Tabela de conteúdos

3.2. Direitos difusos – Direitos de terceira geração – Questões ainda controvertidas em nossos tribunais


O tema direitos difusos, abordado no âmbito de um manual, que, por definição, tem a característica de conter noções essenciais acerca de uma matéria, pode, a princípio, revelar-se demasiado abrangente para cumprir a contento seu desiderato. Por outro lado, é de se convir, tem o mérito de desmistificar a atuação em seara tão pouco frequentada pelos operadores do Direito.

De fato, o objetivo não é outro senão estimular o Promotor de Justiça a, cada vez mais, atuar na defesa dos direitos difusos, os chamados direitos de terceira geração, especialmente nos dias atuais, quando a população clama por seus direitos, mas não encontra uma ressonância dos seus anseios nos Poderes constituídos nem a solidariedade dos que se autodenominam legítimos representantes do povo.

Hoje, o Promotor de Justiça é um verdadeiro advogado do cidadão, podendo, inclusive, postular em juízo interesses individuais, desde que indisponíveis, e, como tal, deve ter as mesmas preocupações que rondam o patrono das causas que versam sobre direitos disponíveis, por exemplo, um cuidadoso contraste das provas coligidas com a pretensão a ser expendida, a formulação de um pedido que seja consentâneo com a legislação pertinente, mas, principalmente, que seja compatível com o senso comum, de forma a coincidir com o espírito de fraternidade que norteia essa geração de direitos, cujo alvo primordial, no dizer de Karel Vasak, citado por Paulo Bonavides1), é o gênero humano.

Mesmo no que concerne à implementação dos direitos difusos, necessário que se anime e que se consolide a ideia do processo coletivo, com a aplicação dos princípios que lhe são inerentes. Assim, o Juiz, ao analisar a inicial, deve buscar facilitar o acesso à Justiça, superando vícios processuais, pois as ações coletivas têm natureza social. No mesmo diapasão, devem ser afastados obstáculos relativos à interpretação e à aplicação do direito processual coletivo comum, como a equivocada compreensão dos tribunais quanto aos direitos coletivos, especialmente quando negam legitimidade ao Ministério Público sob o argumento de que os direitos individuais homogêneos disponíveis não podem ser tutelados por ele. Por fim, é preciso combater a falta de estrutura organizacional do Poder Judiciário, o qual ainda não se especializou para o enfrentamento dos conflitos massificados, bem como não disponibilizou estrutura de apoio técnico e material necessário2).

A presente anotação pretende ainda, de forma singela, abordar algumas questões que os nossos tribunais pátrios insistem em manter controvertidas, não obstante a consolidação do entendimento no seio da Instituição Ministerial. Em outras passagens, foram sugeridos caminhos mais consentâneos com o princípio da eficácia do processo, como nos casos relativos às ações de execução dos títulos expedidos pelo Tribunal de Contas e de improbidade administrativa contra os policiais militares.

Por fim, foram compilados julgados que demonstram que a vocação do Ministério Público do terceiro milênio é esta, qual seja, a atuação cada vez mais incisiva na defesa dos direitos difusos, assim entendidos, repita-se, os direitos de terceira geração, que têm o condão de resgatar o cidadão da submissão ao poder econômico, restaurar o meio ambiente, moralizar o trato com a coisa pública e tantas outras providências que não podem deixar de ser tomadas.


Direitos difusos – Direitos de terceira geração


Feito esse esclarecimento preliminar, à guisa de introdução para estas anotações, passemos ao exame do tema Direitos difusos – Direitos de terceira geração, começando com a autorizada lição de Alexandre de Moraes3), que, discorrendo sobre o conceito de direito fundamental de terceira geração, assevera:

“[…] protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigiliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso”.

Na mesma toada foi o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal:

“Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração”. 4)

Aqui, citamos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a caracterizar um direito fundamental de terceira geração, em face da exemplificação mais emblemática do sentimento de solidariedade e fraternidade a que se referiu o revolucionário francês do Século XVIII.

De fato, segundo os ensinamentos de Paulo Bonavides5), foi o gênio político francês que exprimiu, em três princípios cardeais, todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. Em outro momento, esse mesmo jurista6) classificou os direitos fundamentais de acordo com seu reconhecimento pela Constituição Federal, da seguinte forma: direitos fundamentais de primeira geração (são os direitos individuais à liberdade e à vida); direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais, econômicos e culturais) e os direitos de terceira geração (direitos de fraternidade).

O Ministro Teori Albino Zavascki7), por seu turno, em discurso proferido por ocasião da formatura da turma de 1998 da Faculdade de Direito da UFRGS, resumiu a classificação dos direitos fundamentais nos exatos termos em que colocado o lema revolucionário francês, ou seja, direitos de primeira geração – a liberdade; direito de segunda geração – a igualdade; e direito de terceira geração – a fraternidade. E o eminente jurista complementa seu entendimento asseverando que o esgotamento do modelo, todavia, faz com que, mais uma vez, os homens e as mulheres do nosso tempo sejam chamados a dar um novo e importante passo à frente. Tem-se consciência, no moderno Constitucionalismo, de que, assim como o ideal de liberdade não pôde ser adequadamente cumprido sem a implementação efetiva e material dos direitos de igualdade – e daí o surgimento do Estado do Bem-estar Social –, também não se poderá implantar uma sociedade igualitária sem que se promova a efetivação do terceiro sonho dos revolucionários franceses: o sonho da fraternidade.

Mais adiante, citando os autores German J. Bidart Campos e Adolfo Gelsi Bidart, o douto Ministro, com o objetivo de conclamar seus alunos formandos a se dedicarem à causa dos direitos difusos, concluiu que, no limiar de um novo século, nascem os chamados direitos de terceira geração, inspirados nos valores da solidariedade. O que vemos, hoje, são sinais marcantes de que a humanidade está modelando Estados sem fronteira e fazendo surgir um novo cidadão, um cidadão universal, um cidadão de todas as pátrias. Ganha força e valorização a idéia de que o verdadeiro Estado de Direito – de liberdade e de igualdade entre as pessoas – somente poderá ser construído com reformas não apenas das leis ou das estruturas de poder. A reforma mais urgente, mais profunda, e certamente a mais difícil, mas que precisará ser feita, é a reforma do próprio ser humano, é a renovação dos espíritos, é a mudança que se opera pela via do coração. O Século XXI há de ser marcado, necessariamente, pelo signo da fraternidade. O Estado do futuro não deverá ser apenas um Estado Liberal, nem apenas um Estado do Social: precisará ser um Estado da solidariedade entre os homens.


O nexo entre as duas instâncias ministeriais


Antes de se enfatizar a necessidade premente da efetivação de uma perfeita sintonia entre as instâncias ministeriais, é de se destacar a observação sempre oportuna de J. E. Carreira Alvim – para quem o termo correto a se utilizar seria direitos ou interesses difusos –, ao asseverar:

“Nos termos do art. 81, I, do Código de Defesa do Consumidor, os interesses ou direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Traduzida em miúdos, a transindividualidade significa que se trata de um direito ou de um interesse que ultrapassa a individualidade, indo além de cada indivíduo singularmente considerado. A natureza indivisível significa que é um direito insétil, isto é, que não pode ser dividido. Esse direito têm titulares, que são, no entanto, indeterminados, ou seja, não podem ser individualizados, em concreto, senão na sua conformação como componente do grupo. Por fim, essas pessoas devem estar ligadas por circunstâncias de fato (situação de fato), como, v.g. residirem numa área que será inundada por uma hidrelétrica; habitar nas margens de um rio onde são lançados produtos poluentes; residir num morro onde o cartel do tráfico se instalou; se bem que essa ligação por situação de fato não seja algo fácil de ser absorvido pelos juristas. Posto nestes termos, ter-se-ia, no caso, um direito difuso ou um interesse difuso? Tanto o direito difuso quanto o interesse difuso têm as mesmas características do ponto de vista do ius positum – transindividual, natureza indivisível, titulares indeterminados e ligamento fático (não jurídico) pelo que não existe substancial diferença entre ambos8).

Kazuo Watanabe9), por seu turno, ao se manifestar a respeito do nomen juris utilizado no estudo das demandas coletivas – interesses ou direitos –, faz expressa menção ao art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, assim aduzindo:

Os termos interesse e direitos foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os interesses assumem o mesmo status de direitos, desaparece qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles.

Adauto de Almeida Tomaszewski10) – Professor da UMP-IESB, UEL e PUC/PR, todas em Londrina/PR – observa, entretanto, que o mesmo autor admitiu que os interesses afetos à coletividade restaram desprotegidos por muito tempo, exatamente pela dificuldade de se identificar seu titular. Todavia, com sua consolidação no ordenamento jurídico, foi possível chegar ao entendimento acerca do interesse legítimo, fruto de discussões francesas e italianas a partir da maneira como se dava a distribuição da Justiça. Por esse motivo, invocando as considerações iniciais, mais do que simples interesses e em um ponto intermédio com relação ao direito subjetivo, entendido como aquele juridicamente protegido, apresentam-se os interesses legítimos, dado que nestes existe uma intensidade quanto à proteção estatal, pois conduzem a um benefício que não pode ser ignorado.

Como a vigente Carta Política, no art. 5º, inciso XXXV, suprimiu o termo individual quando consagrou o direito de ação, os doutrinadores que defendiam a tutela de interesses metaindividuais ganharam campo fértil para suas considerações. Portanto, não será passível de censura quem utilize direito ou interesse para o trato de ações coletivas, mera opção terminológica.

A experiência angariada ao longo dos anos, a maioria dos quais lidando com os direitos do cidadão, permite afirmar que as Associações de Bairros, as Organizações Não Governamentais ou mesmo um Grupo de Moradores, quando procuram o Promotor de Justiça para que patrocine a sua causa, utilizam-se da mesma forma empregada por um particular quando busca os serviços de um advogado, ou seja, como se o bem a ser tutelado fosse pessoal e, portanto, reclamasse a mesma postura diante do Judiciário. O Promotor de Justiça, por seu turno, embora não abrace a causa como se ela se referisse a um direito subjetivo seu, por outro lado, especialmente por dizer respeito a questões sensíveis e, no mais das vezes, humanitárias, acabam avocando para si a responsabilidade pelo êxito da ação, não se satisfazendo, no entanto, com o esgotamento da sua atuação quando da interposição de um recurso, em casos de insucesso, ou do oferecimento das contrarrazões, nas hipóteses de um resultado satisfatório na primeira instância.

Nesse contexto é que já deparamos com petições recursais anotadas em linha em processos, pelo fato de terem sido apresentadas pelo próprio Promotor de Justiça, diretamente no Tribunal, quando só poderia fazê-lo o Procurador de Justiça, por se tratar de uma decisão proferida na segunda instância, como no caso de uma concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Certamente, essas precipitações, que, diga-se, não constituem regra, são fruto do estigma que muitas vezes povoa o imaginário do Promotor de Justiça, segundo o qual, na segunda instância do Ministério Público, o processo não tem a mesma atenção recebida no primeiro grau de jurisdição.

Em verdade, o desdobramento que o processo terá na segunda instância está diretamente vinculado aos cuidados tomados no juízo de primeiro grau, vale dizer: é extremamente salutar um intercâmbio entre o Promotor de Justiça e a Procuradoria, a fim de que haja uma troca de ideias sobre as diversas possibilidades de iniciativas, contrastando-as com outras, exitosas ou não. A Procuradoria de Defesa dos Direitos Difusos foi criada com esse objetivo precípuo, de estabelecer um canal de conversação entre a primeira e a segunda instâncias do Ministério Público, de modo a que não se verifique um hiato no processamento dos impulsos ministeriais, especialmente aqueles destinados à defesa dos direitos sociais. Além disso, podemos dizer que a Procuradoria de Direitos Difusos propicia a especialização dos Procuradores de Justiça que a integram, ainda que não haja uma especificidade na atuação do Procurador, ou seja, todos atuam nas várias vertentes das questões que envolvem os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos: meio ambiente, patrimônio público, criança e adolescente, consumidor, etc.

Não bastasse essa especialização que constitui um fator facilitador para integração do Procurador de Justiça com a causa discutida nos autos, registre-se ainda que também as sucessivas manifestações em processos sempre voltados para os assuntos relacionados aos direitos do cidadão resultaram na formação de um precioso banco de dados, apto a dar maior celeridade ao trabalho e, principalmente, um rumo seguro para a delimitação do caminho a ser percorrido, segundo o que predomina na jurisprudência mais atualizada dos nossos tribunais.


Questões que envolvem a defesa do patrimônio público


No início, conforme todos acompanharam, houve uma grande batalha para convencer o Judiciário de que o Ministério Público tem legitimidade para ingressar em juízo na defesa do patrimônio público e, assim, superar uma barreira que se sustentava na tese de que a Lei da Ação Civil Pública não fazia referência a esse bem na relação constante do seu art. 1º e demais incisos. Inúmeras foram as decisões que afastavam a legitimidade do Parquet para se imiscuir na defesa do patrimônio público.

Exemplo disso foi a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, segundo a qual a Ação Civil Pública não constituía meio adequado para se perseguir o ressarcimento de danos causados ao patrimônio público, por Prefeito Municipal, decisão essa que acabou reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, por intermédio do Resp. nº 180.712-MG. Antes disso, entretanto, o próprio STJ afastava a legitimidade do Ministério Público para ingressar em juízo na defesa do patrimônio público, como no caso lembrado pelo eminente Adilson Abreu Dallari11), em que, na ação civil pública proposta pelo Ministério Público visando à defesa de interesses patrimoniais do Município de Marília, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:12)

“Ação para ressarcimento de possíveis danos ao erário municipal não se insere nas condições previstas na referida lei, não tendo o Ministério Público legitimidade para promover ação civil pública para esse fim específico”.

Hoje, essa discussão não tem mais espaço no meio jurídico, ou seja, a legitimidade do Ministério Público para a defesa do patrimônio público constitui matéria devidamente consolidada não só no STJ, mas também no STF. O resgate dessa antiga polêmica, no entanto, tem o mérito de incutir em todos nós a convicção de que não há dogmas jurídicos que se sobreponham à nova ordem constitucional, que, na esteira da lição de Lenio Luiz Streck13) está alicerçada em um novo modo de compreender o direito.


Títulos executivos do Tribunal de Contas


A grande discussão que persiste é a que diz respeito à possibilidade ou não de o Ministério Público executar as certidões de débito emitidas pelo Tribunal de Contas. Como sabemos, a Corte de Contas do Estado de Minas Gerais, ao emitir a referida certidão extraída dos processos de análise das contas dos Municípios, procede à sua remessa ao Ministério Público, para as providências necessárias.14)

O Promotor de Justiça, ao receber tal documento, que tem força de título executivo15), promove a respectiva ação de execução. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem-se mantido intransigente em não admitir a legitimidade do Ministério Público para tal iniciativa, sob o argumento de que, assim agindo, o Parquet estaria substituindo indevidamente a Fazenda Pública Municipal, quando o ente beneficiado é o próprio município.

A tese defendida pela Procuradoria de Direitos Difusos para sustentar a legitimidade do Ministério Público para executar as certidões de débito emitidas pelo Tribunal de Contas foi a mesma utilizada para a hipótese relativa ao patrimônio público propriamente dito, ou seja, o legislador ordinário, ao acrescentar o inciso IV ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, estabeleceu que as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou coletivo serão regidas pelas disposições da Lei da Ação Civil Pública, conciliando, assim, a aludida norma legal com o art. 129, III, da Constituição Federal. Criou-se

“esta norma de encerramento, a fim de que, na eventualidade de surgirem outros direitos e interesses difusos, ainda não identificados, pela doutrina ou jurisprudência, pudessem eles ser tratados processualmente com os instrumentos da LACP”.16)

Com isso, extrai-se da tese acima transcrita o truísmo de que a ação civil pública consiste num gênero de natureza constitucional, admitindo qualquer espécie processual para atingir os fins delineados na Carta Política, a qual em nenhum momento obsta a possibilidade de o Parquet propor execução dos títulos previstos no art. 71, § 3º, aplicável ao Estado pelo art. 75, também da Constituição Federal. Sobre essa defesa do patrimônio público e social, a jurisprudência do STJ pacificou-se reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de qualquer tipo de ação17).

Especificamente sobre a possibilidade de o Ministério Público ingressar em juízo com ação de execução de certidão de débito expedida pelo Tribunal de Contas, chegamos a usar também a argumentação segundo a qual, consoante as disposições do inciso V do art. 23 da Lei Complementar nº 33, de 28 de junho de 1994 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais):

“[…] compete ao representante do Ministério Público promover a execução dos julgados do Tribunal, adotando as providências necessárias ao seu cumprimento”.

Nesse mesmo sentido, argumentamos que convergem as disposições do inciso VIII do art. 25 da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), ao estatuírem, in verbis, que, “além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas”.

Essa argumentação, entretanto, deixou de ter a consistência exigida para continuar a servir de sustentáculo à tese desta Procuradoria, quando sobreveio a alteração do art. 23 da LC nº 33/94, introduzida pela LC nº 93, de 2 de agosto de 2006, que, adotando o modelo federal, retirou a legitimidade do Ministério Público para executar os julgados do Tribunal de Contas. É que, conforme já mencionado anteriormente, na redação anterior, o inciso V do citado art. 23 estabelecia expressamente competir ao Ministério Público promover a execução dos julgados do Tribunal.

Essa atribuição foi retirada do Parquet estadual pelo novo texto, que assim dispõe:

“Art. 23 - Compete ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em sua missão de guarda da lei fiscal de sua execução, além de outras atribuições estabelecidas no Regimento Interno:
[…]
III - promover perante a Advocacia-Geral do Estado ou, conforme o caso, perante as procuradorias dos Municípios as medidas previstas no inciso II do § 6º do art. 75 e no art. 93 desta Lei, remetendo-lhes a documentação e as instruções necessárias.
[…]
IV - acionar o Ministério Público para a adoção das medidas legais no âmbito de sua competência”.

O citado inciso II do § 6º do art. 75 e o art. 93 da LC nº 33/94 também tiveram sua redação alterada para os termos seguintes:

“Art. 75 - A decisão do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terá eficácia de título executivo.
§ 1º - O Tribunal expedirá certidão do acórdão, individualizando os responsáveis e débito imputado, devidamente atualizado.
§ 2º - O responsável será notificado para, no prazo estabelecido por esta lei ou pelo Regimento Interno, efetuar e comprovar o recolhimento do valor devido.
§ 3º - Em qualquer fase do processo, o Tribunal poderá autorizar o recolhimento parcelado da importância devida, na forma estabelecida no Regimento Interno, incidindo sobre cada parcela o índice de atualização monetária dos débitos fiscais.
§ 4º - A falta de recolhimento de qualquer parcela importará o vencimento antecipado do saldo devedor.
§ 5º - Comprovado o recolhimento integral, o Tribunal expedirá quitação do débito ou da multa.
§ 6º - Expirado o prazo a que se refere o § 2º deste artigo sem manifestação do responsável, o Tribunal poderá:
I - determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente; ou
II - remeter ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas a certidão de débito, o acórdão e as notas taquigráficas para fins do disposto nos incisos III e IV do art. 23 desta Lei.18)

Art. 93 - O Tribunal poderá solicitar ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas a adoção das medidas necessárias ao arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito”. 19)

O Supremo Tribunal Federal já consolidara o mesmo entendimento, quando da decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 223.037/SE – SERGIPE, em 2/05/2002, por intermédio da qual se declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Constituição do Estado do Sergipe que permitia ao Tribunal de Contas Estadual executar suas próprias decisões. Naquele aresto a Suprema Corte ponderou:

“As decisões das Cortes de Contas que impõem condenação patrimonial aos responsáveis por irregularidades no uso de bens públicos têm eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3º). Não podem, contudo, ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal de Contas, seja diretamente ou por meio do Ministério Público que atua perante ele. Ausência de titularidade, legitimidade e interesse imediato e concreto. A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente”.

Essa decisão do STF que reconhecia a ilegitimidade do Ministério Público para executar os débitos apurados pelo Tribunal de Contas da União, quando usada pelos órgãos executados ou mesmo pelo Tribunal de Justiça mineiro para sustentar acórdãos que extinguiam os feitos por ilegitimidade, sempre foi contestada por nós, por fazer menção ao Parquet exclusivo da Corte de Contas, ou seja, aquele previsto no art. 130 da Constituição Federal.

Entretanto, não podemos fechar os olhos para a orientação constante do mesmo aresto, segundo a qual:

“A ação de cobrança somente pode ser proposta pelo ente público beneficiário da condenação imposta pelo Tribunal de Contas, por intermédio de seus procuradores que atuam junto ao órgão jurisdicional competente”.

Portanto, nesse diapasão, temos que uma providência razoável e, por que não dizer, mais célere, pois evitaria a procrastinação observada nas tramitações dos recursos especial e extraordinário, seria a remessa, ao órgão beneficiário, do documento proveniente do Tribunal de Contas, para que providenciasse a respectiva cobrança, sob pena das consequências pertinentes à manifesta renúncia de receita que se consubstanciaria20).


Ilegalidades cometidas por policiais militar e civil – Improbidade caracterizada – Perda do cargo – Competência


Ainda no que concerne ao patrimônio público, temos observado diversas ações de improbidade administrativa ajuizadas contra policiais civis e militares, por transgressão aos princípios da administração pública, em decorrência de abusos cometidos contra o cidadão, que consubstanciam ilícitos civis.


A ação de improbidade administrativa contra Policial Militar – Perda do cargo


Inicialmente, convém citar o § 4º do art. 125 da Constituição Federal, cuja redação foi alterada (didaticamente, transcreveremos a antiga e a nova redação):

“Art. 125
[…]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”. (Antiga redação)
“§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do Tribunal do Júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”. (Nova redação)

Ao comentar a nova redação desse dispositivo, Paulo Frederico Cunha Campos21) assevera:

“O § 4º, este sim trouxe significativa mudança, ao incluir a possibilidade de julgamento das ações judiciais contra atos disciplinares militares, dando agora à justiça militar uma competência de natureza civil, o que significa dizer que, todas as ações ordinárias e o mandado de segurança a serem impetrados por militares estaduais, que visem atacar a legalidade de um ato disciplinar (uma demissão de um militar do Estado por ato do Comandante Geral da PM, por exemplo), ao invés de serem ajuizadas perante a Vara da Fazenda Pública, deverão sê-las nas Auditorias Militares”. (grifo nosso).

No julgamento do Mandado de Segurança nº 1.0024.04.461983-1/001, em 6 de setembro de 2005, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já havia se manifestado nesse sentido, mesmo diante de uma sentença proferida antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. De registrar-se, por necessário, que, desde aquela oportunidade, o Ministério Público (primeira e segunda instâncias) já se posicionara ao lado da tese de que a competência para tanto seria do Tribunal Militar.

Posteriormente, nas vezes em que foi chamado a se pronunciar a respeito desse tema, especificamente sobre ações de improbidade administrativa imputada a policiais militares e civis, o Tribunal de Justiça mineiro ora extingue o processo de ofício22), aduzindo que a limitação da Lei de Improbidade Administrativa está na prática de qualquer ato ilegítimo praticado diretamente, não por simples reflexo social, contra os Poderes estatais e entidades paralelas, ora anula todo o processado e se dá por incompetente, quando se trata de Policial Militar, sob a seguinte justificativa:

”[…] falece competência a este Tribunal para julgamento da presente demanda, pois a Emenda Constitucional nº 45/2004, com a nova redação dada ao art. 125, § 4º e § 5º, da Constituição da República, atribuiu ao Tribunal de Justiça Militar a competência para a apreciação e julgamento de matéria relativa à perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças“23).

Quanto à questão envolvendo a perda do cargo de Policial Militar, tendo-se em vista o fato de que, realmente, diz respeito a uma imposição constitucional – vale dizer: com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 e consequente modificação do art. 125, § 4º e § 5º, da Carta Magna –, entendemos que a competência para tal providência deslocou-se mesmo para o Tribunal de Justiça Militar, ainda que a condenação não decorra de crime de sua natureza.

É que, antes da referida Emenda Constitucional, o Supremo Tribunal Federal havia firmado o entendimento de que a competência da Justiça Militar, prevista no § 4º do art. 125 da Constituição Federal, era somente para decidir a respeito da perda de graduação das praças, quando esta constituísse pena acessória de crime de sua respectiva competência24). Agora, entretanto, com a Emenda Constitucional nº 45/04 e diante dessa constatação, o ideal é que, nos casos de improbidade administrativa em que se vislumbre plausível a perda do cargo de Policial Militar, o processo seja desde logo encaminhado ao Tribunal de Justiça respectivo, a fim de se evitarem alongadas discussões que não contribuirão para a solução adequada da controvérsia.

Com a superveniência da Emenda Constitucional nº 45/2004, nota-se que, além da competência para processar e julgar os militares estaduais nos crimes militares definidos em lei, a Justiça Militar detém competência também para processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares, sendo de se frisar, por oportuno, que a demissão ou a expulsão do militar dizem respeito à sanção administrativa, distintas, portanto, da perda da graduação, que é medida judicial privativa do tribunal competente, podendo ser aplicada até mesmo ao inativo.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo também nos dá conta dessa distinção entre a demissão ou a expulsão e a perda da graduação:

“EMENTA - O pedido de exoneração oficializado do interessado, ou mesmo sua expulsão pela Polícia Militar, não obstam o exercício da competência atribuída ao Tribunal de Justiça Militar, através do art. 125, § 4º da Constituição Federal. Policial Militar revela perfil incompatível com postulados de hierarquia e disciplina que alicerçam a Corporação, não reunindo as condições mínimas para ostentar a graduação que lhe fora outorgada” 25).
“EMENTA - Derrogado o art. 102 do Código Penal Militar, a pena de exclusão da Corporação não é mais aplicada de forma acessória, tendo a Constituição Federal atribuído competência exclusiva ao Tribunal de Justiça Militar para sua imposição, que prevalece, inclusive, sobre eventual decisão em Ação Ordinária Declaratória de Nulidade do Ato Administrativo Disciplinar. Graduação é o grau hierárquico da Praça. Assim, desde a Praça ao Sub-Oficial, todos são detentores de graduação, e podem perdê-la, quer por decisão desta Corte, quer por ato disciplinar administrativo do Comando Geral. Súmula 673 do STF. Sede inadequada para rediscussão da pena imposta no processo crime, posto que transitada em julgado a decisão” 26).

Tal constatação, no entanto, não retira do Ministério Público a atribuição de investigar fatos relacionados a condutas de policiais militares que supostamente possam caracterizar a improbidade administrativa, conforme admitiu o próprio Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais:

“A Justiça Militar Estadual é competente para julgar ação de improbidade administrativa, sendo que o E. Tribunal de Justiça Militar possui competência originária, tendo em vista o disposto no art. 125, § 4°, da Constituição Federal. A responsabilização judicial por ato de improbidade administrativa possui natureza cível. A Lei Estadual nº 14.310/02, que instituiu o Código de Ética e Disciplina dos Militares e contém previsão para as infrações disciplinares e as respectivas sanções, não regulamenta a previsão do § 4º do art. 37 da Constituição da República. Tal regulamentação é feita pela Lei Federal nº 8.429/92.- No caso de ato de improbidade praticada por servidor militar, o art. 14, § 3°, da Lei nº 8.429/92 determina que a apuração preliminar seja feita de acordo com o respectivo regulamento. A expressa previsão para utilizar-se o regulamento disciplinar presta-se unicamente a indicar que a autoridade administrativa militar tem o dever de proceder a apuração do ilícito. Mas, se a investigação preliminar for conduzida por meio de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público não há qualquer nulidade. É a própria Constituição da República que atribui ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), e, para tanto, confere-lhe o poder/dever de instaurar o inquérito civil público. Desta forma, a previsão da Lei n° 8.429/92 não poderia restringir as atribuições constitucionais do Ministério Público, mas apenas complementá-las”.

Gylliard Matos Fantecelle, discorrendo sobre a matéria, adverte que não fora recepcionada a pena de perda do cargo público prevista na Lei nº 4.898/65,27) bem como que seria inconstitucional a mesma previsão constante da Lei nº 9.455/97,28) ambas, frise-se, quando aplicadas no âmbito da Justiça Comum ao agente público militar estadual. Do contrário, estaremos admitindo que leis infraconstitucionais violem competência funcional e absoluta regulada pela Magna Carta29).

Sobre a distinção entre a perda do cargo em decorrência da prática de crime de tortura e a mesma sanção decorrente da condenação por improbidade administrativa, o eminente Juiz do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, Fernando Galvão, assim ensina:

“Note-se que não é adequado estabelecer comparação entre a ação civil de improbidade administrativa e a ação penal relativa ao crime de tortura. No caso da tortura, a perda da função pública é um efeito da condenação e não uma pena. A justiça comum julga a acusação de prática de tortura e aplica a pena correspondente (privativa de liberdade). O efeito da condenação (perda da função pública), no entanto, somente ocorrerá após decisão do Tribunal de Justiça Militar. No caso da condenação por crime de tortura, o julgamento para a perda do posto e da patente previsto no art. 142, § 3º, inciso VII, da Constituição Federal, aplicável aos militares estaduais por expressa disposição dos arts. 142 e 125, também da carta Magna, pressupõe anterior condenação na Justiça Comum. Não há, neste caso, fracionamento da decisão judicial. A Justiça Comum é competente para aplicar a pena privativa de liberdade e a Justiça Militar é competente para aplicar o efeito da condenação. Na ação de improbidade administrativa, a perda da função pública é a conseqüência direta da condenação”. 30)

O Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais também enfrentou essa matéria, dando-lhe uma solução consonante com a lógica processual, uma vez que, de fato, se a Justiça Comum não é competente para impor a perda do cargo ao Policial Militar e sendo essa sanção uma decorrência da condenação por improbidade, pressupõe-se desarrazoado o entendimento segundo o qual uma fração do julgamento se daria na Justiça Comum e outra, a imposição da pena de perda do cargo, na Justiça Militar31)).

Aspecto interessante de ser abordado, a título de curiosidade, diz respeito ao fato de que, no âmbito da Justiça Militar, foi mantido o foro por prerrogativa de função, uma vez que ali a competência para processar a ação de improbidade administrativa é originária do Tribunal de Justiça, de modo que, na hipótese de o Promotor de Justiça concluir uma investigação que resulte no ajuizamento da referida ação, ele deverá remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça para as providências junto ao órgão competente.


Ação de improbidade administrativa contra Policial Civil


Quanto à negativa do Tribunal de Justiça mineiro em reconhecer a possibilidade de o agente público cometer improbidade administrativa na prática de qualquer ato ilegítimo que não tenha sido contra os Poderes estatais e entidades paralelas, insistimos em afirmar que, ainda assim, há a possibilidade da caracterização da conduta ímproba. Para tanto, temos nos socorrido dos ensinamentos de especialistas como Emerson Garcia32), que leciona:

“Violado o preceito proibitivo previsto na norma, ter-se-á a lesão ao bem jurídico tutelado e, por via reflexa, ao direito de outrem. Em casos tais, o titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita recebe a denominação de sujeito passivo material”.

Mais adiante acrescenta:

“Tratando-se de norma de natureza cogente, cuja aplicação não possa ser afastada pela vontade dos interessados, qualquer que seja o bem atingido, o Estado sempre estará presente como sujeito passivo formal, já que a norma violada fora por ele estatuída”.

Também é do escólio sempre autorizado do administrativista Wallace Paiva Martins Júnior33) a assertiva de que a violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a administração pública porque é a completa e subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do complexo administrativo. A inobservância dos princípios acarreta responsabilidade, pois o art. 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, censura “condutas que não implicam necessariamente locupletamento de caráter financeiro ou material”.

De fato, o art. 11,caput, da Lei nº 8.429/92 é peremptório, ao preconizar:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (grifo nosso)

Portanto, perfeitamente plausível a imputação de improbidade administrativa a servidor público (Policial Civil), ainda que o ato não tenha sido praticado diretamente contra os Poderes estatais e entidades paralelas, uma vez que o manifesto abuso, a toda evidência, caracteriza a conduta ímproba na modalidade de transgressão do princípio constitucional da legalidade, que, por seu turno, traduz-se na violação do dever de honestidade e lealdade para com as instituições.

Embora possa parecer que tal constatação tenha um cunho de obviedade, o fato é que, como dito anteriormente, o Tribunal de Justiça mineiro tem rejeitado ações de improbidade administrativa manejadas com o propósito de punir agentes policiais que cometem ilegalidades contra o cidadão, em cuja inicial não se cuidou de enfatizar esse aspecto específico, sendo de todo oportuna a lembrança de que, em casos como tais, tenha-se a preocupação de instaurar o debate já na exordial, de modo que, na segunda instância, a matéria não seja arguida de ofício, como tem ocorrido.


Conclusão


Quanto à possibilidade de o Ministério Público executar as certidões de débito expedidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, não nos descuramos da hipótese da viabilidade dessa providência, especialmente considerando o argumento que autoriza as incursões ministeriais no âmbito da defesa do patrimônio público, ou seja, em última análise, toda vez que o Parquet executa um título oriundo da referida Corte de Contas, ele está se imiscuindo na seara do direito difuso, o que lhe é assegurado tanto pela Lei nº 7.347/85 (LACP) como pela Constituição Federal – art. 129, inciso III.

Entretanto, há que se ponderar a respeito da eficácia do processo, bem assim da resposta efetiva que a coletividade espera das iniciativas ministeriais, vale dizer: vamos insistir nas ações de execução, as quais não encontram ressonância no Judiciário, seja na primeira, segunda, ou mesmo nas instâncias excepcionais, ou vamos encaminhar os títulos aos órgãos beneficiários para as respectivas execuções, sob pena, aí sim, da legítima iniciativa do Ministério Público, no que concerne à omissão que caracteriza a improbidade por renúncia de receita?

O mesmo se diz sobre o ajuizamento de ações de improbidade administrativa que buscam a perda da função pública de policiais militares, no momento em que vige a nova redação do art. 125, § 4º e § 5º, da CF/88, imposta pela Emenda Constitucional nº 45/04, que atribuiu ao Tribunal de Justiça Militar a competência para determinar a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças da Polícia Militar. Ora, se cabe ao referido Tribunal Militar a palavra final sobre a perda da função, que, diga-se, não se confunde com a demissão ou a expulsão, então que a ação seja ali instaurada desde o início, evitando-se, dessa forma, a sua anulação, ao final, repetindo-se todos os atos, apenas porque a Justiça Comum não tem competência para aplicar a pena.

Já no aspecto relativo à possibilidade da caracterização da improbidade administrativa por ato de Policial Civil, quando pratica conduta abusiva contra o cidadão, entendemos que, ao contrário do que têm decidido algumas Câmaras do Egrégio Sodalício mineiro, há sim viabilidade da respectiva ação, nos termos dos argumentos expendidos, ou seja, mesmo quando o ilícito civil não tiver sido cometido concretamente contra os Poderes estatais e entidades paralelas, ainda assim, é de se convir, resta caracterizada a ofensa aos deveres de honestidade e lealdade às instituições e, principalmente, à legalidade.

Essas anotações despretensiosas, como a sua leitura revela, não trazem no seu conteúdo um ensinamento propriamente dito, como sugere um manual, mas, antes, expõem algumas constatações extraídas do dia a dia da Procuradoria de Direitos Difusos, as quais, cotejadas com as soluções mais positivas às iniciativas do Ministério Público, autorizam as recomendações feitas, repita-se, sem nenhum caráter vinculativo, apenas no intuito de se buscar uma maneira ordenada de atuação.


1)
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 569.
2)
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo. ANOTAÇÕES – AULA TEMÁTICA – PROF. GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA – 17/02/2005 - DIEX - IELF EXTENSIVO – DIREITO PROCESSUAL COLETIVO.
3)
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 56-57.
4)
RTJ 155/206.
5)
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 562.
6)
BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
7)
ZAVASCKI, Teori Albino. Direitos Fundamentais de terceira geração. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. n. 15. 1998. p. 227-232.
8)
ALVIM, J. E. Carreira. Ação civil pública e direito difuso à segurança pública. ano 7, n. 65, Teresina: Jus Navigandi, maio 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4079>.Parte inferior do formulário
9)
WATANABE, Kazuo. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al.Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1998. p. 623.
10)
TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos. Londrina: Mundo Jurídico. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=608.>
11)
DALLARI, Adilson Abreu. Limitações à atuação do Ministério Público na ação civil pública. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.).Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 32.
12)
RSTJ 65/352.
13)
STRECK, Lenio Luiz. Ao contrário do ministro, devemos nos importar (muito) com o que a doutrina diz. ano 3, n. 92, 19 set. João Pessoa: Revista Juristas, 2006.
14)
Para os fins do disposto no art. 227, § 3º e § 7º, do RITCMG.
15)
Constituição Federal – Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: […] § 3º. As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
16)
NERY JÚNIOR, Nelson.Código brasileiro de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 619-620.
17)
REsp 132.107-MG.
18)
Inciso com redação dada pelo art. 11 da Lei Complementar nº 93, de 2/8/2006.
19)
Artigo com redação dada pelo art. 13 da Lei Complementar nº 93, de 02/08/2006.
20)
Nos termos do art. 70 da CF/88 e da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC nº 101/2000.
21)
CAMPOS, Paulo Frederico Cunha. A Justiça Militar e a Emenda Constitucional nº 45. , ano 9, nº 710, 15 jun. Teresina: Jus Navigandi, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6811>.
22)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0702.03.090724-1/001. Relator: Des. Ernane Fidélis. Belo Horizonte, 19 de setembro de 2006. Minas Gerais, Belo Horizonte, 21 nov. 2006.
23)
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0105.03.100918-3/001. Relator: Desembargadora Maria Elza. Belo Horizonte. Data do Julgamento: 22 de novembro de 2007. Minas Gerais, Belo Horizonte, 4 dez. 2007. Veja-se também a Apelação Cível nº 1.0702.05.218259-1/001.
24)
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nº 286.636-7. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, DF, 7 nov. 2000. DJ: 23 fev. 2001.
25)
PERDA DE GRADUAÇÃO DE PRAÇA – nº 000618/03 Processo nº 027131/00 4ª AUDITORIA, grifo nosso
26)
PERDA DE GRADUAÇÃO DE PRAÇA – nº 000666/03 Processo nº 026957/00 4ª AUDITORIA, grifo nosso
27)
Regula o direito de representação e o processo de responsabilidade civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.
28)
A Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997, definiu os crimes de tortura e deu outras providências.
29)
FANTECELLE, Gylliard Matos.Aplicabilidade da pena de perda do cargo público na Justiça comum ao policial militar: inconstitucionalidade. ano 9, n. 606, 6 mar. Teresina: Jus Navigandi, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6362>.
30)
Ag. Inst. 008. Rel. Juiz Cel. PM Sócrates Edgard dos Anjos. Julg. 18/04/2007.
31)
A previsão constitucional de competência para decretar a perda do posto e da patente, bem como da graduação das praças, é o critério absoluto que define a Justiça Militar Estadual como competente para julgar a ação civil de improbidade administrativa. Como se pode facilmente constatar do exame do art. 12 da lei de regência, a pena de perda da função pública é a consequência direta da condenação por ato de improbidade. Não seria possível conceber que a Justiça Comum fosse competente para decidir sobre a condenação e, em seguida, remetesse os autos à Justiça Militar para a aplicação da pena. Tal solução implicaria em fracionamento do julgamento, o que fere toda a lógica do sistema processual. Se a Justiça Militar é competente para aplicar a pena, também o é para processar e julgar a ação que tem como pedido direto a aplicação da pena de perda da função pública.- A decisão concessiva de tutela antecipada foi proferida por juiz absolutamente incompetente, devendo o recurso ser provido para anular a decisão hostilizada. - Reconhecida a competência originária deste E. Tribunal, é necessário avocar-se os autos da ação principal para que esta tenha curso no órgão jurisdicional competente.- Recurso provido para anular a decisão hostilizada e determinar a avocação dos autos ao Tribunal. (Processo nº 1.0702.05.218259-0/002. 5ª Câmara Cível. Rel. Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos, publicado em 1º de junho de 2007
32)
GARCIA, Emerson. Improbidade administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 211-212.
33)
MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva.Probidade administrativa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.