância, preste o órgão ministerial auxílio ao incapaz como seu assistente e, em segunda, negue-lhe tal auxílio, prestando-o à parte contrária através de parecer desfavorável ao hipossuficiente.

A propósito, a própria lei que disciplina a ação civil pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985) dispõe, em seu art. 5º, § 1º, que “O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei”. Ou seja, proposta a ação civil pública pelo Ministério Público, nela não oficiará outro órgão de execução como custos legis.

No particular, bem sintetiza a temática Hugo Nigro Mazzilli2):

Conclusão a extrair do parágrafo – agora acertada – é a de que só haverá órgão do Ministério Público interveniente, quando não seja autor o próprio Ministério Público. A mens legis do § 1º do art. 5º da LACP, ou do art. 92 do Código do Consumidor, portanto, é a seguinte: o Ministério Público oficiará sempre na ação civil pública, senão como autor, ao menos como órgão interveniente; mas, sendo autor, não será interveniente.

Isso porque ser parte não significa ser fiscal da lei ou vice-versa, como, acertadamente, frisou Cândido Dinamarco3):

O Órgão do Ministério Público, uma vez no processo, é titular dessas posições jurídicas processuais inerentes à relação jurídica que estabelece no processo, seja fiscal da lei ou não. O que caracteriza a figura do custos legis é (ao contrário do que sucede na caracterização do conceito de parte) uma circunstância completamente alheia ao direito processual: ele não é vinculado a nenhum dos interesses da causa.

Logo, sendo o Ministério Público parte no feito, será representado em segunda instância pelo Procurador de Justiça, o qual deve atuar de modo eficaz e célere para que sejam atingidas as aspirações e as necessidades que se buscam através da ação proposta. Deve-se pautar pelo critério da efetividade, que, em muitos casos, vem sendo desprestigiado através da emissão de pareceres, data venia, desnecessários.

O tradicional parecer emitido pelo Procurador de Justiça antes do julgamento, que nem sequer encontra previsão legal, tem, não raramente, conteúdo idêntico ao que fora dito pelos órgãos de execução de primeiro grau em suas razões ou contrarrazões recursais.

Reconhece-se, todavia, que, havendo algo a acrescentar em favor da manifestação ministerial de primeiro grau, incumbe ao Procurador de Justiça pronunciar-se formalmente através de memorial e/ou sustentação oral, dando sua contribuição à tese ofertada.

Como bem enfatizou o Dr. Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, digníssimo Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, urge

“revitalizar a Segunda Instância, dar-lhe função da qual derive uma contribuição prática e efetiva na realização da justiça […]”.4)

Reduzindo-se, quantitativamente, os pareceres repetitivos e desnecessários, os Procuradores de Justiça terão maior disponibilidade de tempo para se dedicar ao desempenho de outras funções também relevantes. Poderão, com suas experiências, contribuir para que o Ministério Público desempenhe, eficazmente, as atribuições que a Constituição lhe outorgou, v.g., organizando-se em grupos especializados para auxílio e orientação aos órgãos de execução de primeiro grau, notadamente na área dos interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis; funcionando, por delegação, nos feitos de competência originária dos tribunais; fazendo apuração das irregularidades noticiadas pelo Tribunal de Contas, fornecendo ao Promotor de Justiça todos os subsídios para o ajuizamento de ação civil, etc.

Vale dizer, o Procurador de Justiça deve ser mais atuante, e não mero parecerista. Cumpre-lhe acompanhar efetivamente o trâmite do feito no juízo ad quem e manifestar-se formalmente somente quando necessário. Após o julgamento, se entender cabível, deverá recorrer em prol da tese defendida pelo Promotor de Justiça, caso seja o Ministério Público vencido, contribuindo para a formação da jurisprudência.

É dessa forma que o Procurador de Justiça deve atuar.

A par disso, é importante ressaltar que a abertura de vista ao Procurador de Justiça é indispensável para a regularidade do processo, a fim de que tome conhecimento da controvérsia e, por conseguinte, esteja preparado para oficiar no feito como representante do Ministério Público em segunda instância.

Em suma, a emissão de parecer somente será obrigatória quando o Procurador de Justiça atuar como custos legis, pois, se estiver atuando como parte, será facultativa a manifestação formal sobre o objeto do recurso (TJMG - AC 203872-7. 5ª Câmara Cível).

Tal atuação permite ainda que, quando necessário, sejam feitas considerações sobre o objeto do recurso a fim de se suprirem eventuais deficiências processuais que possam inviabilizar o êxito da ação e de acesso aos Tribunais Superiores na hipótese de a tese ministerial de primeiro grau não ser acolhida pelo Tribunal Estadual. Além disso, esses novos argumentos apresentados pelo Procurador de Justiça certamente servirão de orientação para futuras atuações dos Promotores de Justiça em casos semelhantes.

A experiência mineira, a par do ineditismo, vem reforçar a atuação institucional conforme se pode constatar pelas estatísticas dos resultados obtidos no decorrer desses cinco anos de atividades.

O volume de atividades nessa Procuradoria de Justiça de Direitos Difusos e Coletivos demonstrou acentuado crescimento desde sua criação, no ano de 2001, tendo sido os trabalhos realizados em média por cinco Procuradores de Justiça, diante das licenças e afastamentos ocorridos no ano.

Em uma comparação estatística, o volume de recursos recebidos – agravos e apelações – aumentou de 324, no primeiro ano, para 917, no ano de 2007.5) O número de manifestações, escritas ou memoriais, também aumentou em 483,26% em seis anos de atuação. Foram interpostos 3.354 recursos até 30 de abril de 2008.

Os recursos aviados nas ações civis públicas relacionadas com a defesa do patrimônio público correspondem, em média, a 53,43% do total julgado pelos tribunais estaduais. Os demais seguem a seguinte ordem: consumidor – 14,60%, meio ambiente – 10,45% e Saúde – 2,64%. As demais áreas (ECA, patrimônio histórico e cultural, habitação e urbanismo, deficiente físico e idosos) e as matérias processuais correspondem aos 18,88% remanescentes.

O percentual de decisões favoráveis às pretensões ministeriais em segundo grau corresponde a 62,86%.

Nas áreas especializadas, destaque-se o meio ambiente e o patrimônio público, nas quais 67,79% e 59,77% dos julgamentos do TJMG e do TAMG, respectivamente, favoreceram o MP. Ressalte-se que as decisões desfavoráveis foram ainda objeto de interposição de recursos, sendo certo que a maioria ainda está pendente de julgamento nos tribunais superiores, que, de 2002 a 2007, julgaram 754 recursos/ações do Parquet mineiro. Desses, 484 foram decididos favoravelmente ao MP (64,19%) e 270 contrariamente (35,80%), incluindo-se nesses dados os recursos nos quais o MP figura como recorrente e como recorrido.

Concluímos, assim, que, nas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, a atuação do órgão de execução em segundo grau é como parte.


1)
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 598.
2)
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 189.
3)
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno.6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.327. v. 1.
4)
DAL POZZO, Antônio Araldo Ferraz. Posição do Ministério Público de Segunda Instância no Cível. Revista Justitia, vol. 112, pág. 121.
5)
Embora a estatística de rendimento seja realizada semestralmente, é possível verificar que, nos primeiros quatro meses de 2008, foram produzidas 411 peças recursais.