3.4. Anotações sobre recurso especial e recurso extraordinário em ação civil pública


Em segunda instância, uma das funções fundamentais na proposta de trabalho que norteia a atuação dos integrantes da Procuradoria de Direitos Difusos e Coletivos é a efetiva atuação como parte, e não como parecerista, custos legis. Em consequência desse compromisso com o resultado da ação proposta pelo Promotor de Justiça, a insurreição contra a sucumbência é fator de destaque.

Os mecanismos processuais colocados à disposição, visando à obtenção de reforma ou cassação do acórdão desfavorável, não abrangem espectro muito amplo, restringindo-se basicamente aos recursos extraordinário e especial, bem como aos agravos contra a inadmissão deles.

Como sabido, a admissão dos recursos para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal é extremamente restritiva e plena de requisitos, muitos dos quais inatingíveis, o que faz com que o cuidado para o preenchimento de todas as exigências comece já da peça de ajuizamento da ação civil pública.

Questões como o prequestionamento, fuga da matéria unicamente fático/probatória, obtenção do correto dissídio jurisprudencial muitas das vezes refogem da atuação exclusiva em segunda instância, dada a preclusão de algumas etapas. O mecanismo repetitivo da interposição de embargos declaratórios tão-somente para obtenção de uma pega para a admissão é cada vez mais rejeitado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e conta com o apoio do STF e STJ quando do julgamento dos agravos interpostos contra a admissão dos recursos especiais e extraordinários1). A matéria sujeita ao Recurso Extraordinário encontra-se regida em sede constitucional, art. 102, III:

“III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45/04)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45/04)”

Como se vê, a EC nº 45/2004 trouxe algumas modificações significativas, inclusive no que se refere ao espectro de matérias sujeitas ao RE. Exemplo disso são a alínea d, que trata de lei local, e a nova medida restritiva, incluída no § 3º, que agora pede seja demonstrada a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso concreto. Busca-se, com isso, evitar que questões casuísticas e restritas ao recorrente e recorrido sejam objeto de análise pela mais alta Corte do País. A sistemática dessa análise encontra-se descrita no Código de Processo Civil, art. 543-A.

Como destaque, cumpre lembrar que a ampliação trazida pela alínea d do inciso III do art. 102 da CF/88 não resolveu questão recorrente em nosso trabalho, que é o questionamento, via controle incidental de constitucionalidade e/ou confronto com norma federal, de normas locais tributárias ou previdenciárias, cuja vedação legal advém do § 1º inserido no art. 1º da Lei nº 7.347/85 e que impede, como exemplo clássico, a discussão, por meio de ACP, das inúmeras taxas de iluminação pública criadas pelas Prefeituras como meio de angariar recursos de maneira sabidamente inconstitucional.

A questão da repercussão geral vem sendo contornada ou mesmo solvida pelo entendimento de que o desempenho das atividades do Ministério Público na defesa da sociedade é por si só relevante, uma vez que nesse mister há presunção da relevância, ou seja, nas ações coletivas para defesa de interesses metaindividuais, a repercussão geral se opera iure et de iure, pois tal defesa é inerente a toda a coletividade e os legitimados o são pelo próprio texto constitucional.

Porém, é de bom alvitre que, quando da interposição das ações, essa relevância já seja destacada, sendo também recomendável que a abrangência das ações extrapole os limites da comarca, quando possível, com a propositura de ações pelos Centros de Apoio da Capital, como por exemplo, na área do consumidor.

As súmulas aplicáveis ao recurso extraordinário e que servem de limitador preferencial para a sua admissão são basicamente as mesmas que se aplicam aos recursos especiais, daí por que muitas vezes são citadas com numeração divergente.

Podem ser destacadas as principais, retiradas da sinopse feita por Teotônio Negrão em seu Código de Processo Civil:

“Súmula nº 279 do STF ou 7 do STJ (Questão de fato): 'Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário'”.
“Súmula nº 281 do STF e Súmula nº 207 do STJ (Decisão recorrível): 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada'”.

Cumpre destacar que o recurso extraordinário interposto com desobediência à Súmula 281 deve ser reiterado, quando a decisão se tornar final, para que possa ser conhecido, providência que se mostra necessária nos casos em que, após a parte recorrer, o Ministério Público, que tem vista posterior, em vez de simplesmente ofertar contra-razões, oferecer embargos de declaração, que integrarão o acórdão, obrigando a ratificação do recurso.

“Súmulas nº 282 e nº 356 do STF (Prequestionamento): 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada'”.

O objetivo deste trabalho não é ensinar ou mesmo explicar o que venha a ser prequestionamento, objeto de longas dissertações doutrinárias e inúmeros posicionamentos jurisprudenciais. Porém, não custa lembrar que o mais eficiente prequestionamento é o comparativo, ou seja, aquele que aborda a norma discutida em confronto com a norma desejada – espelho. Normalmente, por serem as normas constitucionais principiológicas (moralidade, legalidade, ampla defesa, etc), esse questionamento fica subentendido, ao invés de ser explicitado e fundamentado já na petição inicial. Assim, por exemplo, a contratação irregular de servidores pode ferir o art. 37 da Constituição Federal em tese, e para que ela seja efetivada no caso concreto, como prequestionamento, deve ser explicado porque aquela contratação específica feriu o texto constitucional especificamente.

“Súmula nº 284 do STF (Fundamentação deficiente): 'É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia'”.
“Súmula nº 292 do STF (Admissão parcial): 'Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, n. III, da Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros'”.
“Súmula nº 355 do STF (Acórdão parcialmente embargável): 'Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fora por eles abrangida'”.

Quanto ao Recurso Especial, sua previsão também tem sede constitucional, art. 105, III:

“III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/04).
c) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”.

Como se vê, também aqui, a EC nº 45/2004 inseriu a questão da lei local, como havia feito na alínea d, referente a recurso extraordinário.

Como destaque, deve ser lembrado que o Código de Processo Civil, em seu art. 541, parágrafo único, prevê que:

“[…] quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. (Redação dada pela Lei nº 11.341/2006)”

Ou seja, foi assimilado o novo instrumento de pesquisa de jurisprudência, que é a internet.

Também como novidade – se assim se pode chamar – a retenção em primeira instância, prevista no art. 542, § 3º:

“O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17/12/1998)”

Esse cuidado, ou, melhor dizendo, a falta dele, é responsável por grande parte da inadmissão de recursos opostos em agravos e que poderiam ser pertinentes (cerceamento de defesa, por exemplo) os quais, entretanto, perdem sua valia por não serem conhecidos quando da inadmissão do recurso contra a decisão final.


Suspensão de segurança: sentenças e liminares


Outro foco de atuação dos integrantes da Procuradoria de Direitos Difusos e Coletivos é a obtenção de suspensão de liminares ou de efeitos de sentenças ou acórdãos que colidam com o interesse manifestado nas ações civis públicas.

Tal providência, prevista na Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, vem se mostrando extremamente necessária, como nas questões dos bingos e afins.

O § 6º do art. 4º da Lei nº 8.437/92 permite a interposição do agravo de instrumento simultaneamente ao pedido de suspensão dos efeitos da liminar, sendo certo ainda que esse último instrumento constitui medida excepcional e de aplicação restrita. Caberá ao Presidente do Tribunal obstar os efeitos da decisão judicial quando, comprovadamente, caracteriza risco de lesão aos institutos jurídicos dispostos na legislação supra, uma vez que se cuida de conteúdo eminentemente político, cujo procedimento é utilizado, como exceção, pelo Judiciário (Agravo Regimental na Petição nº 2000.02.01.059446-9/ES. Plenário do TRF da 2ª Região. Rel. Juiz Alberto Nogueira. j. 09/11/2000, DJU 04/01/2001).

O art. 4º da lei citada prevê a possibilidade de suspensão da execução da decisão em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Portanto, a explicitação desde a inicial do que seria a presumível lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas caso não atendido o pedido formulado pelo Ministério Público é um excelente mecanismo para a obtenção dessa providência judicial em segunda instância.


1)
A pretexto de prequestionar determinado tema, não pode o recorrente embargar de declaração o acórdão, suscitando questão nova, não agitada até o momento; neste caso, a omissão não é do acórdão, mas da parte (RTJ 107/412). No mesmo sentido, entre outros: RTJ 107/827, 109/371, 109/415, 113/789, 115/866, 122/393, 152/243, 152/648 . Assim: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao afirmar que o tema constitucional suscitado originariamente em embargos de declaração não enseja o seu prequestionamento” (STF-2ª Turma, AI 220.472-9-PE-AgRg, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 26/10/98, negaram provimento, v.u., DJU 16/04/99, p. 11).